DIREITO À SAÚDE E JUIZADO ESPECIAL DE FAZENDA PÚBLICA

Valentino Aparecido de Andrade
Juiz de Direito/SP e Mestre em Direito

 

Depois que o STJ, no recurso especial de número 1657156/2018, estabeleceu determinados parâmetros para que se possa obter, em processo judicial, provimento que obrigue o Estado a fornecer medicamentos, sendo certo que dentre esses parâmetros destaca-se aquele que impõe a obrigação de se comprovar, por laudo médico fundamentado e circunstanciado, que o medicamento prescrito não apenas é indicado ao tratamento médico, mas indispensável, não havendo, pois, alternativa terapêutica, depois desse julgamento, é necessário considerar que o sistema processual instituído pela lei federal 12.153/2009, o sistema que rege as ações do juizado especial de fazenda pública, revelar-se-á inadequado em muitas ações, dado que a produção de prova pericial complexa é necessária.

 

Assim, o juiz, ponderando os interesses em conflito, e devendo observar os parâmetros técnicos fixados pelo STJ, pois que são perfeitamente ajustados à matéria, ponderando, pois, os interesses em conflito, e sem a possibilidade de avançar no exame da questão fática (a adequação do medicamento e que o seja indispensável ao tratamento médico), não poderá senão que considerar prevalecente a posição do Estado, devendo ressalvar que a matéria poderá ser rediscutida pelas vias ordinárias, em que possa haver a produção da prova pericial.

Reproduzimos sentença proferida acerca do tema. Note o leitor a ressalva que se cuidou fixar, em atenção ao direito a um processo justo, quanto ao que deve formar a coisa julgada material, para não obstar que a autora busque obter, em adequado sistema processual, em que possa ser produzida a indispensável prova pericial.

Vistos.

 

Quando se instala um conflito concreto entre um direito subjetivo fundamental e a posição jurídica estatal, a solução desse tipo de conflito passa necessariamente pela aplicação do princípio constitucional da proporcionalidade, e mais especificamente pela aplicação do juízo de ponderação, o que significa dizer que não se contrastam ou cotejam os direitos subjetivos envolvidos no conflito, senão que se ponderam os interesses em conflito, buscando, ou a sua harmonização, ou a decisão acerca de que posição jurídica prevalecerá, conforme o determinarem as circunstâncias do caso em concreto.

 

É essa técnica, pois, que aqui se aplica, porque está instalado um conflito concreto entre o direito subjetivo de matriz fundamental (direito à saúde, previsto no artigo 196 na Constituição da República de 1988), de que é titular a autora e a posição jurídica defendida pela FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO – e a solução desse tipo de conflito exige, conforme dito, a ponderação entre os interesses em conflito.

Registre-se que a tutela provisória de urgência foi negada, não se havendo notícia de recurso interposto.

 

Nesse contexto, FUNDAMENTO e DECIDO.

 

Configura-se, pois, a presença do direito fundamental invocado pela autora, que é o direito a obter de parte do Estado o tratamento de saúde necessário, e também a posição jurídica validamente defendida pela ré, FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Não havendo, pois, a possibilidade de se harmonizarem as posições jurídicas em conflito, cabe decidir qual delas prevalecerá, para o que o exame das circunstâncias extraídas a realidade material subjacente determinará o material sobre o qual se aplicará o juízo de ponderação.

 

Destaque-se o que a ré argumentou em sua contestação, quando obtemperou com a necessidade de se definir, com precisão e cautela, o estado de saúde da autora, identificando-se a partir desse importante dado se há ou não a indicação dos medicamentos. Essa posição está agora reforçada pelo que veio a decidir recentemente o egrégio Superior Tribunal de Justiça, quando fixa determinados parâmetros técnicos que devem ser observados nas ações em que se busca obter o fornecimento pelo Estado de medicamentos que não integram o rol fixado pelo Ministério da Saúde, como se dá como um dos medicamentos que a autora quer aqui obter.

 

Daí a necessidade de se apurar, com segurança, qual a situação clínica da autora, que medicamentos já foram utilizados em seu tratamento médico, para que,  com base em exames que se fizerem necessário, seja possível definir se o medicamento prescrito, e que não está integrado em protocolo clínico, deve ou não ser fornecido pelo Estado, questão fática controvertida para o desimplicar da qual a produção de prova pericial é indispensável.

 

Uma prova pericial que, por seu específico e complexo objeto, não pode ser produzida por meio de um simples exame técnico, sendo esta a única modalidade de perícia que pode ser produzida neste sistema processual, se nos ativermos, como devemos, aos princípios da simplicidade e da celeridade.

 

Quanto ao que argumenta a autora no sentido de que deva prevalecer a posição técnica de seu médico, embora se reconheça se dever atribuir um peso especial ao prescrito pelo médico que acompanha o tratamento do autor, isso não significa se devam desconsiderar aspectos de interesse que o Poder Público justificadamente  invoca, como neste caso, em que enfatiza a necessidade de o autor ser submetido a uma avaliação clínica, sem a qual não se pode determinar que o medicamento seja pertinente e eficaz. Tratando-se de remédio que será adquirido com dinheiro público, tal cautela é plenamente justificada.

 

Um dos medicamentos, importante ressaltar, a autora o tem a disposição segundo informou a ré, de modo que a tutela jurisdicional nesse caso é desnecessária.

 

Destarte, ponderando os interesses em conflito, decido deva prevalecer a posição jurídica da ré, justificada em razão das circunstâncias do caso presente. Mas cuido ressalvar, tendo em vista o tipo de cognição que se realiza nesta ação, e que a coisa julgada material, se produzida, obstaria a que a autora discutisse acerca de seu alegado direito em sistema processual adequado, em que a perícia possa ser realizada, ressalvo, pois, que não se está a negar exista o direito subjetivo da autora, senão que, ponderando os interesses em conflito, e não podendo avançar sobre a questão fática controvertida, dada a necessidade de perícia, que, malgrado a improcedência do pedido (imposta por uma questão técnica), isso não obsta que a autora, pelas vias ordinárias, ou seja, por adequado sistema processual, possa rediscutir a matéria.

 

POSTO  ISSO, ponderando-se os interesses em conflito, decido deva prevalecer a posição jurídica da ré, FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, e por isso JULGO IMPROCEDENTE o pedido, declarando  a extinção deste processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do novo Código de Processo Civil.

 

Quanto a encargos de sucumbência, prevalece a regra do artigo 55 da Lei federal de número 9.099, de modo que, em não se tendo caracterizado a prática pela autora de ato de litigância de má-fé, não se lhe pode impor o pagamento de qualquer encargo dessa natureza, sequer honorários de advogado.

 

Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.

 

São Paulo, em 16 de outubro de 2020.