COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015.

Legal law

COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015.
Valentino Aparecido de Andrade
Juiz de Direito/SP e Mestre em Direito

PARTE GERAL.
LIVRO I. DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS (ARTIGOS 1º. a 15).

“Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.

Comentário: trata-se de uma norma daquelas que a doutrina denomina de “normas de super-direito”, no sentido de que são normas que se referem ao conteúdo e forma de outras normas. Não havia no CPC/1973 norma semelhante. A importância desse dispositivo radica no fixar que as normas de nosso sistema processual civil (e não apenas as normas do CPC/2015) devem ser interpretadas e também aplicadas “conforme os valores e as normas fundamentais” da Constituição de 1988, o que significa dizer que os operadores do direito, sobretudo o juiz, devem sempre levar em consideração o que forma o princípio constitucional do devido processo legal “formal” e “substancial”. A proteção ao contraditório e à ampla defesa no processo civil recebem agora, em nosso sistema processual civil, especial proteção (confira-se, por exemplo, os artigos 9o. e 10 do CPC/2015), como deve o juiz também operar com o juízo de ponderação (cf. artigo 489, par. 2o., CPC/2015). Aos sistemas processuais específicos, caso do Juizado Especial de Fazenda Pública, regulado pela Lei federal de número 12.153/2009, também se deve aplicar a norma em questão.

“Art. 2o. O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”.

Comentário: em razão de o nosso Código de Processo Civil adotar o princípio dispositivo, daí decorre que estabeleça, quanto à formação do processo civil, como condição indispensável, a iniciativa do autor. No CPC/1973, esse mesmo princípio dispositivo estava previsto no art. 262, com uma redação muito próxima da do CPC/2015. Acrescentou-se agora que a Lei poderá prever exceções, de modo que, nalgumas situações (como, por exemplo, no inventário), o juiz poderá determinar, de ofício, a instauração desse tipo de processo. O Ministério Público, naquelas hipóteses previstas em Lei, como, por exemplo, na curadoria de bens de ausente (Código Civil, art. 22), possui a legitimidade para ajuizar a ação. Especial atenção deve ser dada à determinação do legislador no sentido de que, quanto ao desenvolvimento do processo, o juiz deve cuidar para que o processo receba, em tempo razoável, sentença, conforme se lhe impõem os deveres previstos no art. 139 do CPC/2015.

“Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.
§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”.
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

Comentário: norma que, em essência, limita-se a reproduzir, com pequena modificação de estilo, o que a CF/1988, em seu art. 5o., inciso XXXV, fixa como princípio nuclear de nossos sistemas processuais (civil, penal, trabalhista, etc…). O objetivo de reproduzir, dentre as normas do CPC/2015 o que a Constituição estabelece como princípio, é de impor ao juiz a obrigatoriedade de sempre pensar o acesso à tutela jurisdicional como um direito fundamental, algo de que, por ror vezes, olvida-se. A novidade está em o CPC/2015 prever o uso da arbitragem, embora sem haver aí qualquer efeito prático, porque o instituto já fora regulado pela Lei federal 9.307/1996, e que desde então convive ao lado do processo civil como meio de solução de litígios, inclusive daqueles de que fazem parte o Estado, o que, aliás, justifica a ênfase dada nos parágrafos 2o. e 3o. a que se busque, sempre que possível, obter a solução consensual dos conflitos, entendendo-se por “Estado” tanto o Poder Judiciário como órgão julgador, quanto o Poder Executivo, quando parte integrante de uma demanda.

“Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.

Comentário: objetivando garantir a todos os litigantes o direito a um processo “justo”, o CPC/2015, repetindo o que prevê a norma constitucional do artigo 5o., inciso LXXVIII, determina que a tutela jurisdicional deva ser entregue em “prazo razoável”, embora sem estabelecer o que se deve entender como tal. De toda a forma, o que o Legislador não quer é que se tenha precipitação a ponto de enfraquecer as garantias processuais formais, como o direito ao contraditório e a ampla de defesa. Vale recordar o que dizia SARAMAGO, que perfeitamente se ajusta ao objetivo do legislador: “Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo”. Daí impor o CPC/2015 ao juiz, por seu artigo 139, que faça velar pela duração razoável do processo, mas sem deixar de assegurar às partes igualdade de tratamento. Recomendável seria que o CPC/2015, em lugar de, simplesmente, repetir a norma constitucional, tivesse, para algumas específicas situações processuais, fixado prazo, como no caso de tutelas provisórias de urgência (cautelar, antecipada, preventiva), estabelecendo um prazo máximo de eficácia.

“Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”.

Comentário: A boa-fé, como princípio ou dever jurídico, revela-se presente no CPC/2015 em três artigos: 5o., 322, par. 2o., e 489, par. 3o.. No CPC/1973, havia apenas uma referência: art. 14, II. Poder-se-ia supor, a partir do número de referências, que a boa-fé teria no CPC/2015 aumentado sua importância, o que, contudo, não sucede. A supressão ao dever de lealdade processual do rol dos deveres jurídicos impostos às partes e a todos àqueles que participam no processo, como se vê do artigo 77, enfraqueceu o sistema de proteção a um processo ético, que era a grande marca do CPC de 1973. Fala-se apenas em “boa-fé”, e não mais em lealdade processual, o que demonstra a intenção do Legislador de não mais considerar relevante a proteção a um processo ético. Protege-se apenas a boa-fé, o que é menos abrangente do que se proteger apenas a boa-fé, e não mais a lealdade no processo, como ocorria durante a vigência do artigo 14, II, do CPC/1973. De resto, o artigo 5o. não apresenta importância prática, dado que o artigo 77, ao enumerar os deveres legais que são impostos às partes e a todos aqueles que participam do processo, abarca a boa-fé (mas não abrange a lealdade).

“Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.

Comentário: trata-se de uma norma de valor muito mais simbólico que prático, dado que a falta de cooperação somente pode ser sancionada se ocorrer qualquer daquelas hipóteses previstas no artigo 77 do CPC/2015, ou naquelas específicas hipóteses que esse mesmo Código regula, caso, por exemplo, dos artigos 772 e 774. Por óbvio, envolvendo o processo interesses em conflito, a cooperação entre as partes é de ser sempre analisada nesse ambiente que lhe é natural. E nomeadamente a boa-fé deve ser avaliada nesse contexto. A norma em questão reproduz, em grande medida, o que dizia CALAMANDREI:
“Quem se ponha a observar o modo pelo qual se desenvolve um processo judicial, civil ou penal, vê, com efeito, que ele consiste em uma série de atividades realizadas por homens, que colaboram para a consecução do objeto comum que consiste em um pronunciamento de uma sentença ou em por em prática uma medida executiva, de modo que as várias atividades que devem ser realizadas pelas diversas pessoas que tomam parte no processo, distribuem-se no tempo e no espaço seguindo um certa ordem lógica, quase com em um drama teatral as intervenções dos atores sucedem-se não por causalidade, senão seguindo o fio da ação, de modo que a fase sucessiva está justificada pela precedente, e, por sua vez, dá ocasião a que vem depois. (…). Em realidade, para o espectador estranho que assiste em audiência a um debate público, o processo se assemelha muito a um drama com suas personagens e seus episódios, cujo epílogo está representada pelo pronunciamento da providência jurisdicional”. (tradução nossa, Instituciones de Derecho Procesal Civil, p. 242/243).

“Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório”.

Comentário: tanto quanto a regra do artigo 139, I, do mesmo Código, trata-se de um desenvolvimento, no campo do Direito Processual Civil, do princípio constitucional da igualdade, impondo ao juiz que, nas relações jurídico-processuais, cuide observar e assegurar às partes uma “paridade de tratamento”, tanto em relação a direitos e faculdades processuais, quanto a meios de defesa, ônus, deveres e sanções processuais. Essa “paridade de tratamento” obsta, por exemplo, que o juiz profira uma decisão sem antes conceder a outra parte o direito de ser ouvida, ou que profira uma decisão com base em um fundamento (fático ou jurídico) a respeito do qual não se tenha a oportunidade de uma manifestação (“decisão-surpresa”), situações específicas que estão tratadas nos artigos 9o. e 10 do CPC/2015. Uma outra situação específica está regulada pelo artigo 933 do CPC/2015. Aprimorando nesse aspecto o CPC/1973, buscou o CPC/2015 garantir, tanto quanto possível, a igualdade das partes em diversas situações que ocorrem no processo, como, por exemplo, nos embargos declaratórios, os quais agora devem ser processados com a intimação da parte contrária para a resposta a esse recurso (art. 1023, par. 2o.). Não há dúvida de que o direito a um processo justo, tal como está garantido pelo princípio constitucional do devido processo legal, exige um contraditório equilibrado.

“Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”.
Comentário: esta é mais uma das regras do CPC/2015 em que apenas se expressa o que outras normas, algumas de matriz constitucional, fixam como princípio, caso, por exemplo, da proteção à dignidade humana (CF/1988, art. 1o., III). Assim também sucedendo com a proporcionalidade, que em nosso sistema jurídico constitui um princípio, tanto quanto a razoabilidade, a publicidade e a eficiência. Quanto a obrigar o juiz a atender aos fins sociais e às exigências do bem comum, lembrará o leitor que o artigo 5o. da Lei de Introdução às Normas de Direito Pública assim o determina. De modo que nada de novo o artigo 8o. traz ao nosso sistema jurídico-processual, nem utilidade prática terá, além do que já se podia extrair do conteúdo e do alcance daquelas normas mencionadas. Nota-se que o objetivo do Legislador do CPC/2015, nesse tipo de norma, foi de caráter simbólico, como a dizer e a lembrar ao juiz que aqueles princípios constitucionais e normas de “super-direito” devem ser observadas e aplicadas no processo civil.

“Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:
I – à tutela provisória de urgência;
II – às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III;
III – à decisão prevista no art. 701”.
Comentário: cunhou a doutrina a denominação de “proibição de uma decisão-surpresa”, para se referir ao conteúdo da norma em questão, que não tinha no texto do CPC/1973 uma norma equivalente. Trata-se do desenvolvimento do princípio constitucional do devido processo legal “formal”, que busca garantir, na medida do possível e do razoável, o direito a um processo justo, o que significa garantir aos litigantes uma igualdade de tratamento e de oportunidades no processo civil, pelo que o juiz deve zelar (art. 139, I). Para que se possa implementar e garantir no processo civil um contraditório real e efetivo, não pode a parte ser tomada de surpresa por uma decisão que lhe cause algum prejuízo, sem antes poder levar ao juiz a análise das razões e motivos que alicerçam a sua posição jurídica no processo. É natural que, nalgumas situações, o contraditório deva ser diferido, quando houver concreto risco de ineficácia da tutela jurisdicional. Nesses casos, que devem ser excepcionais, o juiz profere a decisão, concedendo à parte contrária o direito de, posteriormente à decisão, apresentar suas razões, para uma análise quanto a subsistir a decisão. Daí o motivo de a norma em questão estabelecer expressamente os casos em que o contraditório será diferido: quando se examina a concessão de tutela provisória de urgência, ou de tutela de evidência (salvo quando pleiteada com base na alegação de abuso de direito de defesa), e ainda no caso do mandado de pagamento na ação monitória (art. 701). Do que se pode concluir que, salvo nessas restritas hipóteses, o juiz não pode proferir uma decisão sem antes observar e garantir um efetivo contraditório.

“Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.
Comentário: Com a mesma finalidade da norma anterior, o Legislador veda a que a parte seja surpreendida por uma decisão sem que lhe tenha sido dado o direito de previamente posicionar-se a respeito do tema nela envolvido. Por um “processo justo”, deve-se entender um processo que seja transparente, no sentido de que as decisões que nele venham a ser proferidas contem com a participação efetiva das partes, cuja igualdade de tratamento deve ser rigorosamente observada. Importante a ressalva de que ainda que se cuide de uma matéria acerca da qual o juiz possa decidir de ofício, mesmo nesse caso deve ser reconhecido à parte o direito a uma manifestação prévia. Assim, por exemplo, documentos que venham a ser apresentados, por exemplo com os memoriais, obrigam o juiz a assegurar à parte contrária o direito de manifestação, antes que a sentença seja proferida, sob pena de sua nulidade, se a norma em questão não tiver sido observada. A rigor, diante da garantia constitucional ao devido processo legal “formal”, e da norma processual que assegura a igualdade de tratamento às partes, não haveria necessidade de uma norma como a do artigo 10. Mas pareceu conveniente ao Legislador enunciá-la, como a lembrar ao juiz de que deve zelar por um “processo justo”.

“Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.
“Parágrafo único. Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada a presença somente das partes, de seus advogados, de defensores públicos ou do Ministério Público”.
Comentário: aqui mais uma norma de todo desnecessária, pois que se limita a reproduzir o que a Constituição de 1988, por seu artigo 93, inciso IX, estabelece: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”.
O dispositivo em questão limita-se, pois, a desdobrar, em dois períodos (“caput” e parágrafo único), por mero aspecto estilístico, o que a norma constitucional já estabelece como princípio a ser aplicado em todos os tipos de processos judiciais.

“Art. 12. Os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão.
§ 1º A lista de processos aptos a julgamento deverá estar permanentemente à disposição para consulta pública em cartório e na rede mundial de computadores.
§ 2º Estão excluídos da regra do caput:
I – as sentenças proferidas em audiência, homologatórias de acordo ou de improcedência liminar do pedido;
II – o julgamento de processos em bloco para aplicação de tese jurídica firmada em julgamento de casos repetitivos;
III – o julgamento de recursos repetitivos ou de incidente de resolução de demandas repetitivas;
IV – as decisões proferidas com base nos arts. 485 e 932;
V – o julgamento de embargos de declaração;
VI – o julgamento de agravo interno;
VII – as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça;
VIII – os processos criminais, nos órgãos jurisdicionais que tenham competência penal;
IX – a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada.
§ 3º Após elaboração de lista própria, respeitar-se-á a ordem cronológica das conclusões entre as preferências legais.
§ 4º Após a inclusão do processo na lista de que trata o § 1º, o requerimento formulado pela parte não altera a ordem cronológica para a decisão, exceto quando implicar a reabertura da instrução ou a conversão do julgamento em diligência.
§ 5º Decidido o requerimento previsto no § 4º, o processo retornará à mesma posição em que anteriormente se encontrava na lista.
§ 6º Ocupará o primeiro lugar na lista prevista no § 1º ou, conforme o caso, no § 3º, o processo que:
I – tiver sua sentença ou acórdão anulado, salvo quando houver necessidade de realização de diligência ou de complementação da instrução;
II – se enquadrar na hipótese do art. 1.040, inciso II”.
Comentário: andou bem o legislador ao fazer acrescentar, por meio da Lei 12.256/2016, o advérbio “preferencialmente” ao texto do “caput” do artigo 12, de modo que ao entrar em vigor o CPC/2015 o texto do artigo 12 já contemplava essa espécie de ressalva, cuja finalidade é a de não impor uma organização de trabalho única aos juízes, deixando-os com a liberdade necessária para que estabeleçam e adotem os critérios de organização que lhes pareçam mais adequados, conforme as peculiaridades de cada unidade judiciária. Obviamente que há processos em que a nota de urgência está presente, a impor ao juiz observe uma relação de preferência. Como também há uma relação de prioridade entre os processos urgentes, do que o juiz não pode olvidar. O extenso rol de hipóteses do parágrafo 2o. acaba por ensejar que o juiz, por seu critério, defina a ordem de preferência dos processos que deva julgar. De resto, o Conselho Nacional de Justiça, as ouvidorias e corregedorias dos tribunais podem fazer – e fazem – um controle adequado quanto à identificação de alguma específica situação de atraso injustificado. A publicidade da informação quanto a processos judiciais que aguardam julgamento, imposta pelo CPC/2015, constitui uma medida que, de fato, pode propiciar um efetivo controle da celeridade, permitindo um controle social acerca do trabalho dos juízes.

“Art. 13. A jurisdição civil será regida pelas normas processuais brasileiras, ressalvadas as disposições específicas previstas em tratados, convenções ou acordos internacionais de que o Brasil seja parte”.
Comentário: por ser a jurisdição expressão de poder, nenhum país abre mão de sua soberania, o que determina, por consequência, que, em se tratando de norma processual, a dizer, da norma que regula a jurisdição, a lei aplicável será a do país perante o qual o processo foi instaurado e se desenvolve. De modo que o processo civil, quando instaurado no Brasil, reger-se-á pelas normas gerais do Código de Processo Civil de 2015, e conforme o caso, por outras normas que compõem o nosso ordenamento jurídico em vigor (no caso, por exemplo, da Lei federal de número 12.153/2009, lei que regula o sistema do juizado especial de fazenda pública). Poderá suceder que, em um determinado processo, aplique-se lei material estrangeira (caso, por exemplo, de sucessão ou de regime de bens), mas as normas processuais a serem aplicadas serão aquelas que compõem a legislação processual brasileira. A norma em questão, contudo, ressalva que, em havendo disposição específica que tenha sido prevista em tratado, convenção ou acordo internacional de que o Brasil faça parte, então, em um caso específico, a norma processual prevista nessas regulações prevalecerá, afastando a norma prevista na legislação brasileira. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, por seu artigo 12, já havia afirmado a competência da justiça brasileira em processos nos quais o réu tenha domicílio no Brasil, ou quando a obrigação tiver aqui que ser cumprida. A norma do artigo 13 do CPC/2015 vem reafirmar a prevalência das normas processuais brasileiras, quando se trata de processo civil aqui instaurado.

“Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”.
Comentário: o jurista alemão, ERNEST ZITELMAN (1852-1923) foi o primeiro a denominar de “normas de superdireito” as normas que dispõem sobre outras normas, e não sobre fatos. Essa denominação tornou-se clássica e até hoje é adotada. O artigo 14 do CPC/2015 é um exemplo de uma norma de superdireito, porque regula acerca da aplicabilidade no tempo das normas processuais civis.
Em geral, as normas legais projetam seus efeitos para o futuro, e por isso não retroagem, nem podem retroagir para alcançar situações ocorridas antes de sua entrada em vigor. É o que estabelece a Constituição de 1988, em seu artigo 5o., inciso XXXVI: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Esse é o princípio geral (o da irretroatividade), que também se deve observar quanto às normas processuais civis.
Há, contudo, uma particular característica das normas processuais civis que durante algum tempo ensejou a que uma pequena parte da doutrina afirmasse que as normas de natureza processual seriam de aplicação retroativa, porque alcançariam os processos instaurados antes de sua entrada em vigor. Hoje, esse equívoco constitui apenas um registro na longa história do processo civil, porque se passou a compreender que a lei processual civil é de aplicação para o futuro, tanto quanto sucede com qualquer outra norma legal, e que o aplicar-se a um processo já existente não configura uma aplicação retroativa.
Quanto à aplicação de uma nova norma a um processo civil já existente, não se trata de uma aplicação retroativa, porque embora o processo civil constitua, em essência, uma relação jurídico-processual (que envolve o juiz, o autor e o réu, e quando houver, os demais intervenientes, como, por exemplo, o litisconsorte, o denunciado à lide, etc…), essa mesma relação jurídico-processual é integrada por um conjunto de atos que vão se sucedendo no tempo e no espaço, atos que devem ser isolados e separados para o fim de se considerar a lei aplicável no tempo, o que significa dizer que a lei a aplicar-se será aquela vigente ao tempo em que o ato processual esteja a ocorrer dentro de um processo já existente.
Surgem, é certo, algumas situações específicas, que por serem específicas reclamam um tratamento particular. É o que ocorre, por exemplo, com o recurso, pois poderá suceder que uma nova lei suprima um recurso que existia ao tempo em que o ato processual (o ato contra o qual se podia recorrer), de modo que, se aplicada a nova lei, a parte não teria mais direito ao recurso (já não mais existente segundo a lei em vigor ao tempo em que o recurso poderia ser interposto). São questões de direito intertemporal que, em geral, surgem quanto a recursos, provas e prazos, e para as quais o legislador quase sempre opta por deixar à doutrina a elaboração de critérios que orientarão o juiz, tantas são as questões que podem surgir.
Quando estava em vigor o CPC/1973, o conhecido processualista GALENO LACERDA analisou, com percuciência, uma série de situações que dizem respeito a questões de direito intertemporal que podem surgir no processo civil, sistematizando alguns critérios que depois foram adotados por nossos juízes e tribunais, e que certamente continuarão a ser observados e adotados em face do CPC/2015.
“Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”.
Comentário: como reconhecimento ao grau de cientificidade e de rigor sistemático que a Ciência do Direito Processual Civil alcançou entre nós (refletido sobretudo no Código de Processo Civil de 1973 e da acentuada influência dos ensinamentos do jurista italiano, ENRICO TULLIO LIEBMAN, que esteve no Brasil entre 1939/1946), o legislador estatui que as normas do Código de Processo Civil de 2015 passam ao status de “normas gerais” do processo, e como tal devem ser aplicadas aos processos eleitoral, trabalhista e administrativo. A norma em questão apenas consolida o que de fato ocorria em nossa jurisprudência, que abonava a aplicação subsidiária do CPC àqueles ramos do processo, de modo que agora, diante de norma legal expressa, essa aplicação não pode mais ser objeto de questionamento, ou recusada.
Mas há que se sublinhar que o intérprete deve sempre perscrutar se há mesmo uma omissão legislativa que legitime a aplicação subsidiária das normas gerais do CPC, e principalmente se há compatibilidade entre o sistema processual específico e o geral fixado pelo CPC/2015, porque deve haver sempre um acentuado grau de cautela quando se está a transportar normas que compõem um sistema processual a outro, por ser necessário considerar as peculiaridades que formam cada sistema.
Vale recordar que, como defendia parte considerável da doutrina, há uma visão metodológica do processo que compreende o que se pode denominar de uma “teoria geral do processo”, como natural consequência de o processo fundar-se em quatro institutos que são os pilares de qualquer processo: jurisdição, ação, processo e defesa, e que há, portanto, aspectos em comum, o que justifica que se tenha uma aplicação subsidiária ou supletiva entre as normas de regulação. A escolha do processo civil como sendo o conjunto das normas gerais decorre, como dito, do grau de cientificidade alcançado por esse ramo do processo, o que não exclui que também ao processo civil se possam aplicar normas e instrumentos dos outros ramos do processo, como sucedeu com a penhora por meio eletrônico, surgida na justiça do trabalho.
LIVRO II – DA FUNÇÃO JURISDICIONAL.
“Art. 16. A jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o território nacional, conforme as disposições deste Código”.
Comentário: aperfeiçoando o texto do artigo 1o. do CPC/1973 (“A jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes, em todo o território nacional, conforme as disposições que este Código estabelece”), dele eliminando uma distinção desnecessária nesse contexto entre a jurisdição contenciosa e voluntária, o CPC/2015 expressa o princípio da “unidade de jurisdição”, o que significa dizer que, conforme a nossa Constituição de 1988 (artigo 5o., inciso XXXV), a jurisdição é um poder estatal e exercido, em essência, pelos integrantes da carreira da magistratura (juízes, desembargadores e ministros dos tribunais superiores), a enfatizar que esse poder – o jurisdicional – não é exercido por outros órgãos que não aqueles que integram os juízos e tribunais. De modo que embora contem tradicionalmente com a denominação de “tribunais”, outros órgãos que não integram a estrutura do Poder Judiciário, caso, por exemplo, dos tribunais de contas, tributos de impostos ou conselhos de regulação, não exercem jurisdição, e a atividade que desenvolvem é uma atividade administrativa, e como tal sujeita ao controle jurisdicional.
Mas é necessário observar que a norma não exclui que a Lei (no caso, a Constituição de 1988) possa dotar de uma atividade semelhante à da jurisdição determinados órgãos, como ocorre com o Senado Federal para o julgamento de crime de responsabilidade atribuído ao presidente da república, ou para que faça instituir a arbitragem, como sucedeu com a Lei federal de número 9.307/1996, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal. São atividades semelhantes à jurisdicional, as quais se beneficiam de seu maior predicado, que é o de impor uma decisão definitiva (passada em julgado) a um determinada situação, expressamente prevista em Lei.
Importante não confundir “jurisdição” com “competência”, pois como enfatiza LIEBMAN a competência é a “quantidade de jurisdição agregada ao exercício de qualquer órgão”, a qual torna claro que é inadequado dizer, como era da tradição de nossa doutrina anterior ao mestre italiano, que a competência seria “uma medida da jurisdição”. Conforme foi dito acima, o princípio adotado em nosso ordenamento jurídico em vigor é o da unidade da jurisdição, de modo que, como poder a jurisdição é una e não contém limites. Há, sim, limites, mas se trata aí daqueles limites que incidem sobre a atividade que cada juiz e cada tribunal exerce concretamente em processos judiciais, segundo os critérios legais de competência, nomeadamente aqueles fixados pelo mesmo CPC/2015.

“Art. 17. Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade”. Comentário: adotando, tanto quanto o fizera o CPC de 1973, a teoria da ação de LIEBMAN, exposta em sua famosa aula proferida em 1949 na Universidade de Turim, sob o título “L’azione nella teoria del processo civile”, no sentido de que a ação é um direito subjetivo de natureza abstrata, cuja existência no campo do processo está submetida a condições (às condições da ação, pois), o artigo 17 cuidou apenas de modificar o verbo, empregando, em vez de “propor” ou “contestar”, como constava no artigo 3o. do CPC/1973, do verbo “postular”, mais azado para abranger todas as hipóteses nas quais se deve aferir se o autor, réu ou qualquer interveniente (o litisconsorte, por exemplo) possui a legitimidade para agir, ou seja, se atende à condição exigida para que possa obter um pronunciamento jurisdicional sobre o mérito de sua pretensão, ou de sua defesa, e ainda se lhe pode ser reconhecido o interesse de agir, o que significa que o juiz deverá perscrutar se a forma pela qual ocorre a postulação (a ação, pelo autor; a defesa, pelo réu, ou a forma pela qual o interveniente está agir), se essa forma é adequada ao fim a que se pretende, e ainda se, nas circunstâncias concretas em que a lide encontra-se no processo, a postulação é, de fato, necessária e útil à proteção da posição jurídica invocada. Ausente a legitimidade, ou não caracterizado o interesse de agir, o juiz declarará a carência de ação, decidindo nesse caso que não há o direito subjetivo da ação naquele específico processo, sem obstar que, em uma nova ação, postule-se novamente, já que a sentença que reconhece a carência de ação, por se tratar de uma sentença terminativa, não produz coisa julgada material.
Um dado histórico importante: note-se que a norma em questão, tal como a do artigo 3o. do CPC/1973, não se refere à possibilidade jurídica do pedido como condição da ação, acolhendo, também aí, a posição de LIEBMAN, que a partir da 3a. edição de sua “Manual de Direito Processual Civil” havia, em 1973, abjurado, por entender que a possibilidade jurídica do pedido está abarcada no exame do interesse de agir.

“Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.
Parágrafo único. Havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial”.
Comentário: com pequena modificação de estilo, o artigo 18 repete a norma do artigo 6o. do CPC/1973, regulando a legitimação ordinária e extraordinária, para enfatizar que, em nossos sistemas processuais, deve haver, como regra geral, a coincidência de titularidade, ativa e passiva, entre a relação jurídico-material objeto do litígio e a condição de parte, sem o que o juiz deve reconhecer a carência de ação por ilegitimidade de parte. A norma ressalva que, nalguns casos, desde que previstos expressamente em lei, poder-se-á reconhecer a legitimação, sem que haja aquela correspondência com a titularidade extraída da relação jurídico-material objeto do litígio, configurando-se aí o que a nossa doutrina denomina de “legitimação extraordinária”. Justifica-se que a Lei permita que um direito alheio seja invocado em juízo por quem não é seu titular em atenção a circunstâncias estranhas ao processo, como destaca PONTES DE MIRANDA em seus “Comentários ao Código de Processo Civil”, tomo I, p. 200. Isso sucede, por exemplo, quando a Lei reconhece a legitimação extraordinária ao autor de uma ação popular, que vai a juízo para defender um direito que não é seu, mas de uma coletividade abstrata. Aliás, para a defesa em juízo de interesses coletivos e difusos confere a Lei legitimidade extraordinária ao MINISTÉRIO PÚBLICO e a associações e sindicatos, havendo também aí uma relação de pertinência entre a titularidade do direito subjetivo invocado, extraída essa titularidade da relação jurídico-material invocada na ação coletiva. Não houvesse essa relação de pertinência, a legitimidade não se caracterizaria. Como a legitimidade é extraída essencialmente (mas não unicamente) da relação jurídico-material, há sempre de se aferir se ela existe, mesmo quando se trata da legitimidade extraordinária. A causa de pedir, com efeito, é formada a partir do direito subjetivo (material) que se invoca; assim, se o direito subjetivo invocado é um direito coletivo ou difuso, a relação de pertinência é aferida segundo a Lei autorizar ou não que esse direito seja invocado em juízo por quem promove a ação coletiva. Como a substituição processual é uma espécie de legitimação extraordinária, integrou-se ao “caput” do artigo 18 regra específica desse instituto, prevendo-se que, em havendo substituição processual, o substituído pode intervir como assistente litisconsorcial. Destaque-se que a norma refere-se à “substituição das partes”, instituto que não se confunde com o da “sucessão das partes”, este tratado autonomamente nos artigos 108/112. Na sucessão das partes, não há legitimação extraordinária, mas ordinária, dado que o sucessor invoca direito de sua titularidade, quando assume o lugar do litigante originário.

“Art. 19. O interesse do autor pode limitar-se à declaração:
I – da existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica;
II – da autenticidade ou da falsidade de documento”
Comentário: trata-se da norma que estatui o direito a obter-se um provimento puramente declaratório, quando o autor quer que se declare que uma determinada relação jurídica existe ou não existe, ou quando há uma dúvida objetiva quanto ao modo de ser dessa mesma relação jurídica. O objetivo da ação de provimento meramente declaratório é a obtenção da certeza jurídica, e, portanto, não havendo incerteza jurídica, a carência de ação, por ausência do interesse de agir, deve ser reconhecida. Como ensina CHIOVENDA: “Objeto da sentença de declaração não pode ser um simples fato, ainda que juridicamente seja importante. Não se pode declarar que foi celebrado um contrato, senão que existe um contrato válido;não que Tício terá cometido um delito, senão que ele é responsável pelos danos; não que uma mercadoria seja defeituosa, senão que se tem direito a devolvê-la. (…)”. (“Instituciones de Derecho Procesal Civil, volume II, p. 239, tradução nossa).
Quanto às condições da ação para que se possa obter o provimento meramente declaratório, não há, a rigor, nenhuma particularidade que distingue esse tipo de ação das ações nas quais se quer obter um provimento condenatório ou constitutivo. A legitimidade para agir é extraída, pois, da relação jurídica cuja existência ou inexistência busca-se declarar, de modo que o autor deve integrar essa mesma relação jurídica, no sentido de que sua esfera jurídica está a ser afetada ou pode vir a ser afetada pela relação jurídica ou por algum de seus efeitos. O mesmo se pode dizer quanto à legitimação passiva. A análise do que está a produzir a incerteza jurídica é que constituirá o principal critério para aferir da legitimidade ativa e passiva. E também quanto ao interesse de agir, porque o existir a incerteza jurídica sobre uma relação jurídica específica é que caracterizará a a necessidade de se pleitear a tutela jurisdicional.
Ainda quanto ao interesse de agir, durante algum tempo questionou-se quanto a poder o autor ajuizar a ação de provimento meramente declaratório, quando já poderia buscar a condenação do réu em relação ao mesmo objeto. Mas essa questão hoje constitui apenas uma informação de natureza histórica, porque a doutrina e a jurisprudência consolidaram o entendimento de que o interesse de agir quanto à ação de provimento declaratório pode ser ajuizada, ainda que já exista a compasso a violação ao direito. Vários códigos passaram a conter regra expressa quanto a essa situação, e o nosso CPC/2015 assim também o fez, como se verá ao comentarmos o artigo 20.
Quanto ao objeto da ação declaratória, qualquer relação jurídica pode ser discutida nesse tipo de ação. Assim, uma relação jurídica de direito privado ou de direito público, uma relação de direito administrativo ou de natureza fiscal. Basta, pois, que exista uma relação jurídica, e que se tenha uma incerteza jurídica quanto a existir ou inexistir essa mesma relação jurídica, ou uma incerteza quanto ao modo de ser dessa relação jurídica.
Um mero fato não pode ser objeto da relação jurídica. A exceção está prevista no inciso II do artigo 19, quando se autoriza que a ação de provimento declaratório seja utilizada para por meio dela se declarar que um documento é verdadeiro ou é falso. A autenticidade ou falsidade desse documento, embora constitua um fato, pode ser objeto da ação de provimento declaratório. Trata-se, contudo, de uma exceção, porque exceptuada essa hipótese o objeto da ação de provimento declaratório deverá ser uma relação jurídica. Há aqui por se destacar a importância da descrição da causa de pedir na ação de provimento declaratório, porque se deve demonstrar que exista essa relação jurídica, e não apenas um mero fato, ainda que extraído de uma relação jurídica. A formulação da causa de pedir na ação de provimento declaratório merece, portanto, especial destaque.
A incerteza jurídica, diz a doutrina, deve ser objetiva e atual. Destarte, não basta que exista uma dúvida acerca de uma norma legal, ou mesmo de uma cláusula contratual, a não que ser demonstre que para a solução do litígio é necessário que se declare existir ou inexistência uma específica e concreta relação jurídica, ou que o modo de existir dessa relação jurídica esteja sob controvérsia entre os integrantes dessa mesma relação. Há uma exceção no direito brasileiro: a ação de declaração de inconstitucionalidade e de constitucionalidade de uma norma legal abstrata. O provimento jurisdicional que é emitido nesse tipo de ação é meramente declaratório e busca eliminar a incerteza jurídica quanto à constitucionalidade de uma determinada norma legal, abstratamente considerada nesse tipo de ação.
A incerteza jurídica deve ser atual, o que significa dizer que o litígio acerca de uma relação jurídica já deve estar configurado e a produzir efeitos, ou na iminência de que assim suceda. A propósito, durante muito tempo se afirmou na doutrina e na jurisprudência que a ação de provimento declaratório é um tipo de ação preventiva, no sentido de que, eliminando a incerteza jurídica, desapareceria o litígio. Olvidava-se, contudo, que para a ação de provimento declaratório possa ser utilizada, a dizer, para que o autor possua o interesse de agir, é necessário que ele demonstre que a tutela jurisdicional lhe é necessária, e isso somente ocorre quando o litígio existe, o que no caso da ação declaratória pode ser descrito tal como fazia CARNELUTTI, ao dizer que a lide é um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida. No caso da ação de provimento declaratório, pois, o conflito decorre da incerteza jurídica, constituindo a incerteza jurídica o que caracteriza o objeto da ação. Assim, por exemplo, no caso em que o autor ajuíza a ação para que o juiz declare que, ao tempo em que o autor vier a aposentar-se, poderá obter determinado benefício em um determinado regime jurídico de aposentação. Nesse caso não há litígio, porque a relação jurídica (a dizer, a relação jurídica da qual nascerá a condição de aposentado) ainda não existe ao tempo em que a ação está a ser proposta, e o juiz deve, nesse tipo de caso, reconhecer a ausência do interesse de agir. Esse exemplo, de resto, bem ilustra que a ação de provimento declaratório não é uma ação preventiva, não ao menos no sentido de que inexiste o litígio e que a ação é ajuizada para prevenir que ele viesse a existir.
No que concerne à coisa julgada material, na ação de provimento declaratório, tanto quanto sucede nas demais ações de processo de conheciento (condenatória e constitutiva), a coisa julgada material produz seus regulares efeitos, quando a pretensão é julgada em seu mérito. Há que se observar que a certeza jurídica pode produzir efeitos contra terceiro (contra quem não foi parte no processo em que o provimento jurisdicional foi concedido). A análise do caso em concreto é que permitirá definir se essa extensão ocorrerá ou não. Poderá suceder que a extensão da coisa julgada material produza efeitos contra as mesmas partes do processo, mas ainda assim em uma extensão maior do que o objeto do processo, como pode ocorrer, por exemplo, no caso em que o sujeito passivo de um tributo obtenha um provimento jurisdicional que declare a inexistência da relação jurídico-tributária, com efeitos que a coisa julgada material fará projetar para além do exercício fiscal objeto do processo.

“Art. 20. É admissível a ação meramente declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito”.
Comentário: optou o CPC/2015 por erigir em dispositivo autônomo a regra que reconhece o direito à utilização da ação meramente declaratória, mesmo quando tenha ocorrido a violação ao direito. No CPC/1973, esse enunciado compunha o parágrafo único ao artigo 4o., o que atendia a certa lógica, porque se cuida de um aspecto diretamente relacionado à ação declaratória, de que o artigo 4o. tratava.
O que enunciado do artigo 20 estabelece é que não há relação entre a violação a um direito e o direito a pugnar pela declaração de existência ou de inexistência desse mesmo direito, reconhecida pelo Legislador a presença do interesse de agir quanto à utilização da ação declaratória. Haveria, contudo, por se objetar (e processualistas alemães e austríacos o fizeram, como registrou CHIOVENDA), que uma razão de economia deveria conduzir a se reconhecer a ausência do interesse de agir, porquanto o autor do direito violado poderia pugnar desde logo pela condenação do réu. Sucede, contudo, como observa CHIOVENDA, que o princípio dispositivo deve prevalecer, para não se negar ao autor o exercitar o tipo de ação que tiver escolhido conforme seu interesse, de modo que se lhe basta que se declare a existência ou inexistência do direito, deve-se-lhe reconhecer o direito a que esse pedido seja examinado pelo juiz.
Além disso, e como bem argumenta CHIOVENDA, diante de um provimento que declara a existência do direito, o devedor, que até então recusava a cumpri-lo em razão de alguma incerteza, com o provimento jurisdicional declaratório pode ser convencido de que o terá que cumprir (cf. CHIOVENDA, Instituciones de Derecho Procesal Civil, v. I, p. 237, Editorial REvista de Derecho Privado, Madrid, 1948).

TÍTULO II
– DOS LIMITES DA JURISDIÇÃO NACIONAL E DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL
CAPÍTULO I
– DOS LIMITES DA JURISDIÇÃO NACIONAL
“Art. 21. Compete à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações em que:
I – o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;
II – no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;
III – o fundamento seja fato ocorrido ou ato praticado no Brasil.
Parágrafo único. Para o fim do disposto no inciso I, considera-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que nele tiver agência, filial ou sucursal”.
Comentário: primeiro artigo que compõe o título II (“Dos Limites da Jurisdição Nacional e da Cooperação Internacional”), repete, com pequena modificação de estilo, a regra do artigo 88 do CPC/1973, estabelecendo a competência dos juízes brasileiros de acordo com os critérios que utiliza para esse fim. Assim é que, em tendo o réu domicílio no Brasil, a ação será de competência da Justiça brasileira, assim como sucederá quando no Brasil uma obrigação contratual tiver que se cumprida, ou ainda quando o fundamento da demanda radicar em fato ou ato praticado no Brasil. Nesses casos, contudo, há uma competência concorrente da Justiça brasileira, e não uma competência exclusiva (que está tratada no artigo 22 do CPC/2015), porque, como observa DINAMARCO, não são causas que sejam de “primeiríssima relevância para a vida do país” (Instituições de Direito Processual Civil, v. I, p. 363). Destarte, como se cuida de competência concorrente entre países, será válido o processo instaurado em país estrangeiro, e o Brasil reconhecerá e cumprirá a sentença estrangeira, salvo se houver previsão em contrário em tratados e acordos internacionais. O artigo 24 prevê que, nos casos de competência internacional concorrente, não se configura a litispendência em face da justiça brasileira.

“Art. 22. Compete, ainda, à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações:
I – de alimentos, quando:
a) o credor tiver domicílio ou residência no Brasil;
b) o réu mantiver vínculos no Brasil, tais como posse ou propriedade de bens, recebimento de renda ou obtenção de benefícios econômicos;
II – decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil;
III – em que as partes, expressa ou tacitamente, se submeterem à jurisdição nacional”.
Comentário: o CPC/1973, ao tratar da competência da justiça brasileira, não havia regulado de modo específico a ação de alimentos, de modo que a definição da competência era dada pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (artigo 12). O mesmo se pode dizer das relações jurídico-materiais de consumo. Com o fenômeno da globalização, em que as relações jurídico-materiais expandiram-se, não se limitando a um só país, abarcando as relações familiares (pais que, separados, passam a residir em países diferentes), e as relações de consumo (as empresas que, sediadas em um país, utilizam-se do mercado da “Internet”, para manter relações de comércio com clientes em quase todos os países), o Legislador do CPC/2015 entendeu conveniente fixar regras específicas para a definição da competência da justiça brasileira. Esses dois tipos de ação, de alimentos e de relação de consumo, são agora objeto de regulação específica, prevendo o artigo 22 que, em possuindo o credor (rectius: o autor) da ação de alimentos domicílio ou residência no Brasil, ou no caso em que o réu possuir algum vínculo jurídico no Brasil, decorrente, por exemplo, da condição de possuir ou de proprietário de bens que aqui estejam, a competência será da justiça brasileira, o mesmo ocorrendo em face de uma relação de consumo, quando o consumidor possuir domicílio em nosso país. Trata-se, importante assinalar, de uma competência concorrente, tal como sucede com as ações previstas no artigo 21 do CPC/2015.
A Justiça brasileira também será competente quando as partes, expressa ou tacitamente, aceitarem se submeter à sua competência, embora a competência fosse de país estrangeiro.
A matéria também está regulada, de forma mais genérica, pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei federal de número 4.657/1942 e Lei 12.036/2009).

“Art. 23. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:
I – conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil;
II – em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação de testamento particular e ao inventário e à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional;
III – em divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável, proceder à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o titular seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional”.
Comentário: quando a ação diz respeito a bens imóveis que se localizam no território brasileiro, estabelece o artigo 23 que a competência é exclusiva da Justiça brasileira, o que significa que o Brasil não reconhecerá validez a sentença ou a qualquer ato decisório emanado de justiça estrangeira, independentemente do tipo de ação, ainda que de cunho meramente declaratório como pode ocorrer, por exemplo, no caso em que acerca de um bem imóvel localizado no Brasil tenha sido firmado um contrato de compra e venda e desfeito esse contrato por decisão em ação ajuizada em país estrangeiro. Tratando-se de bem imóvel, não importa o tipo de ação ou de provimento jurisdicional que se busca obter ou que se tenha obtido, pois que a competência exclusiva da Justiça brasileira prevalecerá, conforme determina o artigo em questão, e também como já o afirmava a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/1942, artigo 12, parágrafo 1o).
Ainda que se cuide de bem imóvel objeto de partilha em testamento, inventário ou arrolamento, ou que decorra de partilha em separação judicial ou divórcio, a competência é exclusiva da Justiça brasileira. A inserção de regras específicas quanto a esse tipo de ação decorre de o Legislador querer enfatizar o que se deve entender, para fim de competência, quanto à expressão “ações relativas a imóveis no Brasil”, que consta do inciso I. Há que se recordar que houvera certa divergência quanto ao conteúdo dessa expressão ao tempo em que entrou em vigor o CPC/1973 (artigo 89), e a jurisprudência ao longo do tempo consolidou-se no sentido de que essa expressão deve ser interpretada no sentido de abarcar todo tipo de ação.

“Art. 24. A ação proposta perante tribunal estrangeiro não induz litispendência e não obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas, ressalvadas as disposições em contrário de tratados internacionais e acordos bilaterais em vigor no Brasil.
“Parágrafo único. A pendência de causa perante a jurisdição brasileira não impede a homologação de sentença judicial estrangeira quando exigida para produzir efeitos no Brasil”.
Comentário: com alguma mudança de estilo (substituição, por exemplo, do verbo, hoje menos frequente, “intentar”, pelo verbo “propor”), a regra do artigo 24 mantém, na essência, o mesmo conteúdo do artigo 90 do CPC/1973, mas com uma importante ressalva quanto à prevalência de tratados internacionais e acordos biliterais de que o Brasil seja signatário, caso em que a litispendência deverá ser reconhecida, com a extinção anormal (sem exame do mérito da pretensão) do processo ajuizado no Brasil. Fora dessa hipótese, determina a norma em questão que se deva desconsiderar a litispendência, quando a competência da Justiça brasileira esteja firmada com base nos critérios fixados nos artigos 22 e 23. Aliás, a rigor a regra seria desnecessária se considerássemos tão somente a competência exclusiva da Justiça brasileira (artigo 23), porque não haveria mesmo por se cogitar de litispendência, dado que a competência da Justiça brasileira prevalecerá, exista ou não ação ajuizada no estrangeiro. Mas existindo situações nas quais a competência da Justiça brasileira é concorrente (e não exclusiva), justifica-se a existência da regra.
Embora a norma refira-se apenas à litispendência, pela mesma razão se a deve aplicar no caso em que se configure a coisa julgada.
O parágrafo único, cuja regra não existia no CPC/1973, prevê a homologação da sentença judicial estrangeira mesmo em face da existência de ação na Justiça brasileira, salvo quando se tratar de competência exclusiva, naquelas hipóteses, portanto, do artigo 23 do CPC/2015. Com a reforma do Poder Judiciário realizada pela emenda constitucional de número 45/2004, modificou-se a competência originária para a homologação da sentença estrangeira, que assim passou a ser do Superior Tribunal de Justiça.

“Art. 25. Não compete à autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento da ação quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, arguida pelo réu na contestação.
§ 1º Não se aplica o disposto no caput às hipóteses de competência internacional exclusiva previstas neste Capítulo.
§ 2º Aplica-se à hipótese do caput o art. 63, §§ 1º a 4º.”
Comentário: em face do avanço do comércio internacional, resultava necessário que as normas processuais fossem adaptadas a essa realidade, o que justifica que o CPC/2015 tenha previsto, como critério de competência internacional, a prevalência da cláusula de eleição de foro no estrangeiro em contratos internacionais, salvo se a competência da justiça brasileira for exclusiva (artigo 23), caso em que a eleição de foro não poderá afastar a competência da justiça brasileira.
As regras do CPC/2015 quanto à eleição de foro, previstas no artigo 63, devem ser consideradas tanto quanto à forma e conteúdo da cláusula que tiver sido formulada em contrato internacional. Não atendida essa forma, ou quando o conteúdo da cláusula não observar as normas processuais brasileiras, a cláusula de foro de eleição em contrato internacional não prevalecerá, e a competência reger-se-á pelos critérios fixados no artigo 22 do CPC/2015.

CAPÍTULO II – DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL.
SEÇÃO I – DISPOSIÇÕES GERAIS.
“Art. 26. A cooperação jurídica internacional será regida por tratado de que o Brasil faz parte e observará:
I – o respeito às garantias do devido processo legal no Estado requerente;
II – a igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros, residentes ou não no Brasil, em relação ao acesso à justiça e à tramitação dos processos, assegurando-se assistência judiciária aos necessitados;
III – a publicidade processual, exceto nas hipóteses de sigilo previstas na legislação brasileira ou na do Estado requerente;
IV – a existência de autoridade central para recepção e transmissão dos pedidos de cooperação;
V – a espontaneidade na transmissão de informações a autoridades estrangeiras.
§ 1º Na ausência de tratado, a cooperação jurídica internacional poderá realizar-se com base em reciprocidade, manifestada por via diplomática.
§ 2º Não se exigirá a reciprocidade referida no § 1º para homologação de sentença estrangeira.
§ 3º Na cooperação jurídica internacional não será admitida a prática de atos que contrariem ou que produzam resultados incompatíveis com as normas fundamentais que regem o Estado brasileiro.
§ 4º O Ministério da Justiça exercerá as funções de autoridade central na ausência de designação específica”.
Comentários: iniciando o capítulo II, que cuida da cooperação internacional, e inovando em nossa legislação processual civil (o CPC de 1973 havia se preocupado apenas com a homologação de sentença estrangeira e com regras acerca da carta rogatória), o Código de 2015 estabelece disposições gerais que devem ser observadas nas relações que o Poder Judiciário brasileiro houver de manter com a justiça estrangeira, estabelecendo, por exemplo, que aquelas garantias de natureza processual que são reconhecidas em favor dos brasileiros também são estendidas aos estrangeiros, quando estiverem a atuar como parte em processo instaurado por país estrangeiro e algum ato processual tiver que ser praticado em nosso país. Daí a ênfase no parágrafo 3o. ao artigo 26, no sentido de que “Na cooperação jurídica internacional não será admitida a prática de atos que contrariem ou que produzam resultados incompatíveis com as normas fundamentais que regem o Estado brasileiro” – a demonstrar a preocupação do legislador brasileiro em garantir, sempre que possível, o devido processo legal, também nas relações jurídico-processuais que o Brasil mantiver com a justiça estrangeira.
Dentro de um fenômeno político-jurídico que se convencionou denominar de “estado transnacional”, relações econômicas e de outra natureza tendem cada vez mais a vincular países, empresas e particulares estrangeiros, o que obviamente passa a ser de interesse do processo civil quando surge, nessas relações jurídicas, uma lide.
Se antes a cooperação entre os países limitava-se, em geral, à homologação de sentença estrangeira e a cartas rogatórias, agora há um conjunto de atos que são abarcados no que o CPC/2013 denomina de “cooperação internacional”, cujas regras aplicam-se ao processo civil, não alcançando diretamente o processo penal, embora, por analogia, a esse campo do direito também se as possa aplicar, sobretudo quanto à garantia ao devido processo legal.
O CPC/2015 confere especial destaque aos tratados de que o Brasil faça parte, embora não exclua a possibilidade de haver cooperação jurídica internacional com país que reconheça reciprocidade em favor do Brasil. Essa reciprocidade, contudo, não é exigida para efeito de homologação de sentença estrangeira.
As normas de cooperação internacional, fixadas pelo Código de Processo Civil 2015, quiçá caminhem em direção ao que o insigne jurista uruguaio, EDUARDO JUAN COUTURE, havia idealizado quando sugeriu a elaboração de um código de processo civil “modelo” para aplicação na América latina.

“Art. 27. A cooperação jurídica internacional terá por objeto:
I – citação, intimação e notificação judicial e extrajudicial;
II – colheita de provas e obtenção de informações;
III – homologação e cumprimento de decisão;
IV – concessão de medida judicial de urgência;
V – assistência jurídica internacional;
VI – qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira”.
Comentário: ao comentarmos o artigo 26, fizemos observar que, diversamente do que sucedia com o Código de 1973, que se limitava a regular a homologação da sentença estrangeira e a forma pela qual se devia cumprir a carta rogatória como únicos atos processuais que caracterizavam as relações entre a Justiça brasileira e a estrangeira, o CPC/2015 ampliou consideravelmente o elenco dos atos processuais em que a cooperação da Justiça brasileira à justiça estrangeira ocorrerá, como, por exemplo, nos meios de comunicação de atos emanados de processos em trâmite em país estrangeiro, ou na colheita de provas no Brasil para que possam ser aproveitadas no país de origem do processo. É meramente exemplificativo o rol dos incisos do artigo 27, pois que, segundo o inciso VI, “qualquer outra medica judicial ou extrajudicial”, que não seja proibida pela lei brasileira, pode ser objeto de cooperação da Justiça brasileira. De qualquer modo, pareceu ao legislador necessário destacar alguns dos principais atos em que essa cooperação pode ocorrer, de modo que se evite qualquer dúvida a respeito.
O instrumento para que esses atos sejam produzidos no Brasil é a carta rogatória, cujo processamento está regulado pelo CPC/2015 em seu artigo 36 (o artigo 35 foi vetado). Ao tratarmos do artigo 28, veremos em que hipóteses a carta rogatória é dispensada, prevalecendo o que o CPC/2015 denomina de “auxílio direto”.

SEÇÃO II – DO AUXÍLIO DIRETO.
“Art. 28. Cabe auxílio direto quando a medida não decorrer diretamente de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira a ser submetida a juízo de delibação no Brasil”.
Comentário: em face de atos que, requeridos por país estrangeiro, devam ser praticados no Brasil e que não digam respeito diretamente à atividade jurisdicional, esses atos não devem ser submetidos a um juízo de delibação no Brasil, conforme prevê o artigo 28, de modo que não haverá a necessidade da expedição de carta rogatória, caracterizando-se aí o que a Lei processual civil brasileira denomina de “auxílio direto”. Destarte, em nosso ordenamento jurídico em vigor, existem duas modalidades de cooperação internacional: aquela que deva ser objeto de juízo de delibação pelo Poder Judiciário brasileiro, requerida por meio de carta rogatória ou homologação de sentença estrangeira, e o auxílio direto, este circunscrito a casos em que não houver ato diretamente relacionado à jurisdição.
O STJ, segundo estabelece seu regimento interno (artigo 216-O, parágrafo 2o.), encaminhará ao Ministério da Justiça, a quem cabe a autorização para que esses atos sejam executados no Brasil, a carta rogatória, quando seu objeto não seja ato que deva ser submetido a juízo de delibação.
Quando a providência requerida depender de juízo de delibação, ou seja, quando se trata de ato de jurisdição, e não tiver sido expedida a necessária carta rogatória, o STJ negará o auxílio direto, como ocorreu em algumas situações (Precedentes: SEC 8.639/EX, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe 02.05.2013, SEC 5.543/EX, Rel. Min. ARI PARGENDLER, DJe 15.03.2013, SEC 113/DF, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO NORONHA, DJ de 04.08.2008).

“Art. 29. A solicitação de auxílio direto será encaminhada pelo órgão estrangeiro interessado à autoridade central, cabendo ao Estado requerente assegurar a autenticidade e a clareza do pedido”.
Comentário: é da atribuição legal do Ministério da Justiça – que atua, pois, como a “autoridade central” de que fala o artigo 29 – a autorização para a execução no Brasil de atos requeridos por país estrangeiro, quando se caracterizada a cooperação internacional por meio do auxílio direto. O Ministério da Justiça deve examinar se o requerimento é autêntico e analisar se o caso pode ser requerido por meio do auxílio direto, ou se haverá a necessidade de carta rogatória.

“Art. 30. Além dos casos previstos em tratados de que o Brasil faz parte, o auxílio direto terá os seguintes objetos:
I – obtenção e prestação de informações sobre o ordenamento jurídico e sobre processos administrativos ou jurisdicionais findos ou em curso;
II – colheita de provas, salvo se a medida for adotada em processo, em curso no estrangeiro, de competência exclusiva de autoridade judiciária brasileira;
III – qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira”.
Comentário: ao prever que qualquer medida judicial ou extrajudicial que não seja proibida pela lei pode ser objeto do auxílio direito, e de ter, no artigo 28, sublinhado que a medida não pode dizer respeito diretamente à atividade de jurisdição, não haveria necessidade de o CPC/2015 enumerar qualquer ato. Mas ainda assim pareceu conveniente ao legislador indicar alguns desses atos, como o que envolve informações sobre as características de nosso sistema processual ou de justiça, ou sobre processos judiciais ou procedimento administrativos, estejam ou não em curso, e ainda o ato de colheita de provas, ressalvando-se quanto a este que, em se tratando de provas a serem produzidas em processo judicial, o juízo de delibação deve ser realizado pelo Poder Judiciário, o que significa dizer que o auxílio direto não poderá ser utilizado como modalidade de cooperação internacional, exigindo-se nesse caso carta rogatória e a ordem para a sua execução (“exequatur”), de parte do STJ.

“Art. 31. A autoridade central brasileira comunicar-se-á diretamente com suas congêneres e, se necessário, com outros órgãos estrangeiros responsáveis pela tramitação e pela execução de pedidos de cooperação enviados e recebidos pelo Estado brasileiro, respeitadas disposições específicas constantes de tratado”.
Comentário: a bem caracterizar que, em se tratando de ato que possibilite o auxílio direto, não há a participação do Poder Judiciário brasileiro, prevê o artigo 31 que o Ministério da Justiça estabelecerá comunicação com o órgão de país estrangeiro que tiver solicitado a providência, ou ao qual a providência for requerida.
“Art. 32. No caso de auxílio direto para a prática de atos que, segundo a lei brasileira, não necessitem de prestação jurisdicional, a autoridade central adotará as providências necessárias para seu cumprimento”.
Comentário: norma totalmente despicienda, porque, definido nas normas anteriores que tipo de ato pode ser objeto do auxílio direto (a dizer, quando não se trate de ato diretamente relacionado à jurisdição), não haveria a necessidade de se prever que a autoridade central (o Ministério da Justiça brasileiro) “adotará as providências necessárias para seu cumprimento”, porque isso decorre da atribuição que a Lei lhe confere para tanto. Tratando-se um instituto novo em nosso ordenamento jurídico em vigor, é usual que o legislador peque no excesso de regulação.
“Art. 33. Recebido o pedido de auxílio direto passivo, a autoridade central o encaminhará à Advocacia-Geral da União, que requererá em juízo a medida solicitada.
Parágrafo único. O Ministério Público requererá em juízo a medida solicitada quando for autoridade central”.
Comentário: dentre os atos que, segundo o artigo 30, inciso I, do CPC/2015, podem ser objeto de auxílio direto, está a coleta de informações acerca do estágio de processo judicial. Para essa hipótese, prevê o artigo 33 que caberá à Advocacia-Geral da União requerer em juízo a medida solicitada pelo Ministério da Justiça. Como órgão governamental destituído de personalidade judiciária, não pode o Ministério da Justiça atuar como parte em processo judicial, devendo ser representado em juízo pela Advocacia-Geral da União.
O parágrafo único prevê a possibilidade de o Ministério Público ter interesse na medida objeto do auxílio direto, caso em que a poderá requerer judicialmente.

“Art. 34. Compete ao juízo federal do lugar em que deva ser executada a medida apreciar pedido de auxílio direto passivo que demande prestação de atividade jurisdicional”.
Comentário: a defeituosa redação desse dispositivo pode levar a equívoco, se o intérprete não considerar o artigo 28 do mesmo CPC/2015, que prevê a utilização do auxílio direto apenas no caso em que o ato requerido não decorrer diretamente da atividade de jurisdição. Deve-se entender, pois, a parte final do artigo 34 (“que demande prestação de atividade jurisdicional”) no sentido de que será da competência do juízo federal que estiver a presidir determinado processo judicial (ou que o tiver presidido, quando se tratar de processo findo) a análise do requerimento formulado pela Advocacia-Geral da União (ou pelo Ministério Público, no caso de seu interesse), quando o ato objeto do auxílio direto for informação referente a processo judicial. Mas se a informação referir-se a processo da competência da Justiça Estadual ou da Justiça do Trabalho, a AGU solicitará a essa justiça a análise do requerimento. Tratando-se de ato que não possa ser objeto de auxílio direto, por se relacionar diretamente à atividade de jurisdição, o juízo declinará da competência em favor do STJ.

SEÇÃO III – DA CARTA ROGATÓRIA.
“Artigo 35 – VETADO. Dar-se-á por meio de carta rogatória o pedido de cooperação entre órgão jurisdicional brasileiro e órgão jurisdicional estrangeiro para prática de ato de citação, intimação, notificação judicial, colheita de provas, obtenção de informações e cumprimento de decisão interlocutória, sempre que o ato estrangeiro constituir decisão a ser executada no Brasil.”
Comentário: esse artigo foi vetado porque se argumentou que a exigência de carta rogatória para a prática daqueles atos que o mesmo artigo 35 enumerava (citação, intimação, colheita de provas, etc…) afetaria a necessária celeridade que deve ser observada quando se utiliza do auxílio direto como meio de cooperação internacional. Sucede, entretanto, que o veto a esse artigo não produziu na prática o efeito pretendido, porque devem prevalecer as regras do CPC/2015 quanto ao auxílio direto, que, como enfatizamos, não pode ter objeto a prática de ato que diga respeito diretamente à atividade de jurisdição. Assim, pode-se concluir pelo desacerto do veto governamental, porque os atos mencionados no artigo 35 dizem respeito, todos, à atividade de jurisdição, de maneira que, segundo as regras do ordenamento jurídico em vigor, não podem ser objeto de auxílio direto, impondo a necessidade de carta rogatória submetida ao “exequatur” pelo STF.

“Art. 36. O procedimento da carta rogatória perante o Superior Tribunal de Justiça é de jurisdição contenciosa e deve assegurar às partes as garantias do devido processo legal.
§ 1º A defesa restringir-se-á à discussão quanto ao atendimento dos requisitos para que o pronunciamento judicial estrangeiro produza efeitos no Brasil.
§ 2º Em qualquer hipótese, é vedada a revisão do mérito do pronunciamento judicial estrangeiro pela autoridade judiciária brasileira”.
Comentário: enfatiza o CPC/2015 que embora a decisão proferida em face de carta rogatória seja homologatória, o procedimento é de jurisdição contenciosa, o que ao legislador pareceu necessário fixar para garantir o devido processo legal “formal”, especialmente quanto ao contraditório, embora limitada a defesa a aspectos formais da carta, dado que, segundo o parágrafo 2o. da norma em questão, “é vedada a revisão do mérito do pronunciamento judicial estrangeiro pela autoridade judiciária brasileira”.
Competência: a emenda constitucional de número 45 modificou a competência para o processamento da carta rogatória, estabelecendo que cabe ao Superior Tribuna de Justiça (e não mais ao Supremo Tribunal Federal) seu julgamento. O regimento interno desse tribunal, em seus artigos 216-O a 216-X, regula aspectos do procedimento que deve ser adotado para a obtenção do “exequatur” a carta rogatória.

SEÇÃO IV- DISPOSIÇÕES COMUNS ÀS SEÇÕES ANTERIORES
“Art. 37. O pedido de cooperação jurídica internacional oriundo de autoridade brasileira competente será encaminhado à autoridade central para posterior envio ao Estado requerido para lhe dar andamento”.
Comentário: depois de, no artigo 29, ter tratado de solicitação recebida de país estrangeiro, o artigo 37 cuida de hipótese em que o Brasil formula o requerimento de cooperação jurídica internacional a país estrangeiro. Em ambos os casos, ou seja, quando o Brasil recebe ou quando solicita a cooperação jurídica internacional, estabelece o CPC/2015 que caberá à autoridade central (ao Ministério da Justiça) a atribuição para providenciar o andamento da solicitação. Mais adequado seria que o legislador tivesse concentrado, em um só regra, a regulação dessa matéria.

“Art. 38. O pedido de cooperação oriundo de autoridade brasileira competente e os documentos anexos que o instruem serão encaminhados à autoridade central, acompanhados de tradução para a língua oficial do Estado requerido”.
Comentário: a rigor, um código de processo civil não deve regular minúcias de um procedimento, deixando a regulamentos mais específicos o cuidado desse tipo de matéria, sobretudo quando, como no caso do artigo 38, regula apenas o óbvio, demonstrando o pouco cuidado que se teve na revisão e discussão de um código tão importante quanto o de processo civil, revelando um açodamento injustificado em substituir-se um monumento legislativo como era o CPC/1973, por um texto legal que, quando se sai bem, está tão somente a repetir o que aquele código com adequada técnica legislativa fixara.

“Art. 39. O pedido passivo de cooperação jurídica internacional será recusado se configurar manifesta ofensa à ordem pública”.
Comentário: repete-se aqui o que a regra do artigo 26 já regula e aliás com maior amplitude. Outra norma desnecessária, pois.

“Art. 40. A cooperação jurídica internacional para execução de decisão estrangeira dar-se-á por meio de carta rogatória ou de ação de homologação de sentença estrangeira, de acordo com o art. 960”.
Comentário: conforme vimos, a cooperação jurídica internacional materializa-se por meio de carta rogatória/cumprimento de sentença estrangeira, e pelo auxílio direto, este sendo circunscrito a providências que não digam respeito diretamente à atividade jurisdicional. O artigo 40 cuida da primeira modalidade de cooperação internacional (carta rogatória e cumprimento de sentença estrangeira), remetendo ao artigo 960 do mesmo CPC/2015 a regulação do procedimento no que se refere à homologação de sentença estrangeira (o procedimento da carta rogatória está regulado no regimento interno do STJ).
“Art. 41. Considera-se autêntico o documento que instruir pedido de cooperação jurídica internacional, inclusive tradução para a língua portuguesa, quando encaminhado ao Estado brasileiro por meio de autoridade central ou por via diplomática, dispensando-se ajuramentação, autenticação ou qualquer procedimento de legalização.
Parágrafo único. O disposto no caput não impede, quando necessária, a aplicação pelo Estado brasileiro do princípio da reciprocidade de tratamento”.
Comentário: com o objetivo de simplificar a forma pela qual deva ocorrer a cooperação jurídica internacional, a norma em questão dispensa a ajuramentação ou autenticação formal dos documentos que instruem a solicitação, quando emana de autoridade pública ou diplomática de pais estrangeiro, salvo quando não houver reciprocidade de tratamento, caso em que o Brasil poderá impor tal exigência.

TÍTULO III – DA COMPETÊNCIA INTERNA
CAPÍTULO I – DA COMPETÊNCIA
SEÇÃO I – DISPOSIÇÕES GERAIS
“Art. 42. As causas cíveis serão processadas e decididas pelo juiz nos limites de sua competência, ressalvado às partes o direito de instituir juízo arbitral, na forma da lei”.
Comentário: o CPC/2015, a partir do artigo 42, passa a cuidar da competência interna, a dizer, da competência dos órgãos que compõem o Poder Judiciário e que exercem a atividade jurisdicional. A competência, como enfatiza a doutrina, é o limite da jurisdição, assim distribuída entre todos os órgãos do Poder Judiciário brasileiro.
Com pequena modificação de estilo, o artigo 42 reproduz o artigo 86 do CPC/1973, tornando a regra mais precisa (suprimiu-se a expressão “ou simplesmente decididas”, que havia ensejado alguma dúvida na doutrina quanto a seu alcance), ao afirmar que as causas cíveis, ou seja, as causas que, por exclusão, não digam respeito à matéria penal, trabalhista ou eleitoral serão processadas e decididas segundo as regras de competência, as quais fixam esses limites, o que é sobremodo importante analisar em função do princípio do juiz natural (a competência de qualquer órgão jurisdicional deve ser prevista expressamente na lei, e a lei deve ser anterior ao objeto do processo, pois que, conforme a Constituição de 1988, é vedado o juiz de exceção).
É da tradição de nosso direito, formada quando aqui tiveram vigência as ordenações de Portugal, referir-se a lei processual civil à “causa” no sentido de demanda ou de ação.
ARBITRAGEM: a lei federal 9.307/1996 instituiu a arbitragem, e sua constitucionalidade foi declarada pelo Supremo Tribunal como atividade assemelhada à da jurisdição, de modo que o CPC/2015, como sói deveria suceder, reconhece o direito subjetivo de as partes se utilizarem da arbitragem, desde que se cuidem de direitos patrimoniais disponíveis.

“Art. 43. Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta”.
Comentário: tanto quanto sucedia no CPC/1973, adota o CPC/2015 um princípio que, como observou CHIOVENDA (“Instituições de Direito Processual Civil”, v. II, p. 332), remonta às fontes romanas. Trata-se do princípio da “perpetuatio jurisdictionis”, segundo o qual a demanda, uma vez ajuizada, determina, no tempo, a produção de importantes efeitos, relacionados sobretudo aos pressupostos processuais. Conforme esclarece CHIOVENDA na obra mencionada, o princípio da “perpetuatio jurisdictionis” atende à necessidade de se evitarem danos aos litigantes, que poderiam surgir se houvesse a modificação de aspectos essenciais da demanda ao tempo em que o processo está em trâmite, por exemplo, se há modificação da competência. Daí que é frequente que os códigos de processo estabeleçam que a competência é definida ao tempo em que a ação é ajuizada, mantendo-se essa competência ainda que se modifique o estado fático da lide, ou mesmo quando surgem alterações legislativas, como, por exemplo, a entrada em vigor de uma lei que modifique um critério da competência.
A lei processual define o momento em que se deve considerar ajuizada uma ação, podendo ser o momento em que ocorre a citação, ou antes mesmo desse ato, como ocorria no CPC/1973, que considerava proposta a ação no momento em que a petição inicial tivesse sido despachada, conforme a regra do artigo 263 daquele código. O CPC/2015 modificou esse aspecto temporal, ao determinar, em seu artigo 59, que se deve considerar proposta a ação no momento em que ocorre o registro ou a distribuição da peça inicial. Modificado o termo inicial para a produção de efeitos da propositura da demanda, alterou-se, em consequência, o momento em que se fixa a competência, que é agora aquele em que a petição inicial é levada a registro.
Quanto aos limites fixados pelo CPC/2015 quanto à “perpetuatio jurisdictionis”, prevê o artigo 43 que modificações fáticas da lide não alteram a competência, fixada no momento em que a petição inicial levada registro. O mesmo deve suceder em face de lei superveniente que tenha alterado critério de competência (modificação do valor de alçada, por exemplo). Mas há duas hipóteses nas quais a competência original será modificada: quando a lei nova suprime um determinado órgão judiciário, ou, então, quando se modifica critério de competência absoluta. Nessas duas hipóteses, que configuram exceção à “perpetuatio jurisdictionis”, a competência é modificada no curso da lide. Tem-se entendido, contudo, que, proferida a sentença de mérito, a modificação legislativa quanto a critério de competência absoluta não produz efeitos sobre o processo.
“Art. 44. Obedecidos os limites estabelecidos pela Constituição Federal, a competência é determinada pelas normas previstas neste Código ou em legislação especial, pelas normas de organização judiciária e, ainda, no que couber, pelas constituições dos Estados”.
Comentário: foi o jurista alemão, ERNST ZITELMAN, quem cunhou a expressão “normas de superdireito”, para referir-se àquelas normas cujo objeto são outras normas legais. É o direito a regular, por exemplo, a forma pela qual se deva interpretar uma outra norma. É o caso do artigo 44 do CPC/2015, que regula a ordem que o intérprete deve observar quando esteja a analisar a competência em processo civil.
Segundo essa ordem (que é obrigatória), o intérprete deve partir das normas previstas na Constituição de 1988, para determinar a competência quanto a uma causa cível, apurando se há ou não competência originária ou derivada (no caso de recurso) fixada para algum tribunal superior, para então prosseguir, se o caso, na análise das normas que compõem o CPC/2015, ou de legislação especial, analisando, se o caso, as normas de organização judiciária, e, por fim, as constituições dos Estados-membros (a Constituição de São Paulo, por exemplo, regula competência originária do tribunal de justiça no caso de mandado de segurança impetrado contra ato do governador do estado).
COMPETÊNCIA FUNCIONAL: o CPC/2015 não tratou de modo particular da competência funcional, diversamente do que ocorria com o CPC/1973 (artigo 93). A competência funcional é critério de atribuição de competência conforme uma função específica que o juiz venha a realizar em um processo. A divisão de funções entre o primeiro e segundo grau de jurisdição é um exemplo de competência funcional (vertical). Quando se cuidam de juízes que estejam em um mesmo grau de jurisdição, e que venham a exercer funções diferentes segundo a Lei assim dispuser, a competência funcional é horizontal. (O “juiz de garantia”, cuja implementação anuncia-se para breve no campo do processo penal, é um exemplo de competência funcional horizontal). Como o CPC/2015 não ressalva a aplicação das normas desse código em caso da competência funcional (diversamente, pois, do que ocorria no CPC/1973), há que se entender que outras normas, que não as do CPC, possam regular a competência funcional dos juízes.

“Art. 45. Tramitando o processo perante outro juízo, os autos serão remetidos ao juízo federal competente se nele intervier a União, suas empresas públicas, entidades autárquicas e fundações, ou conselho de fiscalização de atividade profissional, na qualidade de parte ou de terceiro interveniente, exceto as ações:
I – de recuperação judicial, falência, insolvência civil e acidente de trabalho;
II – sujeitas à justiça eleitoral e à justiça do trabalho.
§ 1º Os autos não serão remetidos se houver pedido cuja apreciação seja de competência do juízo perante o qual foi proposta a ação.
§ 2º Na hipótese do § 1º, o juiz, ao não admitir a cumulação de pedidos em razão da incompetência para apreciar qualquer deles, não examinará o mérito daquele em que exista interesse da União, de suas entidades autárquicas ou de suas empresas públicas.
§ 3º O juízo federal restituirá os autos ao juízo estadual sem suscitar conflito se o ente federal cuja presença ensejou a remessa for excluído do processo”.
Comentário: durante a vigência do CPC/1973, a jurisprudência enfrentara, com certa frequência, uma interessante questão acerca da “perpetuatio jurisdictionis”. Com efeito, nas ações em que a União Federal interviesse, surgia a dúvida quanto à modificação ou não da competência, e o mesmo se podia questionar quando a União Federal fosse excluída da relação jurídico-processual. Daí o motivo de o CPC/2015 ter regulado de modo expresso esse tema, para fixar que, nas ações em que a União Federal intervém, a competência passa a ser da Justiça Federal, salvo naquelas ações expressamente previstas na norma em questão (recuperação judicial, falência, sujeitas à justiça eleitoral, etc…). E o mesmo se observará quando uma empresa pública sob controle da União, uma autarquia ou fundação federal, ou ainda um conselho de fiscalização de atividade profissional intervierem na ação, seja na qualidade de parte, seja na de terceiro interveniente. A “perpetuatio jurisdicticionis” não se aplica nesses casos, portanto.
Os parágrafos 1o. e 2o. do artigo 45 regulam hipótese de cumulação de demandas, estabelecendo que a “perpetuatio jurisdictionis” será observada no caso em que o juiz exclua da demanda o pedido formulado contra a União Federal ou aqueles entes mencionados, de modo que, nessa hipótese, o juiz não admitirá a cumulação de pedidos, salvo se o litisconsórcio passivo for necessário, caso em que terá que aplicar o “caput” do artigo 45, com o deslocamento da competência à Justiça Federal.
Na hipótese em que a União Federal ou qualquer daqueles entes mencionados forem excluídos da relação jurídico-processual, a “perpetuatio jurisdictionis” prevalece, de modo que a competência do juízo originário será restaurada.

“Art. 46. A ação fundada em direito pessoal ou em direito real sobre bens móveis será proposta, em regra, no foro de domicílio do réu.
§ 1º Tendo mais de um domicílio, o réu será demandado no foro de qualquer deles.
§ 2º Sendo incerto ou desconhecido o domicílio do réu, ele poderá ser demandado onde for encontrado ou no foro de domicílio do autor.
§ 3º Quando o réu não tiver domicílio ou residência no Brasil, a ação será proposta no foro de domicílio do autor, e, se este também residir fora do Brasil, a ação será proposta em qualquer foro.
§ 4º Havendo 2 (dois) ou mais réus com diferentes domicílios, serão demandados no foro de qualquer deles, à escolha do autor.
§ 5º A execução fiscal será proposta no foro de domicílio do réu, no de sua residência ou no do lugar onde for encontrado”.
Comentário: existindo vários órgãos jurisdicionais (juízes e tribunais), é natural que o legislador terá que repartir entre esses órgãos as diversas causas, devendo estabelecer por quais critérios essa repartição ocorrerá. É da tradição de nossa legislação processual civil adotarem-se três critérios para a definição da competência: o critério objetivo (fundado no valor da causa ou na matéria); o critério funcional (a separação, em um processo, de funções distintas atribuídas a juízes diversos); e o critério territorial. Como sintetiza magistralmente CHIOVENDA, “o critério objetivo é o critério de distribuição de causas entre tribunais de tipo diferente”; enquanto o “critério territorial é o critério de distribuição das causas entre tribunais do mesmo tipo”, e por fim, o “critério funcional é o critério de distribuição das causas tanto entre tribunais do mesmo tipo, quanto de tipo diferente”. (Instituições de Direito Processual Civil, v. II, p. 155).
A norma em questão trata da competência territorial, a qual para CARNELUTTI deve ser tratada como gênero, tanto quanto gênero também seria a competência hierárquica, compreendendo esta a competência material e a competência funcional.
Relacionada ao território está a noção de foro, que vem a ser o local onde a demanda é de ser promovida, considerados os critérios que a lei fixe, os quais, segundo CHIOVENDA (Instituições, v. II, p. 197), devem observar o princípio da igualdade (a dizer, devem esses critérios considerar, em uma mesma medida, os interesses do autor e do réu). Por essa razão é que a lei fixa que o réu deva ser demandado, em geral, no foro de seu domicílio, regra adotada em nosso CPC/2015, que ainda regulamenta os casos em que o réu tenha mais de um domicílio, ou não tenha nenhum como certo e definido, ou não for encontrado em qualquer de seus domicílios, ou ainda quando mantenha domicílio ou residência fora do Brasil. O CPC/2015, não definindo o que entende como domicílio para efeito processual, remete a matéria ao Código Civil (artigos 70-78).
O foro geral é, portanto, o foro do domicílio do réu. Havendo norma expressa prevendo outro foro, estaremos diante de uma hipótese de foro especial (por exemplo, o foro em que a coisa imóvel encontre-se, artigo 47).
EXECUÇÃO FISCAL: o CPC/2015, complementando a regra do artigo 5o. da Lei federal de número 6.830/1980 (a lei que regula a ação de execução fiscal), fixa o domicílio do executado como o foro geral para essa ação.
O CPC/2015, em seu artigo 63, estabelece a competência territorial como relativa, o que significa que ela pode ser modificada ou prorrogada.
COMPETÊNCIA DE FORO X COMPETÊNCIA DE JUÍZO: embora ambas estejam relacionadas a um determinado território e seja esse o elemento considerado pela legislação como critério de competência, há uma importante distinção entre a competência de foro e a competência de juízo. Na primeira, cuida-se de definir qual o lugar em que a demanda deva ser promovida, enquanto a competência de juízo refere-se a qual órgão judicial deva a demanda ser distribuída, quando em um determinado lugar exista mais de um juízo competente em face do critério do território. Por exemplo, se em um contrato tenha-se sido ajustado, como foro de eleição, a cidade de São Paulo, as partes desse contrato terão definido o foro competente – mas não o juízo competente. A partir daí, a dizer, depois que definido o foro, deve-se definir qual o juízo competente dentre todos aqueles juízos que tenham sede territorial na cidade de São Paulo, para o que se devem considerar os critérios que a lei tenha estabelecido para a competência de juízo (por matéria, valor, etc…). As partes podem escolher o foro, mas não podem escolher o juízo, por observância ao princípio do juiz natural, que é o juízo definido pela lei segundo os critérios que tenham sido fixados.

“Art. 47. Para as ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro de situação da coisa.
§ 1º O autor pode optar pelo foro de domicílio do réu ou pelo foro de eleição se o litígio não recair sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação de terras e de nunciação de obra nova.
§ 2º A ação possessória imobiliária será proposta no foro de situação da coisa, cujo juízo tem competência absoluta”.
Comentário:depois de fixar o foro comum (domicílio do réu, conforme artigo 46), o CPC/2015, a partir de seu artigo 47, estabelece os critérios que considerou para a definição de foros especiais. O primeiro desses critérios, tratado no artigo 47, refere-se tanto ao objeto da lide (se bem imóvel ou móvel), quanto ao tipo de relação jurídico-material que diz respeito a esse mesmo bem. Assim, em se tratando de bem imóvel e sendo a relação jurídico-material formulada acerca desse bem caracterizada como uma relação jurídica fundada em alegado direito real, então nessa hipótese prevalece o foro especial: o da situação do imóvel. É da tradição de nosso direito, e de códigos estrangeiros, e por motivos de conveniência prática, a fixação da competência no local em que o imóvel está localizado, quando se trata de ação que verse sobre esse mesmo imóvel e o suposto direito invocado seja de natureza real, tornando mais facilitada, por exemplo, a produção da prova pericial, que é um tipo de prova frequentemente produzida nesse tipo de demanda. Destarte, esses dois elementos devem estar presentes para que prevaleça o foro especial (da situação da coisa): o objeto da lide for um bem imóvel, e que o fundamento jurídico invocado radique em direito real. De forma que, em se cuidando de demanda acerca de bem móvel, o foro comum (do domicílio do réu) prevalece, assim como também prevalecerá quando se trata de demanda fundada em direito pessoal sobre bem imóvel (por exemplo, em uma ação fundada em contrato de comodato acerca de bem imóvel).
Ressalva o artigo 47, contudo, que, a despeito de a ação referir-se, como objeto, a um bem imóvel, e o suposto direito invocado for de natureza real, em se tratando de demanda na qual se controverta quanto a direito de propriedade, de vizinhança, de servidão, de divisão e de demarcação de terras, e ainda de nunciação de obra nova, em qualquer dessas hipóteses o autor poderá optar pelo foro comum (o do domicílio do réu), ou ainda pelo foro de eleição, se houver contrato com cláusula que o tenha fixado.
Cabe às normas de direito material (ao Código Civil e à legislação extravagante) definir a natureza do direito que tem por objeto bem imóvel, para o qualificar como um direito de natureza ou pessoal. O Código Civil de 2002, em seu artigo 1.225, enumera que direitos, em nosso ordenamento jurídico em vigor, são de natureza real
POSSE: aqui está a principal diferença entre a regulação do CPC/2015 e a do código de 1973, e que diz respeito às ações nas quais se controverte quanto à posse de bem imóvel. No código de 1973, com efeito, invocando o autor o direito de posse sobre bem imóvel, a competência, conforme previa o artigo 95, ficava à escolha do autor, que poderia ajuizar a ação no foro comum (do domicílio do réu), ou, em havendo cláusula de foro, no local eleito. No CPC/2015, a ação possessória sobre bem imóvel é de ser proposta no foro da situação da coisa, tal como se dá com a ação de reivindicação, fixando o artigo 47 que se trata de uma competência absoluta. Considerou o legislador que, tanto quanto é comum ocorrer na ação de reivindicação, motivos de ordem prática conduzem a que a ação seja promovida no local em que o bem imóvel encontre-se, em razão de haver ali mais facilidade para a produção de provas, como a prova pericial, prova também usual em ações possessórias.
LOCAÇÃO: quando a ação for disser respeito à locação de bem imóvel (ação de despejo, consignação em pagamento), a competência está fixada em lei especial (artigo 58, inciso II, da lei federal 8.245/1991), prevalecendo, pois, o foro da situação do imóvel, ou o foro previsto em cláusula no contrato.

“Art. 48. O foro de domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade, a impugnação ou anulação de partilha extrajudicial e para todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro.
Parágrafo único. Se o autor da herança não possuía domicílio certo, é competente:
I – o foro de situação dos bens imóveis;
II – havendo bens imóveis em foros diferentes, qualquer destes;
III – não havendo bens imóveis, o foro do local de qualquer dos bens do espólio”.
Comentário: em tendo previsto, no artigo 23, inciso II, do mesmo CPC/2015, a competênica da justiça brasileira para as ações de inventário e de partilha, era necessário definir, em termos de competência interna, qual o critério deveria ser adotado. Daí ter o artigo 48 fixado que será o foro do domicílio no Brasil do autor da herança o competente para a ação de inventário, de partilha, de arrecadação, e de outras ações que digam respeito à herança, omo, por exemplo, a de impugnação ou de anulação de partilha extrajudicial, hipótese agora expressamente prevista em norma legal. A regra em questão cuida do que a doutrina denomina usualmente denomina de “foro universal da herança”, no sentido de que há competência absoluta do juízo competente para conhecer de ações que digam respeito diretamente à herança, inclusive aquelas promovidas por credores do espólio, tal como estabelece o artigo 642 do CPC/2015, salvo quando se trata de ação de execução fiscal, hipótese prevista no artigo 5o. da Lei federal 6.830/1980, de modo que para esse tipo de ação a competência universal do juízo da partilha não prevalece.
Em se tratando de ação que não diga respeito diretamente à herança e à partilha, não se aplica a regra do artigo 48.
A norma ressalva a hipótese de o autor da herança não possuir domicílio certo, caso em que o foro competente será o da situação dos bens imóveis, ou da situação de qualquer deles, em havendo imóveis localizados em diversos locais. o foro do local dos bens móveis, para o caso de não possuir o autor da herança domicílio certo no Brasil, é o foro competente.

“Art. 49. A ação em que o ausente for réu será proposta no foro de seu último domicílio, também competente para a arrecadação, o inventário, a partilha e o cumprimento de disposições testamentárias”.
Comentário: declarada, por sentença, a ausência, com a nomeação do curador, nos termos do que prevê o artigo 744 do CPC/2015, passa a incidir o foro previsto na norma em questão: o foro do último domicílio daquele declarado ausente, de modo que, em sendo demandado o ausente, esse foro prevalecerá, porquanto se trata de regra de competência absoluta. De modo que apenas com a sentença declarando a ausência é que esse foro especial passa a ter aplicação, e apenas para as ações em que o ausente for réu.
Há que se considerar, contudo, a possibilidade de conflito entre esse foro especial e aquele, também especial, previsto no artigo 47, quando a ação ajuizada contra o ausente referir-se a bem imóvel e a direito real. Nesse caso, tem entendido a jurisprudência que deva prevalecer o foro da situação da coisa.
Se cotejarmos o artigo 49 com o artigo 97 do CPC/1973, verificaremos que houve um aperfeiçoamento na redação do enunciado, que em lugar de falar em “ações”, fala mais propriamente em ação, a abranger, pois, toda e qualquer ação, salvo a prevalência do foro previsto no artigo 47.
AUSENTE, AUTOR DA AÇÃO: nomeado curador, este pode promover em nome do ausente as ações em favor de seu curatelado. Nesse caso, o ausente não conta com o benefício do foro de seu último domicílio, devendo prevalecer o foro comum (do domicílio do réu), ou, se o caso, um foro especial, como, por exemplo, o foro da situação da coisa.

“Art. 50. A ação em que o incapaz for réu será proposta no foro de domicílio de seu representante ou assistente”.
Comentário: o Código Civil de 2002, em seu artigo 76 e parágrafo único, prevê que, para efeito das relações jurídicas reguladas por aquele Código, o domicílio do incapaz é o de seu representante ou assistente. E o CPC/2015 faz o mesmo para as relações jurídico-processuais, estabelecendo o foro especial em favor do incapaz, que é o foro do domicílio de seu representante ou assistente, onde o incapaz será demandado, pois. Mas esse foro especial somente tem aplicação quando o incapaz for réu, de modo que, em sendo autor, prevalecerá o foro geral (domicílio do réu), ou algum foro especial, como, por exemplo, o foro da situação do imóvel, se o caso.
Como o CPC/2015 não especifica o conceito de “incapaz”, entende a doutrina que se devam considerar abarcadas nesse conceito todas as hipóteses de incapacidade (por idade, absoluta e relativa, e também por doença mental).

“Art. 51. É competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autora a União.
Parágrafo único. Se a União for a demandada, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou no Distrito Federal”.
Comentário: tendo a Constituição de 1988, em seu artigo 109, definido as matérias de competência da Justiça Federal (competência absoluta em razão da pessoa e da matéria), impunha-se ao Código de Processo Civil regulasse os critérios territoriais acerca dessa mesma competência. Daí ter o artigo 51 fixado que o foro competente para as causas em que a União Federal seja a autora é a do domicílio do réu. Mas se a União for a ré, surge uma concorrência de foros, podendo o autor, pois, optar por ajuizar a ação no foro de seu domicílio, ou ainda naquele em que tiver ocorrido o ato ou fato do qual a demanda (rectius: lide) tenha se originado, e também no foro em que a coisa objeto da lide esteja, ou mesmo no foro do Distrito Federal. Esses mesmos critérios de competência territorial aplicam-se quando se tratar de ação em que figure como parte (autor e réu), ou como assistente ou oponente entidade autárquica instituída pela União Federal ou empresa pública federal, dado o que prevê o artigo 109, inciso I, da CF/1988.
INTERVENÇÃO: naquela hipótese tratada pelo artigo 45 do CPC/2015, a dizer, quando a União Federal, empresa pública federal, autarquia ou fundação criada pela União Federal intervém na demanda, aplicam-se os critérios de competência territorial definidos pelo artigo 51 do CPC/2015, com o deslocamento da competência em favor da Justiça Federal. Assim, se em razão da intervenção a União Federal (ou qualquer daquelas entidades paraestatais) assume a posição de autora, o foro competente será o do domicílio do réu, adotando-se os foros concorrentes para o caso em que, em decorrência da intervenção, a União federal assuma a posição de parte passiva. No caso da assistência, o foro competente será definido conforme esteja a União a assistir o autor ou o réu. E no caso da oposição, o foro competente será o do domicílio dos réus (opostos), aplicando-se, por analogia, a regra do artigo 46, parágrafo 4o., do CPC/2015. Observe-se que o artigo 99 do CPC/1973, com uma melhor técnica, abarcava expressamente essas hipóteses de intervenção.
PREVIDÊNCIA SOCIAL: versando a lide sobre matéria de previdência social, a CF/1988, em seu artigo 109, parágrafo 3o., estabelece que, na ação ajuizada contra o INSS e que verse sobre previdência social, desde que não exista, no foro do domicílio do autor, vara da justiça federal, a ação poderá ser ajuizada no foro do domicílio do autor, com uma competência excepcional (por delegação) da justiça estadual para o julgamento da demanda em primeiro grau (o recurso, pois, será dirigido a um tribunal regional federal).

“Art. 52. É competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autor Estado ou o Distrito Federal.
Parágrafo único. Se Estado ou o Distrito Federal for o demandado, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou na capital do respectivo ente federado”.
Comentário: o CPC/2015 estendeu aos Estados-membros e ao Distrito Federal os critérios de competência territorial aplicados à União Federal (artigo 50), disciplinando de modo uniforme esses critérios para as pessoas jurídicas de direito público. Mas nada dispôs acerca dos municípios, de forma que, em se tratando de ação ajuizada por município, ou contra ele, prevalecem os critérios gerais de competência territorial previstos nos artigos 46-47 do CPC/2015.
INTERVENÇÃO: por analogia, quando o Estado-membro ou o Distrito Federal intervier como assistente ou opoente, deve-se aplicar o mesmo regime fixado para a União Federal e suas entidades paraestatais.

“Art. 53. É competente o foro:
I – para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável:
a) de domicílio do guardião de filho incapaz;
b) do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz;
c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal;
II – de domicílio ou residência do alimentando, para a ação em que se pedem alimentos;
III – do lugar:
a) onde está a sede, para a ação em que for ré pessoa jurídica;
b) onde se acha agência ou sucursal, quanto às obrigações que a pessoa jurídica contraiu;
c) onde exerce suas atividades, para a ação em que for ré sociedade ou associação sem personalidade jurídica;
d) onde a obrigação deve ser satisfeita, para a ação em que se lhe exigir o cumprimento;
e) de residência do idoso, para a causa que verse sobre direito previsto no respectivo estatuto;
f) da sede da serventia notarial ou de registro, para a ação de reparação de dano por ato praticado em razão do ofício;
IV – do lugar do ato ou fato para a ação:
a) de reparação de dano;
b) em que for réu administrador ou gestor de negócios alheios;
V – de domicílio do autor ou do local do fato, para a ação de reparação de dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos, inclusive aeronaves”.
Comentário: ao lado do foro geral (o do domicílio do réu), o CPC/2015, a exemplo do que fizera o CPC/1973 em seu artigo 100, previu, para determinadas ações um foro especial, e nalguns casos, mais de um foro especial, buscando com isso garantir proteção a determinadas situações processuais, conforme pareceu ao legislador conveniente fazer. Assim, por exemplo, para a ação de divórcio ou de anulação de casamento, o foro competente será o do domicílio do guardião do filho incapaz, ou ainda o foro do domicílio do réu, no caso da ação de alimentos, o foro do domicílio do alimentando, e quando se trata de ação ajuizada por idoso e que verse sobre direito subjetivo previsto no Estatuto do Idoso (Lei federal de número 10.741/2003), o foro competente será o da residência do autor.
Importante observar que, em se cuidando de competência relativa, os foros especiais fixados pelo legislador podem não prevalecer, se o réu, citado, não apresenta, em sua contestação, matéria preliminar arguindo a incompetência relativa, caso em que, segundo o que estatui o artigo 65 do CPC/2015, a competência prorroga-se (rectius: a competência surge, pois que a princípio o juízo não seria o competente, mas a inércia do réu faz surgir essa competência).

SEÇÃO II – DA MODIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA
“Art. 54. A competência relativa poderá modificar-se pela conexão ou pela continência, observado o disposto nesta Seção”.
Comentário: este artigo deve ser interpretado em conjunto com os artigos 62 e 63 do mesmo CPC/2015, pois que o artigo 54 não explicita o que se há entender por “competência relativa” em nosso sistema processual, diversamente do que sucedia com o CPC/1973, que em seu artigo 102 fixava, expressamente, que a competência relativa é a competência que diz respeito a território e a valor, sendo absoluta a competência que tiver por critério a matéria da lide, ou a pessoa ou uma função que exerça, quando integre a relação jurídico-processual.
Destarte, sendo relativa, e não absoluta, a competência fixada com base nos critérios de território e valor, ela pode ser modificada pela conexão ou continência, o que significa dizer que, em existindo duas ou mais ações que mantenham entre si alguma vinculação que caracterize a conexão ou a continência (e os artigos 55 e 56 do CPC/2015 estabelecem os requisitos para que esse vínculo seja tal que configure a conexão ou a continência entre as demandas), a competência de um juízo abarcará também a demanda ou as demandas distribuídas a outro juízo, que também é competente, de forma que a competência de um dos juízes (do juiz prevento, conforme artigos 58 e 59 do CPC/2015) será modificada para abranger demanda distribuída a outro juiz competente. Como observou PONTES DE MIRANDA, ao comentar o artigo 102 do CPC/1973, o legislador brasileiro havia empregado corretamente o verbo “modificar” para traduzir o fenômeno ocorrido em virtude da conexão e continência de demandas distribuídas a juízes igualmente competentes, em lugar de, como ocorria no CPC/1939, referir-se à prorrogação de competência. Com efeito, em havendo competência relativa, e se configurando a conexão ou continência, a competência de um juiz modifica-se, por abranger uma demanda inicialmente distribuída a outro juiz, que perde essa competência.
Assim, em havendo possibilidade de reunirem-se as ações vinculadas por conexão ou continência (e o fato de tratar-se de competência relativa isso o permite), não havendo ainda julgamento de qualquer das demandas, a reunião dos processos deve ocorrer, de forma que um dos juízos torna-se competente para conhecer de todas as demandas conexas ou que mantenham entre si relação de continência, para as julgar a um só tempo, evitando julgamentos conflitantes.

“Art. 55. Reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir.
§ 1º Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta, salvo se um deles já houver sido sentenciado.
§ 2º Aplica-se o disposto no caput:
I – à execução de título extrajudicial e à ação de conhecimento relativa ao mesmo ato jurídico;
II – às execuções fundadas no mesmo título executivo.
§ 3º Serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles”.
Comentário: identificados os elementos de uma ação (partes, causa de pedir e pedido), é possível aferir se há entre duas ou mais ações algum vínculo jurídico que possa determinar a reunião delas, para que se evitem julgamentos conflitantes. A conexão surge nesse contexto, pois como define o artigo 55 do CPC/2015 (e como o fazia o artigo 103 do CPC/1973), a conexão existe quando, entre duas ou mais ações, for comum o objeto (o pedido), ou a causa de pedir. De modo que, em havendo conexão, os processos devem ser reunidos para que recebam uma decisão conjunto, salvo se um deles já houver sido sentenciado, conforme estatui expressamente o parágrafo 1o. do artigo 55, eliminando, assim, certa dúvida que havia na jurisprudência construída quando em vigor o CPC/1973.
O CPC/2015 abarcou em disposições relativas à conexão algumas matérias que a jurisprudência enfrentara com certa frequência, como a que diz respeito a existir ou não conexão entre a ação de execução fundada em título extrajudicial e a ação de conhecimento que discuta acerca o mesmo título, e também quanto a execuções fundadas no mesmo título executivo. Situações que agora estão expressamente previstas no CPC/2015, e para as quais se configura a conexão.
Interessante novidade apresenta o parágrafo 3o. do artigo 55. Com efeito, segundo esse dispositivo, “Serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles”. Assim, pode-se afirmar que, mesmo quando não for comum o pedido ou a causa de pedir (ou seja, ainda que não se configure a conexão segundo o “caput” do artigo 55), havendo risco de que surjam decisões conflitantes, então nessa hipótese o CPC/2015 obriga a que as ações sejam reunidas e recebam um só julgamento. Destarte, em face do parágrafo 3o. do artigo 55, pode-se dizer que ou o instituto da conexão foi ampliado, ou então que o legislador, a par da conexão, criou uma outra hipótese em que a reunião de processos impõe-se. De qualquer modo, independentemente desse aspecto de importância teórica, o mais relevante é que o CPC/2015 buscou prestigiar, tanto quanto possível, o princípio da segurança jurídica, o que justifica tenha previsto a obrigatoriedade de que as ações sejam reunidas e recebam um só julgamento, quando houver risco de julgamentos conflitantes. O parágrafo 3o. do artigo 55 deve ser aplicado, por exemplo, na hipótese em que exista uma ação de processo de conhecimento na qual se discuta matéria relativa a uma ação de execução, porque há o evidente risco de que o julgamento dessa ação possa conflitar com o vier a se decidir na ação de execução, ou mesmo nos embargos à execução. Isso deve ser observado inclusive quanto à ação de execução fiscal.
Normas de organização judiciária, caso do Estado de São Paulo, que instituíam hipótese de competência de juízo, prevendo que a ação de processo de conhecimento não poderia ser conhecida pelo juízo da ação de execução fiscal, não mais podem prevalecer, já que colidem com a norma do CPC/2015, que é uma norma de hierarquia superior.

“Art. 56. Dá-se a continência entre 2 (duas) ou mais ações quando houver identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o pedido de uma, por ser mais amplo, abrange o das demais”.
Comentário: tal como ocorre com a conexão, em se configurando a continência as ações devem ser reunidas para que recebam um só julgamento, o que significa dizer que o juiz competente (o juízo prevento) terá a sua competência ampliada para abarcar a demanda distribuída a outro juiz. Conforme foi observado quando tratamos do artigo 54, essa modificação de competência pela conexão ou continência somente ocorre quando o critério de competência foi o do valor da causa ou do território, o que significa dizer que a conexão e a continência não geram a reunião das causas quando a competência for absoluta (matéria, pessoa e função). Assim, embora possa existir conexão ou continência mesmo quando as ações tiverem sido distribuídas com base em critério de competência absoluta, o efeito determinado nos artigos 55 e 55, a dizer, a reunião de processos não ocorrerá em face da competência absoluta.
A continência caracteriza-se quando, entre duas ou mais ações, houver rigorosa identidade quanto às partes, e também quanto à causa de pedir. Enquanto na conexão não se exige a identidade de partes e de causa de pedir, isso deve obrigatoriamente ocorrer na continência.
OBJETO/PEDIDO: o artigo 104 do CPC/1973 referia-se ao objeto da ação, enquanto o artigo 56 fala em pedido, sem daí decorrer, contudo, qualquer modificação na regulação do instituto da continência. O objeto da ação é o pedido, e este pode ser mediato (o bem da vida que se quer obter), e imediato (o tipo de provimento jurisdicional que se quer obter).
LITISPENDÊNCIA: há que se atentar para a distinção de regime jurídico. Na continência, o pedido de uma ação é mais abrangente que o formulado noutra ação, existindo entre as ações identidade de partes e de causa de pedir. Na continência, o pedido (mediato ou imediato) é algo diverso, dado que em uma das ações o pedido é mais abrangente que o da outra. Já na litispendência, o pedido é idêntico.

“Art. 57. Quando houver continência e a ação continente tiver sido proposta anteriormente, no processo relativo à ação contida será proferida sentença sem resolução de mérito, caso contrário, as ações serão necessariamente reunidas”.
Comentário: enquanto no CPC/1973 (artigo 105) a reunião das ações conexas e com relação de continência constitua regra sem qualquer exceção, no CPC/2015 surge uma exceção justificada por uma razão lógica e que atende à economia processual. Pois que, em havendo continência e a ação continente (a ação cujo pedido é mais abrangente do que o pedido formulado na ação contida) tiver sido ajuizada anteriormente, estatui o artigo 57 do CPC/2015 que a ação contida será extinta sem resolução do mérito (por ausência do interesse de agir), dado que o pedido nela formulado será apreciado no julgamento da ação continente. Note-se que o artigo 59 do CPC/2015 determina o momento do registro ou da distribuição como aquele em que se fixa a prevenção, o que é de ser considerado para efeito da regra aqui sob comentário.

“Art. 58. A reunião das ações propostas em separado far-se-á no juízo prevento, onde serão decididas simultaneamente”.
Comentário: em se caracterizando a conexão ou a continência, o juízo cuja competência será ampliada (para alcançar, pois, a ação distribuída a outro juiz) será o juiz “prevento”, que, nos termos do artigo 59 do CPC/2015, é aquele perante o qual a ação foi registrada ou distribuída com antecedência. Se no CPC/1973 o juízo prevento era o que havia despachado em primeiro lugar, conforme o artigo 106 daquele código, no código de 2015 a prevenção do juízo configura-se em momento anterior, que é o momento do registro ou da distribuição do processo.
Registre-se que havia colisão entre os artigos 106 e 215 do CPC/1973, o que criava certa divergência no entendimento jurisprudencial quanto ao momento em que a prevenção caracterizava-se. Daí o acerto do CPC/2015 em tornar expressa a regra pela qual se define a prevenção para todos os casos em que deva haver reunião de processos, inclusive quando se caracterizam a conexão e a continência.

“Art. 59. O registro ou a distribuição da petição inicial torna prevento o juízo”.
Comentário: dada a possibilidade de existir mais de uma ação com as mesmas partes e com a mesma causa de pedir, ou quando o pedido formulado em uma das ações é mais amplo do que o objeto de outra, ou ainda quando exista o risco de que surjam decisões conflitantes ou contraditórias, para essas hipóteses, nas quais a reunião do processos é medida que busca atender ao princípio da segurança jurídica, previu o legislador a figura do “juízo prevento”, que é aquele juízo cuja competência será modificada (ampliada) para abarcar todas as demandas vinculadas.
O que configura a prevenção do juízo é, no sistema do CPC/2015, o ato de registro do processo (quando na comarca houver apenas uma vara com competência, como ocorre com frequência em comarcas de cidades pequenas, em que há apenas uma vara), ou o ato de distribuição do processo (quando houver na comarca mais de uma vara com igual competência, de modo que o processo nesse caso deverá ser distribuído entre as varas).
No CPC/1973 havia certa dúvida quanto ao momento em que ocorria a prevenção, dado que o artigo 106 fixava a prevenção do juízo que havia despacho a demanda em primeiro lugar, enquanto o artigo 219 daquele mesmo código fixava outro momento: o da citação. Essa controvérsia foi eliminada no CPC/2015, que fixou apenas um ato como o que define a prevenção do juízo: o ato do registro ou da distribuição da demanda.

“Art. 60. Se o imóvel se achar situado em mais de um Estado, comarca, seção ou subseção judiciária, a competência territorial do juízo prevento estender-se-á sobre a totalidade do imóvel”.
Comentário: corrigindo um equívoco em que havia incidido o artigo 107 do CPC/1973, que afirmava ser a prevenção um critério de competência no caso de imóvel situado em mais de um Estado ou comarca, o artigo 60 do CPC/2015 trata corretamente a prevenção como sendo um critério de modificação da competência, e não um critério para a sua fixação. Com efeito, em havendo duas ou mais ações distribuída a juízes diferentes, é necessário que a legislação erija um critério pelo qual seja possível reunir as ações sob a presidência de um dos juízes competentes, para que sobrevenha um só julgamento das demandas. A prevenção não constitui, pois, critério de fixação da competência, porque por meio da prevenção não passa a ser competente um juiz, senão que a sua competência amplia-se para abarcar uma demanda distribuída a outro juiz, igualmente competente.
Esse critério de modificação da competência, a prevenção, é assim utilizado no caso em que um imóvel, por sua posição geográfica, estiver sob a competência territorial de mais de um juiz (de um outro estado-membro, ou de comarca, seção ou subseção judiciária), de forma que, existindo mais de uma ação proposta sobre o mesmo imóvel, e distribuída a demanda a juízes diferentes, será prevento aquele perante o qual terá ocorrido, com antecedência, o ato de registro ou de distribuição do processo.

“Art. 61. A ação acessória será proposta no juízo competente para a ação principal”.
Comentário: os romanos fixaram um série de provérbios jurídicos cujo sentido é o de que o acessório deve seguir o principal, seja em sua natureza, seja em seu destino (“Acessorium sui principais naturam sequitur”, por exemplo). Assim também deve suceder no processo civil, por isso que uma ação acessória, a dizer, uma ação que mantém vínculo lógico-jurídico com outra, em uma relação que se estabelece entre acessório e principal, deve ser proposta no juízo competente para a ação principal, reunidas as ações em razão desse vínculo, prevento o juízo para o qual a ação acessória foi inicialmente distribuída, ou o juízo da ação principal, se esta antecedeu a acessória. De todo o modo, o critério de competência que se deve observar é quanto ao que forma ou formará a ação principal, sendo esta, pois, a ação em função do qual se fixará a competência, tanto para a própria principal, quanto para a ação acessória. Pode-se dizer, pois, que, ajuizada a ação acessória, está tornará prevento o juízo para a ação principal, salvo no caso de incompetência absoluta.
Embora o nosso CPC/2015 tenha extinto o processo cautelar como um processo autônomo (deslocando para o processo de conhecimento as tutelas de natureza cautelar), há ainda ações de natureza cautelar (ou seja, ações acessórias), como, por exemplo, a ação de produção antecipada de provas, regulada pelos artigos 381-383. Trata-se aí de uma ação tipicamente acessória, que, segundo a regra do artigo 61, deve ser proposta no juízo competente para a ação principal.

“Art. 62. A competência determinada em razão da matéria, da pessoa ou da função é inderrogável por convenção das partes”.
Comentário: ao tratar das hipóteses em que pode ocorrer a modificação da competência, o legislador ressalva que, em tendo a competência sido fixada em razão da matéria, da pessoa e do cargo ou função pública que exerça, nesses casos a competência não se pode modificar, porque a competência é absoluta. E, em sendo absoluta, afirma-se no artigo 62 que ela é inderrogável por convenção das partes. Mas ela é inderrogável não apenas por convenção das partes, mas sobretudo por imposição da lei. De forma que ainda que as partes nada aleguem a respeito, o juiz terá que a declarar, conforme determina o artigo 64, parágrafo 1o., do CPC/2015.
O artigo 62 não se refere à competência hierárquica, diversamente do que fazia o artigo 111 do CPC/1973, tendo preferido utilizar a denominação hoje mais usual, que é a da competência em razão da pessoa, que diz respeito ao cargo ou a uma função pública que ela exerça, como, por exemplo, a de prefeito de São Paulo, situação que, segundo a Constituição de São Paulo, constitui hipótese de competência absoluta em razão da pessoa (a dizer, do cargo que ocupa), de modo que, em se impetrando mandado de segurança contra o prefeito de São Paulo, a competência originária é do Tribunal de Justiça, tendo-se aí, pois, um exemplo de competência absoluta em razão do cargo – e em sendo absoluta, uma competência que não pode ser modificada.

“Art. 63. As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações.
§ 1º A eleição de foro só produz efeito quando constar de instrumento escrito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico.
§ 2º O foro contratual obriga os herdeiros e sucessores das partes.
§ 3º Antes da citação, a cláusula de eleição de foro, se abusiva, pode ser reputada ineficaz de ofício pelo juiz, que determinará a remessa dos autos ao juízo do foro de domicílio do réu.
§ 4º Citado, incumbe ao réu alegar a abusividade da cláusula de eleição de foro na contestação, sob pena de preclusão”.
Comentário: no sistema do nosso Código de Processo Civil de 2015, tal como sucedia no código anterior, é relativa a competência quando fixada com base nos critérios do território e do valor da causa, o que significa dizer que nessas hipóteses a competência pode ser modificada ou ampliada. Modificada quando o juiz, segundo os critérios legais, não teria competência para a ação, mas passa a ser competente porque as partes terão optado por não seguirem esses critérios, para escolherem um outro foro, definindo-o como competente. Ou quando o réu, citado, não arguiu a incompetência, caso em que o juiz passa a ser o competente para a ação.
A ampliação da competência dá-se quando um juiz é competente apenas para uma das ações, e passa a abarcar em sua competência uma ação distribuída a outro juízo, como ocorre nos casos de conexão ou continência, segundo vimos ao tratar desses institutos (artigos 55-56 do CPC-2015).
ELEIÇÃO DE FORO: o CPC/2015 contempla uma norma dispositiva, ao conceder às partes o direito de escolherem o foro competente, desde que essa escolha tenha sido materializada em um instrumento escrito (não necessariamente um contrato), e que a escolha do foro aluda expressamente a determinado negócio jurídico. Se a escolha do foro caracterizar-se-á como abusiva, conforme constate o juiz de ofício ou quando provocado pelo réu, a cláusula será invalidada, tornando-se assim ineficaz, o que conduz a que devam prevalecer as regras de competência do CPC/2015. Importante observar que como o CPC/2015 não fala em “contrato de adesão”, como ocorria no CPC/1973 (artigo 112, parágrafo único), a abusividade da cláusula de foro de eleição pode caracterizar-se não apenas nesse tipo de contrato, mas em qualquer contrato. O juiz, contudo, deve agir com prudência ao analisar a matéria, sobretudo quando não tenha havido ainda a citação, porque se há presumir que a cláusula terá sido firmada com a anuência das partes contratantes, e em havendo dúvida (ou seja, quando a abusividade não for patente), o juiz deverá deslocar o exame da matéria para que tenha lugar após a contestação, seja em obediência ao contraditório, seja pela presunção de legalidade da cláusula. A propósito, diante do que prevê o artigo 9o. do CPC/2015 (“Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida”), identifica-se um evidente conflito entre essa norma geral e a do artigo 63, parágrafo 3o., a tornar necessária a ponderação entre os interesses em conflito (aplicação do princípio da proporcionalidade), com a análise das circunstâncias do caso em concreto, devendo o juiz ponderar que, a rigor, é mais gravoso desconsiderar a cláusula de eleição de foro do que a observar. O autor não pode alegar a abusividade da cláusula, na medida em que dela se utiliza quando promove a ação perante o foro escolhido no contrato.
FORO X JUÍZO: as partes podem modificar a competência de foro, mas não a de juízo. De modo que podem, em um contrato, fixar como foro competente determinada comarca ou seção judiciária, mas não podem interferir na competência de juízo, que é uma competência absoluta, dado que fixada por lei. Assim, por exemplo, as partes podem, em um contrato, ajustar que eventual demanda que verse sobre o objeto contratado deva ser ajuizada no foro da cidade de São Paulo, mas não podem ajustar quanto ao juízo competente, não podendo fixar que uma determinada vara seja a competente para conhecer da ação.
HERDEIROS E SUCESSORES: o parágrafo 2o. do artigo 63 estatui que a cláusula de eleição de foro vincula os herdeiros e sucessores, e isso se aplica também no caso de sucessão da parte no processo (CPC/2015, artigo 110). Assim, em ocorrendo a morte do contratante, seus herdeiros e sucessores devem observar a cláusula de eleição de foro ao ajuizarem a ação, e se o autor ou réu falece no curso da ação e são sucedidos no processo, seus sucessores devem observar a cláusula de eleição de foro.
INCOMPETÊNCIA RELATIVA: a incompetência relativa não é mais objeto de exceção conforme ocorria no sistema do CPC/1973, porque o artigo 64 do CPC/2015 determina que o réu alegue a incompetência relativa (e também a absoluta) como questão preliminar em contestação.

SEÇÃO III – DA INCOMPETÊNCIA
“Art. 64. A incompetência, absoluta ou relativa, será alegada como questão preliminar de contestação.
§ 1º A incompetência absoluta pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição e deve ser declarada de ofício.
§ 2º Após manifestação da parte contrária, o juiz decidirá imediatamente a alegação de incompetência.
§ 3º Caso a alegação de incompetência seja acolhida, os autos serão remetidos ao juízo competente.
§ 4º Salvo decisão judicial em sentido contrário, conservar-se-ão os efeitos de decisão proferida pelo juízo incompetente até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente”.
Comentário: com o objetivo de simplificar, tanto quanto possível, o nosso sistema processual geral, o CPC/2015 aboliu a figura da “exceção”, forma de resposta pela qual o réu, no sistema do CPC/1973, arguia a incompetência relativa (e também a suspeição e o impedimento do juiz). No atual sistema processual, tanto a incompetência relativa quanto a absoluta devem ser alegadas como “questão preliminar de contestação”, o que a doutrina tradicional denomina de “objeção”. O artigo 337 trata dos temas que devem ser alegados pelo réu em contestação, alguns sob o risco de preclusão (caso, pois, da incompetência relativa), outros sem esse risco (caso da incompetência absoluta, pois que esta pode ser conhecida de ofício pelo juiz).
Em se tratando de incompetência relativa, ou seja, a que diz respeito ao território e ao valor, deixando o réu de argui-la na contestação, caracteriza-se a preclusão do respectivo direito processual, de forma que o juiz, que não era competente para a ação, torna-se competente. Equivocado dizer-se que, nesse caso, ocorre a “prorrogação da competente”, porque não se pode prorrogar o que antes não se tinha.
No caso de incompetência absoluta (a que diz respeito à matéria, à pessoa e a um cargo, função ou atividade pública que a parte ocupe ou exerça), o juiz, segundo o princípio que vem do direito alemão (“kompetenz-kompetenz”), pode decidir acerca de sua própria competência, e assim, no caso da incompetência absoluta (e não da incompetência relativa), pode, de ofício, ou seja, sem provocação das partes, declarar a sua incompetência, remetendo o processo ao juiz que entenda competente, o qual, contudo, pode não reconhecer a competência, suscitando conflito negativo de competência, formando um incidente que será resolvido pelo respectivo tribunal.
CONTRADITÓRIO: seja em função dos artigos 9o. e 10 do CPC/2015, seja porque o parágrafo 2o. do artigo 64 isso obriga, o juiz terá que observar o contraditório, de modo que, arguida como matéria preliminar em contestação a incompetência (relativa ou absoluta), concederá prazo para que a parte contrária posicione-se a respeito do tema. O artigo 351 fixa um prazo de quinze dias para que o autor se manifeste sobre a alegada incompetência absoluta ou relativa.
PROTOCOLO DA CONTESTAÇÃO: o artigo 340 do CPC/2015 permite que o réu, quando for alegar incompetência relativa ou absoluta, protocole no foro de seu domicílio a contestação, peça que será submetida ao registro ou distribuição no do foro do domicílio do réu, caracterizando-se a prevenção do juízo na hipótese de se declarar a incompetência.
ATOS DECISÓRIOS: o parágrafo 4o. do artigo 64 estabelece que, “Salvo decisão judicial em sentido contrário, conservar-se-ão os efeitos de decisão proferida pelo juízo incompetente até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente”. Adotou o CPC/2015 um princípio oposto ao que adotara o CPC/1973, que, em seu artigo 113, parágrafo 2o., fixava que, declarada a incompetência absoluta (e apenas no caso da incompetência absoluta), os atos decisórios reputam-se nulos. No CPC/2015, os atos decisórios proferidos por juiz incompetente presumem-se válidos e eficazes, até que uma decisão do juiz competente determine o contrário. Importante observar que o juiz que tenha se declarado incompetente não pode mais modificar a decisão que tenha proferido, dado que, em se tendo declarado incompetente, não mais pode exercer atividade jurisdicional naquele processo. Também é de relevo atentar para a modificação de regime no caso dos atos decisórios, porque no CPC/2015 não há mais distinção entre os efeitos dos atos decisórios em face da incompetência absoluta ou relativa, porque no sistema atual, tanto na incompetência absoluta quanto na relativa os atos decisórios proferidos por juiz que se declara incompetente presumem-se válidos e eficazes, salvo se sobrevier decisão do juiz competente declarando esses atos como inválidos e ineficazes.

“Art. 65. Prorrogar-se-á a competência relativa se o réu não alegar a incompetência em preliminar de contestação.
Parágrafo único. A incompetência relativa pode ser alegada pelo Ministério Público nas causas em que atuar”
Comentário: somente se pode prorrogar algo que já exista. Assim, o artigo 65 incide no mesmo equívoco (lógico) do artigo 116 do CPC/1973, ao fixar que a competência relativa prorroga-se, quando o réu não a alega como matéria preliminar em contestação. O juiz, ou era competente e se mantém como tal, ou era incompetente e se torna competente en consequência de o réu não ter alegado a incompetência relativa (a competência que é fixada segundo os critérios de território ou de valor).
PRECLUSÃO: caracteriza-se a preclusão (perda de uma faculdade ou de um direito de natureza processual), quando o réu opta por não arguir a incompetência, ou deixa de a arguir no prazo fixado pelo CPC/2015 (em contestação, como matéria preliminar).
MINISTÉRIO PÚBLICO: o parágrafo único estabelece que o MINISTÉRIO PÚBLICO, nas causas em que atuar, pode arguir a incompetência relativa. Mas isso somente nos casos em que a sua atuação é como parte, e não como fiscal da lei.

“Art. 66. Há conflito de competência quando:
I – 2 (dois) ou mais juízes se declaram competentes;
II – 2 (dois) ou mais juízes se consideram incompetentes, atribuindo um ao outro a competência;
III – entre 2 (dois) ou mais juízes surge controvérsia acerca da reunião ou separação de processos.
Parágrafo único. O juiz que não acolher a competência declinada deverá suscitar o conflito, salvo se a atribuir a outro juízo”.
Comentário: poderá ocorrer que, em face de um processo ou de mais de um processo, dois ou mais juízes declarem-se igualmente competentes, ou incompetentes, o que dá lugar a um incidente que será resolvido pelo tribunal a que pertençam esses mesmos juízes. O artigo 66 reproduz, em sua essência, o que artigo 115 do CPC/1973 fixava, apenas com a explicitação de duas hipóteses que, não expressas na norma do código de 1973, ensejavam alguma dúvida e controvérsia. É que pode suceder que um juiz se declare incompetente, mas atribua competência não em relação ao juiz que, em tendo se declarado incompetente, remeteu-lhe o processo, mas sim a um outro juiz. Nesse caso, segundo a regra do artigo 66, o juiz deverá encaminhar o processo àquele juiz que entende competente, e não suscitar conflito. Caberá ao juiz que receber o processo decidir sobre a sua competência, para a reconhecer, ou então para suscitar conflito entre todos os juízes envolvidos na questão. A outra hipótese, agora expressamente abarcada na norma, diz respeito a qual dos juízes deve suscitar o conflito, fixando o parágrafo único do artigo 66 que essa iniciativa caberá àquele que não acolhe a competência (salvo no caso acima mencionado, em que ele, em vez de suscitar conflito, remeterá o processo a um outro juiz).
JUÍZES DE TRIBUNAIS DIVERSOS: no caso em que a definição de competência diz respeito a juízes de tribunais diversos, a competência para a decisão é do Superior Tribunal de Justiça. Com certa frequência, tribunais locais, examinando recurso de agravo de instrumento interposto contra decisão que declina da competência para outra justiça (por exemplo, no caso em que um juiz estadual entende que a competência em razão da matéria é da Justiça do Trabalho), conhece do recurso, olvidando de que a matéria discutida refere-se a um conflito de competência entre juízes de tribunais diversos (no caso, entre um juiz da Justiça Comum Estadual e de um juiz da Justiça do Trabalho), e que essa matéria é da competência exclusiva do Superior Tribunal de Justiça, conforme determina o artigo 105, I, “d”, da Constituição da República de 1988.
SISTEMA PROCESSUAL X COMPETÊNCIA: há que se estabelecer uma importante distinção entre sistema processual e competência. Com efeito, antes de se definir acerca da competência, é necessário perscrutar se um determinado sistema processual está sendo adequadamente utilizado. Consideremos, a título de exemplo (exemplo que ora está a ocorrer com acentuada frequência em nossa jurisprudência), que um juiz de uma vara de fazenda pública, atento apenas ao valor da causa, decline da competência, entendendo como competente o juizado especial de fazenda pública, o qual, contudo, analisando, não a competência, mas o sistema processual, entenda que o sistema processual instituído pela lei federal de número 12.153/2009 não possa ser utilizado naquele caso (por haver a necessidade de uma perícia complexa, por exemplo); nesse caso o conflito não versa sobre competência, mas sobre sistemas processuais, de modo que o incidente não deve ser conhecido, devendo a matéria ser discutida em recurso de agravo por instrumento, ou por outro azado recurso. Há, pois, que se interpretar o entendimento consolidado no Supremo Tribunal Federal no sentido de que o conflito de competência não pode ser utilizado como sucedâneo processual, observando, pois, a necessária distinção entre sistema processual e competência, quando se está em face de um incidente de conflito de competência. (Conflito que, como o próprio nome indica, é de competência, e não de sistema processual.)
SEPARAÇÃO OU REUNIÃO DE PROCESSOS: de acordo com o inciso III do artigo 66, a definição quanto a se dever separar ou reunir processos é de competência, e por isso deve ser analisada em conflito de competência. Há que se ressalvar, contudo, o que ficou dito quanto à distinção entre sistema processual e competência, e que tem aplicação também nessa hipótese.
MEDIDAS URGENTES: havendo medida urgente por analisar, o tribunal designará um dos juízes envolvidos no conflito de competência para a análise da medida.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA: a matéria está regulada pelos artigos 951-959 do CPC/2015.

CAPÍTULO II – DA COOPERAÇÃO NACIONAL
“Art. 67. Aos órgãos do Poder Judiciário, estadual ou federal, especializado ou comum, em todas as instâncias e graus de jurisdição, inclusive aos tribunais superiores, incumbe o dever de recíproca cooperação, por meio de seus magistrados e servidores”.
Comentário: em tendo o artigo 92 da Constituição da República de 1988 enumerado os diversos órgãos que compõem o Poder Judiciário brasileiro, seria natural que o legislador, ao cuidar do processo civil como um sistema geral, e atento à regra constitucional que a todos os litigantes assegura uma duração razoável do processo (o que também é previsto no artigo 6o. do CPC/2015), estabelecesse um dever de cooperação entre esses órgãos, seja no exercício da atividade jurisdicional, seja também quando esses órgãos estejam a executar uma atividade administrativa. Daí prever o artigo 67 esse dever de cooperação entre os órgãos do Poder Judiciário brasileiro. Destarte, se as partes devem colaborar, tanto quanto possível, para que se obtenha, em tempo razoável, a entrega da tutela jurisdicional, os órgãos do Poder Judiciário também devem colaborar entre si para esse mesmo objetivo, tal como determina o artigo 6o. do CPC/2015.
Quando a cooperação entre os órgãos que compõem o Poder Judiciário brasileiro dá-se no campo da atividade jurisdicional, há um veículo próprio à materialização dos atos processuais, que é a carta: precatória, ou de ordem (esta utilizada quando expedida por um tribunal em relação a um juiz a esse mesmo tribunal vinculado, ou no caso de um tribunal superior em relação a um tribunal inferior, conforme prevê o artigo 236 do CPC/2015). O artigo 265 do CPC/2015 regula a forma pela qual a carta de ordem ou precatória deva ser expedida.

“Art. 68. Os juízos poderão formular entre si pedido de cooperação para prática de qualquer ato processual”.
Comentário: norma redundante, pois que seu conteúdo e alcance estão contemplados no artigo 67, e a rigor o conteúdo e alcance deste também estão contemplados pelo artigo 6o. do CPC/2015, que evidentemente se aplica ao juiz como sujeito do processo. Bastaria, pois, que o legislador enumerasse, de modo exemplificado como faz o artigo 69, a forma pela qual a cooperação entre os órgãos do Poder Judiciário pode se dar no campo da atividade jurisdicional, e a que atos no processo civil a cooperação será utilizada. Disso trataremos a seguir, ao comentarmos o artigo 69.

“Art. 69. O pedido de cooperação jurisdicional deve ser prontamente atendido, prescinde de forma específica e pode ser executado como:
I – auxílio direto;
II – reunião ou apensamento de processos;
III – prestação de informações;
IV – atos concertados entre os juízes cooperantes.
§ 1º As cartas de ordem, precatória e arbitral seguirão o regime previsto neste Código.
§ 2º Os atos concertados entre os juízes cooperantes poderão consistir, além de outros, no estabelecimento de procedimento para:
I – a prática de citação, intimação ou notificação de ato;
II – a obtenção e apresentação de provas e a coleta de depoimentos;
III – a efetivação de tutela provisória;
IV – a efetivação de medidas e providências para recuperação e preservação de empresas;
V – a facilitação de habilitação de créditos na falência e na recuperação judicial;
VI – a centralização de processos repetitivos;
VII – a execução de decisão jurisdicional.
§ 3º O pedido de cooperação judiciária pode ser realizado entre órgãos jurisdicionais de diferentes ramos do Poder Judiciário”.
Comentário: compondo-se o processo civil de uma série de atos, pode suceder, e frequentemente sucede que alguns atos devam ser praticados no território de outro juízo ou tribunal, ou, no caso em que o processo esteja a ser julgado em um tribunal superior, que algum ato tenha que ser executado em alguma parte do território nacional. Daí ter previsto o Código de Processo Civil de 2015, dentro do que denominou de “cooperação nacional”, que os tribunais e juízos devam colaborar entre si para que o processo possa receber decisão em tempo razoável, o que passa evidentemente pela execução dos atos processuais no menor tempo possível, pois como determina o “caput” do artigo 69 o pedido de cooperação jurisdicional deve ser “prontamente atendido”, sob qualquer dos atos enumerados de modo exemplificativo nos incisos desse artigo e de seus parágrafos, caso, por exemplo, dos atos de citação, de efetivação da tutela provisória de urgência, de colheitas de testemunhos, e de execução de qualquer ordem jurisdicional.
CARTAS: o CPC/2015 determina que, em geral, a cooperação entre tribunais e juízos deva ser solicitada por meio de carta precatória ou de ordem, conquanto se possa em determinados casos prescindir de uma forma específica, como autoriza o “caput” do artigo 69. No sistema da arbitragem, o CPC/2015 autoriza que seja utilizada a “carta arbitral”, quando a execução de um ato deva ocorrer em território diverso daquele em que o juízo ou tribunal arbitral atua.
Para a prática dos atos processuais realizados sob a forma de cooperação entre juízes e tribunais, deve-se observar o que estatui o artigo 189 do CPC/2015 quanto à forma e demais requisitos específicos à natureza e finalidade de cada ato.

LIVRO III – DOS SUJEITOS DO PROCESSO
TÍTULO I – DAS PARTES E DOS PROCURADORES
CAPÍTULO I – DA CAPACIDADE PROCESSUAL
“Art. 70. Toda pessoa que se encontre no exercício de seus direitos tem capacidade para estar em juízo”.
Comentário: assim como o Código Civil de 2002 cuida, em seu artigo 1o., da capacidade de direito para a prática de atos na ordem civil, no campo do processo civil essa mesma capacidade é exigida para a prática de atos no processo. Trata-se da capacidade jurídica de ser parte, o que constitui um requisito processual para validez da relação jurídico-processual. Antigamente, era usual referir-se a essa capacidade como “legitimatio ad processum”, para a diferenciar da “legitimatio ad causam”, que constitui uma condição da ação. Assim, não se pode confundir a capacidade jurídica para ser parte no processo civil (que é um requisito para a validez do processo, logo um pressuposto processual), da legitimidade para ser parte (que é uma condição da parte), como ensina LIEBMAN:
“A capacidade processual é uma qualidade intrínseca, natural, da pessoa; dela deriva, no plano jurídico, a possibilidade de exercer validamente os direitos processuais que a pessoa tem. Essa possibilidae se chama, segundo uma antiga terminologia, legitimação formal (legitimatio ad processum), não devendo ser confundida com a legitimatio ad causam, que é a legitimação para agir. A distinção entre capacidade processual e legitimação formal torna-se relevante nos casos em que a parte carece de capacidade processual: o exercício dos seus direitos processuais é então confiado pela lei a terceiros, os quais, justamente em virtude de tal investidura, adquirem a legitimação formal e estão no processo, realizando todos os atos processuais em nome e por conta da parte que representam”. (“Manual de Direito Processual Civil”, v. I, trad. por Cândido Rangel Dinamarco, 2a. edição, p. 92, Forense).
PERSONALIDADE JURÍDICA E PERSONALIDADE JUDICIÁRIA (PERSONALIDADE PROCESSUAL): há determinados entes e órgãos que, conquanto não possuam personalidade jurídica (a capacidade de direito), possuem a personalidade judiciária (a capacidade de figurarem na relação jurídico-processual). A Lei é que determinará os casos excepcionais em que essa personalidade judiciária existe, situação, por exemplo, da câmara legislativa ou do tribunal de contas, os quais possuem a personalidade judiciária quando a ação versar sobre ato de prerrogativa ou do interesse direto desses entes públicos, os quais, contudo, não possuem a personalidade jurídica (a capacidade jurídica de ser parte), e por isso devem ser representados em Juízo conforme estabelecer a lei (confira-se o artigo 75 do CPC/2015). São denominados “partes formais” os entes e órgãos que possuem apenas a personalidade judiciária ou processual, como se dá com o espólio e a herança jacente.
EXTINÇÃO ANORMAL DO PROCESSO: constatando o juiz a ausência da capacidade jurídica da parte, e não sendo possível a sua regularização (confira-se o artigo 76 do CPC/2015), ocorrerá a extinção anormal do processo, sem resolução do mérito, tal como estabelece o artigo 485, inciso IV, do CPC/2015.

“Art. 71. O incapaz será representado ou assistido por seus pais, por tutor ou por curador, na forma da lei”.
Comentário: na hipótese de a parte (autor, réu, interveniente) não poder exercer pessoalmente os atos no processo, por lhe faltar a capacidade jurídica para agir, ou seja, quando se caracteriza a incapacidade civil (absoluta e relativa), segundo o que preveem os artigos 3o. e 4o. do Código Civil de 2002 (com a redação que lhes foi dada pela Lei federal 13.146/2015), exige a lei processual civil que a parte seja representada (no caso da incapacidade absoluta), ou assistida (no caso da incapacidade relativa), o que ocorre, por exemplo, no caso dos menores de dezesseis anos, ou de alguém que esteja sob tutela ou curatela, sendo de se observar a forma de representação ou de assistência regulada pela lei civil, a qual pode exigir, a critério do legislador, além da representação no processo, a autorização judicial para a propositura da ação.
Importante observar que não se pode confundir a incapacidade para exercer pessoalmente atos no processo, de que trata o artigo 71, com a legitimidade para agir. Assim, o incapaz (e não seu representante) é parte no processo e como tal deve ser citado. Sua atuação no processo, a saber, a prática dos atos no processo é que deve se dar por representante ou assistente, tutor ou curador, na forma como a lei civil dispuser.

“Art. 72. O juiz nomeará curador especial ao:
I – incapaz, se não tiver representante legal ou se os interesses deste colidirem com os daquele, enquanto durar a incapacidade;
II – réu preso revel, bem como ao réu revel citado por edital ou com hora certa, enquanto não for constituído advogado.
Parágrafo único. A curatela especial será exercida pela Defensoria Pública, nos termos da lei”.
Comentário: com a finalidade de reforçar a proteção aos interesses do incapaz, ou do réu cuja especial situação especial isso também possa justificar (caso do réu preso, ou daquele citado por edital ou hora certa), a norma em questão determina que o juiz nomeie um “curador especial”, que obrigatoriamente (ou seja, sob pena de nulidade) atuará na defesa do incapaz, seja quando este estiver na posição jurídico-processual de autor, de réu ou de interveniente, na hipótese de o incapaz não contar com representante legal, ou quando os interesses desse representante puderem colidir com os do incapaz, curatela que perdurará enquanto durar a incapacidade. A norma não qualifica a natureza jurídica desse interesse, de modo que caberá ao juiz analisar, caso a caso, se existe interesse, e qual a sua natureza, para decidir se nomeará ou não o curador especial.
RÉU PRESO, RÉU CITADO POR EDITAL OU COM HORA CERTA: para essas hipóteses, a norma em questão também impõe a nomeação de curador, cuja atuação no processo perdurará enquanto o réu não constituir advogado.
DEFENSORIA PÚBLICA: com a implantação em todos os Estados-membros e no Distrito Federal da Defensoria Pública, o mesmo tendo sucedido no âmbito da Justiça Federal com a Defensoria Pública da União, prevê o artigo 72 que caberá a essa instituição exercer a curadoria especial, não impedindo, contudo, que a Defensoria Pública possa, mediante convênio administrativo, delegar a órgãos como a OAB a indicação de profissionais para que atuem como curador especial em processos judiciais.
CURADOR X CURADOR ESPECIAL: não se há confundir a figura do “curador”, que, nos termos do Código Civil, é aquele que, nos atos da vida civil e também no processo, representa ou assista o incapaz, da figura do “curador especial”, que é aquele que, no processo civil e apenas nele, representa a parte nas hipóteses previstas no artigo 72 do CPC/2015.

“Art. 73. O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens.
§ 1º Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para a ação:
I – que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens;
II – resultante de fato que diga respeito a ambos os cônjuges ou de ato praticado por eles;
III – fundada em dívida contraída por um dos cônjuges a bem da família;
IV – que tenha por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóvel de um ou de ambos os cônjuges.
§ 2º Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nas hipóteses de composse ou de ato por ambos praticado.
§ 3º Aplica-se o disposto neste artigo à união estável comprovada nos autos”.
Comentário: como desenvolvimento do princípio que deu origem ao instituto do litisconsórcio, segundo o qual devem integrar o processo civil todas as pessoas que podem ter a sua esfera jurídica atingida por efeitos do provimento jurisdicional, obriga o artigo 73 (em uma redação muito próxima a do artigo 10 do CPC/1973) que, na ação que verse sobre direito real imobiliário, os cônjuges, ou integrem como parte o processo, ou, então, que o cônjuge que propuser a ação terá que comprovar o consentimento de seu cônjuge. Todas as hipóteses tratadas pelos parágrafos 1o e 2o. referem-se a ações nas quais essa mesma situação está presente, ou seja, quando há o risco de que efeitos decorrentes do provimento jurisdicional possam atingir a esfera jurídica do cônjuge que não integra como parte o processo, caso, por exemplo, da ação que diga respeito a ônus sobre bem imóvel, ou da ação possessória. Essas hipóteses não são taxativas, podendo o juiz determinar que a citação do cônjuge ocorra em ação que, embora não esteja no rol legal, poderá acarretar o mesmo risco a que se referiu. De resto, as regras gerais do litisconsórcio podem ser aplicadas quando a hipótese não estiver expressa no rol do artigo 73.
SEPARAÇÃO ABSOLUTA DE BENS: ressalva o legislador que, adotado o regime jurídico de separação absoluta dos bens, em conformidade com o qual individualiza-se o patrimônio de cada cônjuge, como não há, em tese, o risco de que a esfera jurídica do terceiro (no caso, do cônjuge que não é parte no processo) seja atingida, é desnecessário o consentimento ou a citação do terceiro. Mas caberá ao juiz analisar se, a despeito de ter sido adotado o regime da separação absoluta de bens, poderá ou não surgir o risco de projeção de efeitos da demanda sobre a esfera jurídica do cônjuge.
UNIÃO ESTÁVEL: no texto original do CPC/2015, na redação final do anteprojeto, previu-se que à união estável, “comprovada nos autos”, deveria se aplicar o artigo 73. Era o que estabelecia o parágrafo 3o., o qual, contudo, não integrou a redação final. De qualquer modo, nada obsta que o juiz, aplicando a analogia, estenda à união estável o que se aplica ao casamento em termos de exigência quanto ao consentimento para a ação real imobiliária, ou para qualquer das hipóteses mencionadas nos parágrafos 1o. e 2o. do artigo 73. Quiçá a supressão do parágrafo 3o. do texto definitivo terá sido a melhor opção do legislação, que, assim não impede que o juiz, analisando as circunstâncias da demanda, atento sempre à existência de risco quanto à esfera jurídica de terceiro (no caso, do companheiro/a ou convivente), exija o consentimento para a propositura da ação, ou a citação.
CONSENTIMENTO DO CÔNJUGE/COMPANHEIRO/CONVIVENTE PARA PROPOSITURA DA AÇÃO: trata-se de pressuposto processual, de modo que se cuida de matéria de ordem pública, que deve ser pelo juiz pronunciada de ofício, caso inexista o consentimento do cônjuge/companheiro/convivente. Mas o juiz, em lugar de declarar de imediato a extinção anormal do processo, deverá conceder prazo que se regularize a falta do consentimento.

“Art. 74. O consentimento previsto no art. 73 pode ser suprido judicialmente quando for negado por um dos cônjuges sem justo motivo, ou quando lhe seja impossível concedê-lo.
Parágrafo único. A falta de consentimento, quando necessário e não suprido pelo juiz, invalida o processo”.
Comentário: conforme o artigo 73, para determinados tipos de ação a lei exige que ambos os cônjuges (e também companheiros ou conviventes) integrem a relação jurídico-processual sob pena de nulidade do processo. Poderá suceder, contudo, que um dos cônjuges (ou companheiro ou convivente) recuse-se a participar do processo, o que faz instalar uma controvérsia a respeito, a ser dirimida em vara de família, que é competente (em razão da matéria) para analisar e decidir acerca das razões e motivos da recusa ao consentimento, para o suprir por decisão judicial, ou para ratificar a vontade do cônjuge. O Código Civil, em seu artigo 1.647, prevê para quais atos da vida civil o consentimento do cônjuge deverá ser dado, abarcando a prática de atos no processo civil (inciso II), a caracterizar que se trata de relação jurídico-material diretamente ligada ao regime de bens entre os cônjuges, de modo que a competência é da vara de família. O mesmo se deve concluir, em termos de competência, quando a recusa ao consentimento emanar de companheiro/a ou convivente.
JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA: embora o CPC/2015 não preveja no artigo 725 a ação de suprimento de consentimento, é da tradição do direito brasileiro, formada quando em vigor o CPC/1939, que se adotem para essa ação as regras inerentes à jurisdição voluntária, nomeadamente a do artigo 723, parágrafo único, do CPC/2015, que permite o juiz não observe, em todo o seu rigor, a legalidade estrita, o que significa que possa julgar com base em critério de equidade, para decidir se deve suprir o consentimento, ou se devem prevalecer as razões de recusa do cônjuge, do companheiro/convivente.
Esse mesmo tipo de ação é de ser utilizada quando, por alguma situação, o cônjuge não possa emitir seu consentimento, quando, por exemplo, esteja em local incerto ou não sabido. Mas é de se ressaltar que, estando o cônjuge sob regime de curatela, e sendo seu curador o cônjuge (cf. artigo 1.775 do Código Civil), neste caso deve o juiz nomear ao cônjuge interdito curador especial, segundo o que prevê o artigo 72, inciso I, do CPC/2015.
NULIDADE DO PROCESSO: o consentimento do cônjuge, ou a tutela jurisdicional que o supra, é pressuposto indispensável ao processo, de modo que, em não havendo o consentimento, ou a tutela jurisdicional que o tenha suprido, o juiz declarará extinto o processo, sem resolução do mérito, segundo o artigo 485, inciso IV, do CPC/2015. Mas o juiz deve sempre conceder prazo para que a falha seja regularizada, antes de declarar extinto o processo.

“Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente:
I – a União, pela Advocacia-Geral da União, diretamente ou mediante órgão vinculado;
II – o Estado e o Distrito Federal, por seus procuradores;
III – o Município, por seu prefeito ou procurador;
IV – a autarquia e a fundação de direito público, por quem a lei do ente federado designar;
V – a massa falida, pelo administrador judicial;
VI – a herança jacente ou vacante, por seu curador;
VII – o espólio, pelo inventariante;
VIII – a pessoa jurídica, por quem os respectivos atos constitutivos designarem ou, não havendo essa designação, por seus diretores;
IX – a sociedade e a associação irregulares e outros entes organizados sem personalidade jurídica, pela pessoa a quem couber a administração de seus bens;
X – a pessoa jurídica estrangeira, pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil;
XI – o condomínio, pelo administrador ou síndico.
§ 1º Quando o inventariante for dativo, os sucessores do falecido serão intimados no processo no qual o espólio seja parte.
§ 2º A sociedade ou associação sem personalidade jurídica não poderá opor a irregularidade de sua constituição quando demandada.
§ 3º O gerente de filial ou agência presume-se autorizado pela pessoa jurídica estrangeira a receber citação para qualquer processo.
§ 4º Os Estados e o Distrito Federal poderão ajustar compromisso recíproco para prática de ato processual por seus procuradores em favor de outro ente federado, mediante convênio firmado pelas respectivas procuradorias”.
Comentário: cabe à lei de natureza material (o Código Civil, por exemplo) regular acerca da personalidade jurídica, que é a capacidade (de direito e de fato) para a prática dos atos da vida civil. No caso dos entes públicos, a lei que cria determinado ente público disciplina a respeito constitução da respectiva personalidade jurídica. Assim, o Código de Processo Civil, ao cuidar da representação das partes no processo, utiliza-se da personalidade jurídica que é criada e definida pelas normas materiais. Daí ter o artigo 75 (em uma redação bastante semelhante à do artigo 12 do CPC/1973) estabelece a forma como serão representados, no processo civil, diversos entes e órgãos, dando azo a uma importante distinção no campo do processo entre “personalidade jurídica” e “personalidade judiciária”, sendo esta a capacidade da qual deve o órgão ser dotado para que possa, ele próprio como tal, ser parte em um processo. Pode suceder, portanto, que um determinado órgão, por exemplo, a assembleia legislativa de um Estado-membro, possua personalidade jurídica, mas não possua a personalidade judiciária exigida para determinado tipo de ação, caso em que será representada por outro órgão (no caso, pela fazenda pública do Estado-membro). Caberá tanto à lei material quanto a de natureza processual regularem acerca da constituição ou não da personalidade judiciária a determinado órgão ou ente público.
PRESENTAÇÃO – REPRESENTAÇÃO: é frequente que a doutrina atual empregue a distinção entre “presentação” e “representação” (cf., por exemplo, NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, in “Código de Processo Civil Comentado). Essa distinção, que é de reduzidos efeitos práticos, é criação de PONTES DE MIRANDA, que ao comentar o artigo 12 do CPC/1973, dela cuida:
” (…) onde há órgão não há representação, nem procuração, nem mandato, nem qualquer outro outorga de poderes. O órgão é parte do ser, como acontece às entidades jurídicas, ao próprio homem e aos animais. Coração é órgão, fígado é órgão, olhos são órgãos; o Presidente da República é órgão; o Governador de Estado-membro e o Prefeito são órgãos. Quando uma entidade social, que se constitui, diz qual a pessoa que por ela figura nos negócios jurídicos e nas atividades com a Justiça, aponta-se como o seu órgão, que pode presentá-la (isto é, estar presente para dar presença à entidade de que é órgão), e, conforme a lei ou os estatutos, outorgas poderes a outrem, que então representa a entidade. Quando o art. 12 do Código de Processo do Código de Processo Civil diz que os seres sociais por ela apontados são ‘representados em juízo, ativa e passivamente’, pelas pessoas que menciona, erra, palmarmente, sempre que não houve outorga de podres e sim função de órgãos. Onde não se trata de órgão, caberia empregar a palavra ‘representação’, ‘representar’, ‘representante’, ‘representado’, não porém, onde a participação processual, ativa ou passiva, é de órgão”.
Importante observar que o artigo 75 cuida da representação processual, que é um pressuposto processual, e não da legitimidade para a causa, esta uma condição da ação.
ROL: o artigo 75 enumera a forma como os entes públicos (a União Federal, os Estados-membros, os Municípios), entes despersonalizados (como a massa falida, a herança, o condomínio), e pessoas jurídicas de direito privado são representadas no processo civil (ou, “presentadas” em certas hipóteses, se adotarmos a terminologia de PONTES DE MIRANDA.
CONVÊNIO: novidade trazida pelo CPC/2015 é a que diz respeito à possibilidade de os entes públicos firmarem convênio (que é um instrumento do direito administrativo) para a prática de atos compartilhados no processo civil. É o que está regulado no parágrafo 4o. do artigo 75.

“Art. 76. Verificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício.
§ 1º Descumprida a determinação, caso o processo esteja na instância originária:
I – o processo será extinto, se a providência couber ao autor;
II – o réu será considerado revel, se a providência lhe couber;
III – o terceiro será considerado revel ou excluído do processo, dependendo do polo em que se encontre.
§ 2º Descumprida a determinação em fase recursal perante tribunal de justiça, tribunal regional federal ou tribunal superior, o relator:
I – não conhecerá do recurso, se a providência couber ao recorrente;
II – determinará o desentranhamento das contrarrazões, se a providência couber ao recorrido”.
Comentário: em consonância com o regime de ônus que é adotado pelo CPC/2015, o artigo 76 prevê que consequências a parte e o interveniente sofrerão na hipótese em que não regularizem a sua incapacidade ou representação no processo. A consequência varia conforme se trate do autor ou do réu, e no caso do interveniente, segundo o polo em que esteja a atuar.
Assim, no caso de o autor não regularizar, no prazo fixado pelo juiz, a sua incapacidade ou a sua representação, suportará a extinção anormal do processo, por aplicação do artigo 485, inciso IV, do CPC/2015 (ausência de pressuposto processual). Se for o réu, será decretada a sua revelia, com os efeitos que dela ocorrem, ou podem ocorrer (artigos 344-346 do CPC/2015).
No caso do interveniente, a consequência que se lhe aplica como ônus no caso em que não regulariza a sua incapacidade ou representação no processo, será a extinção anormal do processo por ausência de pressuposto processual se estiver a ocupar o polo ativo da relação jurídico-processual, e a revelia, se estiver a ocupar o polo passivo. Note-se, pois, uma mudança significativa na regulação da matéria, pois que no CPC/1973 a consequência imposta ao interveniente era a sua exclusão da relação jurídico-processual.
O “caput” obriga o juiz (tratando-se, pois, de um dever, não de uma faculdade) a determinar a suspensão do trâmite do processo, se identifica irregularidade quanto à capacidade para a prática de atos no processo, ou quando a irregularidade disser respeito à representação da parte ou do interveniente, devendo fixar um prazo “razoável” para que seja sanado o vício, cabendo à discricionariedade do juiz, portanto, estipular o prazo, impondo-se ao juiz, outrossim, o dever de explicitar que circunstâncias terá considerado para a estipulação do prazo.
TRIBUNAL: se o processo estiver em grau de recurso, e houver incapacidade ou irregularidade na representação processual da parte que interpôs o recurso, não sanado o vício, o relator, em decisão monocrática, não conhecerá do recurso. Se a incapacidade ou a irregularidade na representação for da parte recorrida, então nesse caso, como consequência do ônus, o relator determinará o desentranhamento das contrarrazões de recurso, peça que assim não será conhecida no âmbito de cognição recursal.

CAPÍTULO II – DOS DEVERES DAS PARTES E DE SEUS PROCURADORES
SEÇÃO I – DOS DEVERES
“Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:
I – expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II – não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;
III – não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;
IV – cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;
V – declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva;
VI – não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.
§ 1º Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça.
§ 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta.
§ 3º Não sendo paga no prazo a ser fixado pelo juiz, a multa prevista no § 2º será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado após o trânsito em julgado da decisão que a fixou, e sua execução observará o procedimento da execução fiscal, revertendo-se aos fundos previstos no art. 97.
§ 4º A multa estabelecida no § 2º poderá ser fixada independentemente da incidência das previstas nos arts. 523, § 1º, e 536, § 1º.
§ 5º Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa prevista no § 2º poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo.
§ 6º Aos advogados públicos ou privados e aos membros da Defensoria Pública e do Ministério Público não se aplica o disposto nos §§ 2º a 5º, devendo eventual responsabilidade disciplinar ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria, ao qual o juiz oficiará.
§ 7º Reconhecida violação ao disposto no inciso VI, o juiz determinará o restabelecimento do estado anterior, podendo, ainda, proibir a parte de falar nos autos até a purgação do atentado, sem prejuízo da aplicação do § 2º.
§ 8º O representante judicial da parte não pode ser compelido a cumprir decisão em seu lugar”.
Comentário: dada a diversidade de temas que estão tratados no artigo 77 do CPC/2015 (artigo que constitui o núcleo para a compreensão do instituto da litigância de má-fé), dividiremos em cinco partes os comentários, iniciando-os por esta introdução que tem o objetivo de provocar o leitor a considerar uma distinção, muitas vezes olvidada pela doutrina, entre as figuras jurídicas do “abuso de direito” e da “litigância de má-fé”.
E para isso convidamos o leitor a conhecer uma pequena passagem de um romance (sim, de um romance) escrito em Portugal em 1862, aspecto temporal que é de grande relevo sublinhar porque àquela altura a doutrina civilista ainda não havia fixado a essência e os caracteres da figura do ato abusivo.
O que a seguir será reproduzido é do romancista português JÚLIO DINIZ, que é mais conhecido por ser o autor do romance “As Pupilas do senhor Reitor”, que no Brasil ganhou notoriedade depois de uma adaptação para uma conhecida novela.
Eis a passagem que o leitor encontrará no livro “Uma Família Inglesa”, de JÚLIO DINIZ, cuja formação era a medicina (e não Direito):
“Há certos homens, escrupulosos respeitadores da letra das leis, que praticarão desafogados qualquer ação averiguadamente ilícita, sempre que possam sofismar os artigos do Código de maneira que se ressalvem da pronúncia judicial, dando-se-lhes pouco que o espírito que os ditara ao legislador fique muito maltratado pelo sofisma”.
Surpreendentemente, neste trecho de pura ficção está, em resumo, tudo aquilo que formará a essência do que viria a configurar-se na doutrina germânica a figura do ato abusivo.
Na primeira parte dos comentários ao artigo 77, desenvolveremos a distinção entre o ato abusivo no processo e a litigância de má-fé, e o leitor poderá, por conta própria, confirmar se o romancista português não terá delineado a figura do ato abusivo, antes que os juristas a criassem.

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ X ABUSO DE DIREITO.
A uma origem comum, baseada na intromissão no processo civil da reflexão valorativa, é que se pode creditar a confusão que desde o início se instalou, e que radica na indevida assimilação do instituto da litigância de má-fé ao do abuso de direito. As obras de doutrina, as mais conceituadas, a jurisprudência mais vetusta, inclusive aquela da lavra dos tribunais franceses, idealizadores, em verdade, do abuso de direito como categoria jurídica, enfim, todos fazem uso indistinto dessa consagrada expressão para, com ela, alcançar os casos de litigância de má-fé.
Diferentemente do que ocorre no ato ilícito, pois, em que se caracteriza a violação do dever jurídico, e com isso a estrutura jurídico-formal da norma é transgredida, no caso do abuso de direito tal estrutura é respeitada, e por esse motivo “o titular actua no seu direito, move-se dentro dele, mas, na realidade, comportamento e direito opõem-se pelo concreto sentido que um e outro possuem diferentemente”; e se a forma está presente, “o seu preciso valor está ausente, a realidade finge o direito”, como afirma Fernando Augusto Cunha de Sá, em importante obra que dedicou ao tema.
É dizer: o aspecto teleológico da norma jurídica é violado, à proporção que o titular do direito subjetivo age com um fim diverso daquele definido pelo comando legal, embora respeite a estrutura jurídico-formal da norma. Eis, em resumo, o que é a figura do abuso de direito.
No ato abusivo, por conseguinte, o titular do direito subjetivo, malgrado respeite o comando normativo (rectius: dever jurídico), atua, consciente ou inconscientemente, contra o valor que forma o conteúdo da norma jurídica, o que não quer significar que aja com dolo ou com culpa. De resto, assim não age no plano jurídico.
Mas no caso da litigância de má-fé, não há um abuso do direito de litigar, senão que a prática de um ato ilícito na prática dos atos processuais, exigindo o nosso CPC/2015 (tanto quanto o fazia o CPC/1973) o dolo como elemento subjetivo indispensável à caracterização da figura da litigância de má-fé.
Assim, se no abuso de direito há o exercício incorreto de um determinado direito subjetivo, avaliado sob o prisma do fim ou da finalidade (que se consubstancia no valor jurídico), na litigância de má-fé está presente a violação dolosa a um dever-jurídico-legal, configurando-se a figura do ato ilícito no processo.
As condutas que estão fixadas no artigo 77 do CPC/2015 configuram deveres jurídicos, e a sua violação dolosa caracteriza a litigância de má-fé. Não há aí abuso de direito, senão que a prática de um ato ilícito que é comumente designado como “litigância de má-fé”.

Depois de termos visto, na introdução aos comentários ao artigo 77, que o nosso CPC/2015 abandonou a índole marcadamente ética que fora adotada pelo CPC/1973, mitigando essa índole, e de termos estabelecido uma distinção doutrinária entre os institutos da litigância de má-fé e do abuso de direito, analisaremos, nesta segunda parte, o dever de dizer a verdade, que como tal, ou seja, como um dever jurídico-legal é imposto às partes, a seus procuradores e a todos os que intervém na relação jurídico-processual.
Se hoje não há uma consistente resistência da doutrina quanto a necessidade de a lei instituir o dever de dizer a verdade no processo, para que isso ocorresse foi necessário percorrer um longo trajeto. Entre nós, João Bonumá representava o pensamento contrário a se poder impor o dever de dizer a verdade no processo, como se colhe de sua mais conhecida obra, “Direito Processual Civil”, publicada em 1946, o que dá bem a noção de quão resistente, no tempo e na intensidade, mostrou-se a predita objeção:
“Certo é que as partes devem dizer a verdade, mesmo quando essa verdade as prejudica. Mas esse é um dever moral, não um dever jurídico. As mais das vezes, as partes ou se excedem no referir os fatos da demanda, ou os referem alterados inconscientemente e ao sabor de suas conveniências, ou simplesmente silenciam sobre circunstâncias que lhes parecem desfavoráveis. Moralmente esse procedimento é indesculpável, mas, juridicamente, é impossível evitá-lo. Desde que não se evidencie o dolo, a malícia, produtos de um prejuízo desnecessário à parte adversa, não há na lei possibilidade de sanções. Dar, em tais casos, ao juiz, poderes para punir desvios da consciência moral é afastá-lo de sua missão e transformá-lo em censor”.
Baseada no argumento de que se tratava apenas de um dever de conteúdo ético, cuja aplicação a estrutura dialética do processo obstava, entendia a doutrina, capitaneada por Carnelutti, que não era possível consagrá-lo em texto legal, porque embora se reconhece-se, no plano lógico, a obrigação de a parte dizer a verdade, no plano prático, obtemperava-se, havia um intransponível obstáculo: o princípio dispositivo e a liberdade que por sua aplicação concede-se aos litigantes.
Decorre basicamente de dois fatores o equívoco da doutrina que defendia a tese de que o dever de dizer a verdade é de matriz puramente subjetiva: de uma incorreta intelecção do que é a verdade, gerada a partir de uma inadequada leitura, ou ainda de uma açodada leitura dos textos filosóficos que cuidaram desse tormentoso tema, e ainda do desconsiderar que o elemento intencional não pode ser confundido com a verdade em si.
Mas o fato é que as legislações processuais deixaram de considerar a problemática filosófica acerca do conceito de “verdade”, e com uma finalidade puramente prática passaram a considerar esse dever circunscrito àqueles fatos que dizem respeito à conformação essencial da lide, fatos que, assim, não podem ser dolosamente subtraídos ao conhecimento do juiz, ou não podem ser manipulados artificialmente pela parte (alteração da verdade).
Incorre a doutrina em equívoco quando afirma que o dever de dizer a verdade aplica-se apenas aos fatos, e não ao direito, dado que aí prevaleceria o princípio do “iura novit curia”. Considere-se, a título de exemplo, a conduta da parte que, dolosamente, invoca uma norma inexistente, apenas para conduzir o juiz ao equívoco de subsumir os fatos alegados a essa norma inexistente. Poder-se-ia argumentar que o juiz terá o dever de apurar se a norma existe ou não, mas esse dever também lhe é imposto quanto aos fatos, sem o que, aliás, ele não poderia afirmar houvesse violação ao dever de dizer a verdade, se não cuidasse apurá-los.
O que o dever de dizer a verdade impõe à parte, a seus procuradores e a todos aqueles que intervém no processo é que não manipulem a verdade, seja quanto aos fatos essenciais que compõem a lide, seja quanto às normas que, na visão das partes, deveriam ser aplicadas a esses mesmos fatos, de modo que a atuação no processo revele-se de acordo com o que exige a probidade.

Prosseguindo na análise do artigo 77 do CPC/2015 – e para a concluir -, consideremos agora quais os deveres jurídico-legais que são impostos às partes, a seus procuradores, e àqueles que de qualquer modo participam do processo. São eles:
I – expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II – não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;
III – não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;
IV – cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;
V – declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva;
VI – não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.
Note-se desde logo que o dever de proceder com lealdade e boa-fé, que o CPC/1973 previa em seu artigo 14, inciso II, desapareceu do rol dos deveres jurídico-legais, o que, como já comentamos, reflete o objetivo do nosso legislador de enfraquecer, ou mesmo abandonar a figura de um “processo ético”, para prestigiar apenas a efetividade. Tratava-se, como destacava a doutrina, do principal dever jurídico-legal ligado à litigância de má-fé, e a sua supressão no atual Código não pode ser justificada pelo argumento de que as condutas previstas nos demais incisos do artigo 77 colmatam a ausência do dever de lealdade processual. Essas condutas de certa maneira podem, é certo, ser abarcadas no conceito de lealdade processual, mas este, por ser mais amplo, concedia ao juiz a liberdade necessária para analisar com maior completude e segundo as circunstâncias do caso em concreto as condutas praticados no processo sob o enfoque de uma norma moral positivada, como era a do artigo 14, inciso II, do CPC/1973.
Poder-se-ia argumentar que como o artigo 5o. do CPC/2015 obriga todo aquele que participa do processo a comportar-se de acordo com a boa-fé, a lealdade processual, malgrado não prevista como dever-jurídico legal no regime do novo código, estaria ainda a incidir em nosso Código de Processo Civil, o que não nos parece ocorrer. Sobre os conceitos de boa-fé e de lealdade não se equivalerem em seu conteúdo, há também por se observar que o artigo 5o. veicula um princípio, e não propriamente um dever-jurídico legal, tanto assim que a boa-fé não aparece no texto do artigo 77, mas aparece noutros dispositivos, como nos artigos 323, parágrafo 2o., e 489, parágrafo 3o, do CPC/2015, a demonstrar que o atribuiu à boa-fé a natureza jurídica de um princípio, e não como um dever. Importante observar, nesse contexto, que como adscreve HABERMAS, o Direito positivo moderno utiliza-se de uma norma moral autônoma, a qual exige que diferenciemos entre normas, princípios explicativos e procedimentos (cf. “Direito e Moral”, p. 103, Instituto Piaget). De modo que, erigida a boa-fé como uma norma moral autônoma, ela impõe ao juiz considere a boa-fé como um princípio, e não como um dever, com todas as momentosas consequências que daí decorrem.
No mais, o CPC/2015 manteve os deveres que o nosso Código anterior fixava, a eles acrescentando o que impõe a obrigação de declinar-se o endereço residencial ou profissional em que se deva receber, e de manter atualizado esse endereço, e também o dever de não praticar inovação ilegal no estado de fato do bem ou do direito objeto do litigioso, o que no CPC/1973 (artigo 879, inciso III) caracterizava o suporte fático-jurídico para a caracterização do atentado, que naquele código ensejava a proteção por meio de ação cautelar.
Já tratamos, em comentário anterior, sobre o dever de dizer a verdade previsto no artigo 77, inciso I, de modo que remetemos o leitor àqueles comentários.
Importante observar, por fim, que o elemento subjetivo (o dolo) é conatural à figura da litigância de má-fé (embora não o seja em relação à figura do abuso de direito), de modo que em relação aos deveres fixados em todos os incisos do artigo 77, e também às hipóteses previstas no artigo 80, a comprovação do dolo é indispensável.

“Art. 78. É vedado às partes, a seus procuradores, aos juízes, aos membros do Ministério Público e da Defensoria Pública e a qualquer pessoa que participe do processo empregar expressões ofensivas nos escritos apresentados.
§ 1º Quando expressões ou condutas ofensivas forem manifestadas oral ou presencialmente, o juiz advertirá o ofensor de que não as deve usar ou repetir, sob pena de lhe ser cassada a palavra.
§ 2º De ofício ou a requerimento do ofendido, o juiz determinará que as expressões ofensivas sejam riscadas e, a requerimento do ofendido, determinará a expedição de certidão com inteiro teor das expressões ofensivas e a colocará à disposição da parte interessada”.
Comentário: era comum na doutrina mais antiga comparar-se o processo a um jogo ou mesmo a tipo de duelo, porque se tinha a imagem do processo como um campo de batalha entre os interesses do autor e do réu. Essa feição do processo justificava a resistência que a doutrina e os códigos tinham quanto a impor às partes o dever de dizer a verdade, e mesmo o de lealdade, por se entender que era natural ao processo aceitar certos excessos, inclusive na linguagem utilizada. Mas com a compreensão de que o processo é uma técnica de que vale o Estado para a solução dos litígios, e que o interesse público é o valor a proteger-se, surgiu a necessidade de se fixarem determinados limites às condutas das partes no processo. Passou-se assim a controlar a linguagem que as partes podem empregar, linguagem que não pode ser ofensiva, deixando o legislador à interpretação do juiz a qualificação da linguagem como ofensiva ou não, o que é comum ocorrer quanto a conceitos cujo conteúdo é modificado conforme o tempo.
O artigo 15 do CPC/1973 previa que “É defeso às partes e seus advogados empregar expressões injuriosas nos escritos apresentados no processo, cabendo ao juiz, de ofício ou a requerimento do ofendido, mandar riscá-las”. A novidade trazida pelo artigo 78 do CPC/2015 está na ampliação dos destinatários diretos dessa norma, porque além das partes e de seus procuradores, a norma em vigor impõe também aos juízes, aos membros do Ministério Público, aos da Defensoria Pública, e a todos aqueles que participam do processo o dever de não empregarem expressões ofensivas nos escritos que apresentem no processo. Como se vê, o juiz do processo foi incluído no rol dos destinatários diretos da norma, de forma que igualmente a ele se veda o emprego de expressões ofensivas, tanto quanto sucede às partes. Obviamente que, nesse caso, será o tribunal, quando estiver a analisar recurso ou mesmo em sede disciplinar, que analisará se a expressão utilizada pelo juiz sobre-excedeu ou não o limite da urbanidade (este também um conceito indeterminado) para, conforme o caso, determinar se faça suprimir ou riscar a expressão de que o juiz terá se utilizado e que caracterize ofensa.
Essa era, aliás, a única sanção que o artigo 15 do CPC/1973 previa, diversamente do que se dá no novel Código, que possibilita que o ofendido adote outras providências que entender adequadas, inclusive a busca de uma reparação por dano, o que justifica a ressalva que consta da parte final do parágrafo 2o. do artigo 78 quanto a expedição de certidão para a prova do fato.
Em se tratando de ato processual praticado em audiência, prevê o parágrafo 1o. do artigo 78 que o juiz advertirá o ofensor, antes de lhe cassar a palavra, se a conduta persistir. E se o ofensor for o juiz? A norma não cuida dessa hipótese, o que, contudo, não exclui a possibilidade de a parte levar ao tribunal o conhecimento da situação ocorrida em audiência, para análise da violação da norma em questão.
Em se tratando de um conceito indeterminado, como é que o envolve a dicção legal “expressão ofensiva”, é indispensável que o juiz (ou tribunal) fundamente de modo preciso e explícito o que considerou como limite de urbanidade, indicando com clareza o que, na expressão empregada, teria superado esse limite.

SEÇÃO II- DA RESPONSABILIDADE DAS PARTES POR DANO PROCESSUAL
“Art. 79. Responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente”.
Comentário: depois que o artigo 77 do CPC/2015 fixou quais os deveres que se impõem às partes e àqueles que de qualquer modo atuam no processo, era natural que o mesmo Código regulasse um específico regime jurídico de responsabilidade civil. É disso que trata o artigo 79, cuja redação é bastante próxima à do artigo 16 do CPC/1973, aperfeiçoado apenas na utilização do verbo “litigar”, que é mais abrangente do que o verbo “pleitear”, utilizado no Código de 1973. Com efeito, o dano causado no e processo civil, pela ocorrência de conduta que, violando dolosamente qualquer dos deveres fixados no rol do artigo 77, caracteriza a litigância de má-fé, pode não corresponder propriamente a um pleito da parte no sentido tradicional que se extrai desse termo, mas pode decorrer, por exemplo, de uma conduta de resistência a um pleito, de modo que o verbo “litigar” revela-se mais azado ao objetivo da norma.
O artigo 79, ao tratar das perdas e danos, não remete expressamente ao artigo 402 do Código Civil de 2002, embora o devesse ter feito. De qualquer modo, esse é o regime jurídico que deverá ser aplicado às perdas e danos gerados no e pelo processo civil, o que significa dizer que abrangem, além do que efetivamente se perdeu em virtude da litigância de má-fé, também o que razoavelmente se deixou de lucrar em razão dela. A reparação abrange os danos morais.
A reparação por perdas e danos decorrentes da litigância de má-fé pode ser pleiteada no mesmo processo em que a litigância terá se configurado, mas nada obsta que o prejudicado busque, noutra ação, a recomposição dos danos, se isso for de seu interesse. Com efeito, a apuração dos danos poderá consumir tempo e criar óbice ao julgamento da causa, e a parte prejudicada poderá ter interesse no célere julgamento da demanda, o mesmo devendo ser observado pelo juiz, que assim poderá, conforme as circunstâncias do caso em concreto, remeter a análise da litigância de má-fé às vias ordinárias, conquanto possa declarar a conduta como caracterizadora da litigância de má-fé, de modo que nessa hipótese, em se produzindo a coisa julgada material, remanescerá apenas a liquidação das perdas e danos.
Mas é importante observar que o Código de 2015 não fixa um regime de preclusão para a alegação de litigância de má-fé; assim, não obsta que o prejudicado pela litigância de má-fé venha a discutir essa matéria noutro processo, buscando ali a recomposição dos danos, mas devendo nesse caso comprovar a ocorrência de litigância de má-fé, dado que essa matéria não terá sido analisada e decidida com efeito de coisa julgada no processo em que a conduta foi praticada.

“Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:
I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II – alterar a verdade dos fatos;
III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
VI – provocar incidente manifestamente infundado;
VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório”.
Comentário: o artigo 80 repete, quase que literalmente, o texto do artigo 17 do CPC/1973, com uma diminuta modificação de estilo no uso do verbo “considerar” em lugar do verbo “reputar” no “caput”. No mais, as condutas previstas são rigorosamente as mesmas que integravam o rol do artigo 17, o que permite concluir que não houve nenhuma significativa mudança entre o regime atual e aquele do CPC/1973.
Uma mudança bastante significativa, contudo, o leitor encontrará se cotejar o artigo 80 com a redação original do artigo 17 do CPC/1973, antes da entrada em vigor da lei federal 6.771/1980. Na redação original, o legislador cuidara enfatizar a intenção (o dolo) necessário à caracterização de cada uma das condutas previstas, além de atribuir à parte o dever de não omitir intencionalmente fatos essenciais ao julgamento da causa, a bem demonstrar que o objetivo do CPC/1973, como fizera questão de ressaltar o autor do projeto, o processualista ALFREDO BUZAID, era o de instituir um código em que a ética fosse o valor nuclear. Esse objetivo perdeu-se rapidamente, pois que já em 1980, ou seja, seis anos após entrar em vigor, o CPC/1973 sofreu importantes modificações na redação do artigo 17, modificações que se mantiveram ao longo do tempo e que foram incorporadas no texto do CPC/2015, o que comprova que a preocupação do legislador modificou-se substancialmente, a ponto que não temos mais um processo ético, o que, aliás, explica o quão diminuto tem sido o número de condenações por litigância de má-fé em nossa jurisprudência.
DOLO: embora o legislador não tenha incorporado à descrição de cada uma das condutas do artigo 80 o advérbio que poderia enfatizar a necessidade de se configurar o elemento subjetivo (o dolo) – o que teria importância, como vimos -, há que se reconhecer que a presença do termo “má-fé”, quando se fala em uma determinada forma de litigar, significa que o dolo deve estar presente, e deve ser sempre aferido, sem o que a conduta poderá caracterizar o abuso de direito, mas não a da litigância de má-fé.
ROL TAXATIVO: quando se trata de condutas sancionadoras, não se admite a interpretação extensiva ou a aplicação da analogia, conforme vetusto princípio imanente ao Direito. Conclui-se daí que o rol fixado pelo artigo 80 é taxativo. Destarte, em se tratando de conduta que não se subsume ao tipo legal, não se caracteriza a litigância de má-fé, conquanto a mesma conduta possa caracterizar o abuso de direito. Observe-se, contudo, que os conceitos utilizados no artigo 80 são algo indeterminados, o que acaba concedendo ao juiz o poder de fixar o conceito conforme as circunstâncias do caso em concreto, mas isso não significa que o juiz esteja autorizado a aplicar a interpretação extensiva ou a analogia para estender a condutas não previstas pelo legislador a configuração da litigância de má-fé.
CONDUTAS: segundo o artigo 80, caracteriza-se a litigância de má-fé, quando o litigante: I – deduza pretensão ou defesa contra texto expresso de lei, ou de fato incontroverso; II – altere a verdade dos fatos; III – usa do processo para conseguir objetivo ilegal; IV – opor resistência injustificada ao andamento do processo; V – proceda de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI – provoca incidentes manifestamente infundados; e, por fim, VII – interpõe recurso com intuito manifestamente protelatório. Cuida-se, portanto, de um rol que abarca diversas condutas que podem ocorrer no processo civil, o que concede ao juiz um expressivo controle sobre a forma pela qual se litiga no processo civil brasileiro. Na prática, todavia, esse poder não tem se materializado.
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO: a Constituição de 1988 obriga o juiz a fundamentar todas as decisões que profira, e esse dever é marcadamente importante na litigância de má-fé, seja por envolver conceitos algo indeterminados, seja pela indispensável comprovação da presença do dolo na conduta do litigante, de modo que o juiz deve cuidar de bem explicitar qual a conduta que foi praticada, como ela se subsume ao texto da lei, e como se materializou o dolo.

“Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.
§ 1º Quando forem 2 (dois) ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção de seu respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.
§ 2º Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo.
§ 3º O valor da indenização será fixado pelo juiz ou, caso não seja possível mensurá-lo, liquidado por arbitramento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos”.
Comentário: em qualificando o CPC/2015 como ilícita a conduta praticada no processo civil que, violando os deveres que estão previstos no artigo 77, subsuma-se a qualquer daquelas condutas tipificadas no artigo 80, estabelece esse código um regime jurídico que abarca de um lado a imposição de sanção pecuniária (multa), e doutro a obrigação do litigante de má-fé a reparar os danos que a sua conduta tenha causado, inclusive o que a parte lesada tiver despendido a título de honorários de advogado e despesas processuais. Nesse específico regime de responsabilidade civil, distingue-se a sanção pecuniária da reparação por danos. No caso da multa, não se exige comprovação de dano, mas apenas a caracterização da litigância de má-fé.
DE OFÍCIO OU A REQUERIMENTO: tal como sucedia no CPC/1973, pode o juiz, no regime do CPC/2015, de ofício (independentemente de requerimento da parte lesada, pois) analisar se a conduta configura-se ou não como litigância de má-fé. Há que se observar que o juiz, agindo de ofício, o juiz somente pode aplicar a multa, nada podendo decidir sobre eventuais danos causados à parte contrária, pois que caberá à parte lesada comprovar os danos que tenha sofrido em decorrência da litigância de má-fé, e pleitear ao juiz a recomposição e quantificação desses danos. Essa quantificação pode se dar no próprio processo, se isso for possível e do interesse da parte lesada. Não sendo possível quantificar desde logo a extensão do dano, a parte lesada poderá buscar a recomposição noutra ação.
MULTA: o valor da multa está prefixado pelo legislador: deverá ser superior a um por cento, mas não poderá exceder a dez por cento, calculada a multa sobre o valor da causa, devidamente corrigido esse valor. Se o valor atribuído à causa for considerado como irrisório, então nessa hipótese permite o CPC/2015 que se modifique a base de cálculo, passando a ser o valor do salário mínimo. Em se tratando de ato atentatório à dignidade da justiça, que, segundo o artigo 77, parágrafo 2o., do CPC/2015, caracteriza-se como uma situação mais grave de litigância de má-fé, o valor da multa poderá chegar a vinte por cento. O valor da multa será revertido à parte lesada, conforme determina o artigo 96 do CPC/2015.
LITIGANTES DE MÁ-FÉ: em sendo dois ou mais os litigantes de má-fé, a condenação da multa deve se dar segundo a “proporção de seu respectivo interesse na causa”, tratando-se aí de uma imprecisão do legislador, porque a proporção no valor da multa e da recomposição dos danos deve ser calculada de acordo com a conduta praticada e seus efeitos, e não de acordo com o interesse do litigante na causa. Observando-se que, em nosso ordenamento jurídico em vigor, a solidariedade não se presume, pode o juiz impor um regime de solidariedade passiva aos litigantes de má-fé, de modo que a parte lesada possa exigir de qualquer um deles o todo da multa e da recomposição dos danos. Há, pois, a necessidade de uma decisão expressa que fixe a solidariedade passiva.
“BIS IN IDEM”: a vedação ao “bis in idem” é um princípio imanente a nosso ordenamento jurídico em vigor e se aplica também ao processo civil, inclusive à litigância de má-fé. Assim, se há entre as condutas que caracterizam a litigância de má-fé circunstâncias que caracterizem um vínculo entre as condutas, então nesse caso, vedado o “bis in idem”, o juiz deverá aplicar uma só pena de multa, embora possa considerar como critério para majoração do valor o número de condutas
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ X ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA: o ato atentatório à dignidade da justiça é uma espécie de litigância de má-fé, uma espécie qualificada pelo CPC/2015 como mais grave, o que repercute no valor da multa, que pode chegar a vinte por cento.
SEÇÃO III – DAS DESPESAS, DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E DAS MULTAS
“Art. 82. Salvo as disposições concernentes à gratuidade da justiça, incumbe às partes prover as despesas dos atos que realizarem ou requererem no processo, antecipando-lhes o pagamento, desde o início até a sentença final ou, na execução, até a plena satisfação do direito reconhecido no título.
§ 1º Incumbe ao autor adiantar as despesas relativas a ato cuja realização o juiz determinar de ofício ou a requerimento do Ministério Público, quando sua intervenção ocorrer como fiscal da ordem jurídica.
§ 2º A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou”.
Comentário: é da tradição do direito brasileiro adotar-se um regime de responsabilidade objetiva quanto aos encargos de sucumbência, o que significa dizer que a parte que sucumbe deve ser responsabilizada por esses encargos, independentemente de se perscrutar acerca de qualquer elemento subjetivo. Assim era em nosso CPC/1973 e se mantém no atual. Quem perde a demanda, paga os encargos de sucumbência.
Os encargos de sucumbência abrangem o que a parte vencedora despendeu com custas (que são uma taxa de natureza tributária, recolhida aos cofres do Estado ao tempo em que a ação é distribuída, incidindo também em determinados atos ocorridos no processo civil, como, por exemplo, quando da interposição de recurso). Abrangem também as despesas processuais, que são os valores gastos na prática de determinados atos, como, por exemplo, o valor da diligência para a citação e intimação, honorários periciais, etc… Abrangem, por fim, os honorários de advogado.
Destarte, a parte vencedora será reembolsada por tudo quanto terá despendido na movimentação do processo, o que quadra com o princípio que é imanente a nosso ordenamento jurídico em vigor e que foi firmado e enfatizado por CHIOVENDA no sentido de que o processo civil deve dar ao vencedor tudo aquilo a que ele teria direito, não tivesse havido o litígio e a necessidade do processo judicial, de modo que além do bem da vida objeto do processo, o litigante vencedor possui o direito a ser reembolsado de tudo quanto tenha gasto no e para o processo.
Se for o autor o vencedor da demanda, será ressarcido do que recolheu a título da taxa judiciária, transformado esse valor em uma espécie de despesa processual.
ANTECIPAÇÃO: as despesas processuais, conforme determina o “caput” do artigo 82, devem ser antecipadas pela parte à qual o ato interessa. Se o ato a ser praticado decorrer de ordem judicial ou de requerimento do MINISTÉRO PÚBLICO, o autor terá, nessas circunstâncias, que antecipar os valores previstos para a prática do ato processual.
GRATUIDADE: beneficiado pela gratuidade, o litigante sucumbente ficará isento tanto da obrigação de antecipar o pagamento de despesas processuais, quanto dos encargos de sucumbência. Observe-se que a gratuidade o não isenta de suportar condenação por litigância de má-fé.
MINISTÉRIO PÚBLICO: no processo civil brasileiro, o MINISTÉRIO PÚBLICO pode atuar como “custos legis”, ou seja como “fiscal da lei”, intervindo naquelas ações em que se configura a presença do interesse público. Mas poderá suceder de o MINISTÉRIO PÚBLICO atuar como parte ativa ou passiva, e nesse caso se sujeitará à obrigatoriedade de antecipar as despesas processuais e, em sendo sucumbente, suportará os encargos de sucumbência.

“Art. 83. O autor, brasileiro ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou deixar de residir no país ao longo da tramitação de processo prestará caução suficiente ao pagamento das custas e dos honorários de advogado da parte contrária nas ações que propuser, se não tiver no Brasil bens imóveis que lhes assegurem o pagamento.
§ 1º Não se exigirá a caução de que trata o caput:
I – quando houver dispensa prevista em acordo ou tratado internacional de que o Brasil faz parte;
II – na execução fundada em título extrajudicial e no cumprimento de sentença;
III – na reconvenção.
§ 2º Verificando-se no trâmite do processo que se desfalcou a garantia, poderá o interessado exigir reforço da caução, justificando seu pedido com a indicação da depreciação do bem dado em garantia e a importância do reforço que pretende obter”.
Comentário: poderá suceder de o autor do processo ser estrangeiro, não manter no Brasil sequer residência, e nem possuir bens imóveis, de modo que para essa hipótese o artigo 83 exige uma caução para a satisfação dos encargos de sucumbência, caso o autor seja condenado nesses encargos. O mesmo sucede em relação ao autor que, embora brasileiro, não tenha residência, nem bens imóveis no Brasil.
No CPC/1973, a matéria vinha regulada no processo cautelar, entre as hipóteses de caução. Mas no atual CPC, que suprimiu o processo cautelar, a matéria vem regulada nas disposições que cuidam dos encargos de sucumbência.
Essa caução é dispensada apenas nas hipóteses que o legislador expressamente prevê, o que significa dizer que o juiz não pode ampliar essas hipóteses. A caução é dispensada, pois, na execução fundada em título executivo extrajudicial e no cumprimento de sentença, pressupondo o legislador que exista uma maior probabilidade de o autor não sucumbiu, dado que dispõe de título executivo, judicial ou extrajudicial.
A caução também é dispensada no caso de reconvenção, porque nessa hipótese o estrangeiro ou o autor não residente no Brasil não é o autor da ação, mas réu, embora tenha formulado reconvenção.
Havendo alguma modificação importante na caução firmada, que a torne inidônea ou insuficiente, o réu pode pleitear ao juiz que determine ao autor indique nova forma de garantia, ou que a reforce.
PROCEDIMENTO: não há nenhum procedimento específico para a implementação da caução como garantia a encargos de sucumbência. Assim, o juiz deverá receber a petição inicial, da qual deve constar a forma de caução ofertada pelo autor, e o juiz, ao determinar a citação, deverá fazer a observação de que o réu poderá impugnar a caução oferecida, se encontrar razões para isso, instalando-se um contraditório a respeito dessa matéria, como determina o artigo 9º. do CPC/2015.
EXTINÇÃO ANORMAL DO PROCESSO: no caso em que o autor não oferece caução na peça inicial, deve o juiz adverti-lo para a obrigação legal, concedendo-lhe prazo para que emende a peça inicial, suprindo a omissão. Não cumprida pelo autor essa providência, o processo será extinto anormalmente, ou seja, sem julgamento do mérito da demanda, por aplicação do artigo 485, inciso IV, do CPC/2015 (ausência de pressuposto processual).
A extinção também será declarada quando o juiz reconhece que a caução não é idônea ou é insuficiente. Necessário enfatizar que a extinção anormal do processo somente pode ser declarada após se garantir ao autor o contraditório, conforme exige o referido artigo 9º.
RECURSOS:
a) apelação – extinto o processo sem resolução do mérito, por ausência de caução, ou de caução idônea, proferindo-se nessa hipótese sentença, o autor poderá interpor contra ela recurso de apelação.
b) agravo – se a caução for aceita e homologada como tal, o réu poderá se insurgir contra a decisão interlocutória por meio de agravo em forma de instrumento. Observe-se que, embora a hipótese não esteja expressamente prevista no rol do artigo 1.015 do CPC/2015, há que se considerar que a decisão proferida sobre caução diz respeito a pressuposto processual de existência regular do processo, de modo que não há razão lógico-jurídica em impor ao réu que, interpondo agravo em forma retida, aguarde o exame de um tema tão importante, para que seja conhecido apenas quando o tribunal examinar recurso de apelação.
“Art. 84. As despesas abrangem as custas dos atos do processo, a indenização de viagem, a remuneração do assistente técnico e a diária de testemunha”.
Comentário: o ajuizamento e o desenvolvimento de um processo judicial geram despesas. O autor, no momento em que distribui a ação, tem que pagar as custas do processo (uma espécie de tributo, da modalidade taxa), como também tem que proceder ao depósito do valor da diligência de oficial de justiça para citação do réu, se essa citação se der por essa forma. Se for necessária a produção de perícia, o autor terá que pagar os honorários periciais, e se contratar assistente técnico, a sua remuneração. Lembre-se que os honorários periciais devem ser pagos pela parte que requereu a perícia, e pelo autor se a perícia foi determinada pelo juiz ou realizada a requerimento do Ministério Público. As testemunhas podem solicitar o reembolso do que gastaram com a locomoção até a sede do juízo, e esse valor terá que ser pago pela parte que as arrolou. O réu, por sua vez, terá que pagar os atos que tiver requerido, como os honorários do perito, assim como a remuneração de seu assistente técnico, se o tiver indicado. Em havendo recurso, o sucumbente tem que fazer o depósito do preparo (que constitui também uma taxa), e outros valores que o regimento do tribunal fixar, como por exemplo o “porte de retorno” (o que é gasto com a movimentação física do processo).
Daí o artigo 84 explicitar o que se deve entender, genericamente, por “despesa processual”, exemplificando com alguns dos atos mais comuns que envolvem o gasto de dinheiro no processo, sem excluir, contudo, outros que possam ocorrer em determinados processos (por exemplo, na ação de divisão e de demarcação de terras particulares, conforme artigos 571-572 do CPC/2015).
A parte vencedora na demanda possui o direito de ser reembolsada pelas despesas que tiver feito no processo.
“Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
§ 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.
§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I – o grau de zelo do profissional;
II – o lugar de prestação do serviço;
III – a natureza e a importância da causa;
IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:
I – mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;
II – mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;
III – mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;
IV – mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;
V – mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.
§ 4º Em qualquer das hipóteses do § 3º:
I – os percentuais previstos nos incisos I a V devem ser aplicados desde logo, quando for líquida a sentença;
II – não sendo líquida a sentença, a definição do percentual, nos termos previstos nos incisos I a V, somente ocorrerá quando liquidado o julgado;
III – não havendo condenação principal ou não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, a condenação em honorários dar-se-á sobre o valor atualizado da causa;
IV – será considerado o salário-mínimo vigente quando prolatada sentença líquida ou o que estiver em vigor na data da decisão de liquidação.
§ 5º Quando, conforme o caso, a condenação contra a Fazenda Pública ou o benefício econômico obtido pelo vencedor ou o valor da causa for superior ao valor previsto no inciso I do § 3º, a fixação do percentual de honorários deve observar a faixa inicial e, naquilo que a exceder, a faixa subsequente, e assim sucessivamente.
§ 6º Os limites e critérios previstos nos §§ 2º e 3º aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito.
§ 7º Não serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada.
§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.
§ 9º Na ação de indenização por ato ilícito contra pessoa, o percentual de honorários incidirá sobre a soma das prestações vencidas acrescida de 12 (doze) prestações vincendas.
§ 10. Nos casos de perda do objeto, os honorários serão devidos por quem deu causa ao processo.
§ 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.
§ 12. Os honorários referidos no § 11 são cumuláveis com multas e outras sanções processuais, inclusive as previstas no art. 77.
§ 13. As verbas de sucumbência arbitradas em embargos à execução rejeitados ou julgados improcedentes e em fase de cumprimento de sentença serão acrescidas no valor do débito principal, para todos os efeitos legais.
§ 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.
§ 15. O advogado pode requerer que o pagamento dos honorários que lhe caibam seja efetuado em favor da sociedade de advogados que integra na qualidade de sócio, aplicando-se à hipótese o disposto no § 14.
§ 16. Quando os honorários forem fixados em quantia certa, os juros moratórios incidirão a partir da data do trânsito em julgado da decisão.
§ 17. Os honorários serão devidos quando o advogado atuar em causa própria.
§ 18. Caso a decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou ao seu valor, é cabível ação autônoma para sua definição e cobrança.
§ 19. Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei”.
Comentários: trataremos agora do artigo 85, que cuida dos honorários de advogado, matéria que, no CPC/1973, estava regulada no artigo 20. Notará o leitor importantes modificações entre um código e outro, decorrentes sobretudo de o código de 2015 ter adotado entendimentos jurisprudenciais que ao longo do tempo em que vigeu o código de 1973 haviam se consolidado, tornando-os norma legal, o que constitui, sem dúvida, um avanço de nossa legislação processual civil.
O “caput” do artigo 85 adota a regra que é da tradição de nossa legislação processual civil, segundo a qual a parte sucumbente deve pagar honorários ao advogado da parte vencedora, conforme é inerente ao regime de sucumbência, um regime em que essa responsabilidade é objetiva, o que significa dizer que a responsabilidade prescinde da análise do elemento subjetivo (dolo ou culpa). Basta a sucumbência para gerar a condenação em honorários de advogado.
Cuidou o legislador de fixar critérios ao juiz para quantificar os honorários advocatícios, além de estabelecer regras mais precisas quanto a determinadas hipóteses que podem suceder no processo, quando, por exemplo, dá-se a perda de seu objeto. Buscou o legislador, pois, na medida do possível, em regular aquelas hipóteses mais comuns, tratando-as nos dezenove parágrafos do artigo 85, que formarão nossos comentários quanto aos temas mais importantes ali versados.
Antes de prosseguirmos com os comentários ao artigo 85 do CPC/2015, que trata dos honorários de advogado, é necessário registrar uma controvérsia que se instalou recentemente em nossa jurisprudência, sobretudo no STJ, acerca do tema.
Discute-se, pois, acerca do conteúdo e alcance do parágrafo 8o. do artigo 85, que tem a seguinte redação: “Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.”. Com efeito, a controvérsia diz respeito a aplicar-se esse dispositivo nas condenações por sucumbência impostas à Fazenda Pública, e em que situações essa aplicação deve ocorrer, ou mais precisamente, se, condenada a Fazenda Pública, os honorários de advogado devem ser calculados de acordo com o valor da causa ou da condenação, ou por equidade.
No julgamento em curso no STJ, interrompido por um requerimento de vista, formaram-se duas correntes: uma no sentido de que em qualquer caso, quando se apura um valor exorbitante, é possível ao juiz determinar o cálculo dos honorários de advogado por equidade, a qual assim pode ser aplicada tanto na hipótese em que seja irrisório o valor que seria fixado, quanto na hipótese em que seja considerável o valor; a outra posição é no sentido de que a equidade somente pode ser aplicada nas hipóteses expressamente previstas no CPC/2015, não cabendo ao juiz aplicá-la fora dessas hipóteses, ainda que seja considerável o valor dos honorários de advogado, se fixados segundo os critérios que o mesmo CPC/2015 prevê (sobre o valor da causa ou da condenação).
PROVEITO ECONÔMICO
Constitui o parágrafo 2o. do artigo 85 seu núcleo essencial: “Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa (…)”. Fonte, pois, de quase todas as divergências que vêm sendo suscitadas acerca do extenso artigo 85, formado por infindáveis dezenove parágrafos. (Isto porque o legislador do CPC/2015, segundo a “Exposição de Motivos”, quis fortalecer o valor da segurança jurídica.)
O parágrafo 2o. do artigo 85 é o resultado de uma confusa amalgama do conteúdo dos parágrafos 3o. e 4o. do artigo 20 do CPC/1973, o que é suficiente para se poder afirmar que seu texto (o do parágrafo 2o. do artigo 85) não trouxe nenhuma significativa melhoria em termos de precisão e objetividade da norma, sobretudo se acrescermos a esse contexto o parágrafo 8o. do artigo 85, que se refere àquelas hipóteses em que o proveito econômico envolvido no processo não tenha um valor quantificável ou se revele irrisório, ou ainda quando o valor da causa for muito baixo.
O primeiro grande problema que a abstrusa redação dada ao parágrafo 2o. do artigo 85 decorre de ter introduzido em nossa legislação processual civil o termo “proveito econômico”, sem contudo formar seu conteúdo, ou sem ao menos trazer elementos mínimos que permitam ao juiz, com certa objetividade, fixá-lo. E para agravar essa dificuldade, ao tratar do valor da causa, o artigo 292, parágrafo 3o., do CPC/2015 estabelece uma distinção entre “proveito econômico” e “conteúdo patrimonial em discussão”, de modo que deixa o juiz sem saber se proveito econômico equivale ao que é discutido na demanda, ou se o supera, dada a distinção que deva ser feita em relação ao conceito de “conteúdo patrimonial em discussão”. O mesmo vale dizer quando se considera o artigo 700, parágrafo 2o., do mesmo CPC/2015, que, ao cuidar da ação monitória, refere-se a “o conteúdo patrimonial em discussão ou o proveito econômico perseguido”, ensejando séria dúvida sobre o que, de fato, significa e deva significar “proveito econômico”.
Melhor seria, por óbvio, que o artigo 85 explicitasse o que é de ser entendido por “proveito econômico”, porque esse conceito é fundamental para a formação da base de cálculo dos honorários de advogado.
Destarte, a opção do legislador de criar um conceito indeterminado, deixando a critério do juiz determinar e quantificar o que entende por “proveito econômico” para fim de fixação dos honorários de advogado, além de não haver uma adequada razão que justificasse essa abertura tão extensa na norma, trouxe um problema que não tinha no CPC/1973 a dimensão que passou a ter no novo código. É que o terreno dos honorários de advogado tem sido entre nós um foco de renhidas controvérsias entre juízes e advogados. Estes reclamando de valores que são fixados em valores mui aquém do que envolve a demanda em termos de importância econômica e de relevância jurídica. Os juízes, por sua vez, entendendo que a lei lhes deu o papel de um árbitro com muitos poderes para quantificar os honorários de advogado, em função do que acabam por comparar seus vencimentos e de outros profissionais com os honorários de advogado, estabelecendo critérios que não guardam nenhuma relação lógica.
Há, como pano de fundo, nas controvérsias quanto aos honorários de advogado, componentes que interferem em grande medida, mas que são extrajurídicos, e que poderiam ser melhor explicados ou compreendidos no âmbito da Psicologia e da Sociologia, porque dizem respeito a idiossincrasias do ser humano e aos papeis que exercem no campo profissional, em que se caracteriza uma imanente relação de competitividade.
Indispensável seria que, em tendo o CPC/2015 considerado o “proveito econômico” de uma demanda como o mais importante critério para a formação da base de cálculo dos honorários de advogado, que então fixasse o conteúdo desse conceito, tanto mais porque lhe era sabido que, no regime do CPC/1973, havia uma série de consistentes questionamentos nessa matéria. Se o objetivo do CPC/2015 era o de trazer segurança jurídica, falhou o legislador ao fazer indeterminado o conceito de “proveito econômico”, trazendo novas discussões na jurisprudência, além daquelas que existiam ao tempo em que estivera em vigor o código de 1973.
Se formos à jurisprudência, por exemplo à do STJ, encontraremos uma série de julgados que se limitam a reproduzir a dicção legal, referindo-se, pois, a “proveito econômico”, sem, todavia, dizer o que por esse termo se deva entender. Confira-se:
“No caso concreto, as instâncias de origem avaliaram a prova dos autos para concluir que o valor atribuído à causa guarda correspondência com o possível proveito econômico pretendido pela parte. O acolhimento do pedido de redução da quantia estimada pelo autor encontra óbice na referida súmula. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no Recurso Especial nº 1.346.772/RJ (2012/0205667-7), 4ª Turma do STJ, j. 17.12.2019, DJe 19.12.2019)”.
” (…) O acórdão a quo não destoa do entendimento desse sodalício, segundo o qual os honorários advocatícios podem ser arbitrados por apreciação equitativa nas demandas envolvendo medicamentos, haja vista que, nesses casos, não é possível mensurar, em geral, o proveito econômico obtido com a ação. (…)”. (AgInt nos EDcl no Agravo em Recurso Especial nº 1.211.983/PE 2017/0314695-9), 1ª Turma do STJ, j. 17.12.2019, DJe 19.12.2019)”.
Poder-se-ia dizer que todos os operadores do Direito sabem o que é “proveito econômico, mas não peçam a eles que o definam, tal como sucedeu com SANTO AGOSTINHO acerca da definição de “tempo , quando, em suas famosas “As Confissões”, diz: “Se ninguém me pergunta, eu o sei; mas se perguntam, e quero explicar, não sei mais nada”. De modo que, quando lerem uma sentença ou um acórdão, e em seu texto encontrarem a expressão “proveito econômico”, terão a certeza de que o juiz ou o desembargador ou o ministro sabem o que entendem e entenderam por tal, mas se abstenham de lhes perguntar por seu conteúdo, que eles nada saberão …
Esse é o principal problema que o CPC/2015 nos trouxe no campo dos honorários de advogado, introduzindo um termo “proveito econômico”, que sobre não ser de nossa tradição no campo do direito positivo, tornou-se tão indeterminado a ponto de ninguém poderá dizer, com segurança, em que ele consiste, sobretudo naquelas ações para as quais o tipo de provimento jurisdicional emitido que pode ser emitido é meramente declaratório, constitutivo ou mandamental.
Pois que está exatamente na indefinição do termo “proveito econômico” a fonte de todas as controvérsias que se instalam em nossa jurisprudência, quando em questão a fixação de honorários de advogado.

PEDIDO
Determina o “caput” do artigo 85 do CPC/2015 que a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor, o que constitui uma decorrência da regra do artigo 322, parágrafo 1o., do mesmo Código, que fez incorporar ao pedido os honorários de advogado, ainda que não constem da peça inicial. No CPC/1973, apenas os juros moratórios eram considerados incorporados por lei ao pedido, mas agora, com a regra do artigo 322, parágrafo 1o., os honorários de advogado também passam a integrar o pedido.
Há equívoco, pois, quando se afirma que o juiz deve, de ofício (ou seja, quando não existe pedido da parte), impor a condenação em honorários de advogado. Isso era exato em face do CPC/1973, mas não diante do Código em vigor, porque este estatui que os honorários de advogado integram, por lei e para todos os finas, o pedido para todos os efeitos. Destarte, se os honorários de advogado integram o pedido, quando o juiz deles conhece, está a conhecer do pedido como um todo, abarcando aquilo que a parte pleiteou e também aquilo que a lei incorpora ao pedido.
Portanto, também é incorreto dizer-se que os honorários de advogado equivalem a mais do que algo compreendido no pedido, porque se trataria de uma imposição da lei ao juiz. Com efeito, constituíssem os honorários de advogado uma espécie de “plus” ao pedido, sobre-excedendo-o, não poderia o juiz deles conhecer em virtude do que estabelece o artigo 492 do CPC/2015, que fixa o princípio da congruência entre a sentença e o pedido. É exatamente porque os honorários de advogado consideram-se abarcados no pedido, tenha o autor os pleiteado ou não, que pode e deve o juiz desse pedido conhecer, sobre ele decidindo, tanto quanto ocorre quanto a tudo que corresponde ao pedido. Importante observar que a terminologia jurídico-legal em muitas situações não coincide no todo com o sentido comum que os dicionários dão a um mesmo termo ou expressão. É o que ocorre com a expressão “pedido”, que, nos dicionários, tem o sentido de “aquilo que foi pedido”, como registra o Dicionário Houais. Mas no caso da específica terminologia jurídico-processual, o pedido não é apenas aquilo que o autor pede, mas é sobretudo o que forma o objeto da pretensão, seja o bem da vida (objeto mediato), seja o tipo de provimento jurisdicional que se quer obter (objeto imediato), e ainda aquilo que a lei estabelece como incorporado ao pedido, caso em especial dos honorários de advogado. Portanto, há que se compreender como pedido não apenas aquilo que o autor expressamente quer obter e que pleiteou na peça inicial, mas também aquilo que a lei lhe garanta pleiteie, ainda que não o tenha feito na peça inicial.
Como registro histórico, convém observar que ao tempo em que estivera em vigor o Código de Processo Civil de 1939, a condenação em honorários era tratada em, praticamente, dois artigos (um dos quais o artigo 64), e com a entrada em 1963 da Lei federal 4.215 (o “Estatuto da OAB”), a regulação da matéria passou a concentrar-se nessa lei, que, em seu artigo 102, fixava que “os honorários serão fixados na própria sentença, que os arbitrará com moderação e motivadamente”. Surgindo o Código de Processo Civil de 1973, a matéria voltou a ser tratada de modo mais importante em um código de processo, o que se manteve mesmo com a Lei 8.906/1994 (“Estatuto da OAB”), que se limitou a reforçar o direito de o advogado a receber honorários em virtude de sua atuação em processo judicial. Com o CPC/2015, a matéria ganhou uma regulação bastante exaustiva, e quase que exauriente.

FAZENDA PÚBLICA
No CPC/1973, a matéria relativa à condenação em honorários advocatícios quando sucumbente a Fazenda Pública era tratada apenas no parágrafo 4o. do artigo 20, em uma regulação conjunta com a que se aplicava às causas de pequeno valor ou de valor inestimável, sendo ainda de se observar que os critérios de quantificação eram exatamente os mesmos aplicados a todos os tipos de demanda, regulados no parágrafo 3o. do mesmo artigo 20.
A matéria com o tempo ganhou uma relevância proporcional ao número de processos ajuizados contra a Fazenda Pública, que aumentaram consideravelmente nos últimos anos, com reflexos em nossa jurisprudência, sempre às voltas com a problemática que envolve a fixação de honorários de advogado, seja em favor de quem demanda contra a Fazenda Pública, seja em favor desta, quando vencedora no processo.
O expressivo número de processos, portanto, justifica que o CPC/2015 decidisse criar critérios de quantificação específicos para as causas em que a Fazenda Pública é sucumbente. Esses critérios compõem o parágrafo 3o. do artigo 85 e se aplicam a todas as causas nas quais seja parte a Fazenda Pública, e não mais apenas naquelas ações em que o ente público seja a parte sucumbente. Aqui, pois, uma importante novidade do CPC/2015, que trata de critérios que se devem aplicar tanto quanto a Fazenda Pública seja sucumbente, quanto nas ações em que vence.
Com efeito, durante o tempo em que esteve em vigor o CPC/1973, era algo frequente a queixa de advogados em face de valores bastante diminutos fixados a título de honorários de advogado, nas demandas em que a Fazenda Pública fosse a sucumbente. De fato, como o legislador adotava como único critério o da fixação equitativa dos honorários de advogado, na prática não havia critério, nem um guia seguro que pudesse conduzir o juiz a fixar uma justa remuneração ao advogado da parte vencedora, nas demandas contra a Fazenda Pública. E sem estar adstrito a nenhum critério legal, o juiz acabava muitas vezes fixando honorários de advogado em valores que não remuneravam dignamente o trabalho do advogado da parte vencedora, quando menos desprestigiando esse trabalho.
Mas também ocorria um outro fenômeno, também relacionado à falta da fixação de um critério legal, pois que em alguns casos a condenação imposta à Fazenda Pública chegava a valores estratosféricos, com grande prejuízos aos cofres públicos.
Para resolver ambos os problemas, que decorriam da falta de critérios objetivos, o CPC cuidou fixar limites, como se vê dos incisos I a V, que integram o parágrafo 3o. do artigo 85. Pode-se dizer, portanto, que temos hoje parâmetros objetivos e que quadram com uma adequada regulação da matéria.
Assim, se no CPC/1973 tínhamos apenas um curto parágrafo para abarcar toda a problemática que envolve a fixação de honorários de advogado a favor ou contra a Fazenda Pública, no novo código são cinco os parágrafos, com seus extensos incisos, os dispositivos legais que regulam a matéria. E conquanto essa extensão legislativa não tenha eliminado algumas controvérsias que envolvem a fixação de honorários de advogado nas demandas em que a Fazenda Pública é parte, pode-se dizer que já se constata em nossa atual jurisprudência uma consistente diminuição no número de controvérsias a respeito dessa matéria.
E ainda como novidade em nossa legislação processual civil, o parágrafo 19 cuidou reconhecer a titularidade dos advogados públicos quanto aos honorários de sucumbência fixados nas ações em que a Fazenda Pública seja a vencedora.

HIPÓTESES DE CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS DE ADVOGADO

Diversamente do que ocorria no CPC/1973, que não continha regra que fixasse as hipóteses nas quais haveria condenação em honorários de advogado (o parágrafo 1o. do artigo 20 daquele código, com efeito, referia-se apenas a despesas processuais, enquanto o “caput” desse artigo referia-se genericamente à sentença), o CPC/2015, por seu artigo 85, parágrafo 1o., estabelece as hipóteses em que haverá condenação em honorários de advogado. São elas: na reconvenção; no cumprimento provisório ou definitivo da sentença; na execução, resistida ou não; e ainda nos recursos interpostos cumulativamente, além de, obviamente, na sentença (“caput do artigo 85).
A enumeração dessas hipóteses legais objetiva diminuir o grau de controvérsia instalado na jurisprudência ao tempo em que vigia o código de 1973. Quem percorre os repositórios de jurisprudência da época, constatará quão variada e extensa era a controvérsia acerca dos honorários de advogado em nosso processo civil. Discutia-se, por exemplo, se deveria haver ou não condenação em honorários de advogado no caso de reconvenção.
No CPC/2015, essa hipótese – a que diz respeito à reconvenção – é expressamente prevista, de modo que, em havendo reconvenção, os honorários de advogado devem ser fixados tanto em relação a ela, quanto à ação, e de resto não há óbice a que sejam fixados valores distintos, uma para a ação, outra para a reconvenção, conforme resultar da aplicação dos critérios previstos nos parágrafos 2o., 3o. e 3o., do artigo 85. Um grau maior de complexidade jurídica pode, com efeito, ser maior na ação ou na reconvenção, justificando uma quantificação específica para a ação e para a reconvenção.
Importante observar que é meramente exemplificativa a relação que está no parágrafo 1o. do artigo 85, como vem entendendo uma parte considerável de nossa jurisprudência, de modo que, segundo essa posição, além daquelas hipóteses expressamente previstas pelo legislador, não se exclui que existam outras hipóteses, nas quais se deva impor a condenação em honorários de advogado.
Mas se há certo consenso em reconhecer-se o caráter meramente exemplificativo quanto ao número das hipóteses legais, o mesmo não ocorre quanto a algumas específicas situações, como no caso do incidente de desconsideração de personalidade jurídica. O STJ, por sua corte especial, esteado no argumento de que apenas em casos excepcionais pode-se ampliar o rol das hipóteses legais previstas no parágrafo 1o. do artigo 85, vem decidindo que, no incidente de desconsideração de personalidade jurídica, não cabe a fixação de honorários de advogado (4ª Turma do STJ, Rel. Raul Araújo. j. 12.11.2019, DJe 06.12.2019). Note-se que o emprego de uma expressão tão indeterminada como “casos excepcionais” equivale, na prática, a não erigir critério objetivo para a interpretação da norma legal.
Parece-nos que exigir a presença de uma situação em que se caracteriza alguma espécie de sucumbência identificada no contexto de uma específica posição processual constitui um critério objetivo para definir se deve ou não haver condenação em honorários de advogado. Quando o juiz, por exemplo, decide excluir anormalmente o processo (sem julgar o mérito, pois) em relação a um réu, de modo o processo deva prosseguir contra contra o litisconsorte, nessa hipótese configura-se a sucumbência do autor em relação ao réu que é excluído da relação jurídico-processual, o que caracteriza a sucumbência da posição processual do autor em face dessa específica situação processual, justificando sejam fixados honorários de advogado, impondo-se sua condenação ao autor.
Destarte, havendo uma situação em que se configure a sucumbência em face de uma específica posição processual, deve haver condenação em honorários de advogado, quando, instalado o contraditório, a parte vencedora tenha contado com defesa técnica.
Há que se aplicar, portanto, a interpretação extensiva para preencher o espaço intencionalmente vazio deixado pelo legislador na redação do parágrafo 1o. do artigo 85, a qual contempla apenas algumas das hipóteses mais recorrentes (caso da reconvenção), sem excluir a ampliação dessas hipóteses legais. A propósito, é a interpretação extensiva, aplicada ao “caput” do artigo 85 que autoriza o juiz a fixar honorários de advogado em decisão interlocutória, e não apenas em sentença.

AÇÕES ESPECÍFICAS: há em nosso ordenamento jurídico em vigor ações em que, por opção do legislador, não existe condenação em honorários de advogado, como é o caso da ação popular e da ações dos juizados especiais. Mas em constituindo os honorários de advogado um direito subjetivo da titularidade exclusiva do advogado, conforme previsto tanto na lei federal 8.906/1994, quanto no CPC/2015, há que se analisar se o princípio da proporcionalidade está ou não atendido nas normas legais que excluem a condenação em honorários de advogado. Parece-nos que não.

CRITÉRIOS
Concluindo os comentários acerca do artigo 85 do CPC/2015, falaremos dos critérios que devem orientar o juiz na fixação dos honorários advocatícios. Esses critérios gerais estão previstos no parágrafo 2o. do artigo 85, em quatro incisos, em uma redação idêntica àquela que constava do parágrafo 3o. do artigo 20 do CPC/1973, apenas com uma modificação de estilo e que envolve a transformação em dois incisos III e IV do enunciado que, no CPC/1973, figurava em uma só alínea (a alínea “c” do parágrafo 2o. do artigo 20), mas sem qualquer modificação no conteúdo e alcance desse enunciado.
Estabelece o CPC/2015, que o juiz analisará “o grau de zelo do profissional” (rectius: do advogado ou procurador); “o lugar de prestação do serviço”; “a natureza e a importância da causa”, e, por fim, “o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço”. São critérios que abarcam de modo bastante adequado todas as principais características que envolvem o trabalho do advogado no processo civil.
Ao se referir ao zelo que o advogado/procurador demonstrou na condução da causa, deve-se extrair dessa palavra “zelo” o mesmo conteúdo que é dado pelos dicionários, no sentido de cuidado, empenho, preocupação na realização de algo. O juiz deve, portanto, considerar esses aspectos no momento em que está a quantificar o valor dos honorários.
Como também deverá analisar o lugar da prestação do serviço. Mas quanto a esse critério, há que se observar que o enunciado da norma revela-se indeterminado além de um limite razoável, por não propiciar ao juiz uma referência segura, sobretudo se considerarmos as atuais condições do exercício da advocacia em um processo judicial no Brasil, as quais são muito diversas daquelas que existiam em 1974, momento da entrada em vigor do CPC/1973, quando as formas de comunicação eram precaríssimas, bastando lembrar que, mesmo no Estado de São Paulo, convencionou-se conceder um prazo suplementar para a manifestação dos advogados em processo judicial, contado do momento em que a publicação da decisão era feita no diário oficial, então um jornal impresso. Em 1974, havia também grande dificuldade na questão de transportes no Brasil, e o acesso a comarcas mais distantes era difícil, quase que impossível. Quiçá naquele momento histórico justificasse-se um critério baseado no lugar em que ocorria a prestação do serviço do advogado, mas hoje esse critério não mais guarda sentido.
O juiz deve também considerar a natureza a importância da causa, além do trabalho nela realizado pelo advogado. Há aqui algo que coincide com o inciso I, porquanto ao analisar o zelo do advogado, ou seja, seu desempenho, estará o juiz a analisar o trabalho realizado, de modo que essa parte do inciso III (“trabalho do advogado”) já integra o texto do inciso I, revelando-se por isso uma disposição desnecessária.
A natureza e a importância da causa constituem os critérios nucleares na quantificação dos honorários de advogado, mas infelizmente, na prática, quase que olvidados. Com grande frequência, há, na sentença ou no acórdão, uma referência genérica à natureza e à importância da causa, de modo que se pode dizer que esses critérios constituem quase que “letra morta” em nosso sistema judicial atual, não se tendo aliás modificado a situação que existia enquanto esteve em vigor o CPC/1973.
O objetivo do legislador em adotar uma variação de percentuais (de 10% a 20%), e de associá-los aos critérios que estamos aqui analisando, é o de conceder ao juiz uma conjunto de elementos que são azados a fixar uma remuneração justa ao advogado. Uma causa juridicamente mais complexa deve ensejar uma remuneração justa em proporção ao grau de complexidade, o mesmo sucedendo quando o tempo nela consumido sobre-excedeu o que se poderia ter lobrigado no início da causa.
São, portanto, aspectos que devem ser considerados no momento em que se quantificam os honorários, sobretudo quanto à definição do percentual que remunera de forma justa o trabalho do advogado no processo. E o juiz deve necessariamente explicitar os critérios que adotou, ou que não adotou, fundamentando essa parte da sentença ou do acórdão.

“Art. 86. Se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas.
Parágrafo único. Se um litigante sucumbir em parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e pelos honorários”.
Comentários: além de uma pequena modificação de estilo, o artigo 86 traz uma significativa modificação no regime dos encargos de sucumbência na hipótese de sucumbência recíproca, fenômeno que ocorre no processo civil quando as partes não obtêm tudo o que pretendiam. É equivocado afirmar-se, no plano lógico, que há sucumbência recíproca quando uma das partes não obteve tudo o que o processo civil lhe poderia ter dado. Com efeito, quando uma das partes não obtêm tudo o que queria, é porque em relação à parte contrária ocorreu o mesmo fenômeno. Assim, quando o autor queria, por exemplo, a condenação do réu no pagamento de mil reais e o juiz, emitindo a sentença, fixa a condenação em quinhentos reais, autor e réu sucumbiram reciprocamente, porque o autor deixou de ganhar metade do valor que pleiteava, enquanto o réu foi condenado, ainda que em menor valor do que o poderia ter sido. Ou seja, quando há sucumbência recíproca é porque ambas as partes sucumbiram ao mesmo tempo, e não apenas uma delas. De resto, não fosse assim e não seria recíproca a sucumbência.
A importante modificação de conteúdo que o artigo 86 do CPC/2015 traz em face do que previa o artigo 21 do CPC/1973 está no circunscrever os efeitos da sucumbência recíproca ao reembolso de despesas processuais, não mais abrangendo, como fazia o código anterior, os honorários de advogado, o que significa dizer que, em se configurando a sucumbência recíproca, seus efeitos alcançam apenas o reembolso de despesas processuais, e não mais os honorários de advogado, que devem ser fixados em favor dos advogados de ambas as partes, ainda que reciprocamente sucumbentes, o que corrige uma injustiça que o código de 1973 gerava, na medida em que suprimia o direito dos advogados a honorários quando reciprocamente sucumbentes as partes, pois que somente pode haver sucumbência recíproca quando há também vitória parcial, e em vitória parcial, justo que o advogado receba honorários.
Configurada a sucumbência recíproca, deve o juiz fixar o grau de proporção em que essa sucumbia caracteriza-se, estabelecendo uma relação de metade para menos ou para mais, com base no que deve quantificar o reembolso de despesas processuais. Pode suceder, por exemplo, que a sucumbência recíproca deva corresponder ao reembolso de 60% das despesas processuais, considerando o grau de proporção em que se configura a sucumbência recíproca.
O parágrafo único do artigo 86 afasta a caracterização da sucumbência recíproca na hipótese em que o litigante tenha “decaído” de parte mínima do pedido. Perceba o leitor que o legislador empregou o verbo “decair” em lugar de “sucumbir”, com a finalidade de estabelecer distinção entre a sucumbência propriamente dita e aquilo que, embora se configure também como uma perda, envolve algo tão irrisório ou insignificante que não será justo impor à parte a condenação, inclusive em honorários de advogado, por não se caracterizar nessa hipótese a sucumbência recíproca. Será necessário analisar o pedido em todas as suas especificações para definir se o que o litigante não obteve pode ou não ser considerado como uma “parte mínima do pedido”. É de relevo observar que a norma fala em “parte mínima do pedido”, como a enfatizar que se deve examinar o pedido em si com as suas especificações, situação diversa da que ocorre quando, em face de uma cumulação de pedidos, um pedido é acolhido, enquanto outro não. Nessa situação, não se trata de decair do pedido, mas de reciprocamente sucumbir, hipótese alcançada pelo que está previsto no “caput” do artigo 86.
“Art. 87. Concorrendo diversos autores ou diversos réus, os vencidos respondem proporcionalmente pelas despesas e pelos honorários.
§ 1º A sentença deverá distribuir entre os litisconsortes, de forma expressa, a responsabilidade proporcional pelo pagamento das verbas previstas no caput.
§ 2º Se a distribuição de que trata o § 1º não for feita, os vencidos responderão solidariamente pelas despesas e pelos honorários”.
Comentários: o CPC/2015, por seu artigo 87, não aplica como regra geral no regime de encargos de sucumbência a solidariedade passiva, o que significa dizer que a responsabilidade por tais encargos é, em regra, proporcional, aferida segundo o grau de sucumbência que exista entre autores e réus, quando vencidos na demanda. A solidariedade, de resto, não se presume, como regra geral em nosso direito positivo.
Havendo, pois, cumulação subjetiva (ativa, passiva ou mista), os encargos de sucumbência devem ser aferidos individualmente, ou seja, proporcionalmente para cada litigante sucumbente. Mas há exceção, prevista no parágrafo 2o. do artigo 87, que incide na hipótese em que o juiz deixa de fixar a proporção de encargos de sucumbência entre os litisconsortes sucumbentes, caso em que se deve adotar a solidariedade passiva, situação que não estava prevista no CPC/1973, como havia observado PONTES DE MIRANDA: “Para que a solidariedade existisse, seria preciso regra jurídica expressa, como acontece noutros sistemas jurídicos, ou que resultasse de situação processual específica”. (“Comentários ao Código de Processo Civil”, tomo I, p. 424). Agora, em nosso CPC/2015, existe regra prevendo a solidariedade passiva, prevista no parágrafo único do artigo 87, que abre à possibilidade de o juiz decidir se adota ou não a solidariedade passiva quanto aos encargos de sucumbência. Assim, toda a jurisprudência que fora construída quando em vigor o CPC/1973, e que vedava a adoção da solidariedade passiva em encargos de sucumbência, está agora superada.
Embargos declaratórios: como o CPC/2015 não fixa nenhum critério para o caso em que o juiz decida adotar a solidariedade passiva aos litigantes vencidos na demanda, pode suceder que, na sentença, ele tenha simplesmente deixado, por esquecimento, de fixar o regime de proporção, e para essa hipótese, segundo o parágrafo 2o. do artigo 87, deve-se considerar adotada a solidariedade passiva. No caso em que o juiz não tenha fixado qualquer regime (o da proporção ou da solidariedade), qualquer das partes pode interpor embargos declaratórios para que a omissão seja superada, sob pena de, passando em julgado a sentença, prevalecer o regime da solidariedade passiva. Tanto os litigantes vencidos quanto os vencedores possuem interesse em que a sentença seja aclarada diante desse tipo de omissão, considerando que os efeitos da solidariedade passiva projetam-se também sobre a esfera dos litigantes vencedores.
Se um regime de proporção é de ser fixado aos sucumbentes, também o deve ser, em contrapartida, adotado em relação aos vencedores na demanda, de modo que o juiz deve, na sentença, fixar a cota da titularidade de cada litigante vencedor, quando há cumulação subjetiva entre os litigantes que ganharam a demanda.
Portanto, a grande modificação trazida pelo artigo 87 está em prever a aplicação da solidariedade passiva no regime de encargos de sucumbência, o que não ocorria no CPC/1973.
“Art. 88. Nos procedimentos de jurisdição voluntária, as despesas serão adiantadas pelo requerente e rateadas entre os interessados”.
Comentários: em 1952, FREDERICO MARQUES escrevia: “A impropriamente denominada jurisdição voluntária, que não é voluntária nem jurisdição, constitui função estatal de administração pública de direitos de ordem privada, que o Estado exerce, preventivamente, através de órgãos judiciários, com o fito e objetivo de constituir relações jurídicas, ou de modificar e desenvolver relações já existentes”. (“Ensaio sobre a Jurisdição Voluntária”). O artigo 88 refere-se exatamente às despesas processuais geradas em procedimentos de jurisdição voluntária, nos quais não há lide (conflito de interesses), sendo esse o aspecto que exigiu do legislador cuidasse, em regra específica, acerca das despesas processuais.
Com efeito, quando há sucumbência no processo civil, a parte sucumbente deve arcar com o pagamento da taxa judiciária, despesas processuais e honorários de advogado, de modo que o regime dos encargos de sucumbência é centrado na lide e na aferição de quem nela sucumbiu (princípio da causalidade). Mas como nos procedimentos de jurisdição voluntária não há lide (conflito de interesses), outro deve ser o critério, que é aquele fixado pelo artigo 88, ao estabelecer que as despesas processuais devem ser adiantadas pelo requerente (nos procedimentos de jurisdição voluntária é mais adequado chamar de “requerente” aquele que inicia o procedimento, reservando-se o termo “autor” para a jurisdição contenciosa), de modo que, aquele que busca obter a tutela jurisdicional, deve adiantar o pagamento das despesas necessárias ao desenvolvimento do procedimento, despesas que, ao final, são rateadas entre todos os interessados. Se o Ministério Público for o requerente (artigo 720 do CPC/2015), não há adiantamento de despesas processuais, mas estas devem ser suportadas ao final por todos os interessados, conforme a sua quota-parte.
Os procedimentos de jurisdição voluntário estão regulados no CPC/2015 entre os artigos 719/770.
Importante salientar que o artigo 88 refere-se apenas a despesas processuais, porque não há condenação em honorários de advogado nos procedimentos de jurisdição voluntária. Há, uma exceção, de que trataremos ao final destes comentários.
Quanto à taxa judiciária (tributo), a União Federal e os Estados-membros possuem competência legislativa para a prever nos processos de sua competência. Pode ocorrer, pois, que, determinada lei a exclua do fato gerador desse tributo. Em São Paulo, a lei federal 11.608/2003 – a lei que regula a taxa judiciária nos processos de competência da justiça paulista – prevê, em seu artigo 1o., que incidirá a taxa judiciária nos procedimentos de jurisdição voluntária. Assim, o requerente deve recolher a taxa judiciária, mas esse valor configura despesa processual, de maneira que os demais interessados no procedimento de jurisdição voluntária reembolsarão o requerente do que ele tiver despendido com a taxa judiciária, proporcionalmente de acordo com a quota-parte de cada um dos interessados.
CONFLITO DE INTERESSES: pode suceder que, no procedimento de jurisdição voluntária, revele-se, no curso do procedimento, a presença de um conflito de interesses, como ocorre, com certa frequência, no procedimento de extinção de condomínio em coisa indivisível. Nessa hipótese, como observa OVÍDIO BAPTISTA, desaparecendo aquela identidade de interesses que caracteriza posição dos interessados nos procedimentos de jurisdição voluntária, não há razão para se aplicar a regra do artigo 88, dado que, existindo lide, a parte sucumbente deve arcar não apenas com as despesas processuais, mas também os honorários de advogado. A rigor, o procedimento deixa de ser de jurisdição voluntária para se transformar em um procedimento de jurisdição contenciosa, com a aplicação da regra geral de sucumbência.
“Art. 89. Nos juízos divisórios, não havendo litígio, os interessados pagarão as despesas proporcionalmente a seus quinhões”.
Comentários: depois de fixar a regra geral, consubstanciada no princípio da causalidade, segundo a qual os encargos de sucumbência devem ser suportados pela parte sucumbente, aferida essa sucumbência em face do que forma a lide (conflito de interesses), o legislador deparou-se com situações específicas, nas quais não há propriamente lide, em que o objeto do processo é da titularidade de todos aqueles daqueles que dele participam, como vimos nos comentários ao artigo 88, que trata dos procedimentos de jurisdição voluntária. Situação idêntica sucede nos juízos divisórios e em todas as ações nas quais o provimento jurisdicional impõe uma divisão de coisas que sejam comuns às partes do processo, como se dá na ação de inventário e de partilha. Em sendo a coisa comum, e querendo as partes dividi-la, não há propriamente lide, senão que interesses que podem não ser inteiramente coincidentes, mas que confluem em um aspecto de relevo, que é o de quererem que a coisa objeto do processo seja dividida. Importante observar que como essas ações referem-se a procedimentos de jurisdição contenciosa, não se lhes poderia aplicar a regra do artigo 88.
Donde a necessidade de se fixar uma regra própria quanto às despesas processuais, que leve em conta o fato de a rigor não haver lide nas ações divisórias, nos inventários e partilhas, e mesmo na ação demarcatória, quando abarque o pedido de partilha da área demarcada. Assim, segundo a regra do artigo 89 (que reproduz textualmente a do artigo 25 do CPC/1973), nos juízos divisórios (e em todas as ações que tenham essa mesma finalidade), como não há litígio, os interessados pagaram as despesas proporcionalmente, de acordo com os seus respectivos quinhões.

AÇAÕ DIVISÓRIA: nas ações de divisão e demarcação (CPC/2015, artigos 569/598), o procedimento é composto por duas fases, e é na segunda fase que se trata de dividir ou demarcar o objeto do processo, de modo que é apenas nessa segunda fase que tem aplicação a regra do artigo 89. Na primeira fase dessas ações, aplica-se a regra geral dos artigos 82 e 85, especialmente quanto à fixação de honorários de advogado. É que na primeira fase dessas ações, pode existir lide que justifique a aplicação do princípio da causalidade.
“Art. 90. Proferida sentença com fundamento em desistência, em renúncia ou em reconhecimento do pedido, as despesas e os honorários serão pagos pela parte que desistiu, renunciou ou reconheceu.
§ 1º Sendo parcial a desistência, a renúncia ou o reconhecimento, a responsabilidade pelas despesas e pelos honorários será proporcional à parcela reconhecida, à qual se renunciou ou da qual se desistiu.
§ 2º Havendo transação e nada tendo as partes disposto quanto às despesas, estas serão divididas igualmente.
§ 3º Se a transação ocorrer antes da sentença, as partes ficam dispensadas do pagamento das custas processuais remanescentes, se houver.
§ 4º Se o réu reconhecer a procedência do pedido e, simultaneamente, cumprir integralmente a prestação reconhecida, os honorários serão reduzidos pela metade”.
Comentários: o artigo 90 trata dos encargos de sucumbência quando há extinção anormal do processo (sem julgamento do mérito), como se dá no caso da desistência da ação, e noutras duas situações nas quais, conquanto exista extinção do processo com resolução do mérito, casos da renúncia ou reconhecimento jurídico do pedido formulado na ação ou na reconvenção, o processo tem seu curso abreviado, na medida em que não há propriamente sentença de mérito. Prevê também o que deverá suceder em termos de taxa judiciária, despesas processuais e honorários de advogado na hipótese de transação, outra forma de extinção abreviada do processo, mas com julgamento do mérito. O artigo 90 reproduz parte do que formava o artigo 26 do CPC/1973, mas regula de modo mais amplo e adequado essas situações processuais. Vale lembrar que uma outra causa de extinção do processo sem resolução do mérito – por perda de seu objeto – não está abarcada no artigo 90, mas diretamente no parágrafo 10 do artigo 85. Para outras hipóteses em que há extinção do processo, sem resolução do mérito, caso, por exemplo, do abandono processual, previsto no artigo 485, inciso II, a matéria relativa aos encargos de sucumbência está tratada expressamente no parágrafo 2o. do artigo 485.
DESISTÊNCIA: prevê o artigo 90 que, extinguindo-se o processo, sem julgamento do mérito da pretensão, por força da desistência manifestada pelo autor, nesse caso o autor, que deu causa à extinção do processo, deve suportar o reembolso ao réu das despesas processuais, além de ser condenado em honorários de advogado, cuja base de cálculo apresenta uma importante modificação em relação à regulamentação que era dada a essa matéria no CPC/1973. Com efeito, no código de 1973, o artigo 20, parágrafo 4o., previa que, em não havendo condenação (caso, pois, em que ocorria a desistência da ação), os honorários de advogado deveriam ser fixados por apreciação equitativa do juiz. Mas no CPC/2015, o artigo 85, parágrafo 6o., determina que, mesmo nos casos em que se homologue a desistência da ação, os limites e critérios fixados nos parágrafos 2o. e 3o. do artigo 85, devam ser observados, não havendo mais, portanto, poder de o juiz fixar por apreciação equitativa os honorários de advogado no caso de desistência da ação. Sendo parcial a desistência, prevê o parágrafo 1o. do artigo 90 deva ser proporcional a condenação do autor no reembolso de despesas processuais e na condenação em honorários de advogado. Importante assinalar que, a desistência pode ser apresentada a qualquer momento no processo, mas, tendo sido apresentada contestação, há a necessidade da concordância do réu, segundo o que prevê o artigo 485, parágrafo 4o., do CPC/2015. Assim, quando a desistência da ação é manifestada antes da citação, não há condenação do autor no reembolso de despesas processuais ou em honorários de advogado, mas, em tendo sido apresentada contestação, o autor deve ser condenado em encargos de sucumbência, aplicando-se o que está previsto no “caput” do artigo 90.
RENÚNCIA AO DIREITO E RECONHECIMENTO JURÍDICO DO PEDIDO: o processo pode terminar por renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção, como também pode terminar em virtude do reconhecimento da procedência do pedido formulado na ação ou na reconvenção. São hipóteses previstas no artigo 487, incisos III, alínea “a” e “c”, em que ocorre o julgamento do mérito da pretensão. Nessas hipóteses, aquele que renuncia, ou reconhece a procedência do pedido, deve suportar os encargos de sucumbência, o que de resto harmoniza-se com o princípio da causalidade, regra geral adotada pelo legislador brasileiro quanto ao regime jurídico desses encargos. Sendo parcial a renúncia ou o reconhecimento jurídico do pedido, tal como sucede na desistência parcial, a condenação em encargos de sucumbência deve ser proporcional, aferida segundo aquilo a que se renunciou ou ao que se reconheceu em termos de pedido. A novidade que o CPC/2015 traz em relação ao CPC/1973 diz respeito ao reconhecimento jurídico do pedido, quando o réu, a compasso com o reconhecer, implementa na prática os efeitos decorrentes desse reconhecimento, ensejando que se beneficie com a redução, em metade, do valor de honorários de advogado.
TRANSAÇÃO: de acordo com o parágrafo 3o. do artigo 90, ocorrendo transação, e sendo ela homologada por sentença, as partes ficam dispensadas do pagamento de custas remanescentes, obviamente se existirem essas custas. Observe-se que ao se referir a “custas”, o dispositivo em questão está a considerar apenas a taxa judiciária, tributo que é regulado por cada Estado-membro, de modo que a lei local deve obrigatoriamente observar a isenção tributária prevista no CPC/2015.

“Art. 91. As despesas dos atos processuais praticados a requerimento da Fazenda Pública, do Ministério Público ou da Defensoria Pública serão pagas ao final pelo vencido.
§ 1º As perícias requeridas pela Fazenda Pública, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública poderão ser realizadas por entidade pública ou, havendo previsão orçamentária, ter os valores adiantados por aquele que requerer a prova.
§ 2º Não havendo previsão orçamentária no exercício financeiro para adiantamento dos honorários periciais, eles serão pagos no exercício seguinte ou ao final, pelo vencido, caso o processo se encerre antes do adiantamento a ser feito pelo ente público”.
Comentários: há, no processo civil brasileiro, partes “especiais”, como podem ser chamados entes públicos que nele figuram como parte (como autor, réu, litisconsorte ativo ou passivo, litisdenunciado, etc…). Trata-se da FAZENDA PÚBLICA, do MINISTÉRIO PÚBLICO e da DEFENSORIA PÚBLICA. Vale lembrar que, no processo civil brasileiro, as lides de direito público também são reguladas pelo direito processual civil, o que justifica que se regule, quanto a despesas processuais, o regime jurídico-legal a aplicar-se a esses entes públicos.
Assim, quando se tratar de despesa processual decorrente de ato processual que tenha sido praticado pela FAZENDA PÚBLICA, MINISTÉRIO PÚBLICO ou DEFENSORIA PÚBLICA, como parte no processo civil, essa despesa deverá ser paga apenas ao final pela parte sucumbente, o que significa dizer que não haverá adiantamento dessa despesa processual, tratando-se, pois, de uma exceção à regra geral do artigo 82 do CPC/2015 (“Salvo as disposições concernentes à gratuidade da justiça, incumbe às partes prover as despesas dos atos que realizarem ou requererem no processo, antecipando-lhes o pagamento, desde o início até a sentença final ou, na execução, até a plena satisfação do direito reconhecido no título”).
Há que se considerar, contudo, duas ordens de particularidade. A primeira diz respeito ao MINISTÉRIO PÚBLICO, porque, segundo o parágrafo 1o. do artigo 82, incumbe ao autor adiantar as despesas relativas a ato que tenha sido requerido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO. Mas importante destacar que, nesse caso, o MINISTÉRIO PÚBLICO não atua como parte, mas como “custos legis”, ou seja, como “fiscal da ordem jurídica”, como o CPC/2015 o denomina (artigo 82, parágrafo 1o.). Assim, quando o MINISTÉRIO PÚBLICO atua como parte, a regra a aplicar-se é a do artigo 91, de modo que as despesas processuais não são adiantadas, senão que pagas somente ao final pela parte vencida.
Uma outra particularidade que envolve o artigo 91 surge exatamente quanto se trata do adiantamento de despesas processuais pela FAZENDA PÚBLICA, MINISTÉRIO PÚBLICO e DEFENSORIA PÚBLICA, porque há atos processuais cuja consecução material é feita pelos auxiliares da Justiça, como são os peritos e oficiais de justiça, os quais não podem e não são obrigados a desembolsar as despesas que seu trabalho envolva ou exija. A remuneração ao perito constitui, no plano do processo civil, uma despesa processual, mas é ao mesmo tempo a remuneração pelo trabalho que o perito executa. De modo que seria impor-lhe um sacrífico além de um justo limite o ter que aguardar o final do processo, para que pudesse receber seus honorários. A Súmula 232 do Superior Tribunal de Justiça fixou o entendimento de que a Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito. O mesmo se deve entender em relação ao MINISTÉRIO PÚBLICO e à DEFENSORIA PÚBLICA quando atuam como parte e lhes caiba a antecipação dos honorários periciais. Vale enfatizar que o adiantamento pelo autor dos honorários periciais, quando a perícia tiver sido requerida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, somente deve ocorrer quando o MINISTÉRIO PÚBLICO estiver a atuar como fiscal da lei, segundo o que prevê o artigo 82, parágrafo 1o., do CPC/2015.
FAZENDA PÚBLICA: o conceito jurídico-legal utilizado no artigo 91 quanto à “Fazenda Pública” é amplo, o que significa dizer que abarca todos os entes públicos, caso, por exemplo, da União Federal, Estados-membros, Distrito Federal, municípios, autarquias, fundações de direito público, e as sociedades de economia mista, quando seu controle acionário estiver nas mãos do Poder Público.
“Art. 92. Quando, a requerimento do réu, o juiz proferir sentença sem resolver o mérito, o autor não poderá propor novamente a ação sem pagar ou depositar em cartório as despesas e os honorários a que foi condenado”.
Comentários: nas hipóteses em que o processo é extinto sem resolução do mérito por abandono processual (CPC/2015, artigo 485, inciso III), ou porque o processo permaneceu parado por negligência das partes (CPC/2015, artigo 485, inciso II), e desde que a extinção do processo tenha decorrido de requerimento formulado pelo réu, nesse caso o autor não poderá outra ajuizar uma outra ação, sem que tenha comprovado o prévio pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios a que tenha sido condenado no processo extinto. O artigo 92 reproduz o teor do artigo 28 do CPC/2015, de modo que se deve se considerar o aspecto de lógica formal destacado por OVÍDIO BAPTISTA em seus comentários ao artigo 28, quando aponta uma imprecisão lógica ao referir a norma a “propor novamente a ação”, quando, a rigor, não se trata de propor novamente a ação, senão que ajuizar uma nova ação, depois que a primeira foi extinta sem resolução de seu mérito.
Observe-se que para as hipóteses de extinção do processo, sem resolução do mérito, por abandono ou negligência, o juiz pode agir de ofício como decorre da conclusão a que se deve chegar diante do que prevê o artigo 485, parágrafo 6o.. Assim, conquanto o parágrafo 3o. do artigo 485 não tenha inserido no rol das matérias que podem ser conhecidas de ofício pelo juiz as hipóteses do abandono e negligência, como o parágrafo 6o. estabelece que apenas na hipótese em que tenha sido oferecida a contestação a concordância do réu é exigida, daí se pode concluir que, antes de oferecida a contestação, o juiz pode, de ofício, declarar extinto o processo, se identificar situação de abandono ou negligência quanto ao andamento regular do processo.
A comprovação do depósito prévio de despesas processuais e honorários de advogado gerados na anterior ação caracteriza-se como pressuposto processual, de modo que o autor deve comprovar, já na peça inicial, tenha feito esse depósito, sem o qual suportará a extinção do processo sem resolução do mérito, nos termos do artigo 485, inciso IV, do CPC/2015.
“Art. 93. As despesas de atos adiados ou cuja repetição for necessária ficarão a cargo da parte, do auxiliar da justiça, do órgão do Ministério Público ou da Defensoria Pública ou do juiz que, sem justo motivo, houver dado causa ao adiamento ou à repetição”.
Comentários: os atos processuais devem, por óbvio, ocorrer a tempo e modo, e quando isso não sucede, seja porque devam ser adiados, ou refeitos, então nessas situações (adiamento ou refazimento do ato), novas despesas podem ser necessárias. É disso que trata o artigo em questão, que faz incumbir à parte responsável pelo adiamento ou pelo refazimento do ato a obrigação de custear as novas despesas, quando necessárias. Essa incumbência, contudo, depende de se comprovar que a parte, ela própria, tenha dado causa ao adiamento ou à repetição do ato processual, conforme ressalva a parte final do artigo 93. A propósito, o artigo 93 reproduz, com pequena variação de estilo, a redação do artigo 29 do CPC/1973.
E quando o retardamento na realização de um ato processual o torna já impossível de ocorrer? Essa hipótese, segundo PONTES DE MIRANDA, estaria abarcada na finalidade da norma, que é a de fixar a responsabilidade pelo pagamento de despesas processuais. Assim, quando um ato processual não pode mais ocorrer em razão de retardamento ou negligência imputada à parte, esta deve ser responsabilizada pelo pagamento das despesas processuais, ou de seu reembolso à parte que as tiver custeado.
“Art. 94. Se o assistido for vencido, o assistente será condenado ao pagamento das custas em proporção à atividade que houver exercido no processo”.
Comentários: são duas as modalidades de assistência acolhidas no CPC/2015: a assistência simples, tratada no artigo 121, e a assistência litisconsorcial ou qualificada, tratada no artigo 124, e a distinção entre uma e outra dessas figuras corresponde, segundo DINAMARCO, à projeção de um grau maior ou menor que os efeitos do julgamento produzirá sobre a esfera jurídica do assistente. Ou seja, são os reflexos jurídicos emanados do julgamento da causa que definem se a assistência é simples ou deve ser qualificada. Se esses efeitos são de molde que a esfera jurídica do assistente possa, de fato e de direito, influir na relação jurídica estabelecida entre o assistente e o adversário do assistido, então nesse caso a assistência será qualificada.
Essa mesma diferença de grau foi levada em consideração pelo legislador para efeito de fixar-se o regime de responsabilidade por encargos de sucumbência. Destarte, quando a assistência é simples, sucumbindo a parte assistida, o assistente será também condenado no pagamento da taxa judiciária, calculada proporcionalmente à atividade que o assistente terá exercido no processo. Tenha-se em conta, porque de relevo, que o artigo 94 não se refere à sucumbência em si, mas àquelas atividades que o assistente terá realizado no processo, como critério para se estabelecer a proporção no pagamento das custas.
Quando se trata da assistência qualificada, o assistente é de ser considerado como litisconsorte da parte assistida, como determina o artigo 124 do CPC/2015. De maneira que, como litisconsorte, deve suportar os encargos de sucumbência como sucede a qualquer litisconsorte sucumbente, tal como estatui o artigo 87.
O que nos conduz à conclusão de que o artigo 94 regula apenas a situação do assistente simples.
Importante observar, por derradeiro, que o artigo 94 refere-se apenas às custas, e não a honorários de advogado.

“Art. 95. Cada parte adiantará a remuneração do assistente técnico que houver indicado, sendo a do perito adiantada pela parte que houver requerido a perícia ou rateada quando a perícia for determinada de ofício ou requerida por ambas as partes.
§ 1º O juiz poderá determinar que a parte responsável pelo pagamento dos honorários do perito deposite em juízo o valor correspondente.
§ 2º A quantia recolhida em depósito bancário à ordem do juízo será corrigida monetariamente e paga de acordo com o art. 465, § 4º.
§ 3º Quando o pagamento da perícia for de responsabilidade de beneficiário de gratuidade da justiça, ela poderá ser:
I – custeada com recursos alocados no orçamento do ente público e realizada por servidor do Poder Judiciário ou por órgão público conveniado;
II – paga com recursos alocados no orçamento da União, do Estado ou do Distrito Federal, no caso de ser realizada por particular, hipótese em que o valor será fixado conforme tabela do tribunal respectivo ou, em caso de sua omissão, do Conselho Nacional de Justiça.
§ 4º Na hipótese do § 3º, o juiz, após o trânsito em julgado da decisão final, oficiará a Fazenda Pública para que promova, contra quem tiver sido condenado ao pagamento das despesas processuais, a execução dos valores gastos com a perícia particular ou com a utilização de servidor público ou da estrutura de órgão público, observando-se, caso o responsável pelo pagamento das despesas seja beneficiário de gratuidade da justiça, o disposto no art. 98, § 2º.
§ 5º Para fins de aplicação do § 3º, é vedada a utilização de recursos do fundo de custeio da Defensoria Pública”.
Comentários: cuida o artigo 95 de duas específicas despesas processuais: as que se referem aos honorários periciais e à remuneração do assistente técnico. Determinada a produção da prova pericial, surge a necessidade de definir a qual parte cabe adiantar o pagamento dos honorários periciais. Note o leitor que o artigo 95 utiliza-se do verbo “adiantar”, em lugar do verbo “pagar”, que era empregado no artigo 33 do CPC/1973, tratando-se aí de um aperfeiçoamento não apenas estilístico, mas que corresponde à natureza do que se quer expressar, porque, em se tratando de despesa processual, há apenas seu adiantamento, até que em sentença, quando se decide a sorte da demanda, defina-se acerca dos encargos de sucumbência, dentre os quais estão as despesas processuais, de modo que à parte que tiver vencido a demanda e que tiver antecipado despesas processuais reconhece-se o direito a receber da parte vencida o que tiver suportado com as despesas processuais havidas no curso do processo. Assim se dá em especial com os honorários periciais.
Suponha-se que, a requerimento do autor, o juiz autorize a produção da prova pericial. Segundo o “caput” do artigo 95, cabe ao autor, que requereu a produção da prova, adiantar o pagamento dos honorários periciais. Pois bem, se em sentença decidir-se em favor da pretensão do autor, este passa a ter o direito a receber em restituição o que tiver despendido com honorários pericias.
E o mesmo deve suceder com a remuneração do assistente técnico. A parte vencida deve pagar à parte vencedora da demanda o que tiver sido adiantado em termos da remuneração do assistente técnico, se o tiver indicado.
A prova pericial pode ser produzida em um processo a requerimento do autor, do réu, de ambas as partes, ou ainda de ofício pelo juiz, e por isso prevê o artigo 95 que cabe à parte que requereu a produção desse tipo de prova adiantar os honorários periciais. Se ambas as partes a tiverem requerido, ou se o juiz de ofício a determinou, então nesses casos ambas as partes devem adiantar, em proporção de metade, os honorários periciais.
Exige-se que o juiz, nomeando o perito, conceda-se-lhe o direito a apresentar uma proposta de honorários, como também deve conceder às partes o direito de se posicionarem sobre a proposta. Surgindo controvérsia quanto ao valor, recomenda-se que o juiz fixe apenas os honorários prévios, aguardando que a perícia seja materializada em laudo, quando então poderá, com maior objetividade, fixar os honorários definitivos. O juiz, segundo o parágrafo 1o. do artigo 95, pode determinar que a parte responsável pelo adiantamento dos honorários periciais deposite o valor em juízo, autorizando o levantamento em momento oportuno.

GRATUIDADE: quanto a parte incumbida de adiantar os honorários periciais beneficia-se da gratuidade, o Estado responsabilizar-se-á pelo pagamento da remuneração devido ao perito. O Estado poderá, contudo, ressarcir-se do valor que tiver pago a esse título na hipótese em que o beneficiado pela gratuidade tiver sido vencedor na demanda, e parte sucumbente não for o beneficiário da gratuidade.

PRECLUSÃO: em não havendo o adiantamento dos honorários periciais, pode o juiz reconhecer a preclusão na produção da prova, analisando-se, já no contexto do ônus da prova e de sua distribuição, que efeitos essa preclusão terá produzido.

“Art. 96. O valor das sanções impostas ao litigante de má-fé reverterá em benefício da parte contrária, e o valor das sanções impostas aos serventuários pertencerá ao Estado ou à União”.
Comentários: caracteriza-se como sanção de natureza pecuniária aquela que é imposta por ato que configure litigância de má-fé (CPC, artigos 77-81), prevendo o artigo 96 que o valor dessa sanção será revertido em benefício da parte contrária, tal como ocorria no CPC/1973, cujo artigo 35 também previa esse destino da sanção pecuniária, embora com a qualificação de “taxa”, o que desapareceu do novo CPC, pois que o valor da sanção pecuniária não constitui propriamente “taxa”, nem despesa processual, mas multa, e que está tratada no capítulo em que o CPC/2015 trata, além das despesas processuais e dos honorários advocatícios, das multas, que são aplicadas em diversas situações no processo, não apenas no caso da litigância de má-fé, como ocorre, por exemplo, quando se acolhe a impugnação à gratuidade (CPC/2015, artigo 100, parágrafo único), ou ainda quando se aplica à parte que lança cota marginal (CPC/2015, artigo 202).
GRATUIDADE: os benefícios da gratuidade não abarcam a sanção pecuniária aplicada por litigância de má-fé. Assim, se a parte, conquanto beneficiária da gratuidade, tiver praticado ato que caracterize litigância de má-fé, fica sujeita à sanção pecuniária e a deve satisfazer.
EXECUÇÃO: o valor da sanção pecuniária pode ser objeto de execução nos próprios autos em que foi reconhecida a litigância de má-fé, segundo o que prevê o artigo 777 do CPC/2015.

SERVENTUÁRIOS DA JUSTIÇA também estão sujeitos aos deveres jurídico-legais fixados no artigo 77 e, praticando ato que configure litigância de má-fé, podem sofrer a imposição da sanção pecuniária, cujo valor deverá ser revertido à União (se o processo estiver a tramitar na Justiça Comum Federal), ou ao Estado-membro (se o processo estiver a tramitar na Justiça Comum Estadual).

“Art. 97. A União e os Estados podem criar fundos de modernização do Poder Judiciário, aos quais serão revertidos os valores das sanções pecuniárias processuais destinadas à União e aos Estados, e outras verbas previstas em lei”.
Comentários: mais um exemplo da dificuldade que é habitual ao legislador brasileiro, que muitas vezes não consegue identificar a natureza jurídica ou mesmo a finalidade de uma matéria quando se trata de a inserir em um código. A matéria tratada no artigo 97, com efeito, nada tem de natureza processual, regulando matéria tipicamente de direito administrativo, ao prever a criação de fundos de modernização do Poder Judiciário, formado pelo valor arrecadado com multas processuais. A origem processual das multas não constitui razão suficiente para que se dispusesse, em um código de processo civil, da criação de um fundo de modernização do Poder Judiciário, matéria essencialmente de direito administrativo.
“Seção IV
– Da Gratuidade da Justiça

Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.
§ 1º A gratuidade da justiça compreende:
I – as taxas ou as custas judiciais;
II – os selos postais;
III – as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios;
IV – a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse;
V – as despesas com a realização de exame de código genético – DNA e de outros exames considerados essenciais;
VI – os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira;
VII – o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução;
VIII – os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório;
IX – os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.
§ 2º A concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência.
§ 3º Vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.
§ 4º A concessão de gratuidade não afasta o dever de o beneficiário pagar, ao final, as multas processuais que lhe sejam impostas.
§ 5º A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.
§ 6º Conforme o caso, o juiz poderá conceder direito ao parcelamento de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.
§ 7º Aplica-se o disposto no art. 95, §§ 3º a 5º, ao custeio dos emolumentos previstos no § 1º, inciso IX, do presente artigo, observada a tabela e as condições da lei estadual ou distrital respectiva.
§ 8º Na hipótese do § 1º, inciso IX, havendo dúvida fundada quanto ao preenchimento atual dos pressupostos para a concessão de gratuidade, o notário ou registrador, após praticar o ato, pode requerer, ao juízo competente para decidir questões notariais ou registrais, a revogação total ou parcial do benefício ou a sua substituição pelo parcelamento de que trata o § 6º deste artigo, caso em que o beneficiário será citado para, em 15 (quinze) dias, manifestar-se sobre esse requerimento”.
Comentários: optou o legislador do CPC/2015 por regular, aliás extensamente, o instituto da gratuidade no processo civil, diversamente do que sucedia no CPC/1973, que remetia essa regulação à Lei federal 1.060/1950 (a “Lei da Gratuidade”), de modo que, em face das disposições do CPC/2015, mantém-se a vigência, a validez e a eficácia da lei federal 1.060/1950, mas tão semente naquilo em que não houver divergência em face da lei superveniente (o CPC/2015). A rigor, seria melhor que o Legislador tivesse procedido a modificações diretamente no texto da lei de 1960, visto que a mantém como válida.

PESSOA JURÍDICA: durante muito tempo controverteu-se na jurisprudência brasileira acerca do direito de a pessoa jurídica obter a gratuidade. A lei 1.060 referia-se genericamente à condição de parte, mas agora, em face do artigo 98, que expressamente se refere à pessoa jurídica, essa controvérsia cessará definitivamente. Frise-se que antes mesmo da entrada em vigor o CPC/2015, a maioria da jurisprudência já entendia que o benefício também poderia ser concedido à pessoa jurídica.

ATOS PROCESSUAIS: o legislador cuidou enumerar, de modo exemplificativo, os atos em relação aos quais a gratuidade deve produzir efeitos. Segundo o parágrafo 1o. do artigo 98, a gratuidade abarca a taxa judiciária e diversas despesas processuais, como, por exemplo, os honorários periciais. Mas há que se entender como regra geral, diante de uma relação que é apenas exemplificativa, que todo ato praticado no processo civil brasileiro que envolva despesa está alcançado pela gratuidade. Há exceções, mas elas devem ser consideradas como excepcionais. Observe-se que, segundo o parágrafo 5o. do artigo 98, a gratuidade pode ser parcial, seja quanto a determinados atos processuais, seja quanto à redução no valor que deveria ser adiantado como despesa processual. E o parágrafo 6o. autoriza ao juiz conceda à parte o direito a parcelar o valor da despesa processual, quando tiver sido concedido o benefício da gratuidade.

ATOS REGISTRAIS: nalgumas situações existe a obrigação legal de a decisão ou sentença ser levada a registro em cartórios extrajudiciais, e o registro faz incidir emolumentos, segundo a respectiva lei. Esses atos registrais estão abarcados pela gratuidade, mas o serventuário pode requerer ao juiz do processo em que a gratuidade foi concedida que avalie a hipótese de revogar o benefício, desde que o serventuário demonstre que a parte não faz jus à gratuidade, instaurando-se uma controvérsia a respeito. (Esse dispositivo legal bem demonstra como é poderosa a defesa dos interesses dos cartórios extrajudiciais no Brasil, a ponto de o legislador decidir inserir no texto do CPC/2015 um artigo cuja finalidade não é outra senão que a de proteger esses interesses.)

SUCUMBÊNCIA: em sucumbindo o beneficiado pela gratuidade, prevê o parágrafo 2o. do artigo 98 que prevalece a responsabilidade da parte sucumbente pelos encargos decorrentes dessa sucumbência (taxa judiciária, despesas processuais e honorários de advogado). Mas se deve observar a condição suspensiva da exigibilidade quanto aos efeitos dessa responsabilidade, que permanecem suspensos por até cinco anos, contados do momento em que transitou em julgado a sentença ou o acórdão que, impondo os encargos de sucumbência à parte beneficiada, ressalvou a mantença da gratuidade. Pode o credor desses encargos (a parte contrária), dentro do prazo de cinco anos, alegar que a parte sucumbente terá perdido o direito a manter a gratuidade, comprovando tenha existido uma modificação na situação financeira do beneficiado pela gratuidade.
TAXA JUDICIÁRIA: importante observar que a taxa judiciária é da titularidade da União (no caso de processos que tenham tramitado na Justiça Comum Federal), e do Estado-membro (no caso de processos que tenham tramitado na Justiça Comum Estadual), de modo que, na condição de credora desse tributo, a Fazenda Pública pode alegar, nos autos em que o benefício da gratuidade foi concedido, a modificação na situação financeira da parte sucumbente, se esta deixou de recolher a taxa judiciária em razão da gratuidade, para que seja obrigada a esse pagamento.
“Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.
§ 1º Se superveniente à primeira manifestação da parte na instância, o pedido poderá ser formulado por petição simples, nos autos do próprio processo, e não suspenderá seu curso.
§ 2º O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos.
§ 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.
§ 4º A assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça.
§ 5º Na hipótese do § 4º, o recurso que verse exclusivamente sobre valor de honorários de sucumbência fixados em favor do advogado de beneficiário estará sujeito a preparo, salvo se o próprio advogado demonstrar que tem direito à gratuidade.
§ 6º O direito à gratuidade da justiça é pessoal, não se estendendo a litisconsorte ou a sucessor do beneficiário, salvo requerimento e deferimento expressos.
§ 7º Requerida a concessão de gratuidade da justiça em recurso, o recorrente estará dispensado de comprovar o recolhimento do preparo, incumbindo ao relator, neste caso, apreciar o requerimento e, se indeferi-lo, fixar prazo para realização do recolhimento”.
Comentário: conforme observamos nos comentários ao artigo 98, o CPC/2015 assumiu para si a regulação do instituto da assistência judiciária em seus principais aspectos. O artigo 99 cuida, assim, de fixar essa regulação, prevendo que a gratuidade pode ser requerida a qualquer tempo no processo civil, bastando que a parte (ou o terceiro) apresente uma simples petição, instruída com os documentos que comprovem a hipossuficiência, observando-se que há em favor de quem requer a gratuidade uma presunção de veracidade, mas essa presunção é relativa. O direito à gratuidade é pessoal e como tal não se transmite aos sucessores da parte, ou ao litisconsorte, e nem mesmo ao assistente.
Ao tempo em que esteve em vigor o CPC/1973, ou seja, durante o tempo em que a Lei federal 1.060/1950 era a principal fonte legislativa para a regulação da gratuidade, não era incomum que se negasse o benefício quando a parte contava com o patrocínio de um advogado particular. Daí estabelecer o artigo 99, por seu parágrafo 4o., que essa situação não infirma, só por si, que a parte faça jus à gratuidade.
NOVIDADE: o parágrafo 5o. do artigo 99 constitui uma novidade em nossa legislação processual civil, ao prever que o advogado particular da parte que é beneficiada pela gratuidade deverá se sujeitar ao preparo do recurso que interpuser, quando esse recurso versar sobre valor fixado a título de honorários de advogado. Ressalva a norma que o advogado particular, ele próprio, poderá pleitear a gratuidade, buscando a isenção ao preparo do recurso.
RECURSO: prevê o parágrafo 7o. do artigo 99 que, requerida a gratuidade no recurso, nessa hipótese o preparo é provisoriamente dispensado, até que o relator do recurso aprecie o requerimento. Se negar a gratuidade, terá que fixar prazo à parte recorrente para que a parte recorrente proceda ao preparo do recurso. Essa situação é mais frequente no recurso de apelação, de modo que se o apelante, interpondo o recurso, requer a gratuidade, o juiz de primeiro grau deve receber o recurso, ainda que negue a gratuidade, remetendo o exame da matéria (da gratuidade e preparo recursal) ao relator no tribunal.
“Art. 100. Deferido o pedido, a parte contrária poderá oferecer impugnação na contestação, na réplica, nas contrarrazões de recurso ou, nos casos de pedido superveniente ou formulado por terceiro, por meio de petição simples, a ser apresentada no prazo de 15 (quinze) dias, nos autos do próprio processo, sem suspensão de seu curso.
Parágrafo único. Revogado o benefício, a parte arcará com as despesas processuais que tiver deixado de adiantar e pagará, em caso de má-fé, até o décuplo de seu valor a título de multa, que será revertida em benefício da Fazenda Pública estadual ou federal e poderá ser inscrita em dívida ativa”.
Comentários: concedida a gratuidade, a parte contrária, estabelece o artigo 100, pode impugnar o benefício em até quinze dias do momento em que toma conhecimento da concessão da gratuidade. Basta que, por meio de uma simples petição, formule impugnação, fazendo prova de que o benefício foi indevidamente concedido. O juiz deve observar o contraditório, concedendo à parte beneficiada pela gratuidade o direito de responder à impugnação. Provas podem ser produzidas nesse contexto.
REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO: revogada a gratuidade, seus efeitos cessam imediatamente, mas essa revogação produz efeitos retroativos, alcançando atos que tenham sido praticados durante o tempo em que o benefício estivera em vigor. Daí determinar o parágrafo único do artigo 100 que a revogação da gratuidade obriga a parte a pagar as despesas processuais que deixaram de ser pagas em virtude da gratuidade.
MÁ-FÉ. Nem sempre a revogação da gratuidade equivale a reconhecer que a parte terá agido com má-fé ao pleitear o benefício. O juiz terá que analisar as circunstâncias do caso em concreto e decidir se há ou não má-fé. Se a reconhecer, aplicará de ofício contra a parte uma multa que pode corresponder em até dez vezes o valor das despesas processuais que não tiveram sido pagas em razão da gratuidade. Esse valor é revertido aos cofres da União Federal (se o processo for da competência da Justiça Federal), e aos cofres do Estado-membro (se o processo estiver a tramitar na Justiça estadual). A multa, não satisfeita pela parte condenada, pode ser inscrita em dívida ativa. Embora se trate de uma espécie de litigância de má-fé, a multa que é aplicada quando se revoga a gratuidade não é revertida à parte contrária (como ocorre na litigância de má-fé segundo o artigo 81), mas ao Poder Público, conforme uma válida opção do legislador.
RECURSO: revogada a gratuidade, o recurso cabível é o agravo de instrumento, nos termos do que prevê o artigo 1.015, inciso V, do CPC/2015. A matéria também está regulada no artigo 101 do CPC/2015.

“Art. 101. Contra a decisão que indeferir a gratuidade ou a que acolher pedido de sua revogação caberá agravo de instrumento, exceto quando a questão for resolvida na sentença, contra a qual caberá apelação.
§ 1º O recorrente estará dispensado do recolhimento de custas até decisão do relator sobre a questão, preliminarmente ao julgamento do recurso.
§ 2º Confirmada a denegação ou a revogação da gratuidade, o relator ou o órgão colegiado determinará ao recorrente o recolhimento das custas processuais, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de não conhecimento do recurso.”.
Comentário: o artigo 101 confirma como o legislador do CPC/2015 em muitas ocasiões incide em redundância, tratando de uma matéria que é objeto de regulação no mesmo código. Com efeito, o artigo 101 repete o que está disposto no artigo 1.015, inciso V, do mesmo CPC. E mesmo quanto à ressalva do recurso de apelação para o caso de a gratuidade ter sido negada em sentença, a matéria também está regulada pelo artigo 1.009, parágrafo 1o., do CPC/2015.
O mesmo sucede com os parágrafos 1o. e 2o., que repetem o que está previsto no parágrafo 7o. do artigo 99, ao tratar das hipóteses que podem ocorrer no caso de a gratuidade ser apreciada pelo relator do recurso (para a negar ou a conceder).
A única hipótese que poderia ter sido tratada no artigo 101 diz respeito ao caso em que a gratuidade é concedida, por haver dúvida quanto ao cabimento de recurso nessa hipótese, entendendo a jurisprudência majoritária que se trata de uma decisão interlocutória não agravável, dado que a parte contrária somente pode impugnar a concessão da gratuidade segundo o que prevê o artigo 100 do CPC/2015.
“Art. 102. Sobrevindo o trânsito em julgado de decisão que revoga a gratuidade, a parte deverá efetuar o recolhimento de todas as despesas de cujo adiantamento foi dispensada, inclusive as relativas ao recurso interposto, se houver, no prazo fixado pelo juiz, sem prejuízo de aplicação das sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Não efetuado o recolhimento, o processo será extinto sem resolução de mérito, tratando-se do autor, e, nos demais casos, não poderá ser deferida a realização de nenhum ato ou diligência requerida pela parte enquanto não efetuado o depósito”.
Comentários: o artigo 102 complementa o conteúdo do artigo 100, ao prever que, em se tornando definitiva a decisão ou sentença que tenha revogado a gratuidade, a parte deve realizar o pagamento de todas as despesas processuais para as quais não fizera o recolhimento dada a gratuidade então concedida. O mesmo deve suceder em relação ao preparo do recurso no qual tenha pleiteado a gratuidade.
Não realizado o pagamento dessas despesas processuais, dispõe o parágrafo único do artigo 102 que o autor suportará a extinção do processo sem resolução do mérito. Trata-se, pois, de uma hipótese específica de extinção anormal do processo, que não está no elenco do artigo 485 do CPC, o que confirma que esse elenco não é taxativo. Observe-se que, extinto o processo sem resolução do mérito, por ausência do pagamento das despesas processuais, o autor pode ajuizar uma nova ação, como prevê o artigo 486 do CPC/2015.
No caso de a gratuidade ter sido negada ao autor, nenhum ato ou diligência de seu interesse poderá realizar-se no processo, enquanto não for efetuado o depósito das despesas processuais.
CAPÍTULOIII
DOS PROCURADORES
Art. 103. A parte será representada em juízo por advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil.
Parágrafo único. É lícito à parte postular em causa própria quando tiver habilitação legal”.

Comentários: trata este dispositivo da capacidade postulatória, que é um pressuposto processual. A parte, diz o artigo 103, deverá ser representada em juízo por advogado que esteja regularmente inscrito na OAB, segundo o que prevê a lei federal 8.906/19994 (o Estatuto da OAB). Se a parte, ela própria, for advogado regularmente inscrito na OAB, então nessa hipótese poderá postular em causa própria.
Se a parte não está representada por advogado, ou se este não está regularmente inscrito, caracteriza-se a ausência da capacidade postulatória, e os efeitos dessa situação processual são distintos conforme se trate do autor ou do réu. No caso do autor, o processo será extinto anormalmente, nos termos do que prevê o artigo 485, inciso IV, do CPC/2015 (ausência de pressuposto processual). Se for o réu que não tiver capacidade postulatória, a revelia é a consequência jurídico-processual a aplicar-se. Mas é importante observar que a jurisprudência majoritária entende ser indispensável conceder à parte prazo para a regularização do ato processual praticado sem capacidade postulatória, em especial quando se trata de advogado que esteja impedido de advogar.
O artigo 103 não prevê a possibilidade que fora prevista na parte final do artigo 36 do CPC/1973, quanto à parte, ela própria, sem que seja advogado legalmente habilitado, poder praticar atos processuais, “no caso de falta de advogado no lugar ou recusa ou impedimento dos que houver”. Hoje, diversamente da situação que tínhamos em 1974 (quando entrou em vigor o Código de 1973), a situação da advocacia como profissão no Brasil é muito distinta daquela. Não há cidade brasileira que não conte com advogado, e essa realidade já havia sido percebida pelo legislador em 1994, quando criou o novo “Estatuto da OAB”, que, diversamente do que fazia o estatuto anterior (lei federal 4.213/1963, artigo 75), não prevê a possibilidade de, na falta de advogado, a parte, ela própria, poder praticar ato processual.

ESTATUTO DA ADVOCACIA: a lei federal 8.906/1994, o “Estatuto da Advocacia”, estabelece em seus artigos 2o. e 3o. que “o advogado é indispensável à administração da justiça”, e que “o exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB”, o que se harmoniza com a regra do artigo 103 do CPC/2015.
“Art. 104. O advogado não será admitido a postular em juízo sem procuração, salvo para evitar preclusão, decadência ou prescrição, ou para praticar ato considerado urgente.
§ 1º Nas hipóteses previstas no caput, o advogado deverá, independentemente de caução, exibir a procuração no prazo de 15 (quinze) dias, prorrogável por igual período por despacho do juiz.
§ 2º O ato não ratificado será considerado ineficaz relativamente àquele em cujo nome foi praticado, respondendo o advogado pelas despesas e por perdas e danos”.
Comentários: com uma mudança apenas de estilo, o artigo 104 manteve o conteúdo do artigo 37 do CPC/1973, ao prever como obrigatório que o advogado comprove exista contrato de mandato, apresentando seu instrumento – a procuração, que é o documento que, segundo o artigo 105 do CPC/2015, habilita o advogado a praticar os atos do processo civil.
O artigo 104, contudo, prevê situações para as quais a apresentação da procuração pode ser diferida no tempo: pratica-se o ato e depois se apresenta a procuração. É o caso em que o ato está a ser praticado para evitar a preclusão, decadência ou prescrição, ou quando há uma situação processual que configure uma situação de urgência, e a possibilidade de a parte suportar um prejuízo. Para esses casos, a procuração deve ser apresentada posteriormente à prática do ato, para o ratificar. O parágrafo 1o. do artigo 104 fixa o prazo quinze dias, prorrogável por mais quinze dias, para essa ratificação. O termo inicial desse prazo dá-se no momento em que o ato processual foi praticado. Se não houver ratificação, e a parte suportar algum prejuízo, pode demandar pelas vias ordinárias o advogado para reembolso de despesas processuais, e reparação por perdas e danos.
PEÇA INICIAL: a procuração é documento indispensável à validez formal da peça inicial, segundo o que prevê o artigo 320 do CPC/2015. De maneira que, não apresentada, o processo deve ser extinto por ausência de pressuposto processual de validez da relação jurídico-processual (CPC/2015, artigo 485, inciso IV). Ressalve-se que, em incidindo qualquer das situações previstas no “caput” do artigo 104, caso, por exemplo, de a petição inicial veicular pedido de natureza urgente, então nesse caso a peça inicial deve ser recebida e fixado o prazo legal para a sua ratificação.
CONTESTAÇÃO: o réu deve, com a contestação ou antes dela, apresentar procuração, validando a prática desse importante ato de defesa. Se não o fizer, declarar-se-á a revelia, com as consequências jurídico-processuais previstas no CPC/2015. Aquelas situações excepcionais previstas no “caput” do artigo 104 também se aplicam ao réu, para lhe permitir apresentar a procuração no prazo de quinze dias (prorrogado por mais quinze dias), contado a partir do momento em que tiver apresentado a contestação.
DISPENSA DE PROCURAÇÃO: os advogados públicos, os defensores públicos e os advogados que, em razão de convênio, atuam como advogados dativos, não estão obrigados a apresentar procuração. O mesmo se dá em relação ao curador especial (artigo 72 do CPC/2015). É que a rigor, nesses casos, não há uma relação negocial de mandato, o que justifica que se dispense a apresentação da procuração.
“Art. 105. A procuração geral para o foro, outorgada por instrumento público ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, exceto receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, receber, dar quitação, firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica, que devem constar de cláusula específica.
§ 1º A procuração pode ser assinada digitalmente, na forma da lei.
§ 2º A procuração deverá conter o nome do advogado, seu número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil e endereço completo.
§ 3º Se o outorgado integrar sociedade de advogados, a procuração também deverá conter o nome dessa, seu número de registro na Ordem dos Advogados do Brasil e endereço completo.
§ 4º Salvo disposição expressa em sentido contrário constante do próprio instrumento, a procuração outorgada na fase de conhecimento é eficaz para todas as fases do processo, inclusive para o cumprimento de sentença”.
Comentários: fixado como pressuposto processual a capacidade postulatória, o que exige de acordo com o artigo 104 do CPC/2015, que o advogado (particular) apresente procuração, cuida o artigo 105 de prever a sua forma (outorgada a procuração por instrumento público ou particular), que dados deve conter, e a que atos processuais específicos exigem-se poderes expressos no instrumento de mandato, como, por exemplo, os atos de reconhecer a procedência do pedido e de confessar. Dispensa-se o reconhecimento de firma, como já ocorria ao tempo em que esteve em vigor o artigo 38 do CPC/1973.
ATO DE LEVANTAMENTO DE VALORES: prevendo a procuração os poderes de receber e dar quitação, não pode o juiz obstar que a guia de levantamento seja emitida em nome do advogado, e não do da parte.
“Art. 106. Quando postular em causa própria, incumbe ao advogado:
I – declarar, na petição inicial ou na contestação, o endereço, seu número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil e o nome da sociedade de advogados da qual participa, para o recebimento de intimações;
II – comunicar ao juízo qualquer mudança de endereço.
§ 1º Se o advogado descumprir o disposto no inciso I, o juiz ordenará que se supra a omissão, no prazo de 5 (cinco) dias, antes de determinar a citação do réu, sob pena de indeferimento da petição.
§ 2º Se o advogado infringir o previsto no inciso II, serão consideradas válidas as intimações enviadas por carta registrada ou meio eletrônico ao endereço constante dos autos.”
Comentários: em sendo a parte advogado regularmente inscrito na OAB, possuindo, assim, a capacidade postulatória, pode postular em causa própria, seja como autor, seja como réu, ou como litisconsorte ou interveniente. O verbo “postular” está aí empregado em sentido geral, abrangendo os atos de demandar (no caso do autor, quando ajuíza uma ação); o de contestar ou responder (no caso do réu), abrangendo também a posição processual do litisconsorte (ativo ou passivo), e do interveniente.
Exige-se à parte que postula em causa própria que, na peça inicial, na contestação ou na primeira manifestação nos autos se a parte assume a posição processual de litisconsorte ou de interveniente, que declare seu endereço, seu número de inscrição na OAB, e, no caso de participar de uma sociedade de advogados, o nome dessa sociedade, cabendo-lhe ainda informar ao juízo qualquer mudança de endereço. Descumprida essa formalidade, o juiz fixará o prazo de cinco dias para que seja colmatada a falha, a qual, se persistir, gerará a presunção de validez das intimações que tiverem sido envidas por carta registrada ou meio eletrônico. Note-se que o artigo 106 não prevê a preclusão de direito processual, senão que apenas a presunção de validez da intimação, o que é de se considerar sobretudo para as intimações feitas por meio eletrônico.

“Art. 107. O advogado tem direito a:
I – examinar, em cartório de fórum e secretaria de tribunal, mesmo sem procuração, autos de qualquer processo, independentemente da fase de tramitação, assegurados a obtenção de cópias e o registro de anotações, salvo na hipótese de segredo de justiça, nas quais apenas o advogado constituído terá acesso aos autos;
II – requerer, como procurador, vista dos autos de qualquer processo, pelo prazo de 5 (cinco) dias;
III – retirar os autos do cartório ou da secretaria, pelo prazo legal, sempre que neles lhe couber falar por determinação do juiz, nos casos previstos em lei.
§ 1º Ao receber os autos, o advogado assinará carga em livro ou documento próprio.
§ 2º Sendo o prazo comum às partes, os procuradores poderão retirar os autos somente em conjunto ou mediante prévio ajuste, por petição nos autos.
§ 3º Na hipótese do § 2º, é lícito ao procurador retirar os autos para obtenção de cópias, pelo prazo de 2 (duas) a 6 (seis) horas, independentemente de ajuste e sem prejuízo da continuidade do prazo.
§ 4º O procurador perderá no mesmo processo o direito a que se refere o § 3º se não devolver os autos tempestivamente, salvo se o prazo for prorrogado pelo juiz.
§ 5º O disposto no inciso I do caput deste artigo aplica-se integralmente a processos eletrônicos.
Parágrafo 5º acrescido pela Lei nº 13.793, de 03.01.2019, DOU de 04.01.2019, em vigor na data de sua publicação”.
Comentários: o artigo 107 enumera uma série de atos processuais que constituem direito subjetivo do advogado de os praticar, como é o caso de poder examinar, mesmo sem procuração, autos de quaisquer processos, como também o de requerer vista de autos, ou de retirá-los para uma consulta mais detida.
Com a implementação do processo sob o formato eletrônico, alguns desses direitos ou perderam seu sentido, ou terão que ser adaptados a uma nova realidade imposta pelo processo civil eletrônico.
OUTROS DIREITOS: a relação do artigo 107 do CPC/2015 não esgota o rol de direitos subjetivos conferidos aos advogados no exercício de sua profissão. O CPC/2015 aliás outros prevê, como o direito a honorários (artigo 85, parágrafo 14), a renunciar ao mandato (artigo 112), o direito a intimar o advogado da parte contrária por meio do correio (artigo 269, parágrafo 1o.), o direito de declarar a autenticidade de peças de processo judicial (artigo 425, inciso IV).
ESTATUTO DA OAB (lei federal 8.906/1994): ao regular o exercício da advocacia, esse diploma legal também prevê direitos, alguns de natureza processual, como é o caso do direito à inviolabilidade do advogado por seus atos e manifestações, quando realizados no processo civil.
ADVOGADOS PÚBLICOS E DATIVOS: esses mesmos direitos subjetivos devem ser reconhecidos em favor dos advogados públicos e dativos.
“CAPÍTULO IV
– DA SUCESSÃO DAS PARTES E DOS PROCURADORES
Art. 108. No curso do processo, somente é lícita a sucessão voluntária das partes nos casos expressos em lei”.
Comentários: o CPC/2015, com a rubrica do capítulo IV – “Da Sucessão das Partes e dos Procuradores”, corrige o equívoco em que o CPC/1973 havia incidido, quando, em lugar de tratar do fenômeno da sucessão das partes, dava a seu capítulo IV (que compreendia os artigos 41-45) o título “Da Substituição das Partes e dos Procuradores”. Esse capítulo, com efeito, trata do fenômeno da sucessão das partes (e não da substituição das partes), regulando os casos em que se admite exceção ao princípio da estabilidade de instância, como observa o renomado processualista gaúcho, OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA.
De acordo com esse princípio – o da estabilidade de instância -, as partes originárias do processo não podem, como regra geral, ser modificadas, ou seja, não podem ser sucedidas por terceiros, salvo naquelas hipóteses em que a lei tenha previsto a possibilidade de sucessão no processo civil.
Mas em que momento ocorre a estabilização da instância? O CPC/2015 não fixa de modo expresso esse momento, mas há que se considerar que a estabilização dá-se no momento em que a peça inicial é formalmente recebida pelo juiz, quando ele determina a citação. Há que se considerar, contudo, que o artigo 329 do CPC/2015 autoriza ao autor que, até o instante em que a citação ocorre, possa aditar ou alterar o pedido ou a causa de pedir, o que abrange a hipótese de modificar-se a formação do polo passivo, surgindo aí uma exceção ao princípio da estabilidade de instância. Destarte, como o autor pode, antes da citação, modificar a formação do polo passivo, é equivocado dizer-se que a estabilização de instância dá-se no momento em que a citação ocorre.
Poderá o autor, pois, ter identificado uma situação que caracteriza, no plano da relação jurídico-material, a sucessão do réu por um terceiro, de forma que, utilizando-se do que lhe autoriza o artigo 329, poderá o autor aditar a peça inicial, modificando a formação do polo passivo. A rigor, não estaríamos aí em face de uma hipótese de sucessão processual, porque o autor, até a citação, pode modificar a formação do polo passivo, corrigindo-a inclusive em face de uma alteração que tenha identificado no conteúdo da relação jurídico-material objeto da demanda.
A sucessão processual de que trata o artigo 107 refere-se apenas àquelas hipóteses, expressamente previstas na lei, nas quais um terceiro assume a posição formal do litigante originário, isso tanto na posição ativa, quanto passiva. Essa sucessão processual decorre, portanto, de a relação jurídico-material ter experimentado uma modificação substancial quanto às pessoas que dela participam, com efeitos que se projetam no campo da relação jurídico-processual.
Há que se diferenciar a “sucessão processual” da figura da “substituição processual”, porque nesta o terceiro ingressa na relação jurídico-processual, mas para a defesa, em nome próprio, do direito subjetivo pertencente a outro. Essa hipótese está regulada pelo artigo 18 e seu parágrafo único, do CPC/2015.

“Art. 109. A alienação da coisa ou do direito litigioso por ato entre vivos, a título particular, não altera a legitimidade das partes.
§ 1º O adquirente ou cessionário não poderá ingressar em juízo, sucedendo o alienante ou cedente, sem que o consinta a parte contrária.
§ 2º O adquirente ou cessionário poderá intervir no processo como assistente litisconsorcial do alienante ou cedente.
§ 3º Estendem-se os efeitos da sentença proferida entre as partes originárias ao adquirente ou cessionário”.
Comentários: as condições da ação, sobretudo a legitimação ativa e passiva, são extraídas diretamente da relação jurídico-material, de modo que, em se modificando essa relação, efeitos projetam-se sobre a relação jurídico-processual. É disso que trata o artigo 109 do CPC/2015, que reproduz, na essência, a regra do artigo 42 do CPC/1973, com pequena variação de estilo.
Pode suceder, portanto, que, no curso de um processo, a coisa ou o objeto da demanda tenha sido alienada por ato entre vivos, modificando-se a relação jurídico-material. A hipótese em que a modificação operada na relação jurídico-material não decorre de ato entre vivos, mas de transmissão “causa mortis” é regulada pelo artigo 110 do CPC/2015.
Segundo o “caput” do artigo 109, essa modificação não altera a legitimação das partes, mas o adquirente ou o cessionário poderá requerer ao juízo que autorize o seu ingresso no processo em lugar da parte originária, desde que a parte contrária o consinta. Se houver discordância, o adquirente ou o cessionário poderá intervir como assistente do alienante ou do cedente. A jurisprudência majoritária fixa o entendimento de que basta uma recusa peremptória da parte contrária quanto ao ingresso do adquirente ou cessionário, para que esse ingresso não seja admitido, não sendo dado ao juiz o poder de perscrutar das razões pelas quais essa recusa é manifestada.
Mas, independentemente de ter ou não havido o ingresso do adquirente/cessionário no processo, como parte ou assistente, a sentença projetará efeitos sobre sua esfera jurídica, dado que prevalece a condição de sucessor, condição que é determinada pela relação jurídico-material, com efeitos que se produzem na relação jurídico-processual, particularmente na coisa julgada material.
“Art. 110. Ocorrendo a morte de qualquer das partes, dar-se-á a sucessão pelo seu espólio ou pelos seus sucessores, observado o disposto no art. 313, §§ 1º e 2º”.
Comentários: ao tratarmos do artigo 109 do CPC/2015, que cuida da sucessão das partes, enfatizamos que a relação jurídico-processual suporta modificações quando a relação jurídico-material objeto da demanda, ela própria, experimenta alguma mudança em seus aspectos substanciais, como se dá, por exemplo, quando a coisa litigiosa é vendida a um terceiro. O artigo 110 também trata da sucessão das partes, mas agora em face do falecimento de qualquer das partes, caso em que se procederá à habilitação pelo espólio ou por seus sucessores, desde que o direito subjetivo sobre o qual a demanda controverta seja de natureza patrimonial, e não personalíssima. Assim, em se tratando de uma demanda que versa sobre direito material transmissível, o espólio ou sucessores da parte falecida sucedem-na no processo.
Ocorrendo a morte de qualquer das partes, determina o artigo 313, inciso I e parágrafo 1o., do CPC/2015, que o juiz obrigatoriamente fará suspender o processo para o caso em que o direito subjetivo em questão tenha se transmitido ao espólio ou aos sucessores. Se o direito material foi personalíssimo, e não transmissível, declarar-se-á a extinção do processo, sem resolução do mérito, em consonância com o que prevê o artigo 485, inciso IX, do CPC/2015.
Mas em sendo transmissível o direito subjetivo discutido na ação, o juiz então, aplicando o artigo 313, inciso I e parágrafo 1o., do CPC/2015, determinará a suspensão do processo para que o espólio ou os sucessores do falecido possam se habilitar de acordo com o procedimento que está previsto nos artigos 689-692, de maneira que, homologada essa habilitação, passe a ocupar a posição processual da parte falecida o espólio ou seus sucessores. A habilitação, de acordo com o artigo 688 do CPC/2015, pode ser requerida pela parte em relação aos sucessores do falecido, como também o pode ser requerida pelos sucessores do falecido em relação à parte contrária.
ESPÓLIO X SUCESSORES: a sucessão poderá se dar em relação ao espólio, que assim passa a ocupar a posição processual da parte falecida. Mas os sucessores da parte falecida também podem suceder a parte falecida no caso em que o inventariante for dativo, como prevê o artigo 75, parágrafo 1o., do CPC/2015, já comentado aqui, remetendo o leitor, pois, àqueles comentários.
DIREITO E AÇÃO TRANSMISSÍVEL: O direito de ação é transmissível quando o direito material invocado como fundamento jurídico da ação não seja personalíssimo. O direito a pleitear alimentos, por exemplo, é um direito subjetivo pessoal e por isso não se transmite ao espólio ou aos sucessores do falecido, o que significa dizer que, em se tratando de um direito personalíssimo, não se transmite o direito de ação. É, portanto, a natureza do direito material que determina se o direito de ação é ou não transmissível ao espólio ou aos sucessores da parte falecida.
DIREITOS MATERIAIS DE NATUREZA DÚPLICE: pode ocorrer de o direito material aglutinar em si uma dupla natureza (pessoal e patrimonial), como se dá, por exemplo, na ação em que se objetiva declarar a existência de união estável e sua dissolução, de modo que, falecida a parte originária, seu espólio ou sucessores podem prosseguir com a ação, sucedendo a parte originária, visto que há uma parte do núcleo que forma o direito material é de natureza patrimonial, e por isso transmissível. Não se há confundir “ação dúplice” (a ação de prestação de contas, por exemplo), com o “direito material dúplice”. Uma ação é dúplice quando a posição processual da parte como autor e réu cruzam-se na mesma ação, de maneira que o autor pode vir a ser condenado sem que que o réu tenha formulado pedido por meio de reconvenção. No caso do direito material dúplice, é o direito material em si que revela a presença de uma dupla natureza – pessoal e patrimonial.
“Art. 111. A parte que revogar o mandato outorgado a seu advogado constituirá, no mesmo ato, outro que assuma o patrocínio da causa.
Parágrafo único. Não sendo constituído novo procurador no prazo de 15 (quinze) dias, observar-se-á o disposto no art. 76”.
Comentários: se o CPC/2015 corrigiu a imprecisão técnica que havia no CPC/1973, que conquanto cuidasse das hipóteses de sucessão das partes, dava ao capítulo IV o título “Da Substituição das Partes e dos Procuradores, incidiu, contudo, em uma outra imprecisão técnica, ao se referir à sucessão dos procuradores, quando se trata no caso de sua substituição, como se dá a hipótese de que cuida o artigo 111, ao dispor que, se a parte substitui seu advogado, revogando-lhe o mandato, outro deve constituir. Não se cuida de sucessão de procuradores, mas de sua substituição no processo, de maneira que, respeitasse rigorosamente o cuidado com a precisão técnica, o CPC/2015 deveria ter denominado o capítulo IV como dispondo acerca da “Sucessão das partes e da substituição dos procuradores”.
Acerca da capacidade processual, e particularmente da capacidade postulatória, vimos que a parte deve contar obrigatoriamente com o patrocínio técnico de advogado, a não ser que a parte, ela própria, possua a habilitação legal. Assim, na hipótese de a parte revogar o mandato outorgado a seu advogado, no mesmo ato deverá constituir outro, que assuma o patrocínio da causa, conforme estabelece o “caput” do artigo 111. Não adotada essa providência, diz o parágrafo único, que se deve observar o previsto no artigo 76 do CPC/2015, que determina ao juiz, constatada a irregularidade na representação a parte, suspenda o trâmite do processo, fixando prazo para que ocorra a constituição formal de novo patrono, com a apresentação da procuração, prevendo o artigo 76 as consequências para o caso em que a representação processual não tiver sido regularizada.
REVOGAÇÃO TÁCITA: a revogação do mandato por ser expressa ou tácita, caracterizando-se esta quando o mandante pratica atos incompatíveis com o mandato outorgado. O artigo 111 abarca tanto a revogação expressa quanto a tácita.
“Art. 112. O advogado poderá renunciar ao mandato a qualquer tempo, provando, na forma prevista neste Código, que comunicou a renúncia ao mandante, a fim de que este nomeie sucessor.
§ 1º Durante os 10 (dez) dias seguintes, o advogado continuará a representar o mandante, desde que necessário para lhe evitar prejuízo.
§ 2º Dispensa-se a comunicação referida no caput quando a procuração tiver sido outorgada a vários advogados e a parte continuar representada por outro, apesar da renúncia”.
Comentários: o contrato de mandato judicial, como todo contrato, é um contrato bilateral, de maneira que tanto o mandante (a parte) o pode revogar, quanto o mandatário (o advogado) pode fazê-lo. O artigo 112 trata da hipótese em que o advogado decide renunciar ao mandato, colocando fim ao contrato, caso em que deverá comunicar a sua vontade ao mandante, para que este indique um substituto no processo. Na hipótese em que a procuração tiver sido outorgada a vários advogados (mais de um), quando a parte continua representada no processo por algum advogado, nesse caso dispensa-se a comunicação do advogado que renuncia ao mandato.
Feita a comunicação ao mandante por qualquer forma idônea, o advogado permanecerá vinculado ao processo pelo prazo de dez dias ininterruptos. O prazo de dez dias é contado desde o momento em que o mandante teve inequívoca ciência da renúncia. Essa vinculação do advogado que tenha renunciado, contudo, não existirá, ou cessará antes do prazo, se o mandante tiver indicado um substituto, salvo na hipótese em que houver a possibilidade de a parte suportar algum prejuízo no processo, caso em que a vinculação do antigo patrono ao processo permanecerá pelo prazo de dez dias, ainda que a parte conte já com um substituto.
Havendo revogação do mandato judicial, seja pelo mandante, seja pelo mandatário (advogado), a parte deve regularizar sua representação processual no prazo que está fixado no artigo 111, parágrafo único, do CPC/2015. Superado esse prazo, sem a regularização na representação processual, o juiz aplicará o que determina o artigo 76 do CPC/2015.
“TÍTULO II
– DO LITISCONSÓRCIO
Art. 113. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando:
I – entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide;
II – entre as causas houver conexão pelo pedido ou pela causa de pedir;
III – ocorrer afinidade de questões por ponto comum de fato ou de direito.
§ 1º O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes na fase de conhecimento, na liquidação de sentença ou na execução, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa ou o cumprimento da sentença.
§ 2º O requerimento de limitação interrompe o prazo para manifestação ou resposta, que recomeçará da intimação da decisão que o solucionar”.
Comentários: a doutrina costuma denominar de “cúmulo subjetivo de partes” o fenômeno que ocorre no processo civil quando a posição jurídica ativa e/ou passiva estiver integrada por mais de uma pessoa, de modo que a relação jurídico-processual é nesse tipo de situação processual composta por mais de um autor ou por mais de um réu, ou existirem ainda outras pessoas que compõem a relação jurídico-processual, mas como intervenientes. Podemos assim compreender a razão pela qual a doutrina ressalta que o litisconsórcio é uma espécie do gênero “cumulo subjetivo de partes”, o que significa dizer que pode existir uma cumulação subjetiva de partes, sem que se configure o litisconsórcio, como se dá, por exemplo, na assistência (CPC/2015, artigos 119/123).
Litisconsorte é parte e deve ser tratado como tal. Assim, se há mais de um autor, diz-se que existe o litisconsórcio ativo, pois, cada autor formula sua pretensão. E se há mais de um réu, que o litisconsórcio é passivo. E no caso em que há litisconsortes tanto entre os autores quanto entre os réus, o litisconsórcio é chamado de misto ou recíproco.
O instituto do litisconsórcio está regulado no CPC/2015 em condições bastante semelhantes àquelas do CPC/1973 (artigos 46/49), e seria de se esperar que o legislador o tivesse regulado em um número maior de dispositivos, de maneira proporcional ao grau de controvérsia que envolve esse instituto. A matéria, contudo, está regulada em apenas seis artigos no CPC/2015 (artigos 113-118).
Uma primeira e significativa diferença que se encontra entre a regulação do litisconsórcio no CPC/2015 em face do CPC/1973 está no número de hipóteses em que se caracteriza o litisconsórcio, número que foi reduzido no CPC/2015, que não prevê o cabimento do litisconsórcio na hipótese em que direitos e obrigações derivem do mesmo fundamento de fato ou de direito, diversamente do que ocorria no CPC/1973, que previa essa hipótese no inciso II de seu artigo 46. É certo que parte da doutrina entendia que a conexão, tratada no inciso III do artigo 46, por ser mais abrangente, abarcava a hipótese do inciso II, de modo que, quando direitos e obrigações derivavam do mesmo fundamento de fato ou de direito, estaria a se caracterizar a conexão, e com ela o litisconsórcio. Acolhendo essa posição doutrinária, o CPC/2015 manteve apenas a hipótese de litisconsórcio quando há conexão pelo objeto ou pela causa de pedir entre as pretensões, no que, contudo, não agiu com acerto, porque, segundo o artigo 55 do CPC/2015, reputam-se conexas duas ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir, situação que é algo diversa daquela que podia ser subsumida em face do artigo 46, inciso II, do CPC/1973, que previa o litisconsórcio quando direitos ou obrigações derivam do mesmo fundamento de fato ou de direito, o que não excluía, como não exclui a possibilidade de inexistir conexão nessa situação, porquanto é possível que um direito ou uma obrigação derive de um mesmo fundamento de fato ou de direito, sem que exista conexão, se considerarmos o conceito legal dado à conexão pelo artigo 55 do CPC/2015.
Na conexão existe uma relação de identidade intensa quanto ao pedido ou à causa de pedir. Mas essa mesma relação de identidade intensa não era exigida pelo inciso II do artigo 46 do CPC/1973, como observa OVÍDIO BATISTA DA SILVA em seus “Comentários ao Código de Processo Civil”, quando sublinha que a conexão caracteriza-se por dar lugar a uma relação jurídico-material mais intensa entre os direitos materiais envolvido nas ações, enquanto a hipótese tratada no inciso II do artigo 46 referia-se a um vínculo menos intenso, que exatamente por não poder caracterizar a conexão, deveria caracterizar a formação do litisconsórcio (facultativo no caso), evitando-se a prolação de decisões conflitantes.
Cuidaremos agora de analisar as hipóteses em que o litisconsórcio, ativo, passivo ou misto, pode ou dever ocorrer no processo, ou seja, quando a formação do litisconsórcio depende da vontade do autor (litisconsórcio facultativo), ou quando, de acordo com a natureza da relação jurídico-material controvertida, o litisconsórcio é obrigatório, porquanto a eficácia da sentença dependerá necessariamente da citação de todos aqueles que devam ser litisconsortes, como estatui o artigo 114 do CPC/2015.
Diz o artigo 46 que o litisconsórcio pode ocorrer quando houver entre os litisconsortes uma “comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide”. Importante observar desde logo que o CPC/2015 adotou a mesma escala de gradação que o artigo 46 do CPC/2015 adotava, partindo de uma ligação mais intensa em termos de relação jurídico-material, ou seja, uma comunhão entre direitos ou obrigações relativamente à lide, até chegar a uma tênue ligação, que se constitui em uma mera afinidade de questões, seja em função de um ponto comum de fato, seja de direito. Importante observar, outrossim, que seja uma ligação mais intensa, seja a mais sutil, há sempre um vínculo jurídico que envolve os litisconsortes, o que justifica que possam compor a mesma relação jurídico-processual, porquanto vinculados a uma mesma lide.
Por “comunhão de direitos ou obrigações relativamente à lide”, há que se compreender, pois, a ligação mais intensa que pode existir entre os litisconsortes, como se dá, por exemplo, no caso do condomínio ou copropriedade, em que de uma mesma relação jurídico-material participam duas ou mais pessoas, titulares de direitos que decorrem dessa relação jurídico-material, ou que a ela estão sujeitos, como se dá no caso do devedor e seu fiador.
A segunda hipótese em que cabe o litisconsórcio, prevista no inciso II do artigo 113, ocorre quando “entre as causas houver conexão pelo pedido ou pela causa de pedir”, remetendo ao instituto da conexão, que está regulado no artigo 55 do CPC/2015. Há conexão, com efeito, quando entre duas ou mais ações houver identidade quanto ao pedido ou à causa de pedir. Assim, existissem duas ou mais ações nas quais se poderia reconhecer como caracterizada a conexão, dá lugar à formação do litisconsórcio quando, não existindo senão que uma só ação, aqueles que poderiam ajuizar ações em separado optam pela formação do litisconsórcio quando há uma relação de identidade entre a causa de pedir ou o pedido das demandas, reunidas assim em um só processo. É o que se dá, por exemplo, quando em face de um mesmo acidente de trânsito duas pessoas demandam contra aquele a quem atribui a responsabilidade civil. Em lugar de ajuizar cada autor a sua ação, utilizam-se do litisconsórcio ativo e, em uma só ação, demandam como litisconsortes o mesmo réu.
A última hipótese, aquela é o vínculo é o mais tênue possível, ocorre quando se configura uma mera afinidade de questões por ponto comum de fato ou de direito. Nessa hipótese, não há sequer conexão, o que significa dizer que não há nenhuma relação de identidade no que se refere aos elementos da ação (partes, causa de pedir e pedido), mas há uma afinidade, ou seja, algum ponto de contato que forma ou a causa de pedir ou o pedido, como se dá, por exemplo, em matéria tributária quando dois contribuintes estejam a questionar a base de cálculo de um mesmo tributo, possibilitando nesse caso a formação do litisconsórcio ativo facultativo, obtendo as vantagens que resultam do rateio dos gastos com a ação, inclusive honorários de advogado.
Note o leitor que o artigo 113 do CPC/2015 reduziu o número de hipóteses de cabimento do litisconsórcio, não prevendo a hipótese que compunha o inciso II do artigo 46 do CPC/1973, que previa o litisconsórcio quando os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito, situação que está abarcada ou na comunhão de direitos e obrigações ou na conexão entre causa de pedir ou pedido.
A propósito da relação entre litisconsórcio e o instituto da conexão, observemos que o litisconsórcio no caso em que, existisse mais que uma demanda e se configuraria a conexão, parte da mesma ideia de que o CPC/2015 aplica quando fixa a regra da prorrogação da competência em caso de conexão, ou seja, de que as causas devam ser reunidas e processadas e julgadas por apenas um juiz, quando se trate de competência relativa (CPC/2015, artigo 54) Pois bem, no caso do litisconsórcio, trata-se dessa mesma ideia: a de que um só juiz julgue todas as demandas, apenas com a particularidade de que essas demandas, no caso do litisconsórcio, compõem um só processo.
“Art. 113. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando:
I – entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide;
II – entre as causas houver conexão pelo pedido ou pela causa de pedir;
III – ocorrer afinidade de questões por ponto comum de fato ou de direito.
§ 1º O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes na fase de conhecimento, na liquidação de sentença ou na execução, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa ou o cumprimento da sentença.
§ 2º O requerimento de limitação interrompe o prazo para manifestação ou resposta, que recomeçará da intimação da decisão que o solucionar.”
Comentários: falemos agora da possibilidade de limitação no número de litisconsortes no litisconsórcio facultativo, de que tratam os parágrafos 1o. e 2o. do artigo 113.
Parte da doutrina e da jurisprudência, utilizando do que os dicionários em geral conferem à palavra “multitudinário” (o que é relativo ou próprio a uma multidão), denominam, pois, de “litisconsórcio multitudinário” aquele em que deva o juiz limitar o número de litisconsortes.
Não se cuida de uma novidade trazida com o CPC/2015, porque o artigo 46, parágrafo único, do CPC/1973 já concedia ao juiz o poder de limitar o número dos litisconsortes, na hipótese em que esse número pudesse comprometer a rápida solução do litígio, ou mesmo dificultar a defesa.
Importante observar que essa limitação somente pode ser aplicada ao litisconsórcio facultativo, porque no litisconsórcio necessário a presença de todos os litisconsortes, independentemente de seu número, é indispensável (daí, aliás, o nome de “necessário” a esse tipo de litisconsórcio).
A partir de que número de litisconsortes admite-se a limitação? O artigo 113, parágrafo 1o., do CPC/2015 não fixa qualquer número, concedendo ao juiz o poder discricionário de fixar no caso em concreto a limitação. Atos normativos emitidos por tribunais podem, quando muito, fixar critérios mais gerais nessa matéria, fixando um número máximo de litigantes em uma ação, mas sem retirar o poder do juiz de, no caso em concreto, decidir de modo diferente da regulação normativa.
A limitação ao número de litisconsortes pode ser decidida de ofício pelo juiz, ou a requerimento da parte. Basta o requerimento da parte quanto à análise da limitação para que se faça interromper (e não suspender) o prazo para manifestação ou resposta, de acordo com o que prevê o parágrafo 2o. do artigo 113. Esse prazo recomeça (integralmente) no momento em que a decisão acerca da limitação for proferida.
E a questão da prevenção? Suponha-se que 40 autores tenham, em litisconsórcio facultativo, ajuizado uma ação, e o juiz decida que esse número é excessivo, determinando, pois, que se limite a 30 autores o número máximo na ação. 10 autores serão, pois, excluídos daquela ação e poderão compor, em litisconsórcio facultativo, uma outra ação, ou ajuizarem cada qual a sua ação. A questão que surge nesse contexto diz respeito ao juiz natural, ensejando a dúvida se o juiz para o qual a primeira ação (a que era integrada pelos 40 autores) fixou a sua prevenção para a ação em que estão os 10 autores excluídos da primeira ação, ou ainda para a ação individual ajuizada por cada um desses dez autores. Não há uma posição jurisprudencial consolidada a respeito. Há quem entenda que se deva aplicar o artigo 58 do CPC/2015 – que trata da reunião de ações conexas -, por considerar que o litisconsórcio ativo facultativo decorre da conexão pelo pedido ou causa de pedir, segundo o artigo 113, inciso II, do CPC/2015, e isso bastaria para determinar a reunião das ações. Mas a conexão é causa de modificação da competência, o que significa que um juiz que não seria competente para uma determinada ação passa a ser competente em razão de um vínculo que existe entre duas ou mais ações. Mas no caso da limitação ao número de litisconsortes não se trata de prorrogar competência, senão que fixar como prevento o juiz ao qual a primeira ação foi distribuída, reconhecendo-lhe, pois, ser o juiz natural para a ação formada pelos litisconsortes excluídos em razão da limitação ao número de litisconsortes. Nesse sentido, a posição de DINAMARCO, que, em suas “Instituições de Direito Processual Civil” (v. I, p . 653), afirma que “Sendo desmembrado um processo em dois ou vários, como no caso do litisconsórcio multitudinário (…), o juízo permanece prevento e portanto competente para todos”.

“Art. 114. O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes”.
Comentários: diversamente do que sucedia no CPC/1973, que, em seu artigo 47, tratava a um só tempo e sem razão tanto do litisconsórcio necessário quanto do litisconsórcio unitário (“Art. 47. Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo”), o CPC/2015 regula de modo separado essas duas modalidades de litisconsórcio, que não se confundem, porquanto pode existir litisconsórcio necessário que não seja uniforme (unitário), ou seja, quando por disposição de lei ou em razão da natureza da relação jurídico-material exija-se a presença na relação jurídico-processual de todos os litisconsortes, conquanto não exista a obrigatoriedade de o juiz decidir a demanda de modo unitário para todos os litisconsortes.
No regime do litisconsórcio unitário, a decisão deve ser rigorosamente a mesma para todos os litisconsortes, o que significa dizer que, no litisconsórcio unitário, não há autonomia de posição processual entre os litisconsortes, cujo destino está umbilicalmente ligado, de maneira que o que se decidir em relação a um, decidir-se-á em relação a todos.
Correto dizer, no plano lógico, que onde há litisconsórcio unitário, há litisconsórcio necessário, mas o contrário não é verdadeiro, ou seja, pode haver litisconsórcio necessário não unitário, quando a presença na relação de todos os litisconsortes é necessária, mas o destino de cada um na demanda pode não ser o mesmo. De modo que se deve fazer a necessária distinção entre um e outro, chamando de litisconsórcio necessário aquele em que a presença de todos os litisconsortes na relação jurídico-processual for indispensável, sob pena de se declarar nulo o processo, e chamando de litisconsórcio necessário unitário aquele em que, além da presença de todos os litisconsortes na relação jurídico-processual, a sentença terá que ser a mesma para todos os litisconsortes.
Mas se no plano lógico-jurídico é correto afirmar-se que, em havendo litisconsórcio unitário, deve haver existir litisconsórcio necessário, no plano do direito positivo pode ocorrer de o legislador criar situações em que o litisconsórcio, conquanto deva ser unitário (ou seja, a decisão terá que ser a mesma a todos os litisconsortes), possa ser facultativo, como se dá, por exemplo, no caso em que um acionista ajuíze ação com o objetivo de anular deliberação da assembleia geral, não exigindo a lei brasileira que todos os acionistas integrem a relação jurídico-processual, muito embora a decisão será a mesma para todos os litisconsortes e mesmo aos terceiros (como devem ser chamados os acionistas que não estejam na relação jurídico-processual). No plano lógico-jurídico, não há dúvida de que todos os acionistas deveriam compor a lide, porque a relação jurídico-material isso o obrigaria, mas por critério de conveniência, ou mais propriamente por um critério que decorre do poder discricionário do legislador, no direito positivo brasileiro não se imponha a formação do litisconsórcio necessário para esse tipo de ação, muito embora se deva reconhecer que, na prática, o litisconsórcio necessário terá se instalado, porque a realidade pode mais que o legislador, se considerarmos que o que o juiz decidir em relação ao acionista que ajuizou a ação, valerá para todos os demais acionistas, os quais, embora formalmente terceiros (porque da ação não fizeram parte), acabam por ser transformados em verdadeiros litisconsortes, na medida em que a coisa julgada material lhes inevitavelmente os atingirá. Trata-se, em verdade, de um curioso caso em que alguém que não tenha litigado é tratado pela lei processual civil como se tivesse sido parte, ou seja, como litisconsorte ao lado daquele que ajuizou a ação.
DINAMARCO, em indispensável monografia a quem quer conhecer, com profundidade, instituto do litisconsórcio, produzida ao tempo em que estava em vigor o CPC/1973, mas que é ainda de grande valia no estudo do instituto mesmo sob a roupagem que lhe foi dada pelo CPC/2015, observa que o artigo 46 do CPC/1973 tivera origem direta no código de processo civil alemão, em que se previa que o litisconsórcio necessário caracterizava-se quando “a relação jurídica controvertida tiver que ser decidida de modo uniforme para todos os litisconsortes”, ou ainda quando litisconsórcio seja necessário por outra causa. Note-se que, na primeira parte dessa regra, estava previsto o litisconsórcio necessário e unitário, enquanto na parte final estava previsto o litisconsórcio necessário não unitário. A uma incorreta compreensão dessa norma legal é que se atribui o fato de o artigo 46 do CPC/1973 ter aglutinado, em um só enunciado, as duas modalidades de litisconsórcio, sem o cuidado de as diferenciar como fazia a norma do direito alemão. O CPC/2015 corrigiu essa imperfeição, dispondo do litisconsórcio necessário no artigo 114, e o litisconsórcio necessário unitário no artigo 116 (“O litisconsórcio será unitário quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir o mérito de modo uniforme para todos os litisconsortes”).
“Art. 115. A sentença de mérito, quando proferida sem a integração do contraditório, será:
I – nula, se a decisão deveria ser uniforme em relação a todos que deveriam ter integrado o processo;
II – ineficaz, nos outros casos, apenas para os que não foram citados.
Parágrafo único. Nos casos de litisconsórcio passivo necessário, o juiz determinará ao autor que requeira a citação de todos que devam ser litisconsortes, dentro do prazo que assinar, sob pena de extinção do processo”.
Comentários: no CPC/1973, em seu artigo 47 e parágrafo único, previa-se que, no caso de litisconsórcio necessário, a sentença (de mérito) seria declarada ineficaz se não tivesse havido a citação de todos os litisconsortes, ou antes mesmo da sentença de mérito, o processo deveria ser anormalmente extinto (sem exame do mérito, pois) no caso em que o autor não tivesse promovido a citação de todos os litisconsortes necessários. O CPC/2015 traz importantes modificações na regulação dessa matéria.
A primeira e mais importante modificação radica na distinção entre a hipótese em que a sentença é de ser declarada nula, daquela em que a sentença será tida como ineficaz, e essa distinção radica no princípio do devido processo legal “processual”, e mais especialmente no direito ao contraditório. Com efeito, estabelece o artigo 115, “caput” e inciso I, que a sentença de mérito será nula se, caracterizado o litisconsórcio necessário unitário nem odos os litisconsortes foram citados e puderam participar ativamente do processo, situação agora tratada de modo diverso pelo CPC/2015, porquanto se o litisconsórcio é necessário, mas não é unitário, a ausência de citação de todos os litisconsortes que deveriam participar da relação jurídico-processual traz como consequência a ineficácia da sentença, e não a sua nulidade, o que significa dizer que a sentença é válida para os litisconsortes que participaram ativamente do processo, mas não produzirá efeitos contra aqueles que deveriam participar da relação jurídico-processual, mas não participaram. Estabelecida, pois, uma distinção entre ineficácia da sentença e sua nulidade relativamente ao litisconsórcio necessário.
Outra modificação trazida com o artigo 115 está em seu parágrafo único, que prevê apenas no caso de formação do litisconsórcio passivo necessário a extinção anormal do processo quando o autor não tenha providenciado a citação de todos os litisconsortes. No artigo 47, parágrafo único, do CPC/2015, a extinção deveria ocorrer também no caso em que o litisconsórcio ativo necessário configurava-se. No CPC/2015, a extinção anormal somente ocorre no caso em que se configura o litisconsórcio passivo necessário. Assim, se há litisconsórcio ativo necessário, e o autor não cuida providenciar a citação de todos os litisconsortes, essa hipótese passa a ser regulada pelos incisos I e II do artigo 115, com a declaração de nulidade da sentença no caso de o litisconsórcio ativo ser necessário e unitário, e de ineficácia da sentença no caso de o litisconsórcio ativo ser necessário, mas não unitário.
“Art. 116. O litisconsórcio será unitário quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir o mérito de modo uniforme para todos os litisconsortes”.
Comentários: como vimos nos comentários acerca do artigo 114, o CPC/2015, diversamente do que fizera o CPC/1973, separou em dois dispositivos a regulação do litisconsórcio necessário e do litisconsórcio unitário. Assim é que no artigo 114 cuidou apenas do litisconsórcio necessário, que se caracteriza na hipótese em que a relação jurídico-material objeto da lide torna indispensável que, da relação jurídico-processual, façam parte todos aqueles que participam da lide, ou seja, da relação jurídico-material, ou ainda quando a lei (e não a relação jurídico-material) imponha como obrigatória essa participação.
Destarte, o CPC/2015 trata isoladamente do litisconsórcio unitário em seu artigo 116, que se caracteriza, segundo a norma em questão, quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver que decidir o mérito da pretensão de modo uniforme em relação a todos os litisconsortes. Note-se que a caracterização do litisconsórcio unitário decorre apenas da relação jurídico-material e não da lei, diversamente do que se dá com o litisconsórcio necessário, em que a lei pode, independentemente da relação jurídico-material, obrigar a formação desse tipo de litisconsórcio. Já no caso do litisconsórcio unitário, a relação jurídico-material, e apenas ela, é que o pode configurar.
Mas em que situações pode a relação jurídico-material tornar imperiosa a uniformidade da decisão de mérito em relação a todos os litisconsortes? Será, pois, a relação jurídico-material, ela própria, que assim o pode estabelecer, ou será o tipo de provimento jurisdicional que se busca obter na ação, que determinaria a formação do litisconsórcio unitário? CHIOVENDA, por exemplo, afirmava que apenas na hipótese de o provimento jurisdicional ser de natureza constitutiva é que se poderia caracterizar o litisconsórcio como unitário, por entender que apenas nesse tipo de provimento jurisdicional poderia sobrevir a modificação de um estado jurídico e que poderia afetar a esfera jurídica de terceiros, a ponto de obrigá-los não apenas a fazerem parte da ação, mas de terem que submeter a uma mesma decisão de mérito, assim aplicada a todos os litisconsortes. Portanto, para CHI0VENDA, não haveria litisconsórcio unitário senão nas ações de provimento jurisdicional constitutivo (ou desconstitutivo).
Outro processualista italiano, ENRICO REDENTI, demonstrou o desacerto da posição de CHIOVENDA, ao comprovar que não é o tipo de provimento jurisdicional, mas a relação jurídico-material objeto da lide que determina a formação ou não do litisconsórcio como unitário, e o fez exemplificando com a ação em que se busca declarar a inexistência de um contrato, da qual devem necessariamente participar todos aqueles que do suposto contrato participam, os quais, como litisconsortes, receberão uma decisão única, seja para declarar a inexistência do contrato, seja para, julgando-se improcedente a pretensão, declarar existente o contrato, com efeitos que a coisa julgada material projetará inevitavelmente sobre todos os litisconsortes. De maneira que, como comprova REDENTI, não é apenas na ação de provimento constitutivo que existirá o litisconsórcio unitário, porque também na ação de provimento declaratório se o pode ter, a bem demonstra que não é o tipo de provimento jurisdicional que caracteriza o litisconsórcio como unitário, mas sim a relação jurídico-material, como de resto consta do enunciado da norma do artigo 116 do CPC/2015.
Já vimos que, em havendo litisconsórcio unitário, haverá litisconsórcio necessário, embora existam exceções fixadas pelo legislador, que, para atender a determinada situação e seus efeitos, prevê a formação do litisconsórcio unitário também no litisconsórcio facultativo. (Remetemos o leitor ao que acerca disso comentamos no artigo 115.)

“Art. 117. Os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos, exceto no litisconsórcio unitário, caso em que os atos e as omissões de um não prejudicarão os outros, mas os poderão beneficiar”.
Comentários: desde que o jurista alemão, OSKAR ROBERT ARTHUR BÜLLOW WROCLAW (1837-1907) identificou a presença de relações jurídicas que ocorrem no interior do processo civil e que são estabelecidas entre o juiz e as partes, relações jurídicas que são de natureza diversa daquelas que se referem ao direito material objeto da lide, tratando-se, pois, de relações processuais, sendo essa a sua natureza, pôde a doutrina avançar de modo consistente na análise das diversas e variegadas relações jurídico-processuais que ocorrem no processo civil, individualizando, por seu conteúdo e efeitos, as relações jurídico-processuais que envolve cada litigante, o que sucede em especial no caso do litisconsórcio, composto por relações processuais que cada litisconsorte mantém com a parte contrária e mesmo diante de seus litisconsortes, estabelecendo-se a conclusão de que essas relações devem ser consideradas, de maneira geral, como específicas a cada litisconsorte, o que significa dizer que os atos e as omissões de um litisconsorte não prejudica o outro litisconsorte, mas o podem beneficiar. Esses atos e omissões formam o conteúdo das relações jurídico-processuais, e se projetam, por exemplo, na contestação, cujo conteúdo pode beneficiar mesmo o litisconsorte que a não tenha apresentado (CPC/2015, artigo 345, inciso I). As relações jurídico-processuais abrangem, pois, as omissões de um litisconsorte em face dos demais no mesmo processo.
Importante observar que, muito embora o artigo 117 fale apenas nas relações dos litisconsortes em face da parte adversa, as relações processuais que eles mantêm abrangem inclusive aquelas mantidas com os demais litisconsortes.
Há, contudo, uma exceção, pois que no litisconsórcio unitário (do qual tratamos no comentários ao artigo 116) as relações jurídico-processuais que ocorrem estão umbilicalmente ligadas entre todos os litisconsortes, porque seu destino no processo é único, no sentido de que a procedência do pedido beneficiará a todos os litisconsortes, como a improcedência também os afetará a todos indistintamente. Portanto, no caso do litisconsórcio unitário, as relações jurídico-processuais são travadas entre os litisconsortes de modo uniforme. Mas há exceções, porque parte considerável da doutrina e da jurisprudência entende que, mesmo no litisconsórcio unitário, os atos e as omissões de um litisconsorte não podem prejudicar os demais, como se dá, por exemplo, no caso em que um litisconsorte tenha confessado, hipótese que, aliás, conta com previsão legal no artigo 391 do CPC/2015.
Mas, e quanto às provas? Aquelas que forem produzidas por um litisconsorte e que acabem por se revelar desfavoráveis a ele próprio e aos demais litisconsortes, elas podem ser consideradas em relação a todos os litisconsortes, ou apenas àquele que as produziu? Nesse caso, há que se considerar que as provas destinam-se à formação da convicção do juiz, não causando qualquer influxo quem as tenha requerido e produzido, e por isso se há concluir que as provas produzidas por um litisconsorte tanto podem beneficiar os demais litisconsortes, como os prejudicar.

“Art. 118. Cada litisconsorte tem o direito de promover o andamento do processo, e todos devem ser intimados dos respectivos atos”.
Comentários: como consequência de os litisconsortes deverem ser considerados, em suas relações com a parte diversa e mesmo em face dos demais litisconsortes, como litigantes distintos, o artigo 118 estabelece que cada litisconsorte tem o direito (e também o ônus) de promover o andamento do processo, e todos os litisconsortes devem ser intimados dos atos que ocorram no processo.
O artigo 118 (repetindo o enunciado do artigo 49 do CPC/1973, com pequeno aperfeiçoamento de estilo) fala apenas no “direito” que tem cada litisconsorte de promover o andamento do processo, mas se deve entender que também em relação aos ônus (e não apenas aos direitos) a regra legal há que se aplicar, de modo que, optando por não praticar determinado ato, o litisconsorte suportará as respectivas consequências, as quais a princípio não devem prejudicar os demais litisconsortes. Há ônus, por exemplo, quanto à produção de provas.
E o mesmo se dizer também em relação aos deveres jurídico-legais de que trata o artigo 77 do CPC/2015, pois cada litisconsorte tem o dever de os observar, suportando as consequências se assim não age, como se dá, por exemplo, com a observância ao dever de expor os fatos conforme a verdade. Assim, em tendo praticado ato que configure a litigância de má-fé, apenas aquele litisconsorte que tenha violado algum dos deveres previstos no artigo 77 é que suportará as penas pela litigância de má-fé, sem que daí se possa projetar efeitos contra a esfera jurídica dos demais litisconsortes.
As intimações de todos os atos do processo devem alcançar a todos os litisconsortes e seus patronos, ainda no caso em que unitário seja o litisconsórcio. Conquanto o destino de todos os litisconsortes esteja inevitavelmente vinculada no litisconsórcio unitário, isso não significa que as relações processuais de cada um não devam ser individualmente consideradas para efeito das intimações dos atos processuais.

TÍTULO III
– DA INTERVENÇÃO DE TERCEIROS

Chegamos ao título III, que se refere ao instituto da intervenção de terceiros, que abrange cinco formas pelas quais um terceiro, entendendo-se como tal aquele que não integra, a princípio, a relação jurídico-processual, passa a integrá-la, transformando-se assim em parte formal, com maiores ou menores limitações de acordo com a modalidade de intervenção de terceiros pela qual tenha ingressado no processo. Assim é que, dentre as modalidades, há aquelas que erigem o terceiro a uma parte formal em grau máximo, o que quer dizer que é parte tanto quanto o é o autor e o réu, e há modalidades em que a intervenção transforma em parte formal o terceiro, mas com importantes limitações, como se dá, por exemplo, na primeira modalidade de intervenção de terceiros que analisaremos logo a seguir, quando estivermos a comentar o artigo 118, que é a assistência.
A propósito da assistência, observe-se que ela não era tratada no CPC/1973 como modalidade de intervenção de terceiros, equívoco que foi corrigido no CPC/2015, que ainda traz como novidade a inserção dentre as modalidades de intervenção de terceiro a que diz respeito ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica e a do “amicus curiae”, de modo que, no CPC/2015, são cinco as modalidades de intervenção de terceiros, tratadas entre os artigos 118 a 138.
Importante observar que, no regime do CPC/2015 (e era assim também no regime do CPC/1973) o sucessor não é considerado como terceiro, mas como parte formal.
E uma última observação: a rigor, os embargos de terceiro, dos quais o CPC/2015 cuida em seus artigos 674/681, constituem uma modalidade de intervenção de terceiros, mas tratada dentre os procedimentos especiais.
TÍTULO III
– DA INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
CAPÍTULO I
– DA ASSISTÊNCIA
Seção I
– Disposições Comuns
Art. 119. Pendendo causa entre 2 (duas) ou mais pessoas, o terceiro juridicamente interessado em que a sentença seja favorável a uma delas poderá intervir no processo para assisti-la.
Parágrafo único. A assistência será admitida em qualquer procedimento e em todos os graus de jurisdição, recebendo o assistente o processo no estado em que se encontre.

Comentários: com um estilo mais empobrecido, o artigo 119 repete o conteúdo do artigo 50 do CPC/1973, regulando, pois, a primeira modalidade de intervenção de terceiros no processo civil: a assistência, conferindo-lhe um tratamento adequado, tanto quanto o fazia o CPC/1973, que havia melhorado a regulação desse instituto que, no CPC/1939, contava apenas com um artigo (o de número 93) a sua disciplina, o que de resto mostra a evolução de nosso direito processual civil refletida no campo da legislação. Isso se deveu sobretudo ao estudo do processualista paulista, MOACYR LOPES DA COSTA que, em 1968, escreveu a sua obra mais conhecida, “Assistência”, analisando a formação desse instituto no direito romano e sua evolução.
Quando existe uma ação em andamento, em que duas ou mais pessoas estejam a litigar, pode ocorrer que o bem da vida disputado na demanda interesse a um terceiro. Quem é esse terceiro? Simples, aquele que está fora do processo. Esse terceiro tenha interesse em que a sentença seja favorável a uma das partes, e resolve intervir no processo para a auxiliar. Trata-se, pois, de uma intervenção voluntária. O terceiro pode escolher entre acompanhar de fora o que ocorre no processo, ou pode nele intervir.
Se intervém, deve demonstrar a existência de um interesse jurídico em favor de uma das partes. O artigo 119 exige que o interesse seja jurídico, e não de outra natureza, por exemplo, um interesse econômico (o assistente é credor de uma das partes, por exemplo). Haverá interesse jurídico quando exista uma relação jurídica firmada entre o terceiro e a parte, e é exatamente o grau que qualifica esse interesse jurídico que estabelece a distinção entre a assistência simples e a assistência litisconsorcial, esta tratada no artigo 124. O que é importa observar é que, inexistindo interesse jurídico, não pode haver assistência, como também é de relevo adscrever o que destaca PONTES DE MIRANDA, no sentido de que “Se há direito do terceiro, que não é comum ao de uma parte, ou que o interesse sustenta em ser, e não de qualquer das partes, o caso não é de assistência” (“Comentários ao Código de Processo Civil”, tomo II, p. 53).
Admite-se a assistência, segundo o parágrafo único do artigo 119, em qualquer tipo de procedimento e em todos os graus de jurisdição, mas o assistente ingressa no processo no estado em que se encontra, o que significa dizer que os atos já praticados não se renovam e produziram e produzem seus efeitos inclusive em relação à esfera jurídica do assistente, o que determina que o assistente deve avaliar se, conforme o estado do processo, ser-lhe-á útil e proveitoso nele ingressar ou não, conquanto ressalve o artigo 123 que o assistente não se sujeitará aos efeitos da coisa julgada material no processo em que interveio se comprovar que, pelo estado em que recebeu o processo, ou pelas declarações e pelos atos do assistido, foi-lhe obstado produzir provas suscetíveis de influir na sentença.
ASSISTÊNCIA X LITISCONSÓRCIO: não se há confundir um instituto com o outro, começando pela ideia que está na raiz na formação da assistência, que é uma modalidade de intervenção de um terceiro em processo no qual não é parte, nem o poderia ser, diversamente do que se dá com o litisconsórcio, em que o litisconsorte é, poderia ser, e nalguns deve ser necessariamente parte, como se dá no litisconsórcio necessário (unitário ou não). Assim, se o “assistente” está, em verdade, a defender direito próprio, buscando obter uma tutela jurisdicional acerca desse direito subjetivo, o que significa dizer que integra a relação jurídico-material que é objeto da lide, nessa hipótese não há assistência, senão que litisconsórcio, como se dá em casos que um servidor público requer se lhe admita a intervenção como assistente de outros servidores públicos que estejam a demandar acerca de uma determinada vantagem pecuniária, à qual aquele servidor público faz jus e que poderia demandar acerca dela, tanto quanto o fazem outros servidores públicos, dos quais, portanto, não pode ser assistente, mas sem litisconsorte deles. O mesmo sucederá em uma ação de usucapião, na qual um terceiro que tenha tido o reconhecimento da posse noutra ação queria ingressar na ação de usucapião como assistente daquele em cujo nome o imóvel esteja registrado. Esse terceiro está, em verdade, a defender direito próprio – que é a proteção à sua posse -, e por isso não é assistente, mas sim verdadeiro litisconsorte, ou seja, parte.
“Art. 120. Não havendo impugnação no prazo de 15 (quinze) dias, o pedido do assistente será deferido, salvo se for caso de rejeição liminar.
Parágrafo único. Se qualquer parte alegar que falta ao requerente interesse jurídico para intervir, o juiz decidirá o incidente, sem suspensão do processo”.
Comentários: em todas as hipóteses de intervenção de terceiros, podem as partes originárias se colocar contra a intervenção, como ocorre na assistência, tanto na assistência simples, quanto na assistência litisconsorcial (das quais falaremos quando estivermos a comentar o artigo 124 do CPC/2015). Podem as partes impugnar, pois, o requerimento de assistência no prazo de quinze dias, contados do momento em que o requerimento tiver sido apresentado no processo. (O prazo de impugnação, que era de cinco dias no CPC/1973 (artigo 51), passou a ser de quinze dias.)
Outra modificação que o CPC/2015 traz em relação ao CPC/1973 refere-se à previsão expressa no sentido de conceder ao juiz que, de ofício, rejeite a assistência, situação processual que, no CPC/1973, ensejava controvérsia diante da ausência de previsão legal.
Como a assistência como modalidade de intervenção radica na questão que diz respeito ao interesse jurídico, será esse o aspecto nuclear sobre o qual o juiz deverá concentrar-se, seja quando esteja a analisar impugnação apresentada por qualquer das partes, seja quando, de ofício, esteja a decidir acerca do cabimento da assistência em suas duas modalidades. (Quanto ao interesse jurídico, como se o deve qualificar e o contrastar com outras espécies de interesse, remeto o leitor ao que comentamos acerca do artigo 119 do CPC/2015.)
Apresentada a impugnação, o juiz determinará a formação de um incidente (autos apartados), e nesse incidente proferirá a decisão quanto a acolher ou não a assistência, e contra essa decisão caberá agravo de instrumento, se um juiz de primeiro grau estiver a decidir sobre a impugnação à assistência. Caso a assistência tenha sido impugnada em segundo grau, o recurso a ser interposto contra a decisão que a acolher ou rejeitar dependerá da natureza jurídica dessa decisão, nomeadamente se proferida monocraticamente pelo relator, ou pelo colegiado.
No regime do CPC/1973, previa seu artigo 51 que o juiz poderá autorizar a produção de provas, o que não conta, no CPC/2015, com previsão expressa, mas o que não significa dizer que o juiz não esteja obrigado a autorizar a produção das provas que tenham sido requeridas na impugnação à assistência, quando as provas requeridas revelem-se pertinentes e necessárias ao exame da questão que envolve o interesse jurídica, questão que, em muitas situações, apresentará um conteúdo fático, ensejando a produção de prova.
Assim como sucedia ao tempo em que estava o CPC/1973, o CPC/2015 não prevê o procedimento a adotar-se no caso da impugnação à assistência, mas o juiz deve observar o princípio do devido processo legal “processual”, com a rigorosa observância ao contraditório e à ampla defesa.
Produzindo-se provas, ou sem elas, o juiz decidirá o incidente, para admitir ou não a assistência. Outra modificação em relação ao CPC/1973 está na fixação de prazo para que o juiz decida a impugnação: enquanto no CPC/1973 fixava-se um prazo de cinco dias para esse tipo de decisão, no CPC/2015 não há fixação de prazo específico, aplicando-se a regra geral prevista no artigo 226, inciso II, do CPC/2015, de maneira que o juiz tem o prazo de dez dias para proferir uma decisão interlocutória pela qual decidirá o incidente de impugnação à assistência.
Durante o curso do incidente, o trâmite do processo principal não se suspende, é o que prevê o artigo 120, parágrafo único, do CPC/2015.

“Seção II
– Da Assistência Simples
Art. 121. O assistente simples atuará como auxiliar da parte principal, exercerá os mesmos poderes e sujeitar-se-á aos mesmos ônus processuais que o assistido.
Parágrafo único. Sendo revel ou, de qualquer outro modo, omisso o assistido, o assistente será considerado seu substituto processual”.
Comentários: diversamente do fazia o CPC/1973, o CPC/2015 trata, em regras autônomas, das duas modalidades de assistência: a simples, regulada pelo artigo 121, e a litisconsorcial, de que cuida o 124, para bem as distinguir. Outra importante modificação e aperfeiçoamento foi o trazer a assistência para o título III, o que trata da intervenção de terceiros.
Analisemos aqui a assistência simples (também denominada como “assistência adesiva”), que é aquela que se caracteriza quando há um interesse jurídico (e, aliás, não há assistência que prescinda da existência do interesse jurídico), e é exatamente em função desse interesse jurídico que o assistente deseja que suceda a vitória do assistido, porquanto essa vitória lhe trará, ou poderá trazer algum benefício ou vantagem à sua própria esfera jurídica.
É comum encontrar-se na doutrina a afirmação de que o assistente possui o “interesse” na vitória do assistido. Se dermos ao termo “interesse” um sentido comum dos dicionários, não há que censurar o emprego desse termo. Mas se considerarmos o específico sentido que, no campo do processo civil, é dado ao termo “interesse”, como a manifestação de uma vontade que busca fazer subordinada uma outra vontade à prevalência da sua, então se deve evitar o emprego do termo “interesse” quando se faz referência à assistência simples, porque não se trata, na técnica e mesmo na essência das coisas, de querer subordinar uma vontade alheia, senão que o assistente deseja obter um benefício ou uma vantagem que decorra indiretamente dos efeitos da tutela jurisdicional a ser emitida em processo do qual o assistente não participa.
O interesse jurídico que deve estar presente na assistência simples é o mesmo interesse jurídico que também é imprescindível na assistência litisconsorcial (também denominada de “assistência qualificada”), mas o que é muda é o grau de intensidade desse direito, que é maior na assistência litisconsorcial, a ponto de caracterizar a presença de uma relação jurídica que existe entre o assistente e a parte contrária daquele a quem o assistente assiste no processo. Havendo, pois, interesse jurídico, mas sem que exista uma relação jurídica do assistente com a parte contrária à do assistido, há assistência simples.
Ou seja, o interesse jurídico caracteriza-se no existir a possibilidade de que, o provimento jurisdicional beneficiando o assistido, venha a beneficiar, indiretamente, o assistente, o que justifica a intervenção do assistente como terceiro no processo. Esse efeito derivado da tutela jurisdicional é indireto na medida em que seu objeto não é, nem pode ser o direito subjetivo do assistente, sobre o qual a demanda não versa, nem pode versar.
Importante observar que não basta para que se legitime a assistência (simples ou litisconsorcial) um interesse meramente fático, como, por exemplo, o interesse econômico.
O direito subjetivo do assistente, materializado no interesse jurídico que alega, não está, nem pode estar em discussão no processo, porque o assistente não é, nem poderá ser parte formal do processo em que relação ao qual quer intervir como terceiro. Há equívoco, portanto, quando o juiz julga procedente ou improcedente a assistência, como se estivesse a analisar o “pedido” do assistente, que se limita a intervir em processo do qual não integra como parte formal, desejando a vitória daquele a quem assiste. Somente as pretensões das partes é que são julgadas nas demandas (a formulada em ação e em reconvenção), não a do assistente, pois que ele não formula pretensão. Pela mesma razão, é equivocado chamar o assistente de “parte assistente”, porque o assistente não é parte formal.
E quando a parte assistida é revel, ou de algum modo omissa, o assistente será considerado seu substituto processo, é o que estatui o parágrafo único do artigo 121. Substituto processual é aquele que, em um processo, defende direito subjetivo alheio, exatamente a situação processual do assistente que, na hipótese de revelia, passa a ser o substituto processual do réu revel, como também o será o do autor, caso se configure a omissão deste em algum aspecto relevante da demanda. Cumpre observar que, no CPC/2015, a substituição processual pelo assistente também ocorre em relação à posição do autor, se é ao autor que o assistente está a assistir, situação processual que não estava expressamente prevista no CPC/1973 que, em seu artigo 52, parágrafo único, referia-se apenas ao réu revel.
“Art. 122. A assistência simples não obsta a que a parte principal reconheça a procedência do pedido, desista da ação, renuncie ao direito sobre o que se funda a ação ou transija sobre direitos controvertidos”.
Comentários: como a posição do assistente simples é secundária, visto que sua participação no processo tem por objetivo apenas auxiliar a parte principal, conforme prevê o artigo 121, impõe-se-lhe determinados limites, porquanto não lhe é dado o direito a impedir que a parte assistida manifeste a vontade de reconhecer a procedência do pedido, desista da ação, ou mesmo renuncie ao direito sobre o qual se funda a demanda, não podendo também obstaculizar que as partes transijam.
Daí decorre que, extinto o processo com resolução do mérito nas hipóteses de reconhecimento ao pedido, renúncia ao direito e transação, cessa de imediato a intervenção do assistente, não lhe sendo dado o direito de recorrer da sentença de extinção do processo nessas hipóteses.
A assistência simples também cessa quando, homologada a desistência da ação, o processo for julgado extinto sem resolução do mérito.
São limites de atuação que se aplicam ao assistente simples, e apenas ao assistente simples, como o CPC/2015 cuidou expressamente estatuir no artigo 122, diversamente do que fazia o CPC/1973, que, por seu artigo 53, não discriminava a modalidade de assistência, muito embora a doutrina e a jurisprudência majoritárias entendessem que o artigo 53, aplicava-se tão somente à modalidade da assistência simples. Fez bem o CPC/2015, pois, em prever expressamente quais são os limites impostos ao assistente simples, limites que, de resto, quadram com a sua atuação secundária no processo.
Ao tratarmos da assistência litisconsorcial (artigo 124), veremos que os limites à atuação do assistente não são tão estreitos como sucede com o assistente simples.
“Art. 123. Transitada em julgado a sentença no processo em que interveio o assistente, este não poderá, em processo posterior, discutir a justiça da decisão, salvo se alegar e provar que:
I – pelo estado em que recebeu o processo ou pelas declarações e pelos atos do assistido, foi impedido de produzir provas suscetíveis de influir na sentença;
II – desconhecia a existência de alegações ou de provas das quais o assistido, por dolo ou culpa, não se valeu”.
Comentários: o artigo 123 do CPC/2015 repete, com pequena alteração de estilo, o conteúdo do artigo 55 do CPC/1973, mas incidindo em um equívoco de técnica, ao manter esse dispositivo no capítulo dedicado apenas à assistência simples, quando se trata de norma que se aplica também à assistência litisconsorcial, ao tratar do efeito da eficácia da assistência, que guarda acentuada relação com o instituto da coisa julgada, como veremos. Melhor seria, portanto, que o CPC/2015 tivesse feito como o CPC/1973, prevendo como regra geral, a aplicar-se tanto à assistência simples, quanto à assistência litisconsorcial, o que diz respeito à eficácia da assistência.
O leitor poderá supor que o CPC/2015 quis demarcar com maior nitidez a distinção entre um e outra das modalidades de assistência, e por considerar que, no caso da assistência litisconsorcial, o assistente é considerado como litisconsorte da parte principal, daí decorreria a não aplicação do artigo 123 à assistência litisconsorcial, dado que o assistente é, nesse caso, litisconsorte, e como tal se sujeitaria à coisa julgada, e não à eficácia da assistência, o que, contudo, ocorre.
Primeiro porque também no CPC/1973 o artigo 54 parecia equiparar o assistente litisconsorcial ao litisconsorte, tanto quanto o faz o artigo 124 do CPC/2015, e digo “parecia equiparar” porque, em sendo uma modalidade de intervenção de terceiros, a assistência não transmuda, nem pode transmudar a natureza jurídica da posição processual do terceiro, não o erigindo jamais à condição de parte. É terceiro, e será sempre terceiro, de maneira que se há compreender que o artigo 124, ao dizer que se deve considerar o assistente litisconsorcial como litisconsorte, quer apenas traduzir a ideia de que há um grau maior nessa modalidade de assistência, se comparado com o grau (mais tênue) que está presente no caso da assistência simples, mas isso não significa que o assistente, na assistência litisconsorcial, tenha se transformado em verdadeiro litisconsorte.
Segundo porque, em não sendo parte formal, mas terceiro, não suporta os efeitos da coisa julgada material, mas apenas da eficácia da assistência. E chegamos assim ao que forma o conteúdo principal do artigo 123 e que diz respeito à eficácia da assistência. Utilizaremos da segura observação do processualista mineiro, CELSO AGRÍCOLA BARBI, que, com mão de mestre, estabelece a natureza dessa eficácia e como se a deve distinguir da coisa julgada material:
“A eficácia de assistência é (..) de conteúdo mais amplo do que a coisa julgada material, porque, enquanto esta só atinge a parte dispositiva da sentença, aquela abrange os motivos e os fatos, isto é, a premissa menor da sentença. Mas, sob outro aspecto, é mais restrita, porque não contém uma proibição absoluta de contrariar aqueles motivos e fatos. Configura, na realidade, uma presunção relativa, juris tantum, que pode ser destruída se o assistente alegar e provar alguma da circunstâncias previstas nos itens I e II do artigo, que constituem verdadeira exceptio male gesti processus”. (“Comentários ao Código de Processo Civil”, I vol. tomo I, p. 307, Forense editora).
Do que se pode concluir que, seja na assistência simples, seja na assistência litisconsorcial, o assistente está sujeito à eficácia da assistência, de modo que, passando em julgado a sentença no processo em que decidiu intervir, não poderá o assistente, em processo posterior, discutir o que ali ficou definitivamente decidido, salvo se provar que, em razão do estado em que recebeu o processo, ou seja, quando foi admitido na condição de assistente, não lhe era mais permitido produzir provas que poderiam de algum modo influir na sentença, ou ainda se o assistido, por dolo ou culpa, não terá gerido bem a sua atuação principal no processo. Como observa CELSO AGRÍCOLA BARBI, se na coisa julgada material os motivos e a verdade dos fatos não sofrem seus efeitos (efeitos da coisa julgada material, segundo o que prevê o artigo 504 do CPC/2015), no caso da assistência, a eficácia preclusiva da sentença abrange tanto os motivos, quanto a verdade dos fatos, e somente nas hipóteses previstas nos incisos I e II do artigo 123 é que poderão autorizar que o assistente, na ação que ajuizar, poderá discuti-los.
Importante lembrar, na esteira do que destaca CHIOVENDA, que a coisa julgada é um dos institutos jurídicos que apresentam mais deformações e degenerações históricas e que há mais sofrido em decorrência da confusão e de equívocos , em especial com o instituto da preclusão de questões, embora em ambos esteja presente a ideia da eficácia de um provimento jurisdicional projetada ao futuro, destinada a obstar que se rediscuta ou se reexamine o que já ficou decidido. Diz CHIOVENDA em ensaio que, sob o título “Coisa Julgada e Preclusão”, tornou-se clássico, publicado em 1933, e que complementava o que CHIOVENDA escrevera em 1905:
“a preclusão depende não da autoridade inerente à palavra do juiz |(autoridade que, por grande que seja, não exclui o erro, a discussão e a correção), senão de razões de utilidade prática, enquanto é necessário por um limite à possibilidade de discutir; varia somente nos diversos casos a razão pela qual se sente esta necessidade. Por coisa julgada não quer decidir juízo, quer dizer bem reconhecido ou negado. Se em vez de coisa julgada, nós poderíamos dizer bem julgado, estabeleceríamos de um modo mais evidente a diferença entre coisa julgada e questões julgadas”.
Preciosa lição que é de inteira aplicação ao caso da eficácia da assistência, em que ocorre, pois, uma preclusão de questões já decididas em processo anterior e que projetam efeitos sobre a esfera jurídica do assistente simples ou litisconsorcial, surgindo, contudo, a possibilidade de rediscutir-se o julgado naquelas hipóteses nos incisos I e II do artigo 123 do CPC/2015, o que diferencia essa forma de preclusão da coisa julgada material.

“Art. 124. Considera-se litisconsorte da parte principal o assistente sempre que a sentença influir na relação jurídica entre ele e o adversário do assistido”.
Comentários: com uma pequena variação estilística, caracterizada pelo emprego do advérbio “sempre” em lugar da expressão “toda vez”, o artigo 124 reproduz o conteúdo do artigo 54 do CPC/1973, ao tratar da assistência litisconsorcial (ou qualificada), que é a modalidade de assistência que se configura quando há uma relação jurídico-material entre o assistente e o adversário da parte que é assistida no processo civil.
O qualificativo “litisconsorcial” decorre de o assistente ser tratado como se fosse litisconsorte da parte assistida, o que, contudo, não significa que seja verdadeiramente um litisconsorte, porque lhe falta a condição formal de parte no processo em que optou ingressar como assistente e não como parte (o assistente, com efeito, não formula pedido), malgrado pudesse ter sido parte do processo, dado que da relação jurídico-material objeto do litígio na demanda também faz participa, como se dá, por exemplo, na hipótese em que um condômino intervém como assistente de um outro condômino que esteja a demandar pela proteção da propriedade da coisa que mantém em copropriedade com o assistente. Poderiam ambos os condôminos, em litisconsórcio, ajuizarem a ação, mas como apenas um o faz, o outro pode ingressar no processo como seu assistente litisconsorcial. Note-se que, nesse tipo de assistência, o assistente mantém relação jurídica com o adversário da parte a que assiste, o que não ocorre na assistência simples.
E como o assistente integra a mesma relação jurídico-material que é objeto do processo em que resolver intervir como assistente litisconsorcial, daí decorre que a sentença influirá sobre a sua esfera jurídica, tanto quanto influenciaria se viesse a ser parte formal da ação (como verdadeiro litisconsorte). A propósito da eficácia da sentença, o CPC/2015 criou um problema que não existia no CPC/1973, ao regular a eficácia da assistência em uma dispositivo que compõe a seção destinada a tratar especificamente da assistência simples (artigo 123), fazendo supor que esse dispositivo não se aplicaria à assistência litisconsorcial, o que não é verdadeiro. A eficácia da sentença é produzida na assistência litisconsorcial nos mesmos moldes em que ocorre na assistência simples, o que significa dizer que o assistente litisconsorcial, embora seja considerado como litisconsorte, não é parte no mesmo grau de natureza e intensidade que se dá com uma parte formal no processo, e isso justifica que se lhe permita escapar à incidência da eficácia da sentença naquelas hipóteses previstas no artigo 123 do CPC/2015.
Os poderes de que dispõe o assistente litisconsorcial são equivalentes ao tratamento de litisconsorte que recebe da lei, e por isso são maiores do que os que o assistente simples possui.
As disposições comuns (artigos 119 e 120 do CPC/2015) aplicam-se tanto à assistência simples quanto litisconsorcial, assim, por exemplo, quando ao procedimento que se adota para ingresso do assistente e o momento em que a assistência pode ser admitida.
CAPÍTULO II
– DA DENUNCIAÇÃO DA LIDE
“Art. 125. É admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes:
I – ao alienante imediato, no processo relativo à coisa cujo domínio foi transferido ao denunciante, a fim de que possa exercer os direitos que da evicção lhe resultam;
II – àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo.
§ 1º O direito regressivo será exercido por ação autônoma quando a denunciação da lide for indeferida, deixar de ser promovida ou não for permitida.
§ 2º Admite-se uma única denunciação sucessiva, promovida pelo denunciado, contra seu antecessor imediato na cadeia dominial ou quem seja responsável por indenizá-lo, não podendo o denunciado sucessivo promover nova denunciação, hipótese em que eventual direito de regresso será exercido por ação autônoma”.
Comentários: ao regular o instituto da denunciação da lide, o CPC/2015 trouxe importantes modificações em relação ao CPC/1973. A primeira delas é que a denunciação da lide deixa de ser obrigatória, o que significa dizer que aquele que poderia denunciar a lide, mas não o faz, não perde o direito de regresso, consequência que era imposta no regime do CPC/1973 (artigo 70). Importante observar que, ao tempo em que se discutia o projeto de lei do que viria a se transformar no CPC/1973, a doutrina discutia se a lei brasileira deveria adotar o mesmo regime do código de processo civil alemão, em face do qual a denunciação da lide era facultativa. Prevaleceu àquela altura a obrigatoriedade da denunciação da lide, mas que agora, no CPC/2015, desaparece. E como a denunciação da lide não é mais obrigatória, o artigo 456 do Código Civil (“Para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo”) foi revogado.
Outra modificação trazida com o CPC/2015 refere-se à denunciação da lide no caso de evicção, que está tratada no inciso I do artigo 125, cujo conteúdo passou a incorporar a expressão “alienante imediato”, a reforçar o que o parágrafo único do mesmo artigo 125 estabelece, no sentido de que a denunciação da lide não pode ampliar em demasia a relação jurídico-material no processo, o que ocorreria se não houvesse a limitação ao número de denunciações, ou à possibilidade de o adquirente denunciar a lide não apenas àquele que lhe alienou a coisa objeto da lide, mas a todos os demais que, em algum momento, foram proprietários da coisa, no caso em que se configura a evicção, que é a perda da coisa por sentença judicial, em consequência de um vício que exista e que seja anterior à alienação. Agora, no CPC/2015, a denunciação da lide somente pode ser feita em relação ao alienante imediato, ou seja, àquele que vendeu a coisa ao litisdenunciante.
A propósito, é costume denominar-se de “litisdenunciante”, ou simplesmente “denunciante” a parte que faz a denunciação a lide, e “litisdenunciado” ou “denunciado” o terceiro que, denunciado a lide, passa a ser parte no processo.
Se antes do adquirente perdia o direito de regresso, no caso de não ter denunciado a lide, no CPC/2015, esse direito de regresso permanece incólume, se a denunciação da lide não é feita, ou se feita, é rejeitada pelo juiz.
A segunda hipótese em que cabe a denunciação da lide está tratada no inciso II do artigo 125, e, de resto, é a hipótese mais comum: a que é exercida em função do direito de regresso, quando o terceiro, ou seja, o denunciado a lide, é obrigado, por lei ou contrato, a indenizar em ação regressiva o prejuízo da parte que puder ser vencida no processo, abrangendo a comum situação em que a parte mantém contrato de seguro com quem denuncia a lide, para que esse terceiro (que deixa de ser terceiro, quando denunciado) a indenize, na hipótese de a parte sucumbir no processo. Note-se que a redação do inciso II do artigo 125 fala em “prejuízo de quem for vencido no processo”, quando deveria empregar o verbo no condicional, no sentido de que a denunciação da lide pode ser feita quando for possível que a parte venha a ser vencida no processo, quando então será indenizada pelo denunciado daquilo que tiver despendido com a condenação e em favor da parte contrária.
A denunciação da lide pode ser feita tanto pelo autor, quanto pelo réu, e em caso de litisconsórcio, por qualquer dos litisconsortes, e tem aplicação apenas no processo de conhecimento, de maneira que não pode ser utilizada no processo de execução ou na fase de execução. Há, contudo, leis que regulam ações ou procedimentos especiais que vedam a denunciação da lide, como se dá com a lei que regula o juizado especial cível, a lei federal 9.099/1995, que, por seu artigo 10, veda a denunciação da lide, e de resto todas as modalidades de intervenção de terceiros, salvo o litisconsórcio. A jurisprudência, e não a lei, entende que a denunciação da lide não é de ser admitida na ação civil pública, na ação de despejo e na ação de exigir contas, considerando certas peculiaridades dessas ações. Uma situação que merece comentário é a ação promovida contra a fazenda pública, em que não se admite a denunciação da lide ao servidor público em razão de se entender que a denunciação da lide, admitida nessa hipótese, faria introduzir na relação jurídico-material um elemento novo, ausente na relação jurídico-material originária. A propósito, a denunciação da lide não pode ser utilizada como forma de corrigir o polo passivo, o que justifica que, na hipótese em que a ação é ajuizada contra o servidor público, e não contra o ente público, não se tem admitido a denunciação da lide por se considerar que há ilegitimidade passiva do servidor público, porquanto a ação deveria ter sido promovida contra a fazenda pública.
“Art. 126. A citação do denunciado será requerida na petição inicial, se o denunciante for autor, ou na contestação, se o denunciante for réu, devendo ser realizada na forma e nos prazos previstos no art. 131”.
Comentários: Como vimos, a denunciação da lide pode ser feita pelo autor, pelo réu ou por qualquer dos litisconsortes, quando existir o litisconsórcio. O artigo 126 prevê o azado momento em a denunciação da lide deva ser feita: se a fizer o autor, na peça inicial; se for o réu o denunciante, na contestação, devendo ser observado o que o artigo 131 estabelece quanto ao prazo e à forma pelos quais a citação do denunciado deve ocorrer, sob pena de a denunciação da lide não produzir efeito, o que vale também para o autor, no caso em que ele deixa de fazê-la na peça inicial.
O artigo 127 do CPC/2015, que veremos mais adiante, trata da denunciação da lide feita pelo autor, e o artigo 128 daquela feita pelo réu.
Não se prevê mais, ao contrário do que ocorria no CPC/1973 (artigo 72), que, ordenada a citação do denunciado, o processo deva permanecer suspenso, o que não fazia sentido e que o CPC/2015 em boa hora cuidou corrigir, porque não havia razão para suspender o trâmite do processo, quando havia uma óbvia necessidade de o processo seguir seu trâmite exatamente para a prática do indispensável ato da citação do denunciado. E feita a citação, o prazo para a manifestação do denunciado, no caso em que a denunciação tiver sido feita pelo autor na peça inicial, ou para a contestação, se feita pelo réu, esse prazo está previsto nos artigos 231 e 335 do CPC/2015.

“Art. 127. Feita a denunciação pelo autor, o denunciado poderá assumir a posição de litisconsorte do denunciante e acrescentar novos argumentos à petição inicial, procedendo-se em seguida à citação do réu”.
Comentários: o CPC/2015 corrige uma impropriedade em que o artigo 74 do CPC/2013 havia incidido quando previa a possibilidade de o denunciado aditar a peça inicial, modificando-lhe o conteúdo, desconsiderando que o autor, e apenas ele, como “dono” da peça inicial a poderia modificá-la.
O que o denunciado pode, assumindo a condição de litisconsorte do autor, é, em peça própria, acrescentar novos argumentos àqueles que a peça inicial trouxe, mas sem lhe modificar o conteúdo, de modo que, diante do que prevê o artigo 127, são duas as peças: a peça inicial, cujo conteúdo é definido exclusivamente pelo autor, e a peça apresentada pelo denunciado, que, pode, quando muito acrescer argumentos, mas sem modificar a forma e o conteúdo da peça inicial, como ela foi estruturada pelo autor.
Importante observar que o denunciado pode assumir a condição de litisconsorte do autor. Mas se cuida de um litisconsórcio com uma importante limitação: é que o denunciado não pode ter seus interesses no processo em confronto com os do autor, o que, contudo, não transforma a denunciação da lide nessa hipótese em assistência, seja a simples, seja a litisconsorcial.
Além de se considerar que, na assistência, o assistente jamais se torna parte, o que não ocorre com o litisconsórcio, há também por considerar que a assistência é modalidade voluntária de intervenção de terceiros, cabendo ao terceiro decidir, ele próprio, se quer ou não ingressar como assistente.
No caso da denunciação da lide, o terceiro não pode escolher entre ser ou não denunciado: o que o artigo 127 permite-lhe é decidir é apenas se quer ou não assumir a posição formal de litisconsorte, havendo um sentido todo próprio ao verbo “assumir”, a evidenciar que se trata de um ônus, de maneira quem ainda que o denunciado decida não assumir a posição de litisconsorte, os efeitos dessa posição ocorrem e lhe são inevitáveis.
Também se deve lembrar que o assistente não formula pretensão própria, senão que alheia (a da parte a que assiste), situação processual bastante diversa do que se configura quando há denunciação da lide. E, por fim, considere-se também que o conceito de terceiro exclui o de parte, o que significa dizer que se o denunciado era terceiro, não podia ser parte, porque não participava, ou não devia participar da relação jurídico-material objeto do processo; e se a denunciação foi aceita, é porque participa da relação jurídico-material tanto quanto dela participa o autor que o denunciou. E como denunciado, passa a ser parte formal. O assistente, seja na assistência simples, quanto na litisconsorcial, será sempre terceiro, ainda que assistente, porquanto não participa como parte da relação jurídico-material objeto do contrato, e não deveria mesmo participar, não fosse a sua vontade de assistir a algum das partes, cuja vitória lhe trará indiretamente alguma vantagem em sua esfera jurídica.

“Art. 128. Feita a denunciação pelo réu:
I – se o denunciado contestar o pedido formulado pelo autor, o processo prosseguirá tendo, na ação principal, em litisconsórcio, denunciante e denunciado;
II – se o denunciado for revel, o denunciante pode deixar de prosseguir com sua defesa, eventualmente oferecida, e abster-se de recorrer, restringindo sua atuação à ação regressiva;
III – se o denunciado confessar os fatos alegados pelo autor na ação principal, o denunciante poderá prosseguir com sua defesa ou, aderindo a tal reconhecimento, pedir apenas a procedência da ação de regresso.
Parágrafo único. Procedente o pedido da ação principal, pode o autor, se for o caso, requerer o cumprimento da sentença também contra o denunciado, nos limites da condenação deste na ação regressiva”.
Comentários: neste dispositivo, o CPC/2015, trazendo algumas importantes modificações em relação ao que previa o artigo 75 do CPC/1973, regula a denunciação da lide mais comum, que é aquela feita pelo réu, prevendo o que ocorre se o denunciado contesta, deixa de contestar, ou ainda reconhece os fatos alegados pelo autor. Portanto, são três as possibilidades abertas ao litisdenunciado, tratadas nos três incisos que compõem o artigo 128. Analisaremos cada uma delas, para depois, em uma segunda parte, observarmos o que mudou entre um código e outro, inclusive quanto ao que trata o parágrafo único do artigo 128.
A primeira hipótese, tratada no inciso I do artigo 128, ocorre quando o denunciado contesta o pedido formulado pelo autor, de maneira que se estabelece, na relação jurídico-processual principal, um litisconsórcio entre o réu e o litisdenunciado. Surge, pois, uma nova relação jurídico-processual, instaurando uma lide secundária, que é a lide que envolve o réu e o denunciante, não como litisconsortes (o litisconsórcio existe apenas na relação jurídico-principal), mas como partes em um conflito que pode dizer respeito àquelas situações previstas no artigo 125 do CPC/2015, como, por exemplo, a situação em que se analisa se há ou não direito de regresso do réu em face do denunciado.
A segunda hipótese, tratada no inciso II do artigo 128, ocorre quando o denunciado não contesta, e em não contestando se torna revel. O réu-denunciante, diante da revelia do denunciado, poderá então abjurar de sua defesa, como também poderá deixar de recorrer, passando a se concentrar apenas na lide secundária. O denunciante terá, pois, que escolher entre três opções: prossegue com a defesa que apresentou na lide principal, ou então, dessa defesa abre mão, como se estivesse implicitamente a reconhecer o pedido formulado pelo autor, tendo ainda uma terceira opção, em que reconhece expressamente a procedência do pedido. Note-se que o inciso II do artigo 128 refere-se apenas à revelia e não à produção de seus efeitos, o que, contudo, não quer dizer que sejam irrelevantes esses efeitos, porque se deve analisar qual a natureza do direito subjetivo material que é objeto da demanda, se disponível ou não, o que será de importância ao juiz examinar, não propriamente em face da revelia do denunciado, mas do limite da liberdade atuação processual do denunciante, limite que variará de acordo com a natureza do direito material objeto da lide: um limite quase que absoluto se o direito for disponível; uma liberdade quase que inexistente se o direito material for indisponível.
A última hipótese, tratada no inciso III do artigo 128, ocorre quando o denunciado confessa os fatos alegados pelo autor, em que o denunciado, a despeito da confissão, pode prosseguir com a sua defesa, ou então pode não apenas aderir à confissão, senão que reconhecer a procedência do pedido em favor do autor na lide principal, concentrando-se na lide secundária.
Analisemos agora as diferenças trazidas com o CPC/2015, comparando seu artigo 128 com o artigo 75 do CPC/1973.
A primeira dessas diferenças decorre de não ser mais dado ao denunciado o direito de negar a qualidade de garante que o denunciado lhe terá atribuído. No CPC/1973, o artigo 75, incisos I e II, previa a hipótese de o denunciado poder aceitar a denunciação da lide, como também previa a possibilidade de o denunciado rejeitar a denunciação da lide, contestando ou não. Agora, em face do prevê o artigo 128, é juridicamente irrelevante que o denunciado negue a qualidade que lhe foi atribuída pelo denunciante, porque permanecerá vinculado à relação jurídico-processual ao menos até a sentença, quando o juiz analisará se a denunciação da lide subsiste ou não, observando o que prevê o artigo 129 do CPC/2015.
A outra modificação diz respeito à possibilidade de que dispõe agora o denunciante de, na situação em que o denunciado for revel, deixar de prosseguir com a sua defesa (defesa do denunciante), como também pode deixar de recorrer, passando a atuar apenas na relação jurídico-processual secundária, ou seja, na relação em que se analisa se há ou não o direito de regresso. No CPC/1973, caracterizada a revelia, o denunciante deveria prosseguir na defesa até o final.
Uma terceira modificação refere-se à hipótese em que o denunciado confessa os fatos alegados pelo autor. Nessa situação processual, o denunciante poderá prosseguir com a sua defesa, mas também poderá aderir ao reconhecimento, passando a atuar tão somente na ação de regresso. No CPC/1973, se o denunciado confessasse os fatos alegados pelo autor, previa o inciso III do artigo 75, o denunciado poderia prosseguir na defesa, não prevendo a Lei a possibilidade de ele, o denunciado, aderir à confissão dos fatos feita pelo denunciado.
O parágrafo único do artigo 128 traz a última diferença entre um regime e outro. Pois que no CPC/1973, seu artigo 76 dispunha que “A sentença, que julgar procedente a ação, declarará, conforme o caso, o direito do evicto, ou a responsabilidade por perdas e danos, valendo como título executivo”. No CPC/2015, como não existe mais o processo de execução autônomo quando o título executivo é judicial (sentença ou acórdão), havendo, pois, apenas uma fase em que se cumpre esse título, o parágrafo único do artigo 128 prevê que, em sendo procedente o pedido formulado na ação principal, o autor poderá, se assim entender de seu interesse, requerer o cumprimento do título executivo judicial contra o denunciado, desde que observe os limites da condenação fixada no exame da lide secundária. Importante observar que o artigo 76 do CPC/2015, ao prever que o título executivo judicial produziria efeitos contra o denunciado, constituiu à época uma inovação no nosso direito, não havendo então paralelo noutros códigos de processo civil, como os de Portugal e da Alemanha, como registrou CELSO AGRÍCOLA BARBI em seus “Comentários ao Código de Processo Civil”, volume I, tomo II.
Obviamente que essa hipótese, a de cumprimento do título executivo judicial contra o denunciado, somente ocorre se, na sentença ou no acórdão, a lide secundária tiver sido julgada procedente, de modo que o título executivo judicial abarcarpa, como executados, tanto o réu-denunciante, quanto o litisdenunciado, e o autor poderá escolher entre iniciar o cumprimento do título executivo judicial contra o réu, ou apenas contra o denunciado, ou ainda contra ambos, buscando a satisfação do direito que foi reconhecido no título executivo judicial. No caso de o cumprimento do título executivo judicial voltar-se contra o denunciado, o autor deverá observar o limite do que foi fixado no julgamento da lide secundária.
“Art. 129. Se o denunciante for vencido na ação principal, o juiz passará ao julgamento da denunciação da lide.
Parágrafo único. Se o denunciante for vencedor, a ação de denunciação não terá o seu pedido examinado, sem prejuízo da condenação do denunciante ao pagamento das verbas de sucumbência em favor do denunciado”.
Comentários: a denunciação da lide faz instalar uma outra relação jurídico-processual (e material) no processo, e dessa relação participam o denunciante e o denunciado. Há, pois, uma espécie de relação de prejudicialidade entre a lide principal e a lide secundária formada com a denunciação da lide, o que significa dizer que, em sendo julgada procedente a pretensão formulada pelo autor, então nesse caso o juiz examinará a lide secundária mantida entre o denunciante e o denunciado. Mas se a pretensão quanto à lide principal for julgada improcedente, então desaparece o interesse de agir do denunciante em face do denunciado, é o que prevê o parágrafo único do artigo 129 do CPC/2015, que ainda ressalva que, ainda que anormalmente extinta (por ausência do interesse de agir), o denunciante será condenado no pagamento das verbas de sucumbência em favor do denunciado, o que é decorrente do princípio da causalidade aplicado aos encargos de sucumbência.
Julgada procedente a pretensão formulada na lide principal, nessa hipótese o juiz deve então analisar a lide secundária, decidindo se a pretensão formulada pelo denunciante deve ou não ser acolhida, fixando os encargos de sucumbência conforme o resultado do julgamento.
O artigo 129 corrige uma imperfeição técnica que estava no artigo 76 do CPC/1973 e que a doutrina sempre cuidou destacar. O artigo 76, ao prever que “A sentença, que julgar procedente a ação, declarará, conforme o caso, o direito do evicto, ou a responsabilidade por perdas e danos, valendo como título executivo”, levava o intérprete, com efeito, a supor que a denunciação da lide era sempre feita pelo réu, deixando de fora a denunciação da lide, que o autor também pode formular. A redação do artigo 129 abarca tanto a denunciação da lide que é feita pelo réu, quanto a feita pelo autor, regulando também de maneira expressa acerca dos encargos de sucumbência.
Julgada procedente a pretensão formulada na lide secundária, o provimento jurisdicional emitido é de natureza condenatória e valerá, tanto quanto qualquer sentença condenatória, como título executivo judicial, sendo oportuno lembrar o que prevê o artigo 128, parágrafo único, do CPC/2015 quanto à possibilidade de o autor executar também o denunciado, desde que se observem os limites da condenação imposta na ação regressiva.

“CAPÍTULO III
– DO CHAMAMENTO AO PROCESSO

Art. 130. É admissível o chamamento ao processo, requerido pelo réu:
I – do afiançado, na ação em que o fiador for réu;
II – dos demais fiadores, na ação proposta contra um ou alguns deles;
III – dos demais devedores solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns o pagamento da dívida comum”.
Comentários: esta modalidade de intervenção de terceiros surgiu com o CPC/1973, que o importou do direito português, modificando-lhe, contudo, a denominação. No direito brasileiro, recebeu o nome de “chamamento ao processo”, enquanto em Portugal o instituto é denominado de “chamamento à demanda”. O CPC/2015 manteve a denominação usual no direito brasileiro, como também manteve a sua estrutura, cuidando apenas de aperfeiçoar, mas em medida menor do que seria adequada, a redação das três normas (artigos 130-132), sobretudo em atenção ao que a doutrina e a jurisprudência brasileira ao longo do tempo haviam anotado.
A primeira alteração que se observa, se comparamos o que estatui o artigo 130 do CPC/2015 com o artigo 77 do CPC/1973, está na ressalva de que o chamamento ao processo é modalidade de intervenção de terceiros de que somente o réu pode se utilizar (“É admissível o chamamento ao processo, requerido pelo réu …”). No CPC/1973, não havia essa ressalva na norma, embora se tivesse como assente, pelas características e finalidade do instituto, que somente o réu poderia fazer o chamamento ao processo. O Legislador entendeu conveniente, para evitar qualquer dúvida, que a norma expressamente fixasse que se trata de uma modalidade de intervenção de terceiros de uso exclusivo do réu.
Um outro aperfeiçoamento está na substituição do termo “devedor” por afiançado (inciso I do artigo 130), por considerar que, em se tratando de um instituto que se aplica apenas ao processo de conhecimento, não é apropriado falar-se em devedor, senão que em afiançado, adotando-se, pois, a denominação que vem do direito material (afiançado e fiador). O termo “devedor” era impróprio porque, no processo de conhecimento, não há senão autor e réu, e não credor e devedor, por não se poder definir de antemão se a pretensão será ou não julgada procedente. O CPC/2015, contudo, olvidou de, por coerência, não se referir no inciso III do artigo 130 ao “credor”, senão que deveria também nessa norma ter adotado o termo próprio ao processo de conhecimento: “autor”.
Podem ser chamados ao processo pelo réu, pois: o afiançado quando a ação foi ajuizada apenas contra o fiador; os outros fiadores, quando houver entre eles (fiadores) responsabilidade solidária; e ainda, aos demais devedores solidários, quando o “credor (rectius: autor) estiver a demandar contra um ou mais de um desses devedores, sendo certo que a pretensão deve abarcar a relação jurídico-material como um todo. A propósito, também constitui uma impropriedade, que vinha no CPC/1973 e que o CPC/2015 não corrigiu, o referir-se à “dívida comum”, quando, em se tratando de uma modalidade de intervenção de terceiros, não se pode afirmar peremptoriamente que exista dívida, sem que se tenha ainda sentença, e mais, sem que exista a coisa julgada material.
Como se observou, o chamamento ao processo é modalidade de intervenção de terceiros que somente cabe no processo de conhecimento, não se admitindo seu uso no processo de execução e na fase de cumprimento de título executivo judicial.
O chamamento ao processo também não cabe, seja por disposição legal ou entendimento jurisprudencial, em algumas ações específicas, caso, por exemplo, da ação monitória; na ação em que se busca obter provimento cominatório contra ente público para a obtenção de determinado medicamento; na ação civil pública; na ação em que a relação jurídico-material é qualificada como de consumo; na ação que se processa no juizado especial cível, entre outras ações nas quais o chamamento do processo não é admitido. O óbice à utilização do chamamento ao processo nessas ações ou decorre da conveniência do Legislador em vedá-lo, ou em razão de se evitar que, pelo chamamento ao processo, a lide original tivesse uma complexidade maior do que seria aceitável pelas características da ação.

“Art. 131. A citação daqueles que devam figurar em litisconsórcio passivo será requerida pelo réu na contestação e deve ser promovida no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de ficar sem efeito o chamamento.
Parágrafo único. Se o chamado residir em outra comarca, seção ou subseção judiciárias, ou em lugar incerto, o prazo será de 2 (dois) meses”.
Comentários: tratando-se de uma modalidade de intervenção de terceiros da qual apenas o réu pode se utilizar, prevê o artigo 131 que, sob pena de o chamamento ao processo ficar sem efeito, o réu a deverá fazer na contestação, prevendo ainda que o réu deverá providenciar, em determinado prazo, o necessário a que ocorra a citação daqueles que figurarão a seu lado como litisconsortes passivos.
Note-se que os prazos fixados no artigo 131 e em seu parágrafo único referem-se apenas às providências que o réu deva adotar, e não o prazo em que a citação efetivamente venha a ocorrer, o que significa dizer que o réu deve providenciar o que lhe caiba para que a citação realize-se, como, por exemplo, o recolhimento de valor destinado à diligência de oficial de justiça, se necessário. Mas se a despeito de o réu ter providenciado o que lhe cabia, o cartório não providenciar a citação no prazo legal, o chamamento ao processo será considerado válido, com a formação do litisconsórcio.
O prazo para apresentação de defesa aos chamados ao processo será o prazo legal adotado para o tipo de ação em que o chamamento ao processo tiver ocorrido. Se o procedimento adotado é o comum, aplica-se, pois, o prazo previsto no artigo 335 do CPC/2015.
Observe-se que, diferentemente do que ocorria no CPC/1973 (artigo 79), durante a citação o processo não fica suspenso.
“Art. 132. A sentença de procedência valerá como título executivo em favor do réu que satisfizer a dívida, a fim de que possa exigi-la, por inteiro, do devedor principal, ou, de cada um dos codevedores, a sua quota, na proporção que lhes tocar”.
Comentários: admitido o chamamento ao processo no processo de conhecimento (e essa modalidade de intervenção de terceiros somente cabe no processo de conhecimento, como vimos), instala-se o litisconsórcio passivo, de maneira que a sentença que julga procedente a pretensão passa a constituir um título executivo em favor do réu, se este satisfizer a dívida em comum que mantém com os demais coobrigados, de maneira que pode deles exigir a respectiva quota-parte, na proporção de cada um dos coobrigados.
A sentença de procedência em provimento condenatório constitui, como é comum, título executivo judicial em favor do autor, mas quando o chamamento ao processo é admitido, a sentença passa ser também um título executivo judicial em favor do réu, desde que este tenha satisfeito a obrigação estabelecida na sentença, que é assim dividida em duas partes: na primeira, o juiz analisa a relação jurídico-material-processual que envolve o autor e o réu; e na segunda, a relação jurídico-material-processual que abrange o réu e os coobrigados. Essa segunda parte, importante observar, somente existe se tiver sido procedente a pretensão condenatória formulada pelo autor. As duas partes que formam a sentença constituem, portanto, títulos executivos judiciais, mas com titulares diferentes.
Há quem sustente que o CPC/2015 terá modificado o regime que o CPC/1973 por seus artigos 78 e 80 adotava, pois que não há mais a previsão legal quanto a se ter um só sentença, abarcando a análise das duas relações jurídico-materiais, a primeira, envolvendo autor e réu, e a segunda, abrangendo réus e chamados ao processo. Essa posição baseia-se no argumento de que, segundo o artigo 1.015, inciso IX, cabe agravo de instrumento contra as decisões que analisa o cabimento ou não de todas as modalidades de intervenção de terceiros, inclusive do chamamento ao processo, de maneira que o juiz, ao analisar a relação entre o réu e os chamados ao processo, profere não uma sentença, mas uma decisão interlocutória e objeto de recurso pelo agravo de instrumento.
Em favor dessa oposição, argumenta-se, outrossim, que o projeto do CPC/2015 continha regra semelhante à do artigo 78 do CPC/1973, mas o texto final do Código não traz esse tipo de norma. Há que se considerar, contudo, que o artigo 132 fala expressamente em “sentença”, e não em “decisão”, a demonstrar que o legislador do CPC/2015 não quis modificar, e não modificou o regime que é tradicional em nosso direito, em que o juiz, em uma só sentença, deve analisar as duas relações jurídico-materiais, inclusive aquela que vincula o réu e os chamados ao processo, o que de resto atende à finalidade para a qual o chamamento ao processo existe como modalidade de terceiros.
O fato de se ter previsto o agravo de instrumento como recurso a ser interposto contra decisões de admissão ou das modalidades de intervenção de terceiros, inclusive do chamamento ao processo, não exclui que o juiz possa e deva proferir uma só sentença, com o exame da relação jurídico-material envolvendo o réu e os chamados. O agravo de instrumento é de ser interposto quando se trata de decisão que admite ou não o chamamento ao processo, mas o artigo 132 não se refere à essa situação processual, senão que ela pressupõe que se tenha antes admitido o chamamento do processo e que o juiz esteja a analisar, não se cabe ou o chamamento ao processo, mas que efeitos o chamamento estará a produzir concretamente no processo.
De resto, não há razão lógico-jurídica para admitir que o juiz possa cindir em duas ocasiões diversas no processo o exame da relação jurídico-material envolvendo o autor e o réu e o exame da relação jurídico-material que abrange o réu e os coobrigados, seja porque o exame desta segunda relação depende necessariamente do destino dado à primeira relação jurídico-material, seja porque, proferida a sentença, o juiz não pode mais proferir outra sentença no mesmo processo (cf. artigo 494 do CPC/2015), como também não pode proferir decisão interlocutória como se o estivesse a fazer na hipótese de julgamento antecipado parcial de mérito, porque nessa específica situação, além de haver cumulação de pedidos em uma mesma relação jurídico-processual, não há vínculo entre um pedido e outro a ponto de obstar que se conheça de um apenas quando sobre o outro já se tiver decidido, vínculo que é exatamente o que caracteriza o chamamento ao processo, por exigir que, apenas na hipótese em que o juiz tenha declarado procedente a pretensão formulada pelo autor contra o réu, é que deverá conhecer da relação jurídico-material-processual que vincula réu e os chamados ao processo.

“CAPÍTULO IV
– DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
§ 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.
§ 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica”.
Comentários: começaremos a tratar do instituto da desconsideração da personalidade jurídica com a citação de uma lapidar frase do jurista alemão, PETER ERLINGHAGEN (1932-1994), que, em 1960, ao analisar a responsabilidade do sócio por obrigações contraídas pela pessoa jurídica, sintetizou assim o que constitui a essência desse instituto: “a separação jurídica da sociedade e de seus sócios deixar de existir sempre que – e na medida em que – isso seja necessário para evitar resultados juridicamente condenáveis”. O pensamento desse importante autor alemão é objeto de uma percuciente análise que o professor LAMARTINE CORRÊA DE OLIVEIRA desenvolveu em seu clássico livro “A Dupla Crise da Pessoa Jurídica”, que se constitui em livro de cabeceira para todos aqueles que querem compreender detalhada e profundamente o que é o instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
Instituto que ganhou especial relevo quando o Legislador resolveu incorporar de maneira inédita no Brasil ao texto de um código de processo civil a regulação do tema. O CPC/1973 não cuidava, portanto, da desconsideração da personalidade jurídica. Assim, com o CPC/2015 surge uma regulação que, no direito brasileiro, havia aparecido primeiro no Código de Defesa do Consumidor, que é de 1990, e depois no Código Civil que é de 2002. Considerando os momentosos efeitos processuais que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica projeta no campo da relação jurídico-processual, era natural que um código de processo civil tratasse do tema, e o CPC/2015 traz assim, em seus artigos 133-137, disposições não apenas de natureza processual acerca desse instituto.
O artigo 137, com efeito, cuida de um efeito que não é de natureza processual, senão que de direito material, ao estabelecer que, em sendo acolhido o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.
As demais normas do CPC/2015 cuidam apenas dos efeitos processuais que dizem respeito à desconsideração da personalidade jurídica, começando pelo artigo 133, que cuida da legitimação ativa, seja para a desconsideração direta, seja para a desconsideração inversa, sendo esta a que ocorre quando se imputa à pessoa jurídica a responsabilidade pela obrigação de seus sócios, enquanto é mais comum que ocorra o contrário, quando se trata de imputar aos sócios a responsabilidade por obrigações da pessoa jurídica.
O CPC/2015 expressamente remete ao Código de Defesa do Consumidor (artigo 28) e ao Código Civil (artigo 50) a definição das hipóteses nas quais se legitima a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. O artigo 28, “caput”, do Código de Defesa do Consumidor, com efeito, prevê que “O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração” – com aplicação à relação jurídico-material objeto da lide que possa ser qualificada como uma relação de consumo.
Para as demais relações jurídico-materiais, o artigo 50 do Código Civil fixa as hipóteses em que a desconsideração da personalidade jurídica deve ocorrer: “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”.
Quanto à legitimidade ativa, o artigo 133 prevê que o incidente pode ser instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, no caso em que se justifique a sua intervenção no processo, e o juiz analisará se aquelas situações descritas no Código de Defesa do Consumidor (se a lide for de consumo) e as do Código Civil estão, em tese, presentes, conforme determina o parágrafo 1o. do artigo 133 do CPC/2015. Se estiverem presentes, o juiz determinará a instauração do incidente, a ser formado em autos apartados, salvo na hipótese tratada no parágrafo 2o. do artigo 134 do CPC/2015, quando o pedido de desconsideração tiver sido formulado na peça inicial.
Suspensão: instaurado o incidente, suspender-se-á o trâmite do processo. Mas na hipótese em que não há a instauração formal do incidente (quando pedido na peça inicial), então nessa específica situação o processo prosseguirá, tanto com o exame da lide, quanto da desconsideração da personalidade jurídica.
“Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
§ 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.
§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
§ 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.
§ 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica”.
Comentários: em tendo trazido para seu texto a regulamentação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, o CPC/2015 prevê que se trata de um incidente, no sentido de que ressaltar que se cuida de uma matéria paralela àquela que forma o objeto da lide, e que como é um incidente, pode ser provocado a qualquer momento no processo de conhecimento, e também na fase de execução (“fase de cumprimento de sentença”), e ainda no processo de execução alicerçada em título executivo judicial.
Admitido o processamento do incidente, ele será objeto de registro no distribuidor, e fará suspender o trâmite da ação, salvo em uma específica situação, em que, a rigor, é impróprio dizer-se que haverá nessa hipótese um incidente, quando a desconsideração da personalidade jurídica é objeto de pedido formulado na peça inicial, ou seja, quando esteja o autor, já na peça inicial, a pleitear que se decrete a desconsideração da personalidade jurídica da ré, com a qual litiga. Nessa hipótese, não há a formação de um incidente porque não há autos em apartado, de maneira que a matéria será analisada nos próprios autos da ação, o que justifica que, nessa específica situação, o trâmite do processo não se suspenderá, porque nele – no processo, e não em autos em apartado – é que o juiz analisará se é ou não caso de decretar-se a desconsideração da personalidade jurídica. Mas é de se observar que, conquanto não se trate de suspender o trâmite do processo, suspensão que, em sucedendo, contrariaria a lógica, porque, uma vez suspenso o processo, não se poderia nele nenhum ato praticar, nem mesmo aquele relativo à desconsideração da personalidade jurídica, há que se observar que o juiz prosseguirá de primeiro com a análise da desconsideração da personalidade jurídica, deixando para um momento posterior o exame da lide, após tiver decidido acerca da desconsideração da personalidade jurídica.
O parágrafo 4o. do artigo 134 exige que, na peça em que se pleiteia a desconsideração da personalidade jurídica, a parte demonstre desde logo o preenchimento dos requisitos específicos para que se autorize o processamento do incidente, ou, na hipótese em que a desconsideração tiver sido pleiteada na peça inicial, que se instaure nos próprios autos a análise do tema. Esses requisitos, importante sublinhar, estão previstos no Código Civil (artigo 50) e no Código de Defesa do Consumidor (artigo 28). Quando rejeitado liminarmente o incidente, ou na hipótese em que a desconsideração tiver sido pleiteada na peça inicial, a decisão poderá ser objeto de agravo de instrumento.

“Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias”.
Comentários: conforme exige a garantia constitucional do contraditório, e como o CPC/2015, ele próprio, em seu artigo 7o., cuida enfatizar, deve-se observar, seja no incidente, seja quando a desconsideração da personalidade jurídica é pleiteada diretamente na peça inicial, o contraditório, o que significa dizer que o sócio ou a pessoa jurídica, ou ambos, conforme a hipótese, serão citados para apresentarem resposta, requerendo nessa mesma ocasião as provas que entendam devam ser produzidas. Essa defesa deverá ser apresentada em quinze dias, que é o mesmo prazo da contestação, o que é apropositado lembrar porque, em verdade, conquanto o artigo 135 fale em “manifestação”, trata-se de uma espécie de contestação, ou seja, de uma peça de defesa, o que, aliás, justifica deva ocorrer a citação, e não uma mera intimação do sócio ou da pessoa jurídica.
Também é de se observar que, na hipótese em que a desconsideração da personalidade jurídica é pleiteada na peça inicial, a citação do réu destina-se não apenas a lhe dar conhecimento do conteúdo da demanda, mas também do pedido de que se decrete a desconsideração da personalidade jurídica. Mas é importante atentar para a formação do polo passivo, que poderá ser diferente da formação relativa ao pedido de desconsideração da personalidade jurídica, e nesse caso a citação deverá observar esse aspecto.
Quando se fala em “citação”, é comum pensar-se no réu, de maneira que se poderia supor que o incidente da desconsideração da personalidade jurídica somente poderia ser provocado pelo autor, e, de fato, na grande maioria dos casos é o autor que o pode provocar, o que, contudo, não exclui a possibilidade de que o réu o possa fazer, conforme as circunstâncias da relação jurídico-material objeto da lide. Recordemo-nos do exemplo trazido por J. LAMARTINE CORRÊA DE OLIVEIRA em seu clássico livro “A Dupla Crise da Pessoa Jurídica”. O jurista refere-se a uma célebre sentença proferida pelo então Juiz de Direito da 11a. Vara Cível do antigo Distrito Federal, sentença que abrangeu a um só tempo três ações conexas, ajuizadas por uma empresa contra seus ex-administradores, tendo havido também reconvenção. Esse exemplo é perfeito para observar que serão as características e peculiaridades da relação jurídico-material que determinarão a qual parte caberá o direito processual de provocar a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, seja o autor, seja o réu.
REVELIA: muito embora o artigo 135 não preveja a revelia, ela se caracteriza na hipótese em que o citado para o pedido de desconsideração da personalidade jurídica não se manifesta (rectius: não contesta). Mas como o CPC/2015 não se refere expressamente à revelia nessa situação, caberá ao magistrado decidir se a revelia produzirá ou não seu principal efeito, que é o da presunção de veracidade quanto ao afirmado na peça que fez admitir o processamento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica.

“Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.
Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno”.
Comentários: muito comumente existe matéria fática sob controvérsia quando se está a discutir se é ou não caso de decretar-se a desconsideração da personalidade jurídica. Matérias que dizem respeito a uma suposta confusão patrimonial e fraude, que são temas recorrentes na desconsideração da personalidade jurídica, trazem um importante componente fático, ao desimplicar do qual há, quase sempre, a necessidade da produção de prova na fase de instrução, o que justifica que o artigo 136 do CPC/2015 preveja que, em sendo necessária a fase de instrução, ela deve ser instaurada, produzindo-se as provas pertinentes, proferindo-se ao final uma decisão interlocutória, estando aí um cuidado do Legislador em precisar tanto o tipo de decisão que o juiz profere – uma decisão interlocutória -, quanto o recurso a desafiá-la – o agravo de instrumento, ressalvando o parágrafo único do artigo 136 que, se a decisão provém do relator, então nessa particular hipótese o recurso cabível é o agravo interno, que está regulado pelo artigo 1.021 do CPC/2015.
Recorde-se que o pedido de desconsideração da personalidade jurídica pode ser apresentado em todas as fases do procedimento de conhecimento, e pode, portanto, ser formulado quando o processo está em grau de apelação, com o recurso já distribuído a um relator, a quem caberá decidir a respeito, proferindo decisão que pode ser atacada por meio de agravo interno.
Há quem sustente que seria desnecessário tivesse o parágrafo único do artigo 136 previsto o agravo interno como o recurso a ser interposto, quando se trata de uma decisão proferida pelo relator, porque a hipótese estaria, como está abarcada no artigo 1.021. Obtempere-se, todavia, que, como se trata de uma decisão proferida pelo relator em um contexto bastante específico, porque, em condições normais, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica é formulado e decidido em primeiro grau, entendeu corretamente o Legislador que, diante de uma situação específica, tanto melhor fixar-lhe uma norma expressa, evitando qualquer dúvida ao operador do Direito.
O agravo de instrumento é também o recurso que pode ser interposto em face da decisão que rejeita a produção de prova no pedido de desconsideração da personalidade jurídica.

“Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente”.
Comentários: cuidou o CPC/2015, por seu artigo 137, de tomar evidente posição em face da momentosa questão doutrinária sobre os efeitos da decisão que acolhe o pedido de desconsideração da personalidade jurídica. Na doutrina, há com efeito, quem sustente que a desconsideração somente pode produzir limitados efeitos processuais. O artigo 137 não acolhe essa posição, ao estatuir que, acolhido o pedido, a desconsideração traz consigo o efeito de tornar ineficaz no plano das relações jurídico-materiais o ato que, consubstanciado em alienação ou oneração de bens, caracterize-se como fraude de execução, de modo que, conquanto seja válido esse ato, ele será de todo ineficaz em relação ao requerente do pedido de desconsideração da personalidade jurídica.
É sobre no plano das relações jurídico-materiais que está a importância da distinção entre validez e eficácia dos atos jurídicos, teoria que, engendrada nos domínios do Direito Civil, ali alcançou um considerável grau de profundidade, estendendo seus efeitos também ao processo civil, quando se trata de considerar, por exemplo, a validez de um ato processual, suprimindo-lhe, contudo, a eficácia. Mas no caso do artigo 137, o que está em questão é a eficácia no plano das relações jurídico-materiais, estabelecendo essa norma legal que a decisão interlocutória proferida quando se julga procedente o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, não declara, nem pode declarar a validez do ato jurídico objeto do pedido de desconsideração, senão que apenas a sua eficácia, com efeitos projetados sobre as relações jurídico-materiais firmadas entre o requerente do pedido e o sócio e/ou pessoa jurídica.
Há, evidentemente, efeitos processuais que o provimento jurisdicional faz produzir, porque se deve considerar a coisa julgada material, e não apenas a preclusão, porque se deve considerar que, conquanto se trate de uma decisão interlocutória, seu objeto é uma questão de mérito que, definitivamente decidida no processo, obsta que acerca dela se possa rediscutir, como sucede com a coisa julgada material em geral. Destarte, ainda que se cuide de uma decisão interlocutória, a decisão proferida em face do pedido de desconsideração da personalidade jurídica produz coisa julgada material, em condições bastante semelhantes àquelas que existem quando o juiz procede ao julgamento antecipado parcial de mérito (CPC/2015, artigo 356), devendo se reconhecer que, formulado o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, o pedido da demanda é ampliado, porque além do pedido inicial, acresce ao processo o pedido específico sobre a desconsideração, produzindo-se a coisa julgada material, malgrado se trate de uma decisão interlocutória.
A propósito desse interessante tema, que diz respeito à coisa julgada e a preclusão, de que tratou CHIOVENDA em 1933 em seu ensaio “Cosa Juzgada y Preclusión”, é importante destacar a acentuada mudança trazida pelo CPC/2015 com seu artigo 502 (“Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso)”, ao se referir, pois, à “decisão de mérito”, e não mais apenas à sentença, como fazia o artigo 467 do CPC/2015, com o que se deve concluir que, no regime do atual CPC/2015, e na esteira do que ensina CHIOVENDA, a coisa julgada material deve ser considerada como a decisão definitiva acerca de um bem “julgado”, o que sucede em geral com a sentença, mas também com as decisões de mérito, como se dá no caso da decisão que julga o mérito do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, que, assim, faz coisa julgada material.

“CAPÍTULO V
– DO AMICUS CURIAE

Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.
§ 1º A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do § 3º.
§ 2º Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae.
§ 3º O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas”.
Comentários: outro instituto em que o CPC/2015 em boa hora fez incorporar a seu texto é o do “amicus curiae” (“o amigo da corte”), aproveitando-se assim da experiência em especial do direito norte-americano acerca desse instituto, conquanto o direito brasileiro preveja certas características próprias.
Trata-se, em linhas gerais, de uma forma de intervenção de um terceiro, no caso, de uma pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, em uma ação cujo objeto apresenta certa relevância, seja por sua especificidade, seja por sua relevância social. Essa modalidade de intervenção de terceiros assemelha-se à assistência, conquanto exista entre esses institutos uma importante distinção: o “amicus curiae” não possui, nem pode possuir interesse no objeto da ação em que queira intervir, e é exatamente a impossibilidade jurídico-legal de que possua interesse que justifica a limitação de sua atuação no processo, cabendo ao juiz definir quais os poderes que o “amicus curiae” poderá exercer, não tendo o CPC/2015 previsto qualquer critério para que esses limites sejam estabelecidos, salvo pelo que prevê o parágrafo 1o. do artigo 138 do CPC/2015, que veda ao “amicus curiae” possa interpor qualquer tipo de recurso, salvo os embargos declaratórios. Há, no entanto, uma exceção, pois que, admitido a intervir no incidente de resolução de demandas repetitivas, o “amicus curiae” pode recorrer da decisão proferida nesse tipo de incidente. Mas, à exceção da interposição de recurso, não há nenhum critério que oriente o juiz e o relator na definição dos limites de atuação do “amicus curiae”.
O juiz pode, ele próprio, de ofício autorizar a intervenção do “amicus curiae”, como essa intervenção também pode surgir a partir de um requerimento das partes, ou ainda do próprio “amicus curiae”.
Admitida ou não a intervenção do “amicus curiae”, a decisão é irrecorrível, seja aquela proferida pelo juiz de primeiro grau, seja a do relator, quando a intervenção tiver sido requerida na fase recursal da ação. O Supremo Tribunal Federal tem decidido que se deve interpretar literalmente a expressão utilizada pelo Legislador, de maneira que a decisão deve ser mesmo considerada como irrecorrível, sejam quais forem as circunstâncias, sejam quais forem as razões que instruem o requerimento de intervenção do “amicus curiae”: “(…) É irrecorrível a decisão do Relator que indefere o pedido de ingresso na condição de amicus curiae. Precedente: RE 602.584 – AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. P/acórdão Min. Luiz Fux, j. em 17.10.2018. 2. Agravo interno não conhecido (art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).(Ag. Reg. na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4711/RS, Tribunal Pleno do STF, Rel. Roberto Barroso. j. 05.11.2019, maioria, DJe 28.11.2019)”.
Quanto às hipóteses de intervenção do “amicus curiae”, o “caput” do artigo 138 utiliza conceitos indeterminados, como são os conceitos de “relevância da matéria”, “especificidade do objeto da demanda”, “repercussão social da controvérsia”, “representatividade adequada”, o que, aliado ao fato de se tratar de uma decisão irrecorrível aquela que admite ou inadmite a intervenção do “amicus curiae”, dotam o juiz e o relator de um poder discricionário muito acentuado e além de um justo limite. Considere-se, por exemplo, o conceito de “representatividade adequada”, cujo conteúdo pode ser acentuadamente variável, sobretudo em função do adjetivo (“adequada”) que compõe o enunciado da norma. É certo que a jurisprudência, sobretudo a emanada do Supremo Tribunal Federal, tem enfatizado que a precípua finalidade do “amicus curiae” é a de instruir os autos da ação com informações relevantes ou dados técnicos, surgindo aí um critério que pode ser empregado para perscrutar se a intervenção deve ou não ser admitida ou rejeitada.
Competência: como se trata de uma modalidade de intervenção de terceiros que se particulariza exatamente pela necessária ausência de interesse do “amicus curiae” no objeto da ação, não haveria por isso razão para que esse tipo de intervenção, quando admitida, pudesse modificar a competência para a ação, a qual é fixada por aqueles critérios que o CPC/2015 prevê, sem qualquer influxo gerado pela intervenção do “amicus curiae”.

“TÍTULO IV
– DO JUIZ E DOS AUXILIARES DA JUSTIÇA
CAPÍTULO I
– DOS PODERES, DOS DEVERES E DA RESPONSABILIDADE DO JUIZ
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
I – assegurar às partes igualdade de tratamento;
II – velar pela duração razoável do processo;
III – prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias;
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
V – promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais;
VI – dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito;
VII – exercer o poder de polícia, requisitando, quando necessário, força policial, além da segurança interna dos fóruns e tribunais;
VIII – determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes, para inquiri-las sobre os fatos da causa, hipótese em que não incidirá a pena de confesso;
IX – determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais;
X – quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas, oficiar o Ministério Público, a Defensoria Pública e, na medida do possível, outros legitimados a que se referem o art. 5º da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, e o art. 82 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, para, se for o caso, promover a propositura da ação coletiva respectiva.
Parágrafo único. A dilação de prazos prevista no inciso VI somente pode ser determinada antes de encerrado o prazo regular.”.
Comentários: em 1950, o processualista italiano, ENRICO ALLORIO, acerca das novas exigências a sociedade impunha ao processo civil e ao juiz, observava: “Para a atuação de tal tendência é mister que seja concretamente superada a fase, subsistente entre nós até tempos recentes, do processo aparatoso e solene diante de um juiz-esfinge, estranho à investigação ativa da verdade, exclusivamente confiada esta ao desenvolvimento da discussão entre as partes. Tipo de processo em que o magistrado quase não exibe, na instrução, útil intervenção alguma, e se limita, concluída a instrução, a decidir sobre os escritos de defesa das partes, e sobre a impressão de um debate oral conduzido essencialmente por velhos cânones da eloquência, no qual o juiz não pode dirigir por haver chegado a ele despreparado”. (“La Vida del Derecho en Italia”, in Problemas de Derecho Procesal, tomo I, tradução por Santiago Sentis Melendo, EJEA, Buenos Aires).
Passados mais de setenta anos dessa atilada observação de ALLORIO, estamos ainda hoje a buscar o perfil do juiz diante das demandas que uma sociedade pós-moderna está a produzir em um ritmo vertiginoso, não apenas na quantidade, mas na complexidade das causas. Se já ao tempo de ALLORIO não se admitia o “juiz-esfinge”, que é aquele juiz passivo, diante do processo, levando muito ao pé da letra a ideia de que deveria ser imparcial, hoje as exigências ao juiz na condução do processo são muito maiores, o que explica o CPC/2015 ter consideravelmente ampliado o rol dos poderes-deveres do juiz no processo como se vê do artigo 139 e quando se o compara com o rol que compunha o artigo 125 do CPC/1973.
Começamos por dizer que não se trata de “poderes”, mas propriamente de “poderes-deveres”. O juiz não dispõe do poder de “velar pela duração razoável do processo”, senão que se lhe exige o dever que assim o faça, tanto quanto o deve fazer no que diz respeito à adoção de todas as medidas necessárias à efetivação de suas decisões.
Dentre esses “poderes-deveres” que o artigo 139 enumera de maneira exemplificativa, não exaurindo outras situações que surjam no processo e para as quais o juiz deva exercer seu poder-dever emanado da jurisdição, o primeiro deles diz respeito a dever assegurar às artes igualdade de tratamento, o que a rigor era desnecessário prever no artigo 139, pois que é suficiente o princípio que o artigo 7o. do CPC/2015 erigiu, quando estabelece que “É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório”.
O juiz deve zelar para que se implemente a garantia a um processo justo, que é o processo no qual as partes tenham iguais oportunidades no sentido mais amplo que se possa daí extrair, conforme está previsto, por exemplo, nos artigos 9o. e 10 do CPC/2015. O processo civil é um processo de resultados, mas esses resultados somente podem ser justos se o processo for um processo justo, o que passa evidentemente pela igualdade de tratamento das partes no processo.
Importante sublinhar que hoje a doutrina do processo civil passou a ver no princípio da igualdade aquele mesmo conteúdo mais completo que os filósofos e os juristas identificaram quando buscaram compreender o que significa uma igualdade real, e não apenas formal. Os constitucionalistas, por exemplo, compreendem o princípio da isonomia também sob o enfoque da coerência, como, por exemplo, no caso em que a Administração Pública deve adotar para casos iguais soluções iguais, o que também é de ocorrer no campo do processo civil, o que, aliás, justifica que o CPC/2015 tenha fixado em seu artigo 926 que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la coerente.
Outro conteúdo importante extraído do princípio da igualdade radica no considerar as circunstâncias específicas de uma situação jurídica e que possam comprometer a igualdade, cabendo ao juiz adotar medidas que, dentro de certos limites, possam garantir um equilíbrio. É o que justifica, por exemplo, a adoção da técnica da inversão do ônus da prova.

“VELAR PELA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO”. Dentre os poderes-deveres que o artigo 139 do CPC/2015 atribui ao juiz, sobreleva aquele que lhe obriga a velar pela duração razoável do processo, utilizando-se o novo Código de uma fórmula diversa daquela que era empregada pelo CPC/1973 que, em seu artigo 125, inciso II, estabelecia ao juiz o dever de “velar pela rápida solução do litígio”, seguindo, assim, o que o CPC/1939 previa em seu artigo 112 (“O juiz dirigirá o processo por forma que assegure à causa andamento rápido, sem prejuízo da defesa dos interessados).
No CPC/2015, não se fala mais em “rápida solução do litígio”, mas em “duração razoável do processo”, e há evidentemente entre essas duas fórmulas uma diferença significativa, convindo observar desde logo que o CPC/2015 cuidou adotar a mesma fórmula que a Constituição de 1988 prevê em seu artigo 5o., inciso LXXVIII (“a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”), observando ainda que os artigos 4o. e 6o. do CPC/2015 também tratam do tema, quando estatuem que “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”, e que “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
Ao fixar como um poder-dever do juiz o de velar pela duração razoável do processo, e vez da fórmula anterior (“rápida solução do litígio”), o CPC/2015 enfatiza a ideia de que o processo não deve terminar senão que em seu momento certo, nem de maneira rápida, nem de modo tardo, senão que a seu tempo justo, o que quadra com o conteúdo do artigo 4o. do CPC/2015, quando reconhece em favor das partes o direito a que tenham a solução integral do mérito da demanda em um tempo razoável, que é o tempo exigido pelas circunstâncias específicas de cada processo, de acordo com a complexidade fático-jurídica da demanda.
A fórmula adotada pelo CPC/1973, “rápida solução do litígio”, não conduzia o juiz a preocupar-se com o justo tempo em que o processo deve perdurar, até que possa receber uma decisão de mérito, senão que tinha por objetivo apenas determinar que o processo devesse ser rapidamente solucionado, sem se ater às peculiaridades que cada processo pode conter e que se refletem obviamente no tempo de sua duração.
“Razoável duração do processo” significa, portanto, que o processo deve receber, preferentemente uma decisão de mérito, a seu tempo justo, que é o tempo que é imposto por características da relação jurídico-material (lide) e também por características imanentes à relação jurídico-material, lembrando que há ações que se processam sob procedimento comum, como há aquelas que se processam sob rito especial, com fases e atos que particularizam esse procedimento e que podem consumir um tempo maior do que ocorre com o procedimento comum.
O CPC/2015 confere ao juiz poder para que consiga fazer com que o processo possa receber, em tempo razoável, uma decisão de mérito (quando isso for possível). Lembremos, pois, do artigo 2o. que determina ao juiz adote de ofício providências que, por lei, não sejam de iniciativa exclusiva da parte, como também lhe permite indeferir a produção de provas que se revelem inúteis ou meramente protelatórias (artigo 370 do CPC/2015). Mas em contrapartida declara formalmente nula a sentença que tenha sido proferida com açodamento, quando não tenha o juiz enfrentado todos as questões sob controvérsia fático-jurídica, o que pode ocorrer quando o juiz tenha proferido de modo despropositado o julgamento antecipado de mérito, quando a causa não estava ainda pronta para receber sentença.

A CONCILIAÇÃO E A MEDIAÇÃO. Ao longo do tempo, o Legislador tratou de incentivar o juiz a buscar, tanto quanto possível, formas de obter no processo civil a conciliação entre as partes. O CPC/1973 previa, em seu artigo 125, inciso IV, que o juiz deveria tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes, inciso que, importante observar, não integrava a redação original daquele código e que somente a seu texto foi incorporado a partir da lei federal 8.8951/1994, o que demonstra que é ainda relativamente recente a atenção dispensada pelo Legislador à conciliação, mas que se tornou a partir de então uma preocupação fundamental, refletida no CPC/2015 que, em seu artigo 139, inciso V, atribui ao juiz o dever de “promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais”.
E além da conciliação, o CPC/2015 estimula também a mediação, aliás dedicando toda uma seção para a disciplina da matéria, como se vê dos artigos 167/175, o que é decorrência de o Código ter fixado em seu artigo 3o., parágrafo 3o., que “A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”.
De acordo com o artigo 334 do CPC/2015, o juiz deve realizar uma audiência de conciliação, salvo se as partes tiverem expressamente manifestado o desinteresse em sua realização, ou quando se trate de uma relação jurídico-material objeto da lide que não permita a autocomposição.
A audiência de conciliação deve ocorrer inclusive quando se estiver a adotar o procedimento da tutela cautelar requerida em caráter antecedente, segundo o que prevê o artigo 308, parágrafo 3o., do CPC/2015.
Observe-se que constitui requisito formal obrigatório da peça inicial a manifestação de vontade do autor quanto a optar ou não pela realização da audiência de conciliação ou de mediação, tal como estabelece o artigo 319, inciso VII, do CPC/2015.
Também é de relevo observar que o réu deve ser citado e intimado para a audiência de conciliação, conforme prevê o artigo 303, inciso II, do CPC/2015.
PODERES MAIS AMPLIADOS. Se compararmos o elenco dos poderes-deveres do juiz, tal como fixados no artigo 139 do CPC/2015, cotejando-o com a redação original do artigo 125 do CPC/1973, perceberemos como o Legislador brasileiro ao longo do tempo fez modificar essencialmente o papel do juiz no processo civil, conferindo-lhe novos poderes, a compasso com o lhe atribuir novos deveres. De um juiz cuja postura no juiz deveria ser marcadamente passiva, o CPC/2015 engendrou um juiz cuja atuação no processo civil deve ser mais ativa, observando, por óbvio, os limites que são impostos pelo predicado da imparcialidade.
Segundo dispõe o artigo 139 do CPC/2015, o juiz deve prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade de justiça, e indeferir postulações meramente protelatórias. Ao contrário, pois, do que sucedia quando estava em vigor o CPC/1973, o juiz não deve permanecer passivamente no processo, cuidando apenas de reprimir condutas que caracterizem a prática da litigância de má-fé e do abuso do direito, aplicando as sanções que a Lei preveja, senão que o CPC/2015 exige que o juiz previna, tanto quanto possível, a ocorrência dessas condutas, além de as punir.
De acordo com uma feição mais ativa imposta ao juiz, o artigo 139 determina que o juiz faça garantir que suas decisões tornem-se efetivas, implementando todas as medidas que possam eliminar ou contrastar a recalcitrância no processo civil. Note-se que o CPC/2015 não estabeleceu que medidas devam ser tomadas, senão que apenas se referiu a medidas “indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias”, concedendo ao juiz um adequado poder discricionário para que considere qual a medida que possa, diante do tipo de recalcitrância, fazer com a decisão torne-se efetiva. O inciso IV do artigo 139 ressalta que essas medidas podem ser adotadas mesmo nas ações cujo objeto seja uma prestação pecuniária, e não apenas nas ações cominatórias, o que constitui um importante avanço do nosso CPC/2015 em busca da efetividade, que deve ser a mais abrangente possível em termos de tipos de provimento jurisdicional.
Quanto aos prazos processuais, o inciso VI do artigo 139 permite que o juiz os possa ampliar, desde que encontre justo motivo a isso, com a devida fundamentação conforme exige o artigo 11 do CPC/2025. Essa dilação de prazo, contudo, somente pode ser determinada antes de o prazo regular (aquele previsto pela Lei ou que tiver sido fixado pelo juiz), tiver se encerrado, conforme prevê o parágrafo único do artigo 139.
O CPC/2015 também cuidou adotar expressamente a técnica da inversão do ônus da prova, utilizando-se, pois, de uma bem sucedida experiência vinda do Código de Defesa do Consumidor. Assim é que o inciso VI do artigo 139 autoriza a que o juiz aplique essa técnica, se características e particularidades da lide o justificam, ou ainda na hipótese de a inversão do ônus da prova poder conferir uma maioria efetividade à tutela do direito, tendo o Legislador empregado aí um conceito muito indeterminado, o que exige que o juiz adote uma especial prudência, evitando que a inversão do ônus da prova possa causar um injustificado desequilíbrio na relação jurídico-processual.
O artigo ainda prevê o poder-dever quanto à segurança interna dos fóruns e tribunais (inciso VII), como também o de determinar, a qualquer tempo, que as partes compareçam pessoalmente para que sejam interrogadas (inciso VIII).
Importante novidade que é trazida pelo inciso IX do artigo 139 diz respeito ao poder-dever de o juiz evitar, tanto quanto possível, que o processo seja anormalmente extinto, ao lhe impor a obrigação de conceder às partes prazo razoável para que supram ou corrijam atos processuais irregulares ou incompletos. A anormal extinção do processo, sobretudo quando se trata de pressuposto processual, é tratada pelo CPC/2015 como excepcional.
Por fim, o inciso X impõe ao juiz o dever de oficiar ao Ministério Público ou à Defensoria Pública quando identificar a existência de uma ação individual repetitiva, ou seja, de uma ação individual cuja causa de pedir e pedido estejam a se repetir noutras ações individuais com certa frequência, ou que isso possa vir a ocorrer. A finalidade desse dispositivo é incentivar o ajuizamento de ações coletivas, fazendo diminuir o número das ações individuais.

“Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico.
Parágrafo único. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei”.
Comentários: o “caput” do artigo 140 do CPC/2015 veda o “non liquet”, ao obrigar o juiz a decidir o processo, examinando ou não o mérito da pretensão, não podendo, portanto, deixar de o decidir ainda que tenha identificado lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico. Destaque-se que não se está a exigir que o juiz julgue o mérito da pretensão, senão que apenas se pode obrigá-lo a decidir o processo, se se depara com situação que deva necessariamente conduzir à sua extinção anormal.
Identificando lacuna, o juiz a suprirá por meio daqueles métodos que estão previstos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, como se denomina agora a Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei federal 4.657/1942). Identificando lacuna, pois, o juiz se utilizará da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito, de molde que possa decidir o processo.
Importante observar que, ao contrário do que ocorria no CPC/1973, em que o artigo 126 previa esses métodos, o CPC/2015 agora remete a matéria ao que estabelece o que prevê o artigo 4o. da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (“Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, costumes e com os princípios gerais de direito).
Aliás, é importante destacar que o artigo 8o. do CPC/2015, reproduzindo o artigo 5o. da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, determina que o juiz, na aplicação da lei, cuide atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Quiçá agora o artigo 5o. da Lei de Introdução das Normas do Direito Brasileiro deixe de ser um “ilustre desconhecido” dos juízes brasileiros na aplicação das normas legais.
O parágrafo único do artigo 140 prevê a aplicação da equidade apenas nos casos em que a Lei expressamente tenha previsto essa aplicação. Devemos aqui lembrar da diferença entre a situação na qual o juiz decide com equidade daquela em que decide por equidade. É desta última que o parágrafo único do artigo 140 trata, quando o juiz pode, ele próprio, criar a norma pela qual o caso deva ser julgado, situação que, por ser excepcional, deve contar com previsão legal expressa que autorize o emprego da equidade. Situação diversa é aquela em que o juiz julga com equidade, e a rigor o deve fazer sempre, no sentido de que deve extrair das normas legais o conteúdo que mais se ajuste às características e peculiaridades do caso concreto, julgando-o com justiça, isto é, com equidade.
Remeto o leitor à obra do jurista português, recentemente falecido, JOSÉ DE OLIVERA ASCENSÃO, “o Direito – Introdução e Teoria Geral”, para que saiba, com exatidão, o que são a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito, métodos de que o juiz deve se valer, quando não encontre norma legal que possa aplicar ao caso que esteja a julgar.
Quanto aos princípios gerais do Direito, o artigo 8o. do CPC/2015 determina ao juiz que observe os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, da legalidade, da publicidade e da eficiência. Esses são princípios jurídicos nucleares em nosso Ordenamento Jurídico em vigor, sobretudo o da proporcionalidade, e agora o CPC/2015 determina devam ser rigorosamente observados pelo juiz no julgamento do caso em concreto.
Por fim, quanto à vedação legal do “non liquet”, importante observar que não se trata de uma vedação absoluta. Lembremos do incidente de resolução de demandas repetitivas de que trata o CPC/2015 em seus artigos 976-987. Não se podendo alcançar a segurança jurídica acerca de uma mesma questão de direito objeto de análise em ações repetitivas, o relator do incidente ou qualquer dos membros que estejam a julgá-lo podem pronunciar o “non liquet”, no sentido de que não se deva fixar uma tese jurídica de aplicação obrigatória.

“Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte”.
Comentários: dentre os vários princípios que regulam o processo civil, destaca-se o da congruência entre o pedido e o provimento jurisdicional, pelo qual se fixam os limites em que o juiz pode emitir esse provimento, se reconhece razão à parte. Observe-se que se fala aqui em “parte”, e não em autor, porquanto não se pode esquecer de que na reconvenção o réu também formula pedido, e se deve observar a congruência entre o pedido por ele formulado e o provimento jurisdicional.
Daí estatuir o artigo 141 do CPC/2015 que o juiz, quando decide sobre o mérito da pretensão, deve se circunscrever aos limites do que foi pedido pelas partes, além de não poder conhecer de “questões” não suscitadas e em relação às quais a lei exige a iniciativa da parte. Observe-se que, a rigor, a norma deveria dizer “matérias” em lugar de “questões”, porque “questão” é uma afirmação de fato ou de direito colocada sob controvérsia no processo, e como o artigo 141 refere-se exatamente à ausência de manifestação da parte contrária, não há questão, senão que uma afirmação de fato ou de direito, e por isso a técnica recomenda que o Legislador tivesse empregado a palavra “matéria”, em lugar de questão.
O artigo 141 também tem a finalidade de chamar a atenção do juiz para outros dois dispositivos do mesmo CPC/2015, que são os artigos 9o. e 10, os quais impõem a obrigação de o juiz observar rigorosamente o contraditório, concedendo à parte contrária o direito de manifestar-se previamente, o que, desatendido, tornará formalmente nula a decisão. Daí a importância de se analisar se a matéria é ou não de ordem pública, ou se estava submetida ao regime de preclusão.
O pedido – que fixa os limites do provimento jurisdicional -, diz PONTES DE MIRANDA, “abrange tudo sobre que se vai pronunciar o juiz, toda de uma vez, ou em mais de uma vez, por partes, a prestação jurisdicional”. (“Comentários ao Código de Processo Civil”, tomo II, p. 353). Acerca do pedido, observemos que o CPC/2015 trata do tema detalhadamente em seus artigos 322/329, estabelecendo que o pedido deve ser certo, mas que ele abrange os juros legais, a correção monetária e as verbas de sucumbência, inclusive os honorários de advogado, o que significa dizer que ainda que a parte não os tenha pedido, o juiz deve se pronunciar a respeito, havendo aí uma exceção ao princípio da congruência entre pedido e provimento jurisdicional.
É de relevo observar uma novidade que o CPC/2015 trouxe com seu artigo 322, parágrafo 2o, e que projeta efeitos sobre o princípio da congruência. É que, segundo esse dispositivo legal, o juiz deve interpretar o pedido, levando em consideração o conjunto da postulação e o princípio da boa-fé, o que, aliás, o artigo 489, parágrafo 3o, do CPC/2015 reforça. Destarte, o princípio da congruência com o CPC/2015 passou a ter um novo conteúdo, a torná-lo menos rigoroso do que ocorria quando estava em vigor o CPC/1973. Diante do novel Código, o juiz deve analisar o conjunto do que é postulado pela parte, reconhecendo em seu favor a boa-fé, salvo se alguma circunstância puder afastar essa presunção. Não há, portanto, um rigor excessivo como o que havia no CPC/1973 quanto aos limites entre o pedido e o provimento jurisdicional, o que, contudo, não quer dizer que o juiz possa proferir uma decisão “extrapetita” (fora do que foi pedido), ou “citrapetita” (aquém do que foi pedido), ou ainda “ultrapetita” (além do que foi pedido), senão que o artigo 322, parágrafo 2o. do CPC/2015 determina que o juiz deve fixar os limites segundo o todo da postulação, e não apenas de acordo com fragmentos ou partes isoladas do pedido.

“Art. 142. Convencendo-se, pelas circunstâncias, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim vedado por lei, o juiz proferirá decisão que impeça os objetivos das partes, aplicando, de ofício, as penalidades da litigância de má-fé”.
Comentários: quando se fala em litigância de má-fé, é comum pensar-se que se trata apenas da hipótese em que um litigante, violando dolosamente o dever de lealdade processual, ou de qualquer de outros deveres jurídicos que o CPC/2015 preveja, age causando ou podendo causar prejuízo ao litigante contra o qual demanda. Mas é possível que todos os litigantes, ou seja, autor e réu, estejam em conluiou a praticar a litigância de má-fé, como ocorre quando a se utilizam do processo para alcançar um fim que a lei veda. É o que a doutrina denomina de colusão processual.
Ou seja, o processo é empregado como um artifício para que as partes por meio dele possam obter efeitos jurídicos que a lei veda pudessem ser alcançados. O processo é, nessas circunstâncias, apenas um artifício para a obtenção desse indevido resultado.
É equivocado dizer, no plano da lógica e mesmo da ciência do Direito, que se trate de um “processo simulado”. O processo existe formalmente, e não se trata de uma imitação ou de um simulacro dele. Ele existe, e tanto existe que nele o juiz deve proferir uma decisão que, segundo o artigo 142 do CPC/2015, deve obstar que o objetivo dos litigantes possa ser alcançado. Existisse, pois, um processo simulado, e tudo que nele se pratica seria tão simulado quanto ele próprio. A mesma razão conduz a que não se considere apropriada a expressão “processo fraudulento”.
O que se simula é a lide, ou seja, não há a controvérsia que as partes afirmam ao juiz existir. A relação jurídico-material existe, e aliás não existisse não estariam as partes a querer produzir um determinado efeito jurídico, do que se valem simulando uma lide que não existe. Um exemplo tirado de nossa jurisprudência retrata bem um exemplo de processo em que não havia controvérsia, mas que as partes artificialmente a criaram e com o queriam obter um determinado efeito. Um executivo de uma empresa queria fazer extinguir o contrato de trabalho e para evitar fosse tributado sobre as verbas rescisórias que receberia simulou existir uma lide com sua empregadora, acionando-a na Justiça do Trabalho, para que, obtendo a procedência do pedido, condenada a empresa no pagamento das verbas rescisórias, não viesse o empregado a suportar a incidência do imposto de renda sobre as verbas rescisórias pagas por meio judicial. Não havia, como nunca houvera lide, mas as partes simularam que ela existia, utilizando-se do processo como instrumento dessa simulação e para que a tributação não incidisse. Mas, vale enfatizar, o processo não era simulado; o processo existia e existiu e produziu seus efeitos.
Havendo colusão processual, há litigância de má-fé, porque as partes, agindo com colusão, estão a violar vários deveres jurídicos que estão previstos no artigo 77 do CPC/2015, em especial o dever de lealdade processual, caracterizado na conduta que se materializa no simular uma lide que não existe.
Identificando a colusão processual, o juiz deve proferir decisão que impeça os objetivos das partes. O conteúdo dessa decisão variará conforme as circunstâncias do caso em concreto. Poderá bastar que o juiz faça extinguir o processo sem julgar seu mérito, ou poderá julgar o mérito para com isso obstar que o efeito pretendido pelas partes possa ser obtido. Mas seja na hipótese em que julga o mérito da pretensão, seja quando julga o processo sem exame do mérito, reconhecendo a colusão, deverá condenar as partes pela litigância de má-fé.
E se houver comprovação de que os advogados das partes estivessem a par da simulação da lide, e com ela tenham acedido, o juiz deve comunicar o fato à Ordem dos Advogados do Brasil para apuração da responsabilidade disciplinar.

“Art. 143. O juiz responderá, civil e regressivamente, por perdas e danos quando:
I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;
II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte.
Parágrafo único. As hipóteses previstas no inciso II somente serão verificadas depois que a parte requerer ao juiz que determine a providência e o requerimento não for apreciado no prazo de 10 (dez) dias”.
Comentários: acompanhando a evolução da doutrina construída no âmbito do Direito Civil que, superando alguns obstáculos, acabou por reconhecer a responsabilidade civil do Estado por ato jurisdicional e, nesse contexto, também do juiz na condução do processo, o CPC/2015 reproduz com algumas modificações o artigo 133 do CPC/1973, responsabilizando civilmente o juiz, mas apenas por direito de regresso, por danos que sua atuação no processo tenha produzido, o que significa dizer que a parte prejudicada deve demandar apenas contra o Estado, e o Estado, apenas ele, é que poderá, exercitando o direito de regresso, denunciar a lide ao magistrado, ou então demandá-lo em ação própria. Portanto, a parte não pode demandar contra o juiz.
Enquanto à responsabilidade civil do Estado por ato jurisdicional, importante observar que o regime dessa responsabilidade é aquele estabelecido pelo artigo 37, parágrafo 6o., da Constituição da República de 1988 (“§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”), havendo, pois, um regime jurídico-legal específico a regular a responsabilidade civil pessoal do juiz, que é o regime fixado pelo artigo 143 do CPC/2015, que exige como indispensável requisito à caracterização da responsabilidade que o juiz tenha, no exercício de suas funções no processo, ou seja, exercendo jurisdição, agido com dolo ou com fraude, havendo a necessidade, pois, de que esse elemento subjetivo esteja efetivamente demonstrado, cabendo o ônus da prova ao autor da ação.
Outra hipótese de responsabilidade do juiz no processo configura-se, segundo o inciso II do artigo 142, quando se caracteriza uma injustificada recusa, omissão ou retardamento do juiz no determinar a implementação de providência, seja aquela que independe de requerimento da parte (providência que, assim, deveria ter sido determinada de ofício pelo juiz), ou quando exista esse requerimento. Como se trata de responsabilidade civil, a parte deve demonstrar qual o concreto prejuízo suportado em sua posição no processo em consequência da recusa, omissão ou retardamento do juiz quanto a uma determinada providência.
O parágrafo único do artigo 143 do CPC/2015 ressalva que a responsabilidade civil do juiz nas hipóteses previstas no inciso II somente se configura depois que a parte tiver requerido diretamente ao juiz que determine a providência, e tiver transcorrido o prazo de dez dias sem que o juiz tenha determinado a providência solicitada nessa petição, o que é importante observar porque o inciso II do artigo 143 abarca tanto as providências que o juiz de ofício deveria ter determinado, quanto aquelas que a parte deve requerer. É de relevo adscrever que a petição de que trata o parágrafo único do artigo 143 tem uma finalidade específica que é a de fazer caracterizada a responsabilidade civil do juiz, não se tratando da petição em que a parte tenha inicialmente requerido a providência e em face da qual houvera uma injusta recusa, omissão ou retardamento do juiz.
O CPC/2015, tal como ocorria com o CPC/1973, fala apenas em “perdas e danos”, remetendo a regulação da matéria ao artigo 927 do Código Civil, e às formas de indenização que estão previstas a partir do artigo 944 do Código Civil, de maneira que a reparação pode abranger o dano moral.

“CAPÍTULO II
– DOS IMPEDIMENTOS E DA SUSPEIÇÃO
Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:
I – em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como membro do Ministério Público ou prestou depoimento como testemunha;
II – de que conheceu em outro grau de jurisdição, tendo proferido decisão;
III – quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive;
IV – quando for parte no processo ele próprio, seu cônjuge ou companheiro, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive;
V – quando for sócio ou membro de direção ou de administração de pessoa jurídica parte no processo;
VI – quando for herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de qualquer das partes;
VII – em que figure como parte instituição de ensino com a qual tenha relação de emprego ou decorrente de contrato de prestação de serviços;
VIII – em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório;
IX – quando promover ação contra a parte ou seu advogado.
§ 1º Na hipótese do inciso III, o impedimento só se verifica quando o defensor público, o advogado ou o membro do Ministério Público já integrava o processo antes do início da atividade judicante do juiz.
§ 2º É vedada a criação de fato superveniente a fim de caracterizar impedimento do juiz.
§ 3º O impedimento previsto no inciso III também se verifica no caso de mandato conferido a membro de escritório de advocacia que tenha em seus quadros advogado que individualmente ostente a condição nele prevista, mesmo que não intervenha diretamente no processo”.
Comentários: revela-se evidente a grande preocupação do CPC/2015, ampliando consideravelmente o elenco das hipóteses em que se configura o impedimento e a suspeição do juiz, com a ideia de que a garantia a um processo justo projete seus efeitos também quanto à necessidade de que o processo seja conduzido por um juiz equidistante das partes e que não tenha ou possa ter qualquer vínculo, mesmo indireto, com elas. As hipóteses que o artigo 144 do CPC/2015 traz abarcam uma série de situações em que esse vínculo pode estar presente, o que é motivo por si só suficiente para que o processo passe a um outro juiz, configurando-se o impedimento.
Se compararmos o elenco do artigo 144 com o do artigo 134 do CPC/1973, veremos que essas hipóteses foram bastante alargadas, o que atende ao princípio do devido processo legal, em cujo conteúdo está a garantia a um processo justo. E um processo justo não é apenas um processo que dê uma solução justa à lide, mas que seja conduzido por um juiz sobre o qual não recaia qualquer situação que caracterize impedimento, nem suspeição, vícios que afetam potencialmente o predicado da imparcialidade do julgador.
Há que se distinguir “impedimento” de “suspeição”, como faz PONTES DE MIRANDA: “Posto que sistemas jurídicos encambulhem os dois conceitos, ser impedido não é o mesmo que ser suspeito. Quem está sob suspeição está em situação de dúvida quanto ao seu bom procedimento. Quem está impedido está fora de dúvida, pela enorme possibilidade de ter influência maléfica para a sua função”. (“Comentários ao Código de Processo Civil”, tomo II, p. 399, editora Forense).
É da tradição de nosso código de processo civil distinguir as hipóteses de impedimento e de suspeição. Fazia-o o CPC/1973 (artigos 134 e 135), e o CPC/2015 tratou de manter essa tradição, ao cuidar das hipóteses de impedimento no artigo 144, e as de suspeição no artigo 145, sendo importante ressaltar que o CPC/2015 expressamente trata do impedimento, chamando-o como tal, ao contrário do que se dava no CPC/1973, em que o artigo 134 não se referia expressamente ao impedimento, mas apenas à suspeição.
As hipóteses de impedimento do juiz são aquelas em que, aos olhos da Lei, não há dúvida de que o juiz mantém um vínculo significativo com as partes do processo, e será tanto melhor que não possa conduzir esse processo. Essas hipóteses estão previstas no artigo 144 e, conforme sublinhado, são mais amplas do que aquelas que estavam previstas no CPC/1973.
Com efeito, enquanto no CPC/1973 o juiz estava ou deveria estar impedido se fosse parte (artigo 134, inciso I), no CPC/2015 as situações são muito mais abrangentes, alcançando não apenas essa condição formal de parte, senão que também as hipóteses em que seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau inclusive, seja a parte, além de outras situações como aquelas em que o juiz tiver sido mandatário da parte, atuado como perito, como membro do Ministério Público, ou mesmo tiver prestado depoimento como testemunha.
Outra hipótese criada pelo CPC/2015, artigo 144, inciso VIII, demonstra como o Legislador aumentou consideravelmente o espectro de situações em que o impedimento do juiz configura-se, como no caso em que figure como parte do processo um cliente do escritório de advocacia do cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, do juiz, mesmo na hipótese em que a ação na esteja a atuar um advogado de outro escritório.
Com o objetivo de regular a situação em que se tenha criado artificialmente uma situação que pode caracterizar o impedimento, o parágrafo 2o. do artigo 144, preservando o juiz natural, prevê que o impedimento não será reconhecido, além de a hipótese poder ser considerada como litigância de má-fé. Conquanto a redação desse dispositivo seja imperfeita, ao dizer que se veda a criação de um fato superveniente, quando não se pode vedar o que já estará criado (o fato que conduziria ao impedimento), senão que se pode apenas regular apenas seus efeitos, é de se considerar que esse efeito no caso previsto pela norma conduz à desconsideração do impedimento, mantendo-se o juiz na condução do processo, a tornar ineficaz, portanto, o efeito pretendido pelo fato artificialmente criado.

“Art. 145. Há suspeição do juiz:
I – amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados;
II – que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, que aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas do litígio;
III – quando qualquer das partes for sua credora ou devedora, de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive;
IV – interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes.
§ 1º Poderá o juiz declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem necessidade de declarar suas razões.
§ 2º Será ilegítima a alegação de suspeição quando:
I – houver sido provocada por quem a alega;
II – a parte que a alega houver praticado ato que signifique manifesta aceitação do arguido”.
Comentários: tanto quanto ocorre com as hipóteses em que se caracteriza o impedimento, as de suspeição também foram ampliadas pelo CPC/2015, forte no objetivo de garantir que exista um processo équo, ou seja, um processo justo, o que passa evidentemente pela necessidade de que o juiz não mantenha ou não possa manter relação com as partes do processo ou com seu objeto. Um processo justo, convém uma vez mais destacar, é o processo que deve propiciar um resultado justo, e a figura do juiz tem aí importância fundamental. Sem um juiz imparcial, não se pode alcançar um resultado justo.
Uma primeira e importante modificação que se identifica entre o artigo 145 do CPC/2015 e o artigo 135 do CPC/1973 está em o Legislador não mais dizer que se reputa fundada a suspeição, com o que transmitia a ideia de que as hipóteses de suspeição deveriam ser encaradas como se cuidassem de uma presunção relativa, a impor a existência de algo mais do que, por exemplo, a amizade entre o juiz e qualquer das partes. O CPC/2015 enfaticamente estabelece que há suspeição do juiz em qualquer das hipóteses que o artigo 145 cuida prever, como aquela em que o juiz seja amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes. Em lugar do verbo “reputar”, empregado pelo CPC/1973, o CPC/2015 afirma diretamente que a suspeição caracteriza-se nessa e noutras hipóteses, o que atende melhor à garantia a um processo justo.
Como em uma hipótese que não estava prevista no CPC/1973, que é a do juiz ter recebido presentes de pessoas que tiverem interesse na causa, antes ou depois de iniciado o processo, segundo o que prevê o inciso II do artigo 145, que ainda se refere a uma outra situação, em que o juiz tenha aconselhado alguma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas do litígio. Há aí uma relação perigosa entre o juiz e uma das partes, o que é suficiente para, como uma medida preventiva, reconhecer-se a suspeição do magistrado.
Também é de relevo observar que a suspeição configura-se quando o juiz tenha interesse no julgamento da causa em favor de uma das partes, estando aí o núcleo do que forma a suspeição, que é o juiz ser parcial, ou seja, ter um interesse que pende em favor de uma das partes. Observe-se que o inciso IV do artigo 145 não qualifica esse interesse, que deve ser considerado, pois, como o mais genérico. Basta, portanto, que exista um interesse, qualquer que o seja, para que a suspeição caracterize-se.
Um aperfeiçoamento que se poderia esperar, mas que não veio com o CPC/2015, está em o Legislador não exigir que o juiz declare suas razões, quando se afirma suspeito por motivo de foro intimo (parágrafo 1o. do artigo 145). Não há, com efeito, justa razão para que não se torne de conhecimento das partes o tipo de vínculo que o juiz mantenha com uma das partes. Exercendo uma atividade pública, tendo atuado no processo, não há razão que justifique esse sigilo, ao menos em relação às partes.
E tanto quanto sucede com o impedimento, a suspeição se caracteriza, prevê o artigo 145, parágrafo 2o., do CPC/2015, se a sua causa tiver sido provocada pela parte que a está a alegar.
Quanto àqueloutra hipótese tratada por esse mesmo parágrafo 2o., quando a parte que esteja a alegar a suspeição, tenha praticado ato que manifeste a aceitação do juiz, parece-nos que ela conflita com a garantia a um processo justo. Não deve causar qualquer influxo o fato de a parte ter relevado a suspeição. É suficiente que exista uma causa para a suspeição (e que a parte não a tenha artificialmente criado), mas é indiferente que a parte tenha relevado a suspeição, que assim deve prevalecer.

“Art. 146. No prazo de 15 (quinze) dias, a contar do conhecimento do fato, a parte alegará o impedimento ou a suspeição, em petição específica dirigida ao juiz do processo, na qual indicará o fundamento da recusa, podendo instruí-la com documentos em que se fundar a alegação e com rol de testemunhas.
§ 1º Se reconhecer o impedimento ou a suspeição ao receber a petição, o juiz ordenará imediatamente a remessa dos autos a seu substituto legal, caso contrário, determinará a autuação em apartado da petição e, no prazo de 15 (quinze) dias, apresentará suas razões, acompanhadas de documentos e de rol de testemunhas, se houver, ordenando a remessa do incidente ao tribunal.
§ 2º Distribuído o incidente, o relator deverá declarar os seus efeitos, sendo que, se o incidente for recebido:
I – sem efeito suspensivo, o processo voltará a correr;
II – com efeito suspensivo, o processo permanecerá suspenso até o julgamento do incidente.
§ 3º Enquanto não for declarado o efeito em que é recebido o incidente ou quando este for recebido com efeito suspensivo, a tutela de urgência será requerida ao substituto legal.
§ 4º Verificando que a alegação de impedimento ou de suspeição é improcedente, o tribunal rejeitá-la-á.
§ 5º Acolhida a alegação, tratando-se de impedimento ou de manifesta suspeição, o tribunal condenará o juiz nas custas e remeterá os autos ao seu substituto legal, podendo o juiz recorrer da decisão.
§ 6º Reconhecido o impedimento ou a suspeição, o tribunal fixará o momento a partir do qual o juiz não poderia ter atuado.
§ 7º O tribunal decretará a nulidade dos atos do juiz, se praticados quando já presente o motivo de impedimento ou de suspeição”.
Comentários: no regime do CPC/1973, a resposta (seja a do réu, seja a do autor) era um conceito genérico, abrangendo como espécies a contestação, a reconvenção e a exceção, esta última destinada a alegar, além da incompetência relativa, o impedimento e a suspeição, conforme o artigo 304 do CPC/2015. Mas no regime do CPC/2015, não há mais a exceção como meio de resposta, o que significa dizer que o impedimento e a suspeição devem ser alegados incidentalmente, entendendo-se como tal a alegação que não versa diretamente sobre o mérito da lide, ou seja, sobre a relação jurídico-material sob controvérsia, senão que a aspectos processuais, como são todas as hipóteses de impedimento e suspeição.
E como se trata de uma matéria que deve ser objeto de uma alegação incidental, estabelece o “caput” do artigo 146 que a parte dispõe do prazo de quinze dias, contado do momento em que tomou conhecimento do fato que caracteriza o impedimento ou a suspeição, para que possa alegá-lo, devendo o fazer em petição específica dirigida ao juiz do processo, na qual deve indicar o fato que configura o impedimento ou a suspeição, podendo instruir essa peça específica com rol de testemunhas.
O juiz, recebendo a peça e reconhecendo como verdadeiro o fato, declarar-se-á impedido ou suspeito, encaminhando os autos a seu substituto legal. Contudo, se não reconhece o fato como verdadeiro, ou não ao ponto de admitir esteja impedido ou seja suspeito para a causa, então nessa situação o juiz determinará a autuação da peça específica, apresentando, em quinze dias, as razões pelas quais entende não se caracterizar o impedimento ou a suspeição, fazendo encaminhar os autos ao tribunal, que julgará essa questão processual.
Forma-se assim um incidente, no bojo do qual o relator (desembargador ao qual o incidente tiver sido distribuído) poderá dotar esse incidente de efeito suspensivo ou não, fundamentando a respeito. Durante o prazo em que o relator analisa se é ou não caso de conceder o efeito suspensivo, pendendo de exame no processo pedido de concessão de uma tutela de urgência (qual que seja essa tutela, antecipada, cautelar, de evidência, ou de outra natureza), essa tutela deverá ser apreciada pelo substituto legal do juiz em relação ao qual o incidente foi apresentado.
O tribunal (ou seja, a turma julgadora) decidirá se acolhe ou não a alegação de impedimento ou suspeição. Se a acolher, determinará a remessa do processo ao substituto legal do juiz declarado como impedido ou suspeito, além de poder condená-lo em custas na hipótese de o tribunal qualificar como manifesto o impedimento, ou como manifesta a suspeição. O juiz pode recorrer dessa decisão, interpondo recurso especial ou extraordinário, conforme os fundamentos jurídicos de que se utilize. Conquanto se trate de uma excepcional situação, essa em que o recurso é interposto pelo juiz, melhor seria que o artigo 996 do CPC/2015 a abrangesse, estabelecendo de modo geral que o recurso é interposto por aquele que, no processo, suporta efeitos de uma decisão que lhe cause ou possa causar algum gravame, com o que teria abarcado todas as hipóteses de legitimação recursal.
Se o incidente for julgado improcedente, a parte que arguira o impedimento ou a suspeição pode recorrer. Nesse caso, o recurso adequado é o agravo de instrumento.
Tanto o impedimento quanto a suspeição podem se configurar em função de uma situação ocorrida no curso do processo, de maneira que atos que o juiz tenha praticado antes de se tornar impedido ou suspeito poderão ser reconhecidos como válidos, se assim entender o tribunal. O parágrafo 6o. do artigo 146 trata, portanto, das hipóteses de impedimento ou suspeição supervenientes.
Mas é importante observar que, reconhecido o impedimento ou a suspeição, nessa situação o tribunal declarará obrigatoriamente a nulidade dos atos praticados pelo juiz, analisando a carga decisória presente em cada um deles, o que significa dizer que poderá declarar válidos atos que, embora praticados por juiz impedido ou suspeito, não tenham nenhuma carga decisória.
Uma situação que não está expressamente prevista no artigo 146 é aquela em que o juiz, ele próprio, reconhece estar impedido ou ser suspeito, acolhendo, assim, a alegação da parte, mas tendo já praticado atos decisórios no processo, hipótese em que o processo seguirá a seu substituto legal, e não ao tribunal. Nesse tipo de situação, por analogia em virtude do que prevê o parágrafo 7o. artigo 146 do CPC/2015, o substituto legal declarará obrigatoriamente nulos aqueles atos decisórios, tanto quanto o faria o tribunal, se tivesse examinado a questão em incidente.

“Art. 147. Quando 2 (dois) ou mais juízes forem parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, o primeiro que conhecer do processo impede que o outro nele atue, caso em que o segundo se escusará, remetendo os autos ao seu substituto legal”.
Comentários: aperfeiçoando a regra que estava no artigo 137 do CPC/1973, o artigo 147 do CPC veda, por uma medida de salutar precaução, que juízes que sejam parentes entre si, por consanguinidade ou afinidade, até o terceiro grau inclusive, atuem no mesmo processo, de maneira que, se um deles conheceu da causa, fará caracterizar o impedimento dos outros juízes que tenham parentesco com aquele.
O CPC/2015, com efeito, ampliou até o terceiro grau a linha de parentesco, e não se refere mais apenas ao tribunal, abarcando assim a hipótese em que o processo está a tramitar em primeiro grau, caso em que o impedimento decorrente do parentesco entre os juízes já se configura.
A Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar federal de número 35/1979), em seu artigo 128, prevê que, nos tribunais, não poderão ter assento na mesma turma, câmara ou seção, cônjuges e parentes consanguíneos ou afins em linha reta, bem como em linha colateral até o terceiro grau.

“Art. 148. Aplicam-se os motivos de impedimento e de suspeição:
I – ao membro do Ministério Público;
II – aos auxiliares da justiça;
III – aos demais sujeitos imparciais do processo.
§ 1º A parte interessada deverá arguir o impedimento ou a suspeição, em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos.
§ 2º O juiz mandará processar o incidente em separado e sem suspensão do processo, ouvindo o arguido no prazo de 15 (quinze) dias e facultando a produção de prova, quando necessária.
§ 3º Nos tribunais, a arguição a que se refere o § 1º será disciplinada pelo regimento interno.
§ 4º O disposto nos §§ 1º e 2º não se aplica à arguição de impedimento ou de suspeição de testemunha”.
Comentários: coerente com a norma de seu artigo 5o. (“Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”), o CPC/2015 naturalmente estendeu a todos aqueles que, de algum modo, participam do processo, as causas pelas quais se caracterizam o impedimento e a suspeição, ao prever em seu artigo 148 que se aplicam aos membros do Ministério Público, aos auxiliares da justiça e também aos demais sujeitos imparciais do processo os motivos de impedimento e de suspeição. Pois que não seria racional buscar a garantia a um processo équo, desobrigando todos os sujeitos do processo de se sujeitarem ao que pode caracterizar impedimento ou suspeição. A ideia de um processo justo é aplicada, portanto, em toda a sua inteireza no CPC/2015, que ainda estabelece a forma pela qual se processa o incidente de impedimento ou suspeição alegada contra esses sujeitos “imparciais” do processo, como o CPC/2015 adequadamente os qualifica, a enfatizar que não pode ser imparcial que seja impedido ou suspeito.
TESTEMUNHA: a testemunha recebeu do CPC/2015 um tratamento específico quanto às situações que podem caracterizam impedimento, suspeição, e ainda incapacidade, situações que estão previstas no artigo 447 desse Código.

“CAPÍTULO III
– DOS AUXILIARES DA JUSTIÇA
Art. 149. São auxiliares da Justiça, além de outros cujas atribuições sejam determinadas pelas normas de organização judiciária, o escrivão, o chefe de secretaria, o oficial de justiça, o perito, o depositário, o administrador, o intérprete, o tradutor, o mediador, o conciliador judicial, o partidor, o distribuidor, o contabilista e o regulador de avarias”.
Comentários: diversos são os personagens que atuam no processo, além obviamente das partes e do juiz. A movimentação dos atos do processo está a cargo do escrivão (hoje, mais comumente denominado “diretor”) e dos escreventes; a execução das ordens judiciais em geral a cargo de oficial de justiça; perícias, quando necessárias, são realizadas por profissional especializado (o perito); em determinadas ações, é necessária a atuação de um administrador, como em noutras a do tradutor, do partidor e do contador. São os chamados “auxiliares da Justiça, cujas atribuições, diz o artigo 149, são reguladas pelas normas de organização judiciária, mas não apenas por essas normas, senão que sobretudo por normas do próprio CPC/2015, que, por exemplo acerca do perito, dispõe sobre os requisitos necessários para a nomeação e atuação no processo civil.
Com o incremento da mediação e da conciliação no processo civil, novos personagens ganharam destaque, casos do mediador e do conciliador.
E nos últimos anos, criou-se a figura do “assistente”, cuja atividade é de assessoramento aos juízes em geral (juiz, desembargador, ministro) em sua atividade jurisdicional, elaborando relatórios e minutas de decisões, o que torna o assistente um auxiliar da justiça, porque suas atividades não são meramente administrativas, mas processuais, o que conduz a reconhecer que ao assistente se deve aplicar o artigo 148 do CPC/2015 quanto aos motivos de impedimento e de suspeição.

“Seção I
– Do Escrivão, do Chefe de Secretaria e do Oficial de Justiça
Art. 150. Em cada juízo haverá um ou mais ofícios de justiça, cujas atribuições serão determinadas pelas normas de organização judiciária”.
Comentários: conforme dito, acerca dos comentários ao artigo 149, o CPC, ele próprio, cuida estabelecer normas sobre a atuação dos auxiliares da Justiça, como faz com o escrivão (diretor) de cada unidade cartorária, ao prever que, em cada juízo, haverá um ou mais ofícios de justiça (os tradicionalmente denominados “cartórios”), cujas atribuições são determinadas pelas normas de organização judiciária.
Com a introdução do processo sob formato digital, e depois da pandemia com o trabalho remoto, está a ocorrer já um sensível mudança na estrutura não apenas física dos cartórios, mas também logística, e os resultados começam a ser percebidos em termos de uma maior eficiência, e também de economia aos cofres públicos, porque não há mais sentido em o Poder Judiciário adquirir ou alugar gigantescos e custosos prédios, quando pode de maneira mais econômica abrigar suas unidades cartorárias em espaços que serão cada vez menores e com uma diminuta presença física de seus servidores, muitos dos quais à distância praticando as atribuições inerentes a seus cargos e de grande importância na movimentação dos atos processuais.
A propósito, há alguns anos uma importância fundação de pesquisa elaborou um estudo que constatou que boa parte do tempo de vida de um processo civil era passada no cartório, aguardando-se a prática de atos processuais. Espera-se que o aumento na escala do trabalho remoto fará com esse tempo seja diminuído, o que passa, portanto, por uma organização cartorária ajustada às necessidades atuais.

“Art. 151. Em cada comarca, seção ou subseção judiciária haverá, no mínimo, tantos oficiais de justiça quantos sejam os juízos”.
Comentários: norma de todo despicienda é esta, regulando um tema que é inerente à estrutura administrativa de cada Tribunal, que deve assim, conhecendo de sua específica realidade, estabelecer as normas de atuação dos oficiais de justiça. Na prática, aliás, isso já vem ocorrendo há alguns anos, como se dá no Estado de São Paulo, que, nalgumas comarcas, não têm mais oficiais de justiça vinculados às varas, mas a um setor, que, centralizando os oficiais de justiça, e com isso otimizando o serviço, delega a eles o cumprimento de mandados por região.
“Art. 152. Incumbe ao escrivão ou ao chefe de secretaria:
I – redigir, na forma legal, os ofícios, os mandados, as cartas precatórias e os demais atos que pertençam ao seu ofício;
II – efetivar as ordens judiciais, realizar citações e intimações, bem como praticar todos os demais atos que lhe forem atribuídos pelas normas de organização judiciária;
III – comparecer às audiências ou, não podendo fazê-lo, designar servidor para substituí-lo;
IV – manter sob sua guarda e responsabilidade os autos, não permitindo que saiam do cartório, exceto:
a) quando tenham de seguir à conclusão do juiz;
b) com vista a procurador, à Defensoria Pública, ao Ministério Público ou à Fazenda Pública;
c) quando devam ser remetidos ao contabilista ou ao partidor;
d) quando forem remetidos a outro juízo em razão da modificação da competência;
V – fornecer certidão de qualquer ato ou termo do processo, independentemente de despacho, observadas as disposições referentes ao segredo de justiça;
VI – praticar, de ofício, os atos meramente ordinatórios.
§ 1º O juiz titular editará ato a fim de regulamentar a atribuição prevista no inciso VI.
§ 2º No impedimento do escrivão ou chefe de secretaria, o juiz convocará substituto e, não o havendo, nomeará pessoa idônea para o ato”.
Comentários: conforme se fez observar (artigo 149), o CPC/2015, tanto quanto o fazia o CPC/1973, cuida estabelecer as normas gerais de atuação dos diversos auxiliares da Justiça, como faz com o escrivão (diretor), ao enumerar os atos mais comuns que ele, diretamente ou por meio de seus subordinados (escreventes), pratica no processo civil, redigindo, por exemplo, ofícios e mandados em geral, movimentando os atos do processo com a maior celeridade possível, de modo que se possa implementar o que determina o princípio previsto no artigo 6o. do CPC/2015 (“Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”).
Tão diversas são as atribuições do escrivão (diretor) no processo civil, que o artigo 152 cuida apenas de enumerar aquelas mais comuns ou mais recorrentes. Também se deve observar que, com o processo digital e com o trabalho remoto, as atribuições do escrivão (diretor) têm se modificado conforme as características que essa nova realidade impõe.
“Art. 153. O escrivão ou o chefe de secretaria atenderá, preferencialmente, à ordem cronológica de recebimento para publicação e efetivação dos pronunciamentos judiciais.
§ 1º A lista de processos recebidos deverá ser disponibilizada, de forma permanente, para consulta pública.
§ 2º Estão excluídos da regra do caput:
I – os atos urgentes, assim reconhecidos pelo juiz no pronunciamento judicial a ser efetivado;
II – as preferências legais.
§ 3º Após elaboração de lista própria, respeitar-se-ão a ordem cronológica de recebimento entre os atos urgentes e as preferências legais.
§ 4º A parte que se considerar preterida na ordem cronológica poderá reclamar, nos próprios autos, ao juiz do processo, que requisitará informações ao servidor, a serem prestadas no prazo de 2 (dois) dias.
§ 5º Constatada a preterição, o juiz determinará o imediato cumprimento do ato e a instauração de processo administrativo disciplinar contra o servidor”.
Comentários: a princípio, de acordo com o projeto do CPC/2015, dever-se-ia observar uma rigorosa ordem cronológica no trabalho do juiz, o que evidentemente se estenderia ao trabalho do cartório, que deveria também observar a mesma ordem cronológica. Durante a discussão do projeto, percebeu-se que isso seria contraproducente, na medida em que atividades mais simples, por exigirem menos tempo, podem ser praticadas com alguma prioridade, o mesmo devendo ocorrer com situações de urgência. Cada juiz, e cada cartório devem, pois, organizar seu trabalho da forma a mais eficiente possível, o que concede uma certa margem de liberdade na escolha de como melhor organizar esse trabalho.
Donde prevê o artigo 153 que o escrivão (diretor) observará, preferencialmente (e não obrigatoriamente) uma ordem cronológica na execução de suas atribuições no processo civil, observadas umas tantas exceções.
A novidade que o artigo 153 traz radica na obrigatoriedade de o cartório colocar à disposição do público em geral uma lista dos processos recebidos e pendentes de decisão e de execução das ordens judiciais, o que, sobre atender ao princípio constitucional da publicidade, permite que as partes e seus advogados tenham algum controle sobre a questão da celeridade do processo civil, podendo provocar o pronunciamento do juiz diante de algum atraso injustificado, ou mesmo representar administrativamente acerca dessa demora, perante a ouvidoria ou corregedoria do respectivo tribunal, ou ao Conselho Nacional de Justiça.
A propósito da ouvidoria, o CPC/2015 deveria ter regulado a atuação desse importante órgão, uma espécie de “ombudsman” da Justiça. Deveria prever, por exemplo, que o ouvidor não possa ser um juiz ou desembargador aposentado, como vem ocorrendo em diversos tribunais do país, devendo ser escolhido alguém da sociedade civil.
“Art. 154. Incumbe ao oficial de justiça:
I – fazer pessoalmente citações, prisões, penhoras, arrestos e demais diligências próprias do seu ofício, sempre que possível na presença de 2 (duas) testemunhas, certificando no mandado o ocorrido, com menção ao lugar, ao dia e à hora;
II – executar as ordens do juiz a que estiver subordinado;
III – entregar o mandado em cartório após seu cumprimento;
IV – auxiliar o juiz na manutenção da ordem;
V – efetuar avaliações, quando for o caso;
VI – certificar, em mandado, proposta de autocomposição apresentada por qualquer das partes, na ocasião de realização de ato de comunicação que lhe couber.
Parágrafo único. Certificada a proposta de autocomposição prevista no inciso VI, o juiz ordenará a intimação da parte contrária para manifestar-se, no prazo de 5 (cinco) dias, sem prejuízo do andamento regular do processo, entendendo-se o silêncio como recusa”.
Comentários: tanto quanto faz com o escrivão (diretor), o CPC/2015 por seu artigo 154 enumera as principais atribuições do oficial de justiça no processo civil, destacando-se nesse rol a execução dos mandados em geral, como os de citação e de intimação.
A tendência, com o mundo digital, é que uma boa parte das atribuições do oficial de justiça seja eliminada, como já ocorre com as penhoras realizadas por meio eletrônico, o mesmo se podendo prever venha a ocorrer com as citações e intimações, que poderão em breve tempo ser realizadas por meio eletrônico.
“Art. 155. O escrivão, o chefe de secretaria e o oficial de justiça são responsáveis, civil e regressivamente, quando:
I – sem justo motivo, se recusarem a cumprir no prazo os atos impostos pela lei ou pelo juiz a que estão subordinados;
II – praticarem ato nulo com dolo ou culpa”.
Comentários: a rigor, diante do que prevê o artigo 37, parágrafo 6o., do Constituição de 1988 (“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”), não haveria a necessidade de o CPC/2015 conter regra quanto à responsabilidade civil do escrivão (diretor) ou do oficial de justiça, porque essa responsabilidade civil é a mesma que se aplica a qualquer servidor público quando, no exercício das atribuições de seu cargo, agindo com dolo ou culpa e praticando ato ilícito, tenha causado dano. Mas, seguindo a tradição estabelecida a partir do CPC/1973 (artigo 144), e diante da regra que cuida da responsabilidade civil do juiz (artigo 143 do CPC/2015), o Legislador entendeu conveniente prever, em regra específica, a responsabilidade civil do escrivão (diretor) e do oficial de justiça relativamente a atos praticados no processo civil, seja por ação, seja por omissão.
Importante observar que a ação de responsabilidade civil é de ser obrigatoriamente promovida apenas contra o ente público, e não contra o escrivão (diretor) ou oficial de justiça, que podem apenas por direito de regresso ser acionados pelo Poder Público, em caso de condenação. Se se trata de processo que tramita pela Justiça Comum Estadual, o ente público a ser demandado é o respectivo Estado-membro. Se o processo é da Justiça Federal ou da Justiça do Trabalho, a ação deverá ser ajuizada contra a União Federal.
“Seção II
– Do Perito

Art. 156. O juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico.
§ 1º Os peritos serão nomeados entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado.
§ 2º Para formação do cadastro, os tribunais devem realizar consulta pública, por meio de divulgação na rede mundial de computadores ou em jornais de grande circulação, além de consulta direta a universidades, a conselhos de classe, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Ordem dos Advogados do Brasil, para a indicação de profissionais ou de órgãos técnicos interessados.
§ 3º Os tribunais realizarão avaliações e reavaliações periódicas para manutenção do cadastro, considerando a formação profissional, a atualização do conhecimento e a experiência dos peritos interessados.
§ 4º Para verificação de eventual impedimento ou motivo de suspeição, nos termos dos arts. 148 e 467, o órgão técnico ou científico nomeado para realização da perícia informará ao juiz os nomes e os dados de qualificação dos profissionais que participarão da atividade.
§ 5º Na localidade onde não houver inscrito no cadastro disponibilizado pelo tribunal, a nomeação do perito é de livre escolha pelo juiz e deverá recair sobre profissional ou órgão técnico ou científico comprovadamente detentor do conhecimento necessário à realização da perícia”.
Comentários: em sentido diametralmente oposto ao que acontece na prática, em que boa parte dos juízes desconsidera a importância da perícia, julgando antecipadamente ações para as quais a prova pericial deveria ter sido produzida, o CPC/2015 dedica ao perito uma regulação bastante pormenorizada, cuidando estabelecer os requisitos e predicados de quem possa ser nomeado como perito no processo civil, além de ter democratizado o acesso dos interessados ao exercício dessa importante função no processo, ao determinar que os tribunais devam criar e manter um cadastro dos profissionais de diversas especialidades, habilitados pelo respectivos órgãos técnicos ou científicos, cadastros que devem, segundo o que estatui o parágrafo 2o. do artigo 156, ser construídos por meio de consulta pública a determinados órgãos.
A existência desse cadastro, além de ampliar o acesso dos interessados ao exercício da função de perito, propicia aos juízes um importante conjunto de informações, necessário para que a nomeação atenda aos requisitos da especialidade técnica e da isenção do perito.
Registre-se que a utilização do cadastro pelo juiz é obrigatória, salvo na hipótese em que, na localidade, ou seja, no território em que a vara judicial está localizada, não existir inscrito no cadastro disponibilizado pelo tribunal, caso em que o juiz poderá nomear o perito de acordo com sua livre escolha, mas com a ressalva de que o nomeado deve, além de possuir o conhecimento necessário à realização da perícia, comprovar a habilitação profissional junto a seu órgão de classe.

“Art. 157. O perito tem o dever de cumprir o ofício no prazo que lhe designar o juiz, empregando toda sua diligência, podendo escusar-se do encargo alegando motivo legítimo.
§ 1º A escusa será apresentada no prazo de 15 (quinze) dias, contado da intimação, da suspeição ou do impedimento supervenientes, sob pena de renúncia ao direito a alegá-la.
§ 2º Será organizada lista de peritos na vara ou na secretaria, com disponibilização dos documentos exigidos para habilitação à consulta de interessados, para que a nomeação seja distribuída de modo equitativo, observadas a capacidade técnica e a área de conhecimento”.
Comentários: como auxiliar do juiz, o perito deve desincumbir-se de sua função no processo civil no prazo que lhe foi fixado, empregando, diz o artigo 157, toda a sua diligência. Poderá, contudo, declinar do encargo, desde que alegue motivo legítimo, a ser analisado pelo juiz conforme as circunstâncias do caso em concreto. Essa escusa o perito a deve apresentar em até quinze dias, contados do momento em que tomou conhecimento de sua nomeação, ou desde o instante em que foi intimado acerca de suspeição ou impedimento alegados por qualquer das partes.
Conquanto o artigo 157 fale que, superado esse prazo, há se presumir que o perito tenha abjurado do direito de escusar-se, por se tratar de uma situação de grande importância, envolvendo a imparcialidade do perito, não há como vedar que o perito apresente, além do prazo legal, a escusa e que ela possa ser examinada e conhecida pelo juiz.
E ainda na esteira da democratização do acesso aos interessados em atuarem como perito no processo civil, o artigo 157 determina a elaboração de uma lista de peritos em cada vara, para conhecimento geral e para que se fiscalize de modo adequado se as nomeações têm sido feitas de modo equitativo.

“Art. 158. O perito que, por dolo ou culpa, prestar informações inverídicas responderá pelos prejuízos que causar à parte e ficará inabilitado para atuar em outras perícias no prazo de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, independentemente das demais sanções previstas em lei, devendo o juiz comunicar o fato ao respectivo órgão de classe para adoção das medidas que entender cabíveis”.
Comentários: atuando como auxiliar do juiz, exercendo, pois, uma função pública no processo, o perito é equiparado a um servidor público, de maneira que o regime da responsabilidade civil é o mesmo que se aplica a todo servidor público, ou seja, aquele fixado pelo artigo 37, parágrafo 6o. da Constituição de 1988. Destarte, o perito somente pode ser demandado em direito de regresso, se o Poder Público tiver sucumbido na ação que lhe tenha ajuizado a parte prejudicada pelo trabalho realizado pelo perito no processo. Situação idêntica, portanto, àquela prevista pelo artigo 155 do CPC/2015 quanto ao escrivão (diretor) e oficial de justiça.
O artigo 157 reproduz o que o artigo 147 do CPC/1973 fixava, acrescentando, contudo, que o juiz deve comunicar o fato ao órgão de classe, para que sejam adotadas as providências administrativas contra o perito, quando ele tenha, no processo civil, prestado informações inverídicas, causando prejuízos à parte.
O profissional ficará inabilitado por dois a cinco anos, período em que não poderá ser nomeado para atuar como perito noutros processos. Tratando-se de uma penalidade administrativa, a inabilitação é de ser aplicada pelo Tribunal, cabendo ao juiz do processo apenas declarar a ocorrência da conduta, comunicando o fato ao Tribunal para a instauração de procedimento administrativo, com a observância das garantias exigidas pelo princípio do devido processo legal.

“Seção III
– Do Depositário e do Administrador

Art. 159. A guarda e a conservação de bens penhorados, arrestados, sequestrados ou arrecadados serão confiadas a depositário ou a administrador, não dispondo a lei de outro modo”.
Comentários: como são de variada natureza e finalidade os atos que se praticam no processo, surgem daí necessidades de ordem prática e que exigem determinadas atividades, muitas delas a cargo de auxiliares do juiz, como são as atividades tratadas pelo artigo 159, que se consubstanciam na guarda e conservação dos bens que tenham sido objeto no processo civil de penhora, arresto, sequestro, ou de qualquer outro tipo de constrição judicial, donde prevê o referido artigo que serão nomeados depositários ou administradores para esses bens, salvo se a lei dispuser de outro modo.
Em determinadas situações, a atividade do depositário abrange a do administrador, quando há, por exemplo, a penhora sobre estabelecimento comercial. O CPC/2015, a exemplo do CPC/1973, não descreve como se diferenciam as atividades do depositário e do administrador, e a rigor essas atividades compartilham de certos elementos em comum, o que impede uma definição precisa.
Conquanto esteja a exercer uma função no processo, o depositário judicial equipara-se para fins de responsabilidade civil ao depositário comum, de maneira que aquelas regras que o Código Civil estabelece acerca do depósito (artigos 626/646) aplicam-se ao depósito judicial, observadas as peculiaridades desse tipo de depósito. O artigo 161 do CPC/2015, que logo a seguir veremos, também trata da responsabilidade civil do depositário e do administrador judicial.

“Art. 160. Por seu trabalho o depositário ou o administrador perceberá remuneração que o juiz fixará levando em conta a situação dos bens, ao tempo do serviço e às dificuldades de sua execução.
Parágrafo único. O juiz poderá nomear um ou mais prepostos por indicação do depositário ou do administrador”.
Comentários: honorários são o termo apropriado para representar a remuneração que é devida aos profissionais liberais em geral. Os auxiliares do juiz, como o depositário e o administrador, recebem, pois, honorários, cujo valor, segundo o artigo 160, deve levar em consideração a situação dos bens, o tempo do serviço e eventuais dificuldades no exercício do encargo. São esses, portanto, os critérios objetivos erigidos pelo CPC/2015 e que devem nortear o juiz na quantificação dos honorários devidos ao depositário e ao administrador judicial. O juiz deve explicitar como valorou esses critérios no caso em concreto, conforme exige o artigo 11 do CPC/2015.
Esses honorários são normalmente antecipados pela parte que obteve a constrição judicial (penhora, arresto, etc…), e esses honorários, assim antecipados, são depois juridicamente qualificados como despesas processuais, embutidas dentre os encargos de sucumbência impostos à parte vencida.
Há a possibilidade, conforme exigirem as circunstâncias de cada caso, de o juiz nomear prepostos, como o CPC/2015 denomina aqueles que realizam atividades de apoio ao depositário ou administrador judicial. A remuneração desses prepostos também é considerada como honorários.

“Art. 161. O depositário ou o administrador responde pelos prejuízos que, por dolo ou culpa, causar à parte, perdendo a remuneração que lhe foi arbitrada, mas tem o direito a haver o que legitimamente despendeu no exercício do encargo.
Parágrafo único. O depositário infiel responde civilmente pelos prejuízos causados, sem prejuízo de sua responsabilidade penal e da imposição de sanção por ato atentatório à dignidade da justiça”.
Comentários: exercendo uma função pública no processo, o depositário e o administrador equiparam-se a um servidor público para o fim de se estabelecer o regime de responsabilidade civil, o que conduz à aplicação da regra do artigo 37, parágrafo 6o., da Constituição de 1988, de maneira que o depositário e o administrador judicial somente respondem civilmente por direito de regresso, na hipótese de o Poder Público ser condenado na ação que a parte prejudicada pela conduta do depositário e administrador judicial tiver ajuizado. Aqueles deveres e obrigações que o Código Civil fixa acerca do depósito em geral são analisados na ação que a parte tenha promovido contra o Poder Público, e no caso de existir ação derivada do direito de regresso, também nessa ação.
O parágrafo único do artigo 160 ressalva a possibilidade de se caracterizar a responsabilidade penal do depositário e do administrador judicial, além da imposição da sanção por ato atentatório à dignidade da justiça. Vale lembrar que, segundo o que determina o artigo 77, “caput”, todo aquele que atua no processo por ser punido por ato que afronte a dignidade da justiça, o que abrange evidentemente o depositário e o administrador, mas entendeu o Legislador conveniente prever expressamente essa hipótese no caso do depositário e do administrador judicial.
PRISÃO CIVIL: segundo a súmula 419 do STJ, não se pode decretar a prisão civil do depositário judicial infiel.

“Seção IV
– Do Intérprete e do Tradutor

Art. 162. O juiz nomeará intérprete ou tradutor quando necessário para:
I – traduzir documento redigido em língua estrangeira;
II – verter para o português as declarações das partes e das testemunhas que não conhecerem o idioma nacional;
III – realizar a interpretação simultânea dos depoimentos das partes e testemunhas com deficiência auditiva que se comuniquem por meio da Língua Brasileira de Sinais, ou equivalente, quando assim for solicitado”.
Comentários: poderá suceder de, no processo civil, produzir-se um documento redigido em língua estrangeira, como também poderá ocorrer de uma testemunha não conhecer o idioma nacional, de maneira que, nesse tipo de situação, não conhecendo o juiz do idioma em que o documento tiver sido vertido ou a língua em que a testemunha prestará o testemunho, ser-lhe-á necessário utilizar-se do trabalho de um intérprete ou tradutor, cuja função no processo civil equipara-se a de um perito, se considerarmos que se trata de um profissional que conhece o objeto de sua especialização – o domínio em uma língua estrangeira. Mas o CPC/2015, seguindo a tradição que vem do CPC/1973, não trata o tradutor e o intérprete como perito, embora os considere a todos como auxiliares do juízo, segundo o que prevê o artigo 149 do CPC/2015.

“Art. 163. Não pode ser intérprete ou tradutor quem:
I – não tiver a livre administração de seus bens;
II – for arrolado como testemunha ou atuar como perito no processo;
III – estiver inabilitado para o exercício da profissão por sentença penal condenatória, enquanto durarem seus efeitos”.
Comentários: além daqueles motivos que caracterizam suspeição e impedimento e que se aplicam, segundo o artigo 148 do CPC/2015, a todos os auxiliares do juízo, no caso do intérprete e tradutor acrescem-se os que o artigo 163 enumera e que dizem respeito diretamente à função que exercem no processo civil.
“Art. 164. O intérprete ou tradutor, oficial ou não, é obrigado a desempenhar seu ofício, aplicando-se-lhe o disposto nos arts. 157 e 158”.
Comentários: o intérprete ou tradutor recebe do CPC/2015 um tratamento semelhante àquele dispensado ao perito, enquanto deva cumprir seu ofício no prazo fixado, empregando toda a sua diligência, ou seja, seu conhecimento da língua estrangeira, vertendo-a mais fidedignamente possível à Língua Portuguesa.
Aplica-se ao tradutor e ao intérprete o mesmo regime de responsabilidade civil de outros auxiliares do juiz, inclusive do perito, o que significa dizer que somente pode ser demandado em direito de regresso, se condenado o Poder Público. Submete-se, outrossim, à penalidade administrativa – a de inabilitação -, tanto quanto o perito.

“Seção V
– Dos Conciliadores e Mediadores Judiciais
Art. 165. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.
§ 1º A composição e a organização dos centros serão definidas pelo respectivo tribunal, observadas as normas do Conselho Nacional de Justiça.
§ 2º O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.
§ 3º O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos”.
Comentários: com o objetivo de implementar na prática o objetivo a que ele próprio se coloca, quando, por seu artigo 3o., parágrafo 2o., estabelece que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, o CPC/2015, por seu artigo 165, institui as figuras do conciliador e do mediador, determinando aos tribunais façam criar centros de solução consensual de conflitos, cuja composição e organização caberá a cada tribunal local, observadas as regras gerais que o Conselho Nacional de Justiça venha a fixar.
O conciliador, diz o parágrafo 2o. do artigo 165, atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, podendo sugerir soluções para o litígio, vedando-se-lhe, contudo, a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação como forma para que as partes conciliem.
Já o mediador deve auxiliar os interessados a compreenderem as questões e os interesses em conflito, de modo que possam, eles próprios, pelo restabelecimento da comunicação, identificar soluções consensuais que possam gerar benefícios mútuos.
A conciliação e a mediação passam, assim, a ser institucionalizadas no âmbito do processo civil, deixando de ser algo meramente informal como ocorria ao tempo em que teve vigência o CPC/1973.
“Art. 166. A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada.
§ 1º A confidencialidade estende-se a todas as informações produzidas no curso do procedimento, cujo teor não poderá ser utilizado para fim diverso daquele previsto por expressa deliberação das partes.
§ 2º Em razão do dever de sigilo, inerente às suas funções, o conciliador e o mediador, assim como os membros de suas equipes, não poderão divulgar ou depor acerca de fatos ou elementos oriundos da conciliação ou da mediação.
§ 3º Admite-se a aplicação de técnicas negociais, com o objetivo de proporcionar ambiente favorável à autocomposição.
§ 4º A mediação e a conciliação serão regidas conforme a livre autonomia dos interessados, inclusive no que diz respeito à definição das regras procedimentais”.
Comentários: tornadas instituições do processo civil, era natural que o CPC/2015 estabelecesse quais são os princípios que as devem reger, seja quanto à conciliação, seja quanto à medição. Assim é que o artigo 166 enumera esses princípios, fixando, pois, que a conciliação e a mediação devem observar os princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e ainda o princípio da decisão informada. Como são princípios, ou seja, como são mandamentos de otimização, cabe ao intérprete o trabalho de extrair o conteúdo de cada um desses princípios que melhor se ajuste às circunstâncias do caso em concreto, definindo assim seu alcance, desde que não desnature essas instituições que, à luz da Constituição de 1988 e do CPC/2015, devem ter uma importância cada vez maior em nosso no processo civil.
Dentre os princípios fixados pelo artigo 166, destaca-se o da “decisão informada”, inadequada expressão que o Legislador utilizou para denominar o dever imposto ao conciliador e ao mediador que informem as partes de maneira a mais completa possível quais as consequências fático-jurídicas que a composição, uma vez homologada, produzirá, de maneira que as partes possam ter perfeito conhecimento do que se lhes propõe em termos de acordo.
IMPEDIMENTO E SUSPEIÇÃO: na condição de auxiliares do juiz (CPC, artigo 148, inciso II), ao conciliador e ao mediador aplicam-se as causas e motivos de impedimento e suspeição, sobretudo por se lhes exigir o artigo 166 a imparcialidade.
O conciliador e o mediador devem observar, segundo lhes obrigam os parágrafos 1o. e 2o. do artigo 166, o sigilo.

“Art. 167. Os conciliadores, os mediadores e as câmaras privadas de conciliação e mediação serão inscritos em cadastro nacional e em cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, que manterá registro de profissionais habilitados, com indicação de sua área profissional.
§ 1º Preenchendo o requisito da capacitação mínima, por meio de curso realizado por entidade credenciada, conforme parâmetro curricular definido pelo Conselho Nacional de Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça, o conciliador ou o mediador, com o respectivo certificado, poderá requerer sua inscrição no cadastro nacional e no cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal.
§ 2º Efetivado o registro, que poderá ser precedido de concurso público, o tribunal remeterá ao diretor do foro da comarca, seção ou subseção judiciária onde atuará o conciliador ou o mediador os dados necessários para que seu nome passe a constar da respectiva lista, a ser observada na distribuição alternada e aleatória, respeitado o princípio da igualdade dentro da mesma área de atuação profissional.
§ 3º Do credenciamento das câmaras e do cadastro de conciliadores e mediadores constarão todos os dados relevantes para a sua atuação, tais como o número de processos de que participou, o sucesso ou insucesso da atividade, a matéria sobre a qual versou a controvérsia, bem como outros dados que o tribunal julgar relevantes.
§ 4º Os dados colhidos na forma do § 3º serão classificados sistematicamente pelo tribunal, que os publicará, ao menos anualmente, para conhecimento da população e para fins estatísticos e de avaliação da conciliação, da mediação, das câmaras privadas de conciliação e de mediação, dos conciliadores e dos mediadores.
§ 5º Os conciliadores e mediadores judiciais cadastrados na forma do caput, se advogados, estarão impedidos de exercer a advocacia nos juízos em que desempenhem suas funções.
§ 6º O tribunal poderá optar pela criação de quadro próprio de conciliadores e mediadores, a ser preenchido por concurso público de provas e títulos, observadas as disposições deste Capítulo”.
Comentários: não se trata mais de algo facultativo e que ficava à disposição dos tribunais a criação de órgãos para a conciliação e a mediação. O CPC/2015 obriga, pois, os tribunais a criarem esses órgãos, recrutando os conciliadores e mediadores, propiciando àqueles que se interessam em exercer essa importante função no processo civil cursos realizados por entidades credenciadas.
A ideia do Legislador é obviamente a tornar essas instituições permanentes e cada vez mais aprimoradas, inclusive com a possibilidade conferida aos tribunais de que venham a criar um quadro próprio de conciliadores e mediadores, formado por aprovados em concurso público.

“Art. 168. As partes podem escolher, de comum acordo, o conciliador, o mediador ou a câmara privada de conciliação e de mediação.
§ 1º O conciliador ou mediador escolhido pelas partes poderá ou não estar cadastrado no tribunal.
§ 2º Inexistindo acordo quanto à escolha do mediador ou conciliador, haverá distribuição entre aqueles cadastrados no registro do tribunal, observada a respectiva formação.
§ 3º Sempre que recomendável, haverá a designação de mais de um mediador ou conciliador”.
Comentários: conferindo à conciliação e à medição um tratamento semelhante ao da arbitragem, o artigo 168 permite às partes a escolha do conciliador, do mediador e também da câmara privada em que a conciliação e a mediação possam ocorrer. Trata-se de uma consequência jurídica extraída do princípio da liberdade conferido às partes no processo, o que se harmoniza com a essência da conciliação e mediação, que radica na ideia de que as partes possam chegar a um acordo quanto à solução de uma lide, tanto quando podem chegar a um acordo quanto à pessoa de quem será o conciliador ou o mediador do conflito.

“Art. 169. Ressalvada a hipótese do art. 167, § 6º, o conciliador e o mediador receberão pelo seu trabalho remuneração prevista em tabela fixada pelo tribunal, conforme parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça.
§ 1º A mediação e a conciliação podem ser realizadas como trabalho voluntário, observada a legislação pertinente e a regulamentação do tribunal.
§ 2º Os tribunais determinarão o percentual de audiências não remuneradas que deverão ser suportadas pelas câmaras privadas de conciliação e mediação, com o fim de atender aos processos em que deferida gratuidade da justiça, como contrapartida de seu credenciamento”.
Comentários: exercendo uma importante função no processo civil pós-moderno (se a nossa sociedade é uma sociedade pós-moderna, o processo civil também deve ser qualificado como tal, em que as relações sociais tornam-se mais complexas, de uma complexidade que não é apenas jurídica), exercendo, pois, uma função no processo civil, o conciliador e o mediador devem ser remunerados por essa função, prevendo o artigo 169 que o Conselho Nacional de Justiça fixará critérios e parâmetros para que essa remuneração possa ser fixada objetivamente. Apenas na hipótese em que o tribunal local tenha optado por criar a carreira do conciliador/mediador, surgindo aí um servidor público que ocupará esse cargo, o árbitro e o mediador são profissionais liberais que dedicam parte de seu tempo ao exercício da função no processo civil, recebendo das partes, a título de honorários, sua remuneração.
E tal como sucede com os advogados e peritos, que devem realizar um trabalho “pro bono”, o CPC/2015 determina que isso também se aplique às câmaras privadas de conciliação e mediação, que deverão atender a casos nos quais as partes beneficiem-se da gratuidade.

“Art. 170. No caso de impedimento, o conciliador ou mediador o comunicará imediatamente, de preferência por meio eletrônico, e devolverá os autos ao juiz do processo ou ao coordenador do centro judiciário de solução de conflitos, devendo este realizar nova distribuição.
Parágrafo único. Se a causa de impedimento for apurada quando já iniciado o procedimento, a atividade será interrompida, lavrando-se ata com relatório do ocorrido e solicitação de distribuição para novo conciliador ou mediador”.
Comentários: é algo raro que o Legislador, incumbido da elaboração de um código, de um vasto código como é o CPC/2015, com seus mais de mil artigos, não acabe por incidir em um equívoco de terminologia, empregando uma expressão que, no próprio código, possui um sentido técnico próprio. É o que sucede no caso do artigo 170, em que a norma fala, por evidente equivoco, em “impedimento”, levando o leitor menos avisado a supor que se trataria daquele vício que macula a figura do juiz, do integrante do Ministério Público e de todos os auxiliares do juízo: o impedimento que está previsto no artigo 144 do CPC/2015 e que, em linhas gerais, é um vínculo mais intenso com as partes de um processo.
A expressão “impedimento” é utilizada pelo Legislador no artigo 170 no sentido comum que os dicionários a ela emprestam, como “obstáculo”, “estorno”. O artigo 170 aplica-se, pois, àquelas situações nas quais o conciliador ou o mediador tenha se deparado com alguma circunstância que o impeça de exercer a sua função em um determinado processo. Não se trata de um vínculo que ele mantenha com qualquer das partes do processo, mas um obstáculo qualquer, como, por exemplo, estar acometido de uma doença que o obstaculize exercer a função de conciliador ou mediador por um determinado período, até a sua convalescença. Simples assim: ele é substituído em virtude de não poder exercer a sua função em razão de sua condição de saúde, ou qualquer outro obstáculo.
A comprovar que se trata de um obstáculo, e não de um impedimento no sentido técnico tratado no artigo 144 do CPC/2015, basta que o leitor vá ao artigo seguinte – o artigo 171 -, que se refere a uma impossibilidade temporária do conciliador ou mediador.
Melhor seria, evidentemente, que o Legislador cuidasse não empregar termos com sentido comum, quando os tenha utilizado com um sentido todo próprio. Melhor seria, portanto, que tivesse evitado utilizar do termo “impedimento” no artigo 170, quando bastaria se valesse do sinônimo “obstáculo”, e o intérprete não teria necessidade de escrever algumas linhas para esclarecer ao leitor aquilo que a clareza lhe permitiria, sem esforço, captar. A clareza, como dizia ORTEGA Y GASSET, é a cortesia do filósofo – e deve ser também a do Legislador.

“Art. 171. No caso de impossibilidade temporária do exercício da função, o conciliador ou mediador informará o fato ao centro, preferencialmente por meio eletrônico, para que, durante o período em que perdurar a impossibilidade, não haja novas distribuições”.
Comentários: como vimos nos comentários ao artigo 170, há situações que podem obstar o conciliador ou mediador de exercerem a sua função, e o artigo 171 trata daquelas situações que causam um obstáculo ocasional, como, por exemplo, o afastamento temporário motivado por doença. Donde prever o artigo em questão que, durante o período de afastamento temporário, o conciliador e o mediador não receberão novas atribuições, enquanto durar esse afastamento. A rigor, trata-se de uma situação tão corriqueira quanto previsível, que a regra legal é todo desnecessária.

“Art. 172. O conciliador e o mediador ficam impedidos, pelo prazo de 1 (um) ano, contado do término da última audiência em que atuaram, de assessorar, representar ou patrocinar qualquer das partes”.
Comentários: renovemos acerca do artigo 172 o que falamos acerca da impropriedade técnica em que o incidiu o Legislador ao utilizar um termo técnico (“impedimento”), cujo sentido é todo próprio no campo do processo civil, para o empregar em situações que se não se amoldam àquelas previstas no artigo 144 do CPC/2015. Com efeito, ao estatuir que o conciliador e o mediador ficam “impedidos” de serem contratados por qualquer das partes para a elas prestarem atividade de assessoria, de representação ou de mandato em geral, o Legislador não está a se referir àquelas situações nas quais se configura, tecnicamente, o impedimento.
No caso do artigo 172, o Legislador está a impor uma vedação legal ao exercício de certas atividades ao conciliador e mediador, ou seja, uma espécie de “quarentena”, como ocorre, por exemplo, com o juiz que, aposentado, deve aguardar um tempo antes de poder exercer a advocacia.
O artigo 172 impõe, portanto, uma “quarentena” ao conciliador e mediador, tendo em vista a função pública que exerceram no processo, de maneira que é recomendável que se lhes obste possam ser contratados por qualquer das partes do processo em que atuaram como conciliador ou mediador. Essa vedação legal é temporária, como é da essência da “quarentena”.

“Art. 173. Será excluído do cadastro de conciliadores e mediadores aquele que:
I – agir com dolo ou culpa na condução da conciliação ou da mediação sob sua responsabilidade ou violar qualquer dos deveres decorrentes do art. 166, §§ 1º e 2º;
II – atuar em procedimento de mediação ou conciliação, apesar de impedido ou suspeito.
§ 1º Os casos previstos neste artigo serão apurados em processo administrativo.
§ 2º O juiz do processo ou o juiz coordenador do centro de conciliação e mediação, se houver, verificando atuação inadequada do mediador ou conciliador, poderá afastá-lo de suas atividades por até 180 (cento e oitenta) dias, por decisão fundamentada, informando o fato imediatamente ao tribunal para instauração do respectivo processo administrativo”.
Comentários: tendo decidido a trazer a conciliação e a mediação para uma regulação no texto do CPC/2015, o Legislador viu-se obrigado a também regulamentar as punições administrativas a que estão submetidos o conciliador e o mediador quando não cumprem seus deveres e obrigações. A rigor, não se tratando de uma matéria de natureza processual, o tema deveria ser tratado por lei específica que, a exemplo do que ocorre com a arbitragem, deveria ser editada para cuidar dos diversos aspectos que envolvem a conciliação e a mediação como atividade e função, mesmo quando exercida no processo civil, nos moldes, portanto, do que se dá com a lei federal 13.140/2015.
O querer regular matérias como essa, que não guardam uma temática de pertinência direta com o processo civil, é que produziu um código muito extenso, quando a boa técnica reclamava um código enxuto, como era o do projeto “Couture”, que, com parcimônia, mas com eficiência, em uma rara união entre esses predicados, dava o adequado destaque aos princípios gerais e a umas tantas normas, regulando, em linhas gerais, os tipos de tutela jurisdicional, os procedimentos e algumas outras matérias de natureza essencialmente processual.
Mas, voltando à norma em questão, ela prevê, como medida administrativa, que o conciliador e o mediador serão excluídos do cadastro quando tiverem agido com dolo ou culpa, ou quando tenham atuado, malgrado devessem saber estar impedidos ou suspeitos. Note-se que aqui o Legislador utiliza-se com propriedade técnica dos termos “impedido” e “suspeito”, diversamente do que o fizera nas normas anteriores.

“Art. 174. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criarão câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo, tais como:
I – dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da administração pública;
II – avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da administração pública;
III – promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta”.
Comentários: por esta norma programática, o CPC/2015 traça o objetivo de que os entes públicos em geral, mesmo aqueles que não possuem uma justiça própria (caso dos municípios), criem câmaras de mediação e conciliação na esfera administrativa, quase que nos moldes do que se imaginava pudesse existir no Brasil quando se criou o “contencioso administrativo”, mas com uma feição de conciliação e de mediação. Ainda é relativamente cedo para dizer se o objetivo do Legislador foi ou não alcançado.

“Art. 175. As disposições desta Seção não excluem outras formas de conciliação e mediação extrajudiciais vinculadas a órgãos institucionais ou realizadas por intermédio de profissionais independentes, que poderão ser regulamentadas por lei específica.
Parágrafo único. Os dispositivos desta Seção aplicam-se, no que couber, às câmaras privadas de conciliação e mediação”.
Comentários: dando-se conta o Legislador de que não cabia ao CPC/2015 regular a matéria relativa à conciliação e mediação senão naqueles principais aspectos que dizem respeito ao processo civil, e com o objetivo de não induzir o intérprete ao equívoco de considerar que as disposições do CPC/2015 teriam um alcance muito maior do que o desejado, cuidou o Legislador de, por meio do artigo 175, deixar tão claro quanto possível que outras formas de conciliação ou de mediação poderiam, e podem vir a ser objeto de uma regulação por lei específica, que, a rigor, deveria consubstanciar-se em uma espécie de um estatuto da conciliação e da mediação, com princípios e regras que se devem aplicar a todas as formas de conciliação e mediação, ocorridas ou não no processo.

“TÍTULO V
– DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Art. 176. O Ministério Público atuará na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses e direitos sociais e individuais indisponíveis”.
Comentários: ao longo do CPC/2015, são noventa e duas as normas que se referem ao Ministério Público e ao papel que lhe cabe realizar no processo civil. Se compararmos com o CPC/1973, no qual o Ministério Público era mencionado em setenta e três normas, constatamos que esse aumento no número de normas é o resultado de uma maior importância que o Ministério Público assumiu ao longo do tempo no processo civil.
Em sua grande maioria, as normas do CPC/2015 dizem respeito a função que o Ministério Público realiza como fiscal da lei (“custos legis”), quando lhe cabe, segundo o artigo 176, atuar na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses e direitos sociais e individuais indisponíveis, atuando, pois, como “custos legis” naquelas ações cíveis em que se caracteriza a presença do interesse público, ou quando há uma especial razão que tenha sido levada em consideração para que o Legislador considerasse como obrigatória a intervenção do membro do Ministério Público no processo civil, lembrando que o artigo 279 do CPC/2015 fixa como causa de nulidade do processo a hipótese da ausência de intervenção do Ministério Público.
A propósito dessa expressão “membro do Ministério Público”, que está presente em dez normas do CPC/2015, é importante observar que tal expressão, que aparecia uma única vez no texto do CPC/1973 (artigo 690-A), revela uma compreensão mais ajustada ao que representa hoje, no campo do processo civil, o princípio da unidade do Ministério Público, previsto no artigo 127, parágrafo 1o., da Constituição da República de 1988. Com efeito, se no campo institucional faz sentido dizer que o Ministério Público é uno, na medida em que seus procuradores e promotores integram um só órgão, sob a direção de um só chefe, no campo do processo civil isso não ocorre, porque se deve observar um outro princípio: o da unidade funcional, de maneira que é plenamente possível que um membro do Ministério Público emita seu posicionamento em um processo com o qual não venha a concordar outro membro do Ministério Público, como por ror vezes, aliás, ocorre em recursos de apelação, quando o promotor de justiça em primeiro grau tenha se posicionado em face da pretensão de maneira diametralmente oposta a que o procurador de justiça terá se pronunciado em seu parecer na instância recursal. A referência do CPC/2015 à expressão “membro do Ministério Público” reflete essa correta compreensão do atual papel do Ministério Público no processo e o respeito que se deve dar à autonomia funcional de cada um dos membros do Ministério Público em suas manifestações no processo civil.
Se cotejarmos o enunciado do artigo 127 do CPC/1973 em face do que estatui o artigo 176 do CPC/2015, veremos algumas importantes modificações. Dentre elas, a que deixa de prever que é essencial à função jurisdicional do Estado a atuação do Ministério Público, e isso por uma questão lógica, porque essa atuação, sobretudo como “custos legis” ocorre apenas naquelas estritas hipóteses em que a Lei a preveja, de maneira que não haveria sentido em afirmar-se em norma legal que o Ministério Público exerce uma função essencial à jurisdição, quando isso não corresponde à verdade.
Outra importante modificação diz respeito àquilo que se refere ao Ministério Público como instituição. Se, na década de setenta, ao tempo em que se preparava o projeto do que viria a ser tornar o CPC/1973, poder-se-ia dizer que o Ministério Público era ainda uma instituição não muito conhecida no Brasil, justificava-se que o Legislador então quisesse enfatizar certas garantias de natureza institucional, ao dizer que o Ministério Público era uma instituição permanente. Hoje, entretanto, quando a Constituição de 1988 cuida de, ela própria e com razão, regular o papel do Ministério Público não apenas em face do campo do Direito, mas mesmo da sociedade, não há mais a necessidade de um código de processo civil dizer que o Ministério Público é uma instituição permanente, quando a Constituição encarregou-se de deixar isso bastante claro.
Quanto às funções que o Ministério Público exerce no processo civil, o artigo 176 repete, quase que literalmente, aquilo que o artigo 127 do CPC/1973 previa, ao sublinhar que ao Ministério Público incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses e dos direitos sociais e individuais indisponíveis, havendo uma importante distinção que o artigo 176 trouxe ao se referir não apenas aos “direitos sociais e individuais indisponíveis”, mas também aos “interesses” juridicamente protegidos, distinção que a doutrina cuidou elaborado sobretudo depois do que havia ensinado o jurista português, MARCELLO CAETANO, quando, inicialmente nos domínios do direito privado, fixou com mão de mestre o que constitui um “interesse jurídico protegido”, distinguindo-o do conceito de direito subjetivo. Assim se pode dizer que, no CPC/2015, o papel do Ministério Público foi consideravelmente ampliado, conferindo-lhe o poder de atuar não apenas na proteção de direitos subjetivos, mas também de interesses juridicamente protegidos.

“Art. 177. O Ministério Público exercerá o direito de ação em conformidade com suas atribuições constitucionais”.
Comentários: dizendo o óbvio, o artigo 177 do CPC/2015 afirma que o Ministério Público exercerá o direito de ação em conformidade com as suas atribuições constitucionais, como se fosse dado ao Ministério Público o poder de exercer o direito de ação fora dos limites em que a Constituição de 1988 fixa suas atribuições. Este dispositivo demonstra como infelizmente o Legislador do CPC/2015 rendeu-se muitas vezes à pressão de algumas instituições, elaborando normas sem nenhum conteúdo prático, como a do artigo 177. Melhor seria que o CPC/2015 reproduzisse o artigo 81, e que assim dissesse o suficiente, o de que o Ministério Público exercerá o direito de ação nos casos previstos em lei, cabendo-lhe, no processo, os mesmos poderes e ônus que às partes.
São específicas as situações de direito material em face das quais o Ministério Público pode assumir a condição de parte, como, por exemplo, no caso de ação de nulidade de casamento, ou quando um interesse jurídico ou um suposto direito subjetivo da titularidade de um incapaz esteja sob risco e necessite da proteção jurisdicional, caso em que a Lei concede ao Ministério Público o direito de ação, atuando aí como um substituto legal do titular do direito material envolvido na demanda.
Deve-se fazer um registro especial quanto aos direitos difusos, para cuja proteção jurídica a Lei confere ao Ministério Público o direito de ação. Nos últimos anos, contudo, constata-se um número cada vez menor das ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público, seja no âmbito federal, seja sobretudo no âmbito dos Estados-membros. A Defensoria Pública vem aos poucos ocupando esse importante e sensível espaço de atuação político-jurisdicional.
Exercendo como parte o direito de ação, o Ministério Público sujeita-se aos mesmos deveres jurídico-legais que se aplicam a qualquer parte, como os deveres fixados no artigo 77 do CPC/2015. Mas possui os mesmos direitos processuais concedidos a qualquer parte, e a rigor deve ser tratado no processo civil como uma parte comum, sem se lhe conceder qualquer privilégio, inclusive no que diz respeito ao ônus da prova e encargos de sucumbência, pelos quais deve responder quando a pretensão que formule seja declarada como improcedente.

“Art. 178. O Ministério Público será intimado para, no prazo de 30 (trinta) dias, intervir como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou na Constituição Federal e nos processos que envolvam:
I – interesse público ou social;
II – interesse de incapaz;
III – litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana.
Parágrafo único. A participação da Fazenda Pública não configura, por si só, hipótese de intervenção do Ministério Público”.
Comentários: se compararmos com o elenco que era trazido pelo artigo 82 do CPC/1973, verificaremos que o número das hipóteses nas quais o Ministério Público deve atuar no processo civil como “custos legis”, ou seja, como fiscal da lei, foi ampliado, sobretudo porque o artigo 178 passou a prever situações genéricas, nas quais se revela a presença de um “interesse público ou social”, expressão de conteúdo intencionalmente indeterminado a ensejar a atuação do Ministério Público em variegadas situações.
O mesmo se pode dizer quanto ao enunciado do inciso III do artigo 178, quando fala em “litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana”, expressão que possui um conteúdo muito mais genérico do que tinha o artigo 82, inciso III, do CPC/1973.
Mas ainda uma vez o Legislador quis dizer e disse o óbvio no parágrafo único do artigo 178, quando afirma que a participação da Fazenda Pública, como parte ou sob a forma de assistência ou de alguma modalidade de intervenção de Federal, essa participação, pois, não supre à do Ministério Público. No estágio de desenvolvimento a que a doutrina e a prática do processo civil chegaram no Brasil não há quem, dentre os operadores jurídicos, confunda a Fazenda Pública com o Ministério Público. Essa diferença, além dos aspectos funcionais, decorre essencialmente da diferença de conteúdo que se deve extrair do conceito de “interesse público”, que varia conforme a perspectiva de atuação de um e de outro no processo civil. O interesse que confere à Fazenda Pública a condição de parte é a do interesse do ente público, enquanto o interesse que exige a atuação do Ministério Público é um interesse público geral e que não coincide necessariamente com o interesse de algum ente público.
O prazo fixado no “caput” do artigo 178 é daqueles que a doutrina chama de “impróprio”, no sentido de que não há nenhuma consequência no âmbito no processo civil quanto a seu decurso, se a providência prevista na norma legal não tiver ocorrido. Destarte, se, decorrido o prazo de trinta dias de que fala a referida norma, não advier a participação do Ministério Público, o juiz determinará uma nova intimação, ou então comunicará o fato à Procuradoria Geral do Ministério Público para que indique um outro promotor de justiça que atue no processo, salvo na hipótese em que a Procuradoria Geral, ela própria, entender não se caracterizar nenhuma das hipóteses legais que justifique a sua participação. Não há, portanto, preclusão na hipótese de o prazo legal decorrer sem qualquer providência do Ministério Público.

“Art. 179. Nos casos de intervenção como fiscal da ordem jurídica, o Ministério Público:
I – terá vista dos autos depois das partes, sendo intimado de todos os atos do processo;
II – poderá produzir provas, requerer as medidas processuais pertinentes e recorrer”.
Comentários: se como parte o Ministério Público exerce os mesmos direitos conferidos a qualquer parte, sujeitando-se da mesma forma aos deveres jurídico-legais, quando atua como fiscal da lei conta com prerrogativas que se justificam em razão do papel que executa no processo civil enquanto fiscal da lei, ou seja, em uma condição algo semelhante à do juiz.
Assim, segundo o artigo 179, o Ministério Público, quando atua como fiscal da lei, terá vista dos autos depois das partes, apresentando seu parecer quando puder conhecer do posicionamento das partes. Será também intimado de todos os atos do processo, e poderá produzir (rectius: requerer) as provas que forem pertinentes, além de pleitear ao juiz por medidas que sejam adequadas ao cumprimento da lei, também se lhe reconhecendo o direito de recorrer quando estiver em questão não o direito subjetivo de uma das partes, mas a lei em si, o que constitui o motivo de sua atuação no processo civil.
São esses os poderes especiais concedidos ao Ministério Público e que justificam o discrímem em virtude de sua atuação como fiscal da lei.

“Art. 180. O Ministério Público gozará de prazo em dobro para manifestar-se nos autos, que terá início a partir de sua intimação pessoal, nos termos do art. 183, § 1º.
§ 1º Findo o prazo para manifestação do Ministério Público sem o oferecimento de parecer, o juiz requisitará os autos e dará andamento ao processo.
§ 2º Não se aplica o benefício da contagem em dobro quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para o Ministério Público”.
Comentários: justifica-se que o Ministério Público, atuando como fiscal da lei (e não como parte) no processo civil, conte com algumas prerrogativas que são proporcionais, visto que atendem à finalidade para a qual estão previstas na norma do artigo 180.
Assim, o Ministério Público, quando atua como fiscal da lei, terá o prazo em dobro para fazer qualquer manifestação nos autos, iniciando-se esse prazo apenas a partir de sua intimação pessoal. Não disporá, contudo, de prazo em dobro na hipótese em que a Lei tiver previsto um determinado prazo ao Ministério Público.
Na tradição forense brasileira, é costume-se denominar-se de “parecer” a peça que o Ministério Público elabora no processo civil. Se, decorrido o prazo, o parecer não tiver sido apresentado, determina o parágrafo 1o. do artigo 180 do CPC/2015 que o juiz fará requisitar a devolução dos autos e dará andamento ao processo. Mas caberá ao juiz analisar se é ou não indispensável a manifestação do Ministério Público naquela situação processual específica. Se o considerar indispensável, deverá levar ao conhecimento da Procuradoria Geral da Justiça para a designação de outro promotor de justiça.

“Art. 181. O membro do Ministério Público será civil e regressivamente responsável quando agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções”.
Comentários: a exemplo do que sucede com o juiz e seus auxiliares, o CPC/2015, por identidade de razão, estende ao membro do Ministério Público a responsabilidade civil quando agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções, mas apenas daquelas funções que digam à sua condição de fiscal da lei, e não como parte no processo civil.
Enquanto parte, sujeita-se, aí não já não o promotor de justiça senão que a própria instituição, àqueles deveres jurídico-legais a que estão submetidas as partes, como o dever de dizer a verdade e todos os demais que o artigo 77 do CPC/2015.
Observe-se, tanto quanto se fez observar no caso da responsabilidade civil do juiz e de seus auxiliares, que se trata de uma responsabilidade civil subsidiária, que somente tem lugar quando o ente público tiver sido judicialmente condenado em ação de responsabilidade civil. O membro do Ministério Público, acionado por direito de regresso, será obrigado a ressarcir os cofres públicos apenas se houver prova de que tenha atuado com dolo ou fraude. Fora dessas situações, não cabe o direito de regresso. De resto, isso se aplica a todo servidor público, e não apenas ao juiz e ao membro do Ministério Público relativamente às suas funções no processo civil.
“TÍTULO VI- DA ADVOCACIA PÚBLICA
Art. 182. Incumbe à Advocacia Pública, na forma da lei, defender e promover os interesses públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por meio da representação judicial, em todos os âmbitos federativos, das pessoas jurídicas de direito público que integram a administração direta e indireta”.
Comentários: com o objetivo de prestigiar os órgãos públicos que de algum modo atuam no processo, o CPC/2015 trata da Advocacia Pública, expressão genérica que abrange todos aqueles órgãos que, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, representam judicialmente esses entes públicos. Mas ainda hoje é comum chamar-se esses órgãos de “procuradorias”, como se dá no Estado de São Paulo por exemplo, em que se denomina de “Procuradoria Geral do Estado” o nome do órgão que representa judicialmente o Estado e suas autarquias em processos judiciais, o que é seguido noutros Estados e Municípios. Apenas no âmbito da União Federal é que chama de “Advocacia Pública” esse órgão.
A finalidade da norma também é a de obstar, tanto quanto possível, que os entes públicos contratem escritórios particulares de advocacia para a atuação em processo judicial, como ocorria.
Vale recordar também que, em um passado que não está tão distante assim, a defesa da União Federal era realizada pelo Ministério Público Federal. Com a Constituição de 1988, criada a Advocacia Geral da União, essa anômala situação deixou de existir.

“Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal.
§ 1º A intimação pessoal far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico.
§ 2º Não se aplica o benefício da contagem em dobro quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para o ente público.”.
Comentários: seguindo a tradição que é de nosso direito positivo, o CPC/2015 manteve a regra de conceder aos entes públicos o privilégio de contar com um prazo em dobro em todas as suas manifestações processuais, seja quando ocupem o polo passivo de um processo, sejam quando nele são autores, ou mesmo quando atuem sob outra modalidade de intervenção, caso, por exemplo, da assistência. Terão sempre prazo em dobro para se pronunciarem no processo judicial, salvo se a lei, ela própria, tiver de maneira expressa fixado um prazo específico para a manifestação no processo.
Também se lhes reconhece o direito de serem intimados pessoalmente, seja por meio de carga dos autos, remessa ou meio eletrônico.
Durante a discussão sobre o projeto do que viria a se tornar o CPC/2015, analisou-se se a concessão de prazo em dobro a uma parte, no caso, aos entes públicos, não violava o princípio da igualdade, sobretudo porque havia a intenção de o CPC/2015 incorporar, como veio efetivamente a incorporar, o princípio da paridade de tratamento no processo (artigo 7o.). Destarte, conceder-se um prazo em dobro a uma parte, no caso, ao ente público, seria desatender a esse princípio. Ao cabo, concluiu-se, acertadamente, que é justificado o discrímem, depois de se analisar a questão sob o enfoque do princípio constitucional da proporcionalidade. O interesse público, com efeito, justifica o discrímem.

“Art. 184. O membro da Advocacia Pública será civil e regressivamente responsável quando agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções”.
Comentários: há aqui uma incongruência em que incidiu o Legislador. Com efeito, a Advocacia Pública representa uma parte no processo, representando o ente público como autor, réu ou quando atua em qualquer das modalidades de intervenção de terceiros. Como parte, é o ente público que responde civilmente na hipótese de, em sua atuação no processo, ter produzido um dano à parte contrária (o dano de indução processual, de que fala o processualista italiano, ÍTALO ANDOLINA). Daí porque o membro da Advocacia Pública, diversamente do que se dá com o membro do Ministério Público quando atua como fiscal da lei, não pode ser civilmente responsabilizado pelos atos que, em nome do ente público, tiver praticado no processo. O ente público é quem responde por esses atos, como se dá com qualquer parte.
O membro da Advocacia Pública poderá, é certo, ser alcançado pelo direito de regresso, tal como se dá com qualquer servidor público, se o ente público tiver sido condenado em processo judicial, e se o servidor público tiver agido com dolo ou fraude no exercício de suas funções.

“TÍTULO VII
– DA DEFENSORIA PÚBLICA
Art. 185. A Defensoria Pública exercerá a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, em todos os graus, de forma integral e gratuita”.
Comentários: criada, com essa denominação pela Constituição de 1988, a DEFENSORIA PÚBLICA constitui, segundo o que estabelece o artigo 134 da Constituição de 1988 (com a nova redação que lhe foi dada pela Emenda de número 80/2014), uma “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal”.
Cabe-lhe, pois, atuar tanto na fase de orientação jurídica, quanto em especial no processo judicial em favor dos necessitados (hipossuficientes), quer quando se trate de buscar a tutela jurisdicional acerca de direitos individuais, quer na situação em que o direito discutido é de natureza coletiva, abrangendo os direitos coletivos “strictu sensu” e os chamados “direitos difusos”, compartilhando com o Ministério Público esse papel.
Assim, o CPC/2015 em boa hora incorporou a seu texto a referência à Defensoria Pública, a reforçar seu status e sua importância no processo civil.
“Art. 186. A Defensoria Pública gozará de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais.
§ 1º O prazo tem início com a intimação pessoal do defensor público, nos termos do art. 183, § 1º.
§ 2º A requerimento da Defensoria Pública, o juiz determinará a intimação pessoal da parte patrocinada quando o ato processual depender de providência ou informação que somente por ela possa ser realizada ou prestada.
§ 3º O disposto no caput aplica-se aos escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito reconhecidas na forma da lei e às entidades que prestam assistência jurídica gratuita em razão de convênios firmados com a Defensoria Pública.
§ 4º Não se aplica o benefício da contagem em dobro quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para a Defensoria Pública”.
Comentários: a exemplo do que ocorre com o Ministério Público, o CPC/2015 concedeu à Defensoria Pública um semelhante tratamento processual, garantindo-lhe conte com um prazo em dobro para todas as manifestações no processo que a Defensoria Pública tiver que praticar, fixando o início do prazo no momento de sua intimação pessoal, prevendo o artigo 186, outrossim, que a Defensoria Pública, em tendo dificuldade de comunicação com a parte que patrocina, poderá requerer ao juiz que determine a sua intimação.
Esse tratamento processual privilegiado é estendido aos escritórios que, mantendo convênio com a Defensoria Pública, estejam a exercer no processo uma função delegada pela Defensoria Pública. Havia, ao tempo em que esteve em vigor o CPC/1973, dúvida a respeito, e o CPC/2015 fez bem em tratar de maneira expressa do tema.
O prazo em dobro não se aplica na hipótese que a Lei tiver estabelecido um prazo específico para a manifestação da Defensoria Pública.

“Art. 187. O membro da Defensoria Pública será civil e regressivamente responsável quando agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções”.
Comentários: aplica-se aqui o mesmo tratamento no campo da responsabilidade civil que é aplicado ao juiz e ao integrante do Ministério Público, no sentido de se estabelecer que o agente público, no caso, o integrante da Defensoria somente pode ser demandado, em direito de regresso, se houver prova de que tenha agido com dolo ou fraude no exercício de suas funções.

“LIVRO IV
– DOS ATOS PROCESSUAIS
TÍTULO I
– DA FORMA, DO TEMPO E DO LUGAR DOS ATOS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I
– DA FORMA DOS ATOS PROCESSUAIS
Seção I
– Dos Atos em Geral
Art. 188. Os atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial”.
Comentários: iniciando o título I do livro IV, o CPC/2015 regula a forma, o tempo e o lugar em que os atos processuais podem e, muitas vezes devem ser praticados, sob o risco de serem declarados nulos, como estabelece o referido artigo 188, ao destacar, tanto quanto o fazia o artigo 154 do CPC/1973, a possibilidade de que, ainda que nulo, o ato tenha alcançado a sua finalidade essencial, situação em que a nulidade não será declarada, mantendo-se a validez e a eficácia do ato no processo.
Se compararmos a redação do artigo 188 do CPC/2015 com a do artigo 154 do CPC/1973, veremos que, em essência, não houve nenhuma modificação, senão que um empobrecimento da linguagem, o que de resto, em sendo um fenômeno de ordem geral, não poderia deixar de fora o Legislador brasileiro.
No conteúdo do que forma o artigo 188 do CPC/2015 está o princípio da liberdade das formas, que, como todo princípio, tem um conteúdo propositalmente indeterminado, a conceder o espaço adequado para que o juiz extraia o conteúdo que se mostrar para ajustado às circunstâncias do caso em concreto, o que, aliás, o próprio artigo 188 em sua parte final ressalta, ao estatuir que devem ser considerados válidos os atos processuais que, malgrado desatendida a forma, tenham alcançado a sua finalidade essencial, o que a compasso limita o poder do juiz no controle de validez dos atos processuais, na medida em que sobreleva considerar se o ato produziu ou não seu principal efeito, e atendida a sua nuclear finalidade, caso em que se deve reputar válido o ato, conquanto desatendida a forma prevista em lei.
A doutrina mais antiga, como a de MONIZ DE ARAGÃO, diferencia “ato” de termo”, ao fixar que “ato” é gênero, enquanto o “termo” é espécie. Assim, sob a forma genérica de “ato” deve-se considerar tudo o que ocorre no processo, desde a peça inicial, ela própria um ato de iniciativa da parte, até a sentença, o ato pelo qual o juiz põe fim à fase cognitiva do procedimento comum (cf. artigo 203, parágrafo 1o., do CPC/2015). Os termos são atos praticados no processo diretamente pelos auxiliares do juízo, como os termos de audiência e de juntada por exemplo (cf. artigos 208 e 209 do CPC/2015).
Temos também a figura do “auto”, como os de constatação e de avaliação por exemplo, em que são atos processuais com uma finalidade específica que é a de fazer materializada no processo a reprodução de uma determinada realidade, como a situação em que o juiz realiza a inspeção (cf. artigo 484 do CPC/2015).
Há ainda a figura das “cartas”, como são denominados em particular os atos que se praticam no processo, geram nele efeitos, mas que são materialmente executados por quem não o integra, como são os casos das cartas rogatórias, de ordem e precatórias.

“Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos:
I – em que o exija o interesse público ou social;
II – que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes;
III – em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade;
IV – que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo.
§ 1º O direito de consultar os autos de processo que tramite em segredo de justiça e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e aos seus procuradores.
§ 2º O terceiro que demonstrar interesse jurídico pode requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e de partilha resultantes de divórcio ou separação”.
Comentários: aqui, sim, tivemos uma importante modificação ao estatuir o artigo 189, inciso III, que se deve observar o segredo em processos cujo conteúdo verse sobre “dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade”, com o que se ampliou consideravelmente o número de hipóteses em que o segredo deve ser aplicado, o que permite uma implementação adequada dos princípios constitucionais que protegem a dignidade humana, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas físicas e também jurídicas, o que, aliás, justifica se deva manter em segredo as ações que versem sobre arbitragem, tal como estabelece o inciso IV do artigo 189 do CPC/2015.
Outra importante novidade está em se acrescer ao interesse público o interesse social, como motivo para que se observe o segredo de justiça. Com efeito, a expressão “interesse público” revelara-se muitas vezes de difícil intelecção em situações práticas, o que o Legislador solucionou adequadamente ao prever que também o “interesse social”, que pode não ser necessariamente público, justifica o segredo de justiça.
As ações de direito de família usualmente contam com o segredo de justiça, de maneira que o artigo 189, inciso II, cuidou apenas de ampliar o elenco dessas ações, incluindo dentre delas as que versam sobre união estável, excluindo a ação de desquite, substituída que fora em nosso ordenamento jurídico pela ação de separação.
Os parágrafos 1o. e 2o. do artigo 189, reproduzindo o que formava o parágrafo único do artigo 155 do CPC/1973, trata do direito de consulta aos autos de processo no qual se tenha decretado o segredo de justiça, bem assim o direito de o terceiro requerer certidão, exigindo a comprovação de que exista um interesse jurídico que legitime esse direito.

“Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade”.
Comentários: o CPC/2015 traça uma importante linha de demarcação entre as ações que versam sobre direitos subjetivos acerca dos quais seja possível a autocomposição (os direitos de cunho essencialmente patrimonial), e aqueles direitos em que as partes, elas próprias, não podem alcançar sozinhas a solução da demanda, senão que a fazendo submetida a uma decisão judicial (os direitos chamados de personalíssimos, como em geral as questões do direito de família).
Essa linha de demarcação passa agora, no CPC/2015, a contar com um quid que diferencia os direitos patrimoniais dos personalíssimos: a possibilidade de as partes comporem-se sobre as regras processuais, sejam as que dizem respeito ao procedimento, sejam as que se referem ao ônus da prova, podendo alcançar inclusive os deveres de natureza processual.
Faltou ao CPC/2015, contudo, dizer o essencial: que a convenção que as partes podem fazer a respeito dessas matérias encontra um óbice intransponível e que radica no princípio do devido processo legal “processual” e “substancial”. Com o que não precisaria o Legislador dizer mais nada.
“Art. 191. De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso.
§ 1º O calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados.
§ 2º Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário”.
Comentários: em consequência de extrair do princípio constitucional da liberdade uma aplicação ao processo civil, o artigo 191 confere as partes o poder de fixarem um calendário todo próprio para a prática dos atos processuais, desde que estejam de acordo, e desde que isso não coloque em risco a garantia a um processo justo.
Ainda é cedo para concluir se tenha tornado uma experiência concreta o que o Legislador ideou com o artigo 191, mas um ambiente comumente litigioso que caracteriza o processo civil permite lobrigar que serão raríssimos os casos em que essa norma terá aplicação prática.
“Art. 192. Em todos os atos e termos do processo é obrigatório o uso da língua portuguesa.
Parágrafo único. O documento redigido em língua estrangeira somente poderá ser juntado aos autos quando acompanhado de versão para a língua portuguesa tramitada por via diplomática ou pela autoridade central, ou firmada por tradutor juramentado”.
Comentários: em sendo a jurisdição uma atividade que decorre do exercício da soberania de um país, nada mais natural que o CPC/2015 tenha, por seu artigo 192, estatuído que, em todos os atos e termos do processo civil, a língua portuguesa é de uso obrigatório.
Se nalgumas situações o Direito brasileiro permite que a legislação estrangeira possa ser aplicada em território nacional, como se dá, por exemplo, com algumas questões relacionadas ao Direito de Sucessões, no caso do processo civil não há nenhuma exceção: apenas o Direito Brasileiro é que pode ser aplicado, o que justifica que, em todos os atos que compõem o processo, a língua portuguesa deva ser aplicada. Documentos redigidos em língua estrangeira devem ser traduzidos para a nossa língua por tradutor juramentado, sem o que não podem ser conhecidos no âmbito do processo civil.
Note-se, por fim, que o Legislador tornou mais claro o enunciado normativo, ao afirmar que o uso da Língua Portuguesa é obrigatório, enquanto no CPC/1973 o artigo 156 estabelecia que “Em todos os atos e termos do processo é obrigatório o uso do vernáculo”, sem especificar de que vernáculo se tratava, embora parecesse evidentemente que o objetivo do Legislador era impor que se utilizasse do nosso vernáculo, ou seja, da Língua Portuguesa. Observe-se que, à época da elaboração do CPC/1973, o termo “vernáculo”, no sentido de um idioma próprio de um país, era mais comum do que é hoje, o que justifica a preferência do CPC/2015 pela expressão “língua portuguesa”, de uso mais corrente na atualidade.
“Art. 193. Os atos processuais podem ser total ou parcialmente digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico, na forma da lei.
Parágrafo único. O disposto nesta Seção aplica-se, no que for cabível, à prática de atos notariais e de registro”.
Comentários: como sói deveria ocorrer, o Legislador, atento à realidade e se ajustando a ela, permite que o processo civil, acompanhando uma evolução digital que se revelava em 2015 já então irreversível, possa ter seus atos produzidos sob a forma digital, criando a figura do processo civil digital, hoje totalmente consolidada em nosso país. A grande maioria dos processos civis já nascem digitais, algo que, em curtíssimo espaço de tempo, tornou-se corriqueiro em nossa justiça, a ponto de o processo físico ser visto como uma espécie de peça de museu.
Se, como dizia o filósofo e teórico da comunicação, Marshall McLuhan, o meio é a mensagem, não há duvidar que o processo civil sob a forma eletrônica, em tendo mudado o meio pelo qual é produzido (de autos físicos a autos digitais), também sofrerá mudança enquanto “mensagem”. Resta saber em que essa mudança consistirá, a nós que estamos a vivenciar a mudança ao tempo em que ela ocorre, o que torna mais difícil aferir, com precisão, aquilo que se altera. O papel do juiz no processo civil digital será o mesmo? As investigações nesse campo, que vão da Sociologia ao Direito em si, ainda são embrionárias.
O parágrafo único do artigo 193, regulando matéria que nada se refere ao processo civil, prevê que os atos notariais e de registros, aqueles que são praticados pelos cartórios extrajudiciais, possam ser objeto de digitalização.
“Art. 194. Os sistemas de automação processual respeitarão a publicidade dos atos, o acesso e a participação das partes e de seus procuradores, inclusive nas audiências e sessões de julgamento, observadas as garantias da disponibilidade, independência da plataforma computacional, acessibilidade e interoperabilidade dos sistemas, serviços, dados e informações que o Poder Judiciário administre no exercício de suas funções”.
Comentários: o Legislador brasileiro é fértil em elaborar enunciados normativos rebarbativos, com uma linguagem oca, como é um perfeito exemplo o artigo 194 do CPC/2015 ao se referir à “independência da plataforma computacional, acessibilidade e interoperabilidade dos sistemas”. O que a norma quis dizer é simplesmente que o processo civil, passando a ser digital, não deverá mudar em nada o que ocorria quando o processo era físico, no sentido de que deve ser mantida, tanto quanto possível, a publicidade dos atos processuais, salvo quando se tratar de sigilo, e que o acesso à justiça não pode ser obstado pelos sistemas digitais. Nada mais simples e singelo.
A rigor, era melhor que o Legislador nada dissesse, tão óbvio é o que pretendia dizer. E, aliás, mesmo que se se tratasse de um manual de informática, e não de um código de processo civil, talvez a linguagem empregada no artigo 194 ainda assim parecesse oca.
Art. 195. O registro de ato processual eletrônico deverá ser feito em padrões abertos, que atenderão aos requisitos de autenticidade, integridade, temporalidade, não repúdio, conservação e, nos casos que tramitem em segredo de justiça, confidencialidade, observada a infraestrutura de chaves públicas unificada nacionalmente, nos termos da lei.
Comentários: o que se disse a respeito do artigo 194 aplica-se inteiramente a este dispositivo. “Padrões abertos”, “temporalidade”, “não repúdio”, “infraestrutura de chaves públicas unificada nacionalmente”, são expressões de todas estranhas ao processo civil. Esse é, infelizmente, o padrão que se constata na legislação brasileira mais recente, em que o Legislador utiliza-se de tecnicismos vazios de sentido, embora muitas vezes o sentido esteja onde não se podia imaginar que estivesse. Não se acredita como um texto de importância como é o do CPC/2015, tendo passado por inúmeras comissões técnicas, apresente normas como as dos artigos 194 e 195. Se tínhamos antes um monumento legislativo como era o texto preparado por BUZAID e que se transformou no texto do CPC/1973, hoje temos normas como essas.
“Art. 196. Compete ao Conselho Nacional de Justiça e, supletivamente, aos tribunais, regulamentar a prática e a comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico e velar pela compatibilidade dos sistemas, disciplinando a incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos e editando, para esse fim, os atos que forem necessários, respeitadas as normas fundamentais deste Código”.
Comentários: malgrado a importância desse dispositivo legal, na prática ainda pouco se fez para o tornar uma realidade concreta. Atos de comunicação processual, como a citação e intimação, que poderiam ser facilmente realizados, por exemplo, por meio da ferramenta do “whatsapp”, ainda aguardam uma regulamentação do Conselho Nacional de Justiça, sem a qual os tribunais locais não podem avançar nessa matéria, pois que, segundo o artigo 196, a atuação dos tribunais é supletiva. O processo é eletrônico, mas os atos de comunicação processual não são ainda realizados por meio eletrônico.
Em estudos recentes sobre o tempo consumido no processo civil, confirmou-se aquilo que a experiência parecia demonstrar, a de que é possível agilizar os processos bastando apenas que se façam mais rápidos os meios de comunicação processual. Daí a urgente necessidade da edição de normas que regulem a forma como os atos de comunicação processual possam ocorrer por meio das ferramentas eletrônicas, por exemplo, a intimação dos advogados. Raríssimos são hoje os advogados que não possuem uma conta na plataforma digital que administra o “whatsapp”, de maneira que não haveria nenhum entrave tecnológico para que as intimações pudessem ser realizadas por essa ferramenta eletrônica.
A ressalva quanto a que se devam respeitar as normas fundamentais do Código constitui um truísmo, que a rigor deveria ter conduzido o legislador a dispensar a ressalva.

“Art. 197. Os tribunais divulgarão as informações constantes de seu sistema de automação em página própria na rede mundial de computadores, gozando a divulgação de presunção de veracidade e confiabilidade.
Parágrafo único. Nos casos de problema técnico do sistema e de erro ou omissão do auxiliar da justiça responsável pelo registro dos andamentos, poderá ser configurada a justa causa prevista no art. 223, caput e § 1º”.
Comentários: evidentemente que, implantado o processo civil eletrônico, as publicações de seus atos devem ocorrer também por meio eletrônico, conforme prevê o artigo 197, o qual por seu parágrafo único prevê a possibilidade de, em razão de algum problema técnico envolvendo o sistema, ou da alimentação de seus dados, caracterizar a justa causa de que trata o artigo 223, parágrafos 1o. e 2o., do CPC/2015, a ensejar a restituição do prazo para que a parte possa praticar o ato.

“Art. 198. As unidades do Poder Judiciário deverão manter gratuitamente, à disposição dos interessados, equipamentos necessários à prática de atos processuais e à consulta e ao acesso ao sistema e aos documentos dele constantes.
Parágrafo único. Será admitida a prática de atos por meio não eletrônico no local onde não estiverem disponibilizados os equipamentos previstos no caput”.
Comentários: poder-se-ia afirmar inócua a regra do artigo 198, não fosse o fato de haver ainda hoje diferenças acentuadas entre as diversas regiões do Brasil no que diz respeito ao avanço tecnológico, o que justifica a preocupação do CPC/2015 em determinar que o Poder Judiciário coloque à disposição de todos os equipamentos adequados para a prática dos atos processuais eletrônicos, prevendo ainda que, na ausência desses equipamentos, não seja a parte obstada a praticar o ato processual por outro meio que não o eletrônico.

“Art. 199. As unidades do Poder Judiciário assegurarão às pessoas com deficiência acessibilidade aos seus sítios na rede mundial de computadores, ao meio eletrônico de prática de atos judiciais, à comunicação eletrônica dos atos processuais e à assinatura eletrônica”.
Comentários: implementando no campo do processo civil a proteção jurídica às pessoas com deficiência, o artigo 199 do CPC/2015 determina que todas as unidades do Poder Judiciário devem assegurar a plena acessibilidade ao processo eletrônico, tanto no que diz respeito à prática dos atos judiciais, quanto nas comunicações eletrônica dos atos que ocorrem no processo, de modo que o Poder Judiciário deve buscar remover quaisquer obstáculos que possam afetar um efetivo acesso ao processo civil pelas pessoas com algum tipo de deficiência.
Lembremos do que estabelece o Estatuto da Pessoa com Deficiência (lei federal 13.146/2015), diploma legal destinado a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, para o que se revela de acentuada importância o acesso à justiça.
“Seção III
– Dos Atos das Partes
Art. 200. Os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais.
Parágrafo único. A desistência da ação só produzirá efeitos após homologação judicial”.
Comentários: tanto quanto existe uma teoria dos atos jurídicos em geral elaborada nos domínios do Direito Civil, há também uma teoria dos atos jurídicos que são praticados pelas partes no processo, e tanto quanto aqueles (os que ocorrem fora do processo), os atos processuais fazem produzir seus efeitos, que podem ser os de constituir direitos processuais, como também podem os fazer modificados ou mesmo extintos, conforme a manifestação de vontade das partes, manifestação que pode ser unilateral (de uma só das partes do processo), ou bilaterais (quando provém de ambas as partes).
A desistência é o exemplo de um ato unilateral e exclusivo do autor da ação, tanto quanto o é o ato de renúncia ao direito sobre o qual a pretensão se funda no processo. O ato unilateral que é exclusivo do réu é o de reconhecer a procedência do pedido. Dentre os atos bilaterais, o mais comum é o da transação.
Quanto ao momento em que os atos processuais fazem produzir os efeitos que lhes são próprios, a rigor isso se dá apenas no momento em que o juiz homologa a manifestação de vontade da parte, como ocorre em especial com a desistência da ação. Mas, diferentemente dos atos jurídicos em geral, em relação a outros atos processuais também se exige a homologação pelo juiz, como sucede, por exemplo, com a renúncia ao direito ou ao reconhecimento da procedência, o que, aliás, caracteriza os atos processuais praticados pelas partes, vinculando-os diretamente aos atos do juiz (do que o CPC/2015 cuida entre os artigos 203/205). Há que se observar com cuidado o advérbio “imediatamente” empregado no enunciado normativo do artigo 200, pois há que se considerar que, na maioria dos atos processuais, seus efeitos dependem da homologação pelo juiz.
Os atos processuais praticados pelas partes podem decorrer de uma manifestação de vontade que envolve um direito processual, um ônus processual ou um dever processual, e é necessário, pois distinguir cada um.
Configura um direito processual o poder que é conferido à parte no processo para praticar um determinado ato, sem que decorra qualquer consequência se a parte decide o não querer praticar. A interposição de um recurso é tipicamente um direito processual.
Diversamente, pois, do que ocorre com o ônus processual, em que o não praticar um determinado ato pode produzir consequências em prejuízo à posição processual da parte, como se dá, por exemplo, com o ônus de o autor provar o fato constitutivo do direito subjetivo que invoque. Desatendido esse ônus, o autor pode suportar que se declare a improcedência ao pedido.
Já o dever processual represente um ato processual que a Lei impõe como obrigatório à parte, como, por exemplo, o dever de agir com lealdade no processo, sujeitando a parte a sanções se viola esse dever jurídico-legal.
Conquanto exista um elemento em comum entre o ônus processual e o dever processual, que é uma consequência prevista pela Lei para a hipótese em que o ato não é praticado, no caso do dever processual essa consequência é uma sanção, ou seja, uma punição, o que não ocorre com o ônus processual.
Quando o artigo 200 fala, pois, que os atos das partes produzem imediatamente a constituição, a modificação ou a extinção de direitos processuais, é necessário considerar que a declarações unilaterais ou bilaterais de vontade podem estar ligadas não a direitos processuais, mas a um ônus ou um dever processual. São os efeitos produzidos que determinam se o que foi constituído, modificado ou extinto é um direito processual, ou um ônus ou ainda um dever processual.
Tal como ocorre no mundo dos atos jurídicos em geral, é comum distinguir os atos processuais dos fatos processuais. A morte da parte, por exemplo, é um fato processual que produz efeitos na relação jurídico-processual, que pode mesmo determinar a extinção do processo, por exemplo na hipótese tratada pelo artigo 485, inciso IX, do CPC/2015.

“Art. 201. As partes poderão exigir recibo de petições, arrazoados, papéis e documentos que entregarem em cartório”.
Comentários: Se em 1973, ao tempo da entrada em vigor do CPC, justificava-se que o Legislador inserisse no texto uma norma como a do artigo 160 (“Poderão as partes exigir recibo de petições, arrazoados, papéis e documentos que entregarem em cartório”), em 2015, quando surge o nosso novo CPC, evidentemente que a praxe forense estava suficientemente consolidada quanto à pratica de os cartórios judiciais firmarem recibo (aliás, um recibo eletrônico) das peças recebidas em protocolo, de maneira que não havia, como não há nenhuma necessidade de o Legislador ter previsto uma regra como a do artigo 201.
Como vem o leitor percebendo pela leitura destes comentários, há uma série de normas totalmente desnecessárias, e o Legislador faria bem em tornar mais enxuto o texto do CPC/2015.

“Art. 202. É vedado lançar nos autos cotas marginais ou interlineares, as quais o juiz mandará riscar, impondo a quem as escrever multa correspondente à metade do salário-mínimo”.
Comentários: ao tempo em que tínhamos o processo civil sob o formato físico (ainda temos esse formato, mas em vias de extinção), havia casos, sempre raros, em que algum advogado poderia lançar o que o artigo 161 do CPC/1973 chamava de “cotas marginais”, ou “interlineares”, ou seja, uma manifestação despropositada não quanto ao conteúdo, mas apenas quanto ao momento ou forma em que lançada. Não havia, por exemplo, ocasião propícia para o advogado manifestar-se no processo, mas ele desavisadamente o fazia por “cota”, ou seja, não por meio de uma petição, mas diretamente nos autos (neles escrevendo), o que justificava o qualificativo de “marginal”, no sentido de algo que está à margem, fora do padrão usual. “Interlinear”, registram os dicionários, é aquilo que está entre linhas, também com o significado de algo que está fora do padrão usual.
O CPC/2015 manteve essas expressões, como se vê do artigo 202, inclusive quanto à sanção de multa. Mas com a adoção do processo civil sob o formato eletrônico, não há mais razão para se falar em “cotas marginais ou interlineares”, o que significa dizer que a norma em questão constitui hoje letra morta, como, aliás, já o era mesmo no caso do processo civil sob o formato físico, raríssima era aquela conduta.
Seção IV
– Dos Pronunciamentos do Juiz
Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.
§ 1º Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução.
§ 2º Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no § 1º.
§ 3º São despachos todos os demais pronunciamentos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte.
§ 4º Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessário”.
Comentários: aproveitando-se da simplificação alcançada pelo CPC/1973 no reduzir a três as espécies dos atos praticados pelo juiz no processo (despachos, decisões interlocutórias e sentenças), o CPC/2015 manteve essa classificação, mas em vez de singelamente denominar de “atos do juiz”, como fazia o código anterior, fala em “pronunciamentos”, empregando uma expressão rebarbativa, que aliás só muito recentemente foi associada à “decisão judicial”, como abona o dicionário HOUAIS, não sendo, pois, esse o sentido principal dessa palavra. Melhor seria, em benefício da clareza, dizer apenas “atos do juiz”, como o fazia o CPC/1973, seguindo a tradição do direito brasileiro. Interessante registrar que, ao tempo em que vigia o CPC/1939, havia crítica quanto ao emprego do termo “pronunciamento” no artigo 861 daquele Código, o que foi censurado por LOPES DA COSTA: “Em técnica processual, pronunciamento não é palavra de uso, para definir atos judiciais”. (“Direito Processual Civil Brasileiro”, volume III, p. 244, José Konfino editor, 1948).
Para compreender o grau de simplificação que fora alcançado pelo CPC/1973, é necessário lembrar que o CPC/1939 distinguia a decisão interlocutória “simples” da “mista”, sendo a primeira a decisão que o juiz proferia relativamente à ordem do processo, enquanto a mista caracterizava-se como sendo a decisão que, de algum modo, prejudicava o exame da questão principal, pondo fim ao processo (sem resolução do mérito), ou não. É o que explica FREDERICO MARQUES em suas “Instituições de Direito Processual Civil”: “A decisão interlocutória mista, ou interlocutória com força de definitiva, pode ser decisão terminativa, ou decisão não terminativa. Aquela ocorre quando põe fim à relação processual, e a última nos demais casos”. Essa distinção foi eliminada no CPC/1973, que simplesmente estabeleceu como elemento que distingue a decisão interlocutória da sentença o fato de, nesta, sobrevir a extinção do processo, o que não ocorre quando se trata da decisão interlocutória.
E o CPC/2015, por seu artigo 203, parágrafo 1o., manteve essa simplificação, apenas acrescentando que, também na execução, é sentença o pronunciamento (rectius: ato) do juiz pelo qual ele faz extinguir a execução.
Mas em lugar de fixar como elemento que caracteriza a decisão interlocutória a resolução de uma questão incidente no processo, o parágrafo 2o. do artigo 203 adota o critério da exclusão, ao dizer que decisão interlocutória será “todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no § 1º.”, e também por um critério de exclusão, define o despacho como sendo “todos os demais pronunciamentos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte”.
Observemos que, no CPC/2015, surgiu uma nova figura: a do julgamento antecipado parcial do mérito, tratada no artigo 356, e é exatamente em razão dessa novel figura que o Legislador viu-se obrigado a modificar o critério pelo qual se caracteriza uma decisão interlocutória, que não é mais a resolução de uma questão incidente, porque quando há o julgamento antecipado parcial do mérito, o juiz não está a decidir uma questão incidente, senão que o mérito de uma ou mais das pretensões cumuladas no processo, proferindo uma decisão interlocutória que, como tal, é impugnável por agravo de instrumento.
ATOS MERAMENTE ORDINATÓRIOS: são os atos no processo que não são praticados pelo juiz, mas sim pelo cartório. O juiz poderá revê-los, e o fará por meio de despacho ou decisão interlocutória, conforme o conteúdo de sua decisão.
Convém lembrar que o CPC/2015, tanto quanto fazia o CPC/1973, determina o recurso cabível a partir do tipo de decisão proferida. Assim, se há uma decisão interlocutória, o recurso é o agravo de instrumento; se sentença, é o recurso de apelação, enquanto se se trata de um despacho, não há recurso a ser interposto, salvo na situação em que o despacho esteja a ocasionar um “inversão tumultuária no processo”, caso em que caberá o recurso da correição parcial, que é um recurso que está previsto no Código de Processo Penal, mas que nossa jurisprudência de há muito autoriza possa ser utilizado no processo civil, por inexistir no CPC um recurso que tenha a mesma finalidade da correição parcial.

“Art. 204. Acórdão é o julgamento colegiado proferido pelos tribunais”.
Comentários: a expressão “acórdão”, no sentido de “decisão proferida por tribunal em colegiado”, surge no CPC/1973 com o artigo 163 (“Recebe a denominação de acórdão o julgamento proferido pelos tribunais”). O CPC/2015 cuidou apenas aperfeiçoar o enunciado normativo, ao deixar claro que se deve denominar “acórdão” apenas o julgamento realizado por tribunais em colegiado, de maneira que as decisões monocráticas (aquelas proferidas por apenas um dos integrantes de uma turma julgadora) não podem ser chamadas de “acórdãos”.
A palavra “acórdão”, com o sentido que é dado pelo artigo 204, é reproduzida em diversas outras normas do CPC/2015, como, por exemplo, nos artigos 12, 489, parágrafo 1o., e 491.
Importante observar que por “acórdão” deve-se entender o texto integral daquilo que expressa o julgamento em colegiado, incluindo como partes integrantes a ementa (o resumo do que decidido) e os demais capítulos que o estruturam sob o plano formal. Equivocado dizer, portanto, que o acórdão é um “simples extrato do julgamento”. O que corresponde ao extrato, ou resumo do julgamento, é a ementa, que, nos termos do que estatui o artigo 943, parágrafo 2o., do CPC/2015, é parte obrigatória do acórdão.

“Art. 205. Os despachos, as decisões, as sentenças e os acórdãos serão redigidos, datados e assinados pelos juízes.
§ 1º Quando os pronunciamentos previstos no caput forem proferidos oralmente, o servidor os documentará, submetendo-os aos juízes para revisão e assinatura.
§ 2º A assinatura dos juízes, em todos os graus de jurisdição, pode ser feita eletronicamente, na forma da lei.
§ 3º Os despachos, as decisões interlocutórias, o dispositivo das sentenças e a ementa dos acórdãos serão publicados no Diário de Justiça Eletrônico”.
Comentários: se fossemos relacionar, dentre as normas que integram o CPC/2015, aquelas que dizem o óbvio, certamente nos assustaríamos com o expressivo número daquilo que é todo desnecessário, como se dá com o artigo 205, ao afirmar que os despachos, as decisões, as sentenças devem ser redigidos, datados e assinados pelos juízes, como se fosse possível supor que não o devessem ser, como também que tais atos do juiz devam ser publicados no Diário de Justiça Eletrônico, como se tem como certo que a publicidade oficial de tais atos depende dessa publicação.

“Seção V
– Dos Atos do Escrivão ou do Chefe de Secretaria
Art. 206. Ao receber a petição inicial de processo, o escrivão ou o chefe de secretaria a autuará, mencionando o juízo, a natureza do processo, o número de seu registro, os nomes das partes e a data de seu início, e procederá do mesmo modo em relação aos volumes em formação”.
Comentários: ao tempo em que surgia o CPC/1973, em um tempo para nós bastante distante, em que o processo civil era algo tão distante das pessoas comuns, justificava-se a preocupação do Legislador em regular minúcias, como a que trata o artigo 206, ao se referir a providências meramente burocráticas e da atribuição do “escrivão”, quando ainda se chamava por esse nome o responsável pelo cartório judicial, hoje denominado de “diretor”, o que, aliás, bastaria para demonstrar que algumas normas do CPC/2015 já nasceram antiquadas, a revelar uma desnecessária preocupação do Legislador em reproduzir, sempre que possível, o que o CPC/1973 havia regulado, olvidando-se que os tempos são outros, tanto quanto é outro o ambiente no qual o processo civil hoje atua, muito mais próximo das pessoas comuns, tantas são as pessoas que utilizam do processo civil, o que, aliás, constitui um importante elemento pelo qual se pode aferir do grau de civilização de um país e do nível de fortalecimento de seu Estado de Direito. Quanto maior o número de ações cíveis, mais civilizado um país, e mais aperfeiçoado está seu Estado de Direito, malgrado muitas vezes se pense o contrário, quando há segmentos que criticam o fenômeno da judicialização.
A norma do artigo 206 só esqueceu de observar que, com o processo civil sob o formato eletrônico, os atos que ali estão descritos foram substituídos por outros, que o meio digital impõe sejam feitos.

“Art. 207. O escrivão ou o chefe de secretaria numerará e rubricará todas as folhas dos autos.
Parágrafo único. À parte, ao procurador, ao membro do Ministério Público, ao defensor público e aos auxiliares da justiça é facultado rubricar as folhas correspondentes aos atos em que intervierem”.
Comentários: remetemos o leitor aos comentários que fizemos acerca do conteúdo de todo desnecessário do artigo 206 do CPC/2015, em especial diante das peculiaridades que envolvem o processo eletrônico.

“Art. 208. Os termos de juntada, vista, conclusão e outros semelhantes constarão de notas datadas e rubricadas pelo escrivão ou pelo chefe de secretaria”.
Comentários: compreende-se que, em 1973, ao tempo em que estava a ser elaborado o código de processo civil, houvesse ainda uma preocupação com a práxis forense, o que explica que o CPC/1973 previsse em seu artigo 168 quais os atos praticados pelo cartório, como os de “juntada” e “vista”, nomenclatura com a qual os advogados lidam desde o início de sua atividade profissional. Hoje, contudo, quando o processo eletrônico é uma realidade, e já era assim em 2015, não há sentido em um código de processo civil referir-se àquilo que é de interesse meramente prático.
“Art. 209. Os atos e os termos do processo serão assinados pelas pessoas que neles intervierem, todavia, quando essas não puderem ou não quiserem firmá-los, o escrivão ou o chefe de secretaria certificará a ocorrência.
§ 1º Quando se tratar de processo total ou parcialmente documentado em autos eletrônicos, os atos processuais praticados na presença do juiz poderão ser produzidos e armazenados de modo integralmente digital em arquivo eletrônico inviolável, na forma da lei, mediante registro em termo, que será assinado digitalmente pelo juiz e pelo escrivão ou chefe de secretaria, bem como pelos advogados das partes.
§ 2º Na hipótese do § 1º, eventuais contradições na transcrição deverão ser suscitadas oralmente no momento de realização do ato, sob pena de preclusão, devendo o juiz decidir de plano e ordenar o registro, no termo, da alegação e da decisão”.
Comentários: reproduzindo o artigo 169 do CPC/1973, o CPC/2015 cuidou apenas eliminar a vedação ao uso de abreviaturas no processo civil (!?).
(Remete-se ao leitor ao que falamos acerca da total desnecessidade de um código de processo civil do século XXI referir-se a aspectos de somenos importância, como são aqueles ligados ao que ocorre na práxis forense.)

“Art. 210. É lícito o uso da taquigrafia, da estenotipia ou de outro método idôneo em qualquer juízo ou tribunal”.
Comentários: o que justifica a importância desse dispositivo está propriamente em sua parte final, quando se autoriza que, no processo civil, adote-se qualquer método idôneo para a reprodução da linguagem que forma a essência do processo, o que permitirá que o processo civil adote as ferramentas que com o tempo irão surgindo.
Quanto à taquigrafia ou estenotipia, com a adoção do processo eletrônico, tais métodos têm hoje sua importância reduzida, ou praticamente inexistente. A taquigrafia, vale lembrar, constitui um termo geral que abrange todo método abreviado ou simbólico de escrita, permitindo melhorar a velocidade da escrita. Ao tempo, pois, em que as peças do processo civil eram datilografadas, a taquigrafia revelou-se um instrumento bastante interessante. Hoje, contudo, tanto quanto as máquinas de escrever, tornou-se objeto da história.

“Art. 211. Não se admitem nos atos e termos processuais espaços em branco, salvo os que forem inutilizados, assim como entrelinhas, emendas ou rasuras, exceto quando expressamente ressalvadas”.
Comentários: quando as peças do processo civil eram datilografadas, justificava-se a preocupação do Legislador com a forma da escritura, ou seja, com o modo pelo qual se materializavam as peças do processo civil, em que não deveria haver, por uma questão de segurança, espaços em branco, emendas, rasuras. Mais uma norma legal que, com o processo civil eletrônico, perdeu sua razão de ser.

“CAPÍTULO II
– DO TEMPO E DO LUGAR DOS ATOS PROCESSUAIS
Seção I
– Do Tempo
Art. 212. Os atos processuais serão realizados em dias úteis, das 6 (seis) às 20 (vinte) horas.
§ 1º Serão concluídos após as 20 (vinte) horas os atos iniciados antes, quando o adiamento prejudicar a diligência ou causar grave dano.
§ 2º Independentemente de autorização judicial, as citações, intimações e penhoras poderão realizar-se no período de férias forenses, onde as houver, e nos feriados ou dias úteis fora do horário estabelecido neste artigo, observado o disposto no art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal.
§ 3º Quando o ato tiver de ser praticado por meio de petição em autos não eletrônicos, essa deverá ser protocolada no horário de funcionamento do fórum ou tribunal, conforme o disposto na lei de organização judiciária local”.
“CAPÍTULO II
– DO TEMPO E DO LUGAR DOS ATOS PROCESSUAIS
Seção I
– Do Tempo
Art. 212. Os atos processuais serão realizados em dias úteis, das 6 (seis) às 20 (vinte) horas.
§ 1º Serão concluídos após as 20 (vinte) horas os atos iniciados antes, quando o adiamento prejudicar a diligência ou causar grave dano.
§ 2º Independentemente de autorização judicial, as citações, intimações e penhoras poderão realizar-se no período de férias forenses, onde as houver, e nos feriados ou dias úteis fora do horário estabelecido neste artigo, observado o disposto no art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal.
§ 3º Quando o ato tiver de ser praticado por meio de petição em autos não eletrônicos, essa deverá ser protocolada no horário de funcionamento do fórum ou tribunal, conforme o disposto na lei de organização judiciária local”.
Comentários: não há nada tão diretamente relacionado ao tempo como o processo civil. A vida e o processo civil mantêm entre si essa estreita conexão. Assim como se dá com a vida, tudo no processo é realizado em função do tempo, cuja dimensão impõe-se como uma das principais perspectivas sob as quais se pode analisar ontologicamente o processo civil. A etimologia da palavra “processo”, vinda do latim (“cedere pro”), ou seja, cair para a frente e que a rigor significa “andar”, implica, ela própria, a noção do tempo.
O processo é um caminhar no tempo, produzindo modificações, e essas modificações são produzidas pelos atos processuais. Diz JAIME GUASP: “É frequente dizer que, etimologicamente, processo equivale a avançar, a ação ou efeito de avançar. Porém, não cabe dúvida de que, em sentido próprio, cedere pro não significa senão o fenômeno de que uma coisa ocupe o lugar de outra, é dizer, que o que se faça referência não é tanto a um avançar como a uma série ou sucessão de acontecimentos que modificam uma determinada realidade (…)”. (“Concepto y Metodo de Derecho Procesal”, p. 8 – tradução nossa, Editorial Civitas, S. A.).
Donde a imperiosa necessidade de o Legislador regular o tempo no processo, fixando os prazos em que os atos podem e devem nele – no processo civil – ser realizados, como faz o CPC/2015, que, reproduzindo a última redação dada ao artigo 172 do CPC/1973, estabelece que os atos processuais devem ser realizados em dias úteis, das seis às vinte horas. Interessante observar que, na redação original do CPC/1973, o horário limite era das 18 horas.
Por “dia útil” há que se considerar o dia que não é feriado, cujo conceito exclui o daquele, o que é de importância em especial quanto ao sábado, dia acerca do qual não há lei em vigor no Brasil que o considere como feriado, de maneira que o sábado, para fins processuais, seria dia útil, e assim nele se poderia praticar ato processual, não fosse o que prevê o artigo 216 do CPC/2015, que estabelece como dia em que não haverá expediente forense.
Há que se ressaltar, contudo, que o artigo 212 trata dos limites de horário, seja o inicial (6 horas), seja o final (20 horas), o que concede aos regimentos de cada tribunal o poder discricionário de, nesse intervalo, regular o horário do expediente, ou seja, o horário em que a máquina administrativa estará em funcionamento, recebendo, por exemplo, as petições elaboradas pelos advogados.
Há, contudo, os atos qualificados pelo artigo 212 como “urgentes”, no sentido de que podem excepcionalmente ser praticados fora dos limites de horário previstos nesse artigo. O ato de citação, o de penhora, são atos que, segundo o que autoriza o parágrafo único do artigo 212, podem ser realizados nos feriados, ou fora daqueles limites de horário, respeitando-se, contudo, a proteção constitucional à casa, conforme estatui o artigo 5o. inciso XI, da Constituição de 1988.
Mas é importante destacar uma novidade que é trazida pelo processo eletrônico, e que projeta efeitos sobre a dimensão do tempo no processo civil, na medida em que os atos processuais praticados em processo eletrônico não estão sujeitos aos limites de horário (6h-20h), como o artigo 213 ressalva, aproveitando-se o Legislador de um predicado do mundo eletrônico, que é estar em atividade as vinte e quatro horas por dia.

“Art. 213. A prática eletrônica de ato processual pode ocorrer em qualquer horário até as 24 (vinte e quatro) horas do último dia do prazo.
Parágrafo único. O horário vigente no juízo perante o qual o ato deve ser praticado será considerado para fins de atendimento do prazo”.
Comentários: vez por outra, intencionalmente ou por falta de técnica, o Legislador brasileira mistura coisas diferentes em um mesmo dispositivo legal. É o que vemos aqui.
Na primeira parte do artigo 213, com efeito, a norma estatui que, adotado o processo eletrônico, os atos processuais podem ser praticados até as 24 horas do último dia do prazo, porque não haveria mesmo razão para se fixar um horário-limite, como o das 18 ou 20 horas, quando não há necessidade de que exista uma repartição pública aberta e disponível para a recepção da peça, porque o processo eletrônico está disponível as vinte e quatro horas do dia.
Na segunda parte da norma, o Legislador trata de outro assunto, sem relação com aquele: o do horário local, ou seja, do horário de funcionamento das repartições do Poder Judiciário em um território tão extenso como o nosso, em que há Estados que adotam o horário de verão, em que há também a diferença de fuso horário, o que justifica a regra legal que determina se observe o horário vigente na sede do juízo perante o qual o ato processual deva ser praticado. Mas essa segunda parte estaria melhor instalada como um dos parágrafos do artigo 212 do CPC/2015.

“Art. 214. Durante as férias forenses e nos feriados, não se praticarão atos processuais, excetuando-se:
I – os atos previstos no art. 212, § 2º ;
II – a tutela de urgência”.
Comentários: havendo atos que se caracterizam pela urgência, e que se os devam praticar no mesmo espaço de tempo possível, é natural que o CPC/2015 excepcione a regra de que, no período de férias e feriados, não se possam praticar atos processuais. Mas o CPC/2015, firme no propósito de o processo civil contar com um trâmite célere (artigo 4o. do CPC/2015), estendeu o conceito de “urgência”, para abranger atos que, no CPC/1973, não eram considerados como de urgência, como se pode concluir da comparação entre os enunciados do artigo 173 do código revogado e o artigo 214 do CPC/2015. Se, no CPC/1973, a citação era considerada como ato urgente apenas se havia risco de perecimento do direito discutido no processo, no CPC/2015 a citação é sempre, em qualquer circunstância, um ato de urgência e que assim pode ser praticado nas férias e feriados. O mesmo se deve dizer do ato de intimação, tornado assim um ato de urgência em qualquer circunstância.
Obviamente que, concedida a tutela de urgência, em qualquer de suas modalidades (tutelas de urgência de natureza cautelar, antecipada, de evidência), os atos que as envolvem são todos caracterizados como de urgência.
Importante destacar que, embora o artigo 212, parágrafo 2o., do CPC/2015 não se refira a todas as hipóteses que estavam previstas no artigo inciso II do artigo 173 do CPC/1973 (por exemplo, sequestro, depósito, separação de corpos), há que se considerar o conceito mais abrangente de “urgência” que o artigo 214 adotou e que, em se harmonizando, como deve ser harmonizado com o artigo 4o. do CPC/2015, conduz à conclusão de que, caracterizada a urgência, o ato processual pode e deve ser praticado durante as férias e feriados.

“Art. 215. Processam-se durante as férias forenses, onde as houver, e não se suspendem pela superveniência delas:
I – os procedimentos de jurisdição voluntária e os necessários à conservação de direitos, quando puderem ser prejudicados pelo adiamento;
II – a ação de alimentos e os processos de nomeação ou remoção de tutor e curador;
III – os processos que a lei determinar”.
Comentários: se há atos processuais urgentes, há ações, elas próprias, urgentes, sejam as que, por sua própria natureza, assim o devam ser, sejam aquelas ações consideradas pelo Legislador como urgentes dentro de um legítimo poder discricionário, o que justifica tenha a norma em questão afirmado que são considerados urgentes os processos que a lei assim o determine, como é o caso, por exemplo, da ação de desapropriação.
Dentre aquelas ações que são naturalmente urgentes, destaca-se a ação de alimentos, em que a necessidade de sustento material do alimentando impõe essa urgência, de maneira que seu trâmite não se suspenderá em virtude de férias ou feriados.
Há outras ações qualificadas pelo CPC/2015 como urgentes em virtude de algum ato que, só por si, é urgente, como é o caso da ação que envolve a nomeação ou remoção de tutor e curador.
E também são consideradas urgentes as ações de procedimento de jurisdição voluntária, tratadas entre os artigos 719-770 do CPC/2015. Lembremos, na esteira do que dizia FREDERICO MARQUES, que a jurisdição voluntária caracteriza-se pela presença de uma atividade de administração pública de interesses privados, como se dá, por exemplo, nas ações de notificação, interpelação, alienação judicial e herança jacente, ações que o CPC/2015 considera como urgentes, tanto quanto são urgentes todas as ações nas quais de alguma forma a tutela jurisdicional pretendida versar sobre conservação de direitos.
Em se tratando de ação urgente, estabelece o artigo 215 que seu trâmite não será suspenso durante as férias forenses (nos Estados em que existam essas férias), como também não se suspenderá pela superveniências dessas férias.

“Art. 216. Além dos declarados em lei, são feriados, para efeito forense, os sábados, os domingos e os dias em que não haja expediente forense”.
Comentários: para efeito de atos processuais, temos: a) dia útil, ou seja, aquele em que, havendo expediente forense, pode ser normalmente praticado ato processual; b) feriados, assim definidos pela legislação federal, estadual ou municipal; c) férias forenses, que compreendem o período de inatividade do Poder Judiciário, assim fixado por lei federal ou estadual.
O artigo 216 estabelece, contudo, que os sábados, domingos e os dias nos quais, por alguma especial razão, não haja expediente forense, esses dias são considerados para fins processuais como “feriados”, e neles não se podem praticar os atos processuais, o que equivale a dizer que os atos processuais não produzirão seus regulares efeitos.
Vimos que, no Brasil, não há lei federal fixando o sábado como dia não útil, de maneira que, a contrário sensu, deve-se considerar o sábado como dia útil, mas não para fins processuais em virtude do que estatui o artigo 216 do CPC/2015.
Devemos recordar que essas disposições aplicam-se, em essência, apenas aos processos físicos e aos atos que neles se praticam, porque em se tratando de processo eletrônico prevalece a regra do artigo 213 do CPC/2015.

Seção II
Do Lugar
“Art. 217. Os atos processuais realizar-se-ão ordinariamente na sede do juízo, ou, excepcionalmente, em outro lugar em razão de deferência, de interesse da justiça, da natureza do ato ou de obstáculo arguido pelo interessado e acolhido pelo juiz”.
Comentários: depois de regular a dimensão temporal dos atos processuais, o CPC/2015 os considera quanto ao local em que devam ser praticados, estabelecendo como regra geral devam ocorrer na sede do juízo, ou seja, no espaço territorial a que corresponde a competência do juiz daquele processo específico. Convém observar que não se está aqui a tratar da competência territorial, mas do espaço territorial em que está fisicamente instalado o juízo (fórum, que é o nome que, por tradição no direito brasileiro, é dado à construção física em que está instalado o juízo).
Haverá atos, contudo, que, por impossibilidade física, não poderão ser praticados no espaço territorial em que está instalado o juízo. Uma testemunha que resida fora da comarca (comarca, que, na justiça comum, é o nome dado à divisão territorial que se estabelece entre os municípios e a distribuição territorial da justiça estadual) deverá ser ouvida por carta precatória (instrumento pelo qual um juízo requisita a outro a prática de um ato processual específico, como a inquirição de uma testemunha). Nesse caso, o ato processual não será praticado na sede do juízo, mas naquele juízo cujo espaço territorial abranja o local de residência da testemunha a ser ouvida. Outro exemplo é o ato de penhora, a ocorrer no local em que o bem estiver.
Com o processo eletrônico, tal qual sucede com a dimensão temporal dos atos processuais, não há mais sentido em considerar-se o espaço físico em que o ato processual deva ser praticado. A penhora, por exemplo, que agora ocorre usualmente por meio eletrônico (bloqueio de dinheiro, de veículo automotor, etc …) ocorre em um espaço indefinido. E o mesmo ocorre com as inquirições de testemunhas realizadas em um “mundo virtual”.
Observe-se que o artigo 217 reproduz, com pobreza de estilo, aquilo que o artigo 176 do CPC/1973 estabelecia. A propósito, o leitor constatará em diversos enunciados normativos do CPC/2015 esse empobrecimento da linguagem, o que de resto é efeito de um fenômeno de maior alcance e que diz respeito a um uso cada vez mais limitado que se faz hoje da Língua Portuguesa.

“CAPÍTULO III
DOS PRAZOS
Seção I
Disposições Gerais
Art. 218. Os atos processuais serão realizados nos prazos prescritos em lei.
§ 1º Quando a lei for omissa, o juiz determinará os prazos em consideração à complexidade do ato.
§ 2º Quando a lei ou o juiz não determinar prazo, as intimações somente obrigarão a comparecimento após decorridas 48 (quarenta e oito) horas.
§ 3º Inexistindo preceito legal ou prazo determinado pelo juiz, será de 5 (cinco) dias o prazo para a prática de ato processual a cargo da parte.
§ 4º Será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo”.
Comentários: como observa JAIME GUASP em sua obra “Concepto y Metodo de Derecho Procesal”, devemos pensar o processo como uma série ou sucessão de acontecimentos que modificam uma determinada realidade, o que nos conduz à dimensão temporal no processo civil. Os atos processuais, com efeito, devem ocorrer segundo os prazos que a lei ou o juiz prevejam. Quando LIEBMAN diz que o processo é uma relação entre atos e uma relação entre sujeitos, pode-se acrescentar que essa relação ocorre no tempo, em um determinado tempo segundo o que prevê a lei, ou, como estabelece o parágrafo 1o. do artigo 218 do CPC/2015, segundo o que fixar o juiz, quando a lei não tiver estabelecido um prazo.
Não há, portanto, ato processual que possa ser praticado em um prazo indefinido. A segurança jurídica impõe que os atos processuais devam ser praticados em um determinado prazo, seja aquele fixado pela lei em relação a um determinado tipo de ato processual, seja pelo juiz, ou ainda em um prazo geral que, de acordo com o que prevê o artigo 218, parágrafo 3o., do CPC/2015, é de cinco dias.
Tempestivo, diz o CPC/2015, é o ato processual praticado antes do termo final do prazo, ou mesmo antes de seu termo inicial, nada impedindo que a parte pratique o ato processual antes mesmo de o prazo iniciar-se. Intempestivo, ou serôdio, é o ato praticado além do prazo legal.

“Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais”.
Comentários: atendendo ao anseio dos advogados, que com razão propugnavam se considerassem apenas os dias úteis na contagem dos prazos para a prática de atos processuais, e dentro de uma lógica imanente ao sistema, pois que não se podendo praticar atos processuais senão em dias úteis, não haveria sentido em contar o prazo em dias em que não houvesse expediente do Poder Judiciário, o CPC/2015, abandonando o regime que fora adotado pelo CPC/1973 – o dos prazos contínuos -, estabelece por seu artigo 219 que se devem computar apenas os dias úteis, quando se trata de ato processual para o qual a Lei ou o juiz tenham fixado um prazo contado em dias. Prazos fixados de outra forma, por exemplo, prazos em horas, meses, anos, contam-se continuamente, não se lhes aplicando, portanto, a regra do artigo 219.
Ao tempo em que vigorava o CPC/1973, os prazos eram contínuos, ou seja, seu curso não se suspendia ou se interrompia em razão de feriados ou dia em que não houvesse expediente do Poder Judiciário. Apenas que o prazo final era deslocado para o primeiro dia útil seguinte. Já no novel regime estabelecido pelo CPC/2015, os prazos são contados apenas quando há dia útil, de maneira que, sobrevindo feriado, o prazo é imediatamente suspenso, e seu curso é retomado para o primeiro dia útil seguinte.
Importante observar que o artigo 219 não se refere especificamente aos atos processuais, senão que ao cômputo do prazo para que se os pratiquem, o que leva à conclusão de que se deve aplicar essa regra legal a todo tipo de prazo processual, inclusive àqueles prazos que se aplicam aos juízes (prazo, por exemplo, o prazo para que profira decisão), e também aos prazos a que estão submetidos todos aqueles que de algum modo atuam no processo.
PRAZOS PROCESSUAIS: o parágrafo único do artigo 219 ressalta que a regra se aplica apenas a prazos processuais (àqueles, pois, fixados por lei ou pelo juiz), não se aplicando aos prazos que não tenham essa mesma natureza (processual). Portanto, aos prazos de direito material, esse regime de cômputo não se aplica. Lembremos do que prevê o artigo 132 do Código Civil acerca do cômputo dos prazos de direito material.

“Art. 220. Suspende-se o curso do prazo processual nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, inclusive.
§ 1º Ressalvadas as férias individuais e os feriados instituídos por lei, os juízes, os membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia Pública e os auxiliares da Justiça exercerão suas atribuições durante o período previsto no caput.

§ 2º Durante a suspensão do prazo, não se realizarão audiências nem sessões de julgamento”.

Comentários: o CPC/2015 tratou de oficializar o que, durante a vigência do CPC/1973, tornara-se uma prática e que variava entre os diversos tribunais do país: a existência de um recesso no período do final de cada ano, período que é comumente chamado de “recesso forense”, em que os prazos processuais são suspensos, salvo quanto àquelas ações para as quais a Lei tenha afastado essa suspensão. Agora, esse período tornou-se um padrão, obrigatoriamente adotado em todos os tribunais, fixado entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, período durante o qual os prazos processuais são suspensos, não se realizam audiências, nem sessões de julgamento.

Há, contudo, ações que, por previsão legal, não têm seus prazos suspensos durante o período do recesso forense, caso, por exemplo, da ação de desapropriação e de alimentos. Providências de natureza urgente também, como as tutelas provisórias de urgência e o habeas corpus cível formam exceção à regra legal, e não têm seus prazos suspensos durante o recesso forense.

Cuida o parágrafo 1o. do artigo 220 do CPC/2015 de observar que a suspensão dos prazos ocorre apenas para fins processuais, não causando nenhum influxo sobre a relação de trabalho que os juízes e seus auxiliares, integrantes do Ministério Público e da Defensoria Pública mantêm com o Poder Público, de maneira que, a despeito da suspensão dos prazos processuais, esses agentes e servidores públicos devem realizar normalmente as funções de seu respectivo cargo.

“Art. 221. Suspende-se o curso do prazo por obstáculo criado em detrimento da parte ou ocorrendo qualquer das hipóteses do art. 313, devendo o prazo ser restituído por tempo igual ao que faltava para sua complementação.
Parágrafo único. Suspendem-se os prazos durante a execução de programa instituído pelo Poder Judiciário para promover a autocomposição, incumbindo aos tribunais especificar, com antecedência, a duração dos trabalhos”.
Comentários: haverá situações que, surgidas dentro ou fora do processo, poderão de algum modo obstar a parte de praticar o ato processual no prazo que a lei ou o juiz tiverem estabelecido, caracterizando-se o que se denomina de “justo impedimento”, prevendo o artigo 221 do CPC/2015 que nesse tipo de situação se restituirá o prazo por tempo igual ao que faltava para a sua complementação.
Como são situações de todo imprevisíveis, o Legislador tomou o cuidado de fixar um elenco não exaustivo no artigo 313 do CPC/2015, sem obstar que o juiz possa ver caracterizado o justo impedimento nalguma especial situação, ainda que não prevista naquele rol. Aliás, o remeter o artigo 221 ao artigo 331 decorre de uma questão lógica, porque se o trâmite do processo deve ser suspenso, todos os atos que neles se deveriam praticar também, pela mesma razão, devem ser suspensos.
PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO: é algo comum que a parte, inconformada com alguma decisão desfavorável, em lugar de interpor recurso, requeira ao juiz que reexamine a situação. Esse requerimento, contudo, por não possuir forma ou figura de juízo, não faz suspender ou interromper o prazo de que a parte dispõe para a interposição de recurso, ou seja, não pode a parte alegar a ocorrência de um justo impedimento o fato de ter querido submeter ao juiz um “pedido de reconsideração”, em vez de ter desde logo interposto o recurso adequado.
O parágrafo único do artigo 221 traz uma novidade, que é a suspensão de processos que estejam abarcados em “programa de conciliação” e adotado pelo tribunal ou mesmo pelo Conselho Nacional de Justiça. Havendo, pois, a possibilidade de que as partes componham-se, justifica-se que os prazos processuais em curso sejam suspensos, até que se defina se a composição terá ou não sucesso. Mas essa suspensão alcança apenas aqueles processos que tenham sido afetados ao programa de conciliação.

“Art. 222. Na comarca, seção ou subseção judiciária onde for difícil o transporte, o juiz poderá prorrogar os prazos por até 2 (dois) meses.

§ 1º Ao juiz é vedado reduzir prazos peremptórios sem anuência das partes.
§ 2º Havendo calamidade pública, o limite previsto no caput para prorrogação de prazos poderá ser excedido”.

Comentários: a exemplo do que ocorria com o artigo 182 do CPC/1973, o Legislador incidiu no equívoco de tratar em uma mesma norma assuntos que não guardam entre si nenhuma relação, lógica ou jurídica, como ocorre nos enunciados que compõem o artigo 222 e seus dois parágrafos, do CPC/2015.

Trata-se, pois, da possibilidade de o juiz poder prorrogar prazos processuais em razão de dificuldade envolvendo o transporte das pessoas, ou quando exista uma calamidade pública. E ao lado desse tema, o artigo 222 cuida dos prazos peremptórios, que são aqueles prazos fixados por lei e, por natureza, improrrogáveis, como, por exemplo, o prazo para interpor recursos. No regime do CPC/1973, era vedado ao juiz, ainda que as partes quisessem, prorrogar ou reduzir esse tipo de prazo processual, o que no CPC/2015 é, em parte, permitido, apenas para a redução de prazos peremptórios, desde que as partes manifestem seu consentimento, ou mais propriamente, desde que as partes, em comum acordo, tenham requerido ao juiz a redução do prazo.

Poder-se-ia argumentar que a prorrogação dos prazos peremptórios pode se dar não pela vontade das partes, mas em virtude daquelas situações previstas no artigo 222, ou seja, de dificuldade de transporte ou por força de calamidade pública. Mas em face desse tipo de situação, não apenas os prazos peremptórios devem ser prorrogados, mas todos os tipos de prazos processuais, peremptórios ou não, senão que o próprio processo deve ser suspenso, de maneira que o Legislador, fazendo uso da boa técnica, deveria ter regulado acerca da prorrogação dos prazos em geral em razão de alguma dificuldade local ou calamidade pública, deixando para uma outra norma o tratar dos prazos peremptórios e da possibilidade de sua redução por consenso entre as partes.

Importante adscrever que o juiz deve sempre analisar se a manifestação de vontade das partes quanto à redução de prazos peremptórios, se essa redução não estará a colocar uma das partes, ou mesmos ambas as partes em uma situação de injustificada desproteção jurídica nas circunstâncias do caso em concreto, em uma análise que passa necessariamente pela aplicação do princípio constitucional da proporcionalidade e da ponderação como forma de controle da garantia a um processo justo.

“Art. 223. Decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa.

§ 1º Considera-se justa causa o evento alheio à vontade da parte e que a impediu de praticar o ato por si ou por mandatário.
§ 2º Verificada a justa causa, o juiz permitirá à parte a prática do ato no prazo que lhe assinar”.

Comentários: diante da importância da dimensão temporal no processo civil, e como uma consequência lógica, o CPC/2015 estabelece que, decorrido o prazo fixado pela lei ou pelo juiz, sem que a parte tenha praticado o ato processual, caracteriza-se como uma consequência legal a preclusão (no caso, a preclusão temporal), não havendo necessidade, pois, de o juiz declarar que a preclusão se configura – ela é, portanto, um efeito diretamente decorrente da lei.
Poderá a parte, contudo, comprovar que, em virtude de um evento alheio à sua vontade, não pudera, por si ou por seu mandatário, praticar o ato, e nesse caso, caracterizado o justo impedimento, o juiz declarará que a preclusão não produzirá seus efeitos, fixando um novo prazo para que a parte possa praticar o ato processual.
Cotejando o enunciado normativo do artigo 223 do CPC/2015 com o do artigo 183 do CPC/1973, constatará o leitor que o novel Código não fala em “evento imprevisto”, mas apenas em “evento alheio à vontade da parte”. Há aí uma importância modificação trazida com o artigo 223 do CPC/2015, pois que é possível que se tenha um evento alheio à vontade da parte, conquanto previsível, situação que, no CPC/2015, faz afastar a preclusão, enquanto no regime do CPC/1973 havia um rigor maior, porque se exigia que o evento não apenas fosse alheio à vontade da parte, mas também imprevisível.
É de relevo observar que a preclusão temporal produz efeitos também no que diz respeito à emenda de um ato processual já praticado, situação que, não prevista expressamente no artigo 183 do CPC/1973, agora compõe o enunciado normativo do artigo 223 do CPC/2015.

“Art. 224. Salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento.
§ 1º Os dias do começo e do vencimento do prazo serão protraídos para o primeiro dia útil seguinte, se coincidirem com dia em que o expediente forense for encerrado antes ou iniciado depois da hora normal ou houver indisponibilidade da comunicação eletrônica.
§ 2º Considera-se como data de publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça eletrônico.
§ 3º A contagem do prazo terá início no primeiro dia útil que seguir ao da publicação”.

Comentários: como é mais frequente no processo civil que os prazos sejam fixados em dias, o Legislador estabelece seu termo inicial, prevendo que os prazos (em dia) serão contados excluindo-se o dia do começo, mas se incluindo o dia do vencimento, prevendo, outrossim, que se o começo do prazo (seu termo inicial), ocorrer em um dia em que, por qualquer circunstância, o expediente forense tiver sido encerrado antes, ou iniciado fora do horário normal, ou também na situação em que houve indisponibilidade da comunicação eletrônica, em qualquer desses casos o prazo inicial será deslocado para o primeiro dia útil seguinte, o mesmo sucedendo com o termo final, se ocorrido em qualquer dessas mesmas situações. Em lugar de o artigo 224 falar em “prorrogação” do prazo para essas hipóteses, como fazia o artigo 184 do CPC/1973, usa o verbo “protrair”, no sentido de que os termos inicial e final serão adiados para o primeiro dia útil seguinte.
Ainda acerca do termo inicial dos prazos processuais, o parágrafo 2o. do artigo 224 estabelece que se considerará como data de publicação o primeiro dia útil seguinte àquele em que se dá a disponibilização da informação no Diário da Justiça eletrônico, iniciando-se o prazo no primeiro dia útil que se seguir ao da publicação.
Quanto aos prazos fixados em horas, ou em minutos, o CPC/2015 não regula o tema, de maneira que se deve aplicar, por analogia, o que o Código Civil estabelece em seu artigo 132, parágrafo 4o., contando-se de minuto a minuto os prazos processuais, e de hora aqueles fixados em horas. Exemplo de prazos fixados em minutos no CPC/2015: artigo 364 (prazo para alegações finais em audiência).
CONTAGEM REGRESSIVA: para certas hipóteses (como a do artigo 477), o CPC/2015 fixou prazos cuja contagem é de ser feita regressivamente, havendo, pois, um ato processual que deve ser praticado no intervalo entre dois atos. Assim, por exemplo, o prazo de que dispõe o perito para protocolizar seu laudo, o que deve ocorrer em pelo menos vinte dias antes da audiência de instrução e julgamento. Quanto ao termo final do prazo que se conta regressivamente, deve-se observar o que prevê o artigo 224.

“Art. 225. A parte poderá renunciar ao prazo estabelecido exclusivamente em seu favor, desde que o faça de maneira expressa”.
Comentários: pode a parte, diz o artigo 225, manifestar a vontade de renunciar a um prazo que, por lei ou por decisão do juiz, envolva um ato que essa mesma parte há que praticar no processo. A renúncia, portanto, não pode produzir efeitos quando se cuida de prazo comum, que é o tipo de prazo que envolve a prática de ato processual por ambas as partes (autor e réu).
A renúncia em questão não produz efeitos limitados ao tempo, porque a parte, renunciando ao prazo, abre mão de praticar o ato processual a que se liga esse prazo, e esse aspecto é de fundamental importância para observar que a renúncia a prazo processual não pode produzir efeitos quando o direito material discutido na demanda é indisponível (como nas ações de direito de família, por exemplo). Se não cabe a renúncia ao direito material nesse tipo de ação, não cabe, por conseguinte, a renúncia a prazo processual, porque, conforme destacado, não se trata apenas de renunciar ao prazo, mas de renunciar ao ato processual que, durante esse prazo, seria praticado, ato que pode trazer importantes consequências na relação jurídico-processual, o que mereceu o cuidado do Legislador em não admitir, nesse tipo de ação, a renúncia, seja ao direito material em si, seja a prazo processual.
No artigo 186 do CPC/1973 não se exigia que a renúncia fosse feita de maneira expressa, o que parecia admitir a renúncia tácita, a ocorrer, por exemplo, na situação em que a parte deixava decorrer o prazo sem a prática do ato, o que equivalia, em efeitos jurídicos, à renúncia. Mas a renúncia nesse tipo de situação somente pode ser expressa, porque o Legislador não pode obrigar a parte que pratique um determinado processual, salvo quando em questão um dever jurídico-legal, e não apenas um direito ou um ônus processual, de maneira que a parte pode simplesmente deixar de praticar o ato processual em lugar de manifestar a renúncia, com efeitos, contudo, que serão idênticos em ambas as situações (por renúncia ou pelo simples decurso do tempo). Daí a razão pela qual o artigo 186 do CPC/1973 sabiamente não fala em algo que era óbvio, equívoco em que incidiu o Legislador do CPC/2015.
LITISCONSÓRCIO: no litisconsórcio facultativo, ativo ou passivo, como os litisconsortes são considerados litigantes distintos e independentes um dos outros, o litisconsorte pode manifestar a vontade de renunciar ao prazo desde que o ato processual a praticar seja de seu exclusivo interesse. Mas se o prazo for comum a todos os litisconsortes, a renúncia não pode produzir efeitos, o que explica a razão pela qual a renúncia não cabe em se configurando o litisconsórcio necessário, nem no litisconsórcio unitário.

“Art. 226. O juiz proferirá:
I – os despachos no prazo de 5 (cinco) dias;
II – as decisões interlocutórias no prazo de 10 (dez) dias;
III – as sentenças no prazo de 30 (trinta) dias”.

Comentários: em sendo a dimensão temporal de destacada importância no processo civil, era de todo natural que o Legislador cuidasse regular em todos seus aspectos e efeitos como o tempo se projeta no processo civil e como se o deve regular, o que passa necessariamente por se fixarem prazos para que o juiz proferira despachos, decisões e sentenças.
Daí estabelecer o artigo 226 que o juiz terá o prazo de cinco dias para que profira despachos, dez dias para as decisões interlocutórias, e trinta dias para que prolate sentenças.
No CPC/1973, a norma falava apenas em “decisões”, abrangendo as decisões interlocutórias e as sentenças, para as quais o juiz dispunha do prazo de dez dias para as proferir. No CPC/2015, o artigo 226 fixa prazo específico para que o juiz profira as decisões interlocutórias (dez dias), diverso do prazo de trinta dias para que o juiz profira sentença.

Esses prazos, contudo, são considerados como “prazos impróprios”, ou seja, não se submetem ao regime da preclusão, o que significa dizer que se o juiz desrespeita os prazos fixados no artigo 226 nenhum efeito ocorre no processo. Há apenas consequências de ordem disciplinar contra o juiz, conforme prevê o artigo 235 do CPC/2015.

Acerca da conceituação legal de despachos, decisões interlocutórias e sentenças, remetemos o leitor ao artigo 203 do CPC/2015 e aos comentários que fizemos acerca dessa norma.

“Art. 227. Em qualquer grau de jurisdição, havendo motivo justificado, pode o juiz exceder, por igual tempo, os prazos a que está submetido”.
Comentários: excesso de serviço, número insuficiente de servidores, complexidade da causa ou outra alguma outra ponderosa razão podem justificar que o juiz, em determinada situação, não consiga proferir despacho/decisão/sentença nos prazos fixados no artigo 266 do CPC/2015, prevendo-se então que o juiz contará com o prazo em dobro para o fazer.
Como se cuidam de prazos impróprios, pareceu necessário ao Conselho Nacional de Justiça adotar um parâmetro único, ou seja, o prazo de cem dias corridos, contado da conclusão ao magistrado, como critério para definir se há ou não atraso, mas apenas para fim disciplinar. Embora se trate de uma norma administrativa, seu principal objetivo é contribuir para que a norma do artigo 227 do CPC/2015 seja eficaz, conduzindo os magistrados a que, dentro do possível, profiram decisões (a dizer, despachos, decisões interlocutórias e sentenças) no prazo legal.

“Art. 228. Incumbirá ao serventuário remeter os autos conclusos no prazo de 1 (um) dia e executar os atos processuais no prazo de 5 (cinco) dias, contado da data em que:
I – houver concluído o ato processual anterior, se lhe foi imposto pela lei;
II – tiver ciência da ordem, quando determinada pelo juiz.
§ 1º Ao receber os autos, o serventuário certificará o dia e a hora em que teve ciência da ordem referida no inciso II.
§ 2º Nos processos em autos eletrônicos, a juntada de petições ou de manifestações em geral ocorrerá de forma automática, independentemente de ato de serventuário da justiça”.
Comentários: responsável pela movimentação dos atos processuais, ao serventuário o artigo 228 do CPC/2015 fixa prazos para que realize essa movimentação, de modo que o juiz receba os autos, sejam os do processo físico, sejam os do processo eletrônico, dentro dos prazos que esse dispositivo fixa, havendo apenas uma particularidade que envolve o processo eletrônico, no qual a juntada de petições ou de manifestações em geral ocorre de forma automática, como é próprio do sistema de automação que envolve o meio eletrônico. Mas mesmo no caso do processo eletrônico e de sua automação, cabe ao serventuário observar os prazos que lhe são estabelecidos, como, por exemplo, na certificação do momento em que teve ciência da ordem judicial, iniciando-se o prazo para a execução do que fora determinado.
“Art. 229. Os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal, independentemente de requerimento.
§ 1º Cessa a contagem do prazo em dobro se, havendo apenas 2 (dois) réus, é oferecida defesa por apenas um deles.
§ 2º Não se aplica o disposto no caput aos processos em autos eletrônicos”.
Comentários: muito em breve, recordaremos do processo civil em formato físico como fazemos, por exemplo, com a máquina de escrever: uma peça de museu, tanto quanto o será a regra do artigo 229 do CPC/2015, ao prever que, em caso de litisconsórcio, quando os litisconsortes têm procuradores diferentes, que então os prazos se contem em dobro, o que é natural em razão de, na grande maioria das vezes, possuir-se apenas um exemplar do processo físico, de modo que se justificava a ampliação do prazo para qualquer manifestação dos advogados dos litisconsortes, dada a impossibilidade física de os autos do processo estarem em dois ou mais lugares diversos ao mesmo tempo.
O CPC/2015 já lobrigava que essa norma tornar-se-ia em breve inócua, quando o processo eletrônico estivesse a ser adotado de modo generalizado, como está prestes a ocorrer. Como é da essência do processo civil sob o formato digital a ubiquidade, não há razão que justifique o prazo em dobro a advogados em caso de litisconsórcio, pela simples razão de que todos podem, ao mesmo tempo, ter acesso ao processo civil digital.

“Art. 230. O prazo para a parte, o procurador, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública e o Ministério Público será contado da citação, da intimação ou da notificação”.
Comentários: a norma em questão cuida do termo inicial para a contagem dos prazos no processo civil, ao estabelecer que, seja para a parte, procurador, Advocacia Pública, Defensoria Pública, seja também para o Ministério Público, o prazo se inicia a partir da citação, se de citação se tratar, ou da intimação ou notificação, conforme se tratar de um desses atos de comunicação processual.
O CPC/2015 explicitou o que o artigo 240 do CPC/1973 não fazia, quer ao trazer expressa referência a atos processuais como os de citação, intimação e notificação, quando a norma do código anterior referia-se apenas à intimação, quer também ao incluir, além da parte e do Ministério Público, a Defensoria Pública e a Advocacia Pública, deixando de se referir à Fazenda Pública, representada no processo civil por esta última instituição.
Também é importante observar que o artigo 230 não abre nenhuma exceção, diversamente do fazia o artigo 240 do CPC/1973, que, como regra geral, fixava o início da contagem do prazo da intimação, “salvo disposição em contrário”. No CPC/2015, não há exceção, de maneira que os prazos necessariamente se iniciam a partir do momento em que ocorrem a citação, intimação ou intimação.
No processo civil sob o formato digital, perde o interesse uma distinção da qual a doutrina travava quando havia apenas o processo físico, ao se referir à distinção entre “ciência” do ato processual” e “início” do prazo, porque poderia ocorrer de a parte ter tido conhecimento extraoficial de um determinado ato ocorrido no processo, o que, entretanto, não fazia iniciar o prazo, senão que apenas no momento em que houvesse ciência oficial do ato. No processo eletrônico, basta que o ato ocorra (o de citação, intimação e notificação), e o prazo se inicia a partir do momento em que qualquer desses atos ocorre, não havendo lugar para um conhecimento senão que oficial desses atos, o que é um atributo do processo eletrônico.

“Art. 231. Salvo disposição em sentido diverso, considera-se dia do começo do prazo:
I – a data de juntada aos autos do aviso de recebimento, quando a citação ou a intimação for pelo correio;
II – a data de juntada aos autos do mandado cumprido, quando a citação ou a intimação for por oficial de justiça;
III – a data de ocorrência da citação ou da intimação, quando ela se der por ato do escrivão ou do chefe de secretaria;
IV – o dia útil seguinte ao fim da dilação assinada pelo juiz, quando a citação ou a intimação for por edital;
V – o dia útil seguinte à consulta ao teor da citação ou da intimação ou ao término do prazo para que a consulta se dê, quando a citação ou a intimação for eletrônica;
VI – a data de juntada do comunicado de que trata o art. 232 ou, não havendo esse, a data de juntada da carta aos autos de origem devidamente cumprida, quando a citação ou a intimação se realizar em cumprimento de carta;
VII – a data de publicação, quando a intimação se der pelo Diário da Justiça impresso ou eletrônico;
VIII – o dia da carga, quando a intimação se der por meio da retirada dos autos, em carga, do cartório ou da secretaria.
IX – o quinto dia útil seguinte à confirmação, na forma prevista na mensagem de citação, do recebimento da citação realizada por meio eletrônico.
§ 1º Quando houver mais de um réu, o dia do começo do prazo para contestar corresponderá à última das datas a que se referem os incisos I a VI do caput .
§ 2º Havendo mais de um intimado, o prazo para cada um é contado individualmente.
§ 3º Quando o ato tiver de ser praticado diretamente pela parte ou por quem, de qualquer forma, participe do processo, sem a intermediação de representante judicial, o dia do começo do prazo para cumprimento da determinação judicial corresponderá à data em que se der a comunicação.
§ 4º Aplica-se o disposto no inciso II do caput à citação com hora certa”.
Comentários: o extenso artigo 231, com seus nove incisos e quatro parágrafos, tem por objetivo fazer o mesmo que o artigo 241 do CPC/1973 fizera, ao trazer para o texto legal o que a jurisprudência havia adotado como uma práxis envolvendo as diversas situações acerca dos prazos em geral no processo civil brasileiro, sem eliminar a sempre aberta possibilidade de que, em se tratando de fixação de termo inicial de prazos, venham surgir situações que o Legislador não terá podido prever. Como se trata de fixar o momento temporal em que os atos de comunicação processual realizam-se, e como em muitas hipóteses o não praticar a parte o ato processual no prazo legal faz incidir a preclusão com seus momentosos efeitos, é de acentuada importância que o Legislador, em nome da segurança jurídica, seja preciso ao fixar o termo inicial dos prazos processuais, que, em essência, é o momento em que se presume que a parte esteja ciente do conteúdo do ato processual e possa em face desse conteúdo reagir conforme seus interesses.
Preclusão temporal, importante lembrar, é aquela que se caracteriza pela perda de um direito ou faculdade processuais em virtude de o ato não ter sido praticado no prazo legalmente estabelecido. Houve, em tempos passados, quem colocasse em questão, com alguma seriedade, se o ato processual praticado antes do início do prazo poderia ser considerado como um ato praticado fora do prazo legal. Se no plano lógico a questão poderia se justificar, no campo do processo civil a pergunta era despropositada, na medida em que, obviamente, a preclusão temporal somente se caracteriza quando o prazo é superado, mas não quando a parte, por vontade própria, antecipa-se ao termo inicial legalmente fixado, o que, na prática, significa ter trazido para o momento em que o ato processual seu início, que é nessa situação concomitante à consecução do ato processual.
Abarca o artigo 231 do CPC/2015, pois, um conjunto de variadas hipóteses, ao estabelecer que, realizada a citação ou intimação pelo correio, será da data da juntada aos autos do processo do aviso do recebimento que se iniciará o prazo, seja para a apresentação pelo réu da resposta, seja para a prática do ato processual para o que a intimação foi realizada. Mas quando a citação ou a intimação foram realizadas por oficial de justiça, será da data da juntada do mandado (de citação ou intimação) que se iniciará o prazo. E quando se trata de ato de citação ou intimação por edital, então o prazo se iniciará a partir do primeiro dia útil seguinte ao do término do prazo fixado no edital.
Os repositórios de jurisprudência são férteis em situações que envolvem os prazos processuais, e será útil ao leitor, diante de uma necessidade prática, percorrer essas fontes de pesquisa, embora possa ao final surpreender-se ao se dar conta de que, tantas são as situações que envolvem o prazo processual, quanto as soluções que a jurisprudência é obrigada a criar.
PROCESSO ELETRÔNICO: a adoção do processo eletrônico não provoca nenhuma modificação naquilo que trata o artigo 231 do CPC/2015, embora algumas adaptações tenham que ocorrer, porque os termos “juntada” e de “carga do processo” foram criados para regularem atos que eram próprios do processo físico.
É comum ainda hoje ler-se nas peças processuais a expressão latina “termo a quo” referindo-se ao momento em que um prazo processual inicia seu cômputo, e a expressão “termo ad quem” quando se trata do prazo final.

“Art. 232. Nos atos de comunicação por carta precatória, rogatória ou de ordem, a realização da citação ou da intimação será imediatamente informada, por meio eletrônico, pelo juiz deprecado ao juiz deprecante”.
Comentários: como este dispositivo trata do processo civil eletrônico, obviamente que não havia, no CPC/1973, norma equivalente. Estabelece, pois, o artigo 232 do CPC/2015, que nos atos de comunicação que se materializam por carta precatória, rogatória ou de ordem, a realização do ato deprecado será imediatamente informada, por meio eletrônico, pelo juízo deprecado ao juízo deprecante. Ou seja, quando se cuidam de atos de comunicação no processo civil, como se dá com as cartas em geral, a comunicação é agora facilitada em virtude dos avanços de comunicação trazidos com o processo eletrônico. Tão logo o ato deprecado seja executado, o juízo deprecante deverá ser comunicado, diz o referido artigo.
Carta precatória é aquela que um juiz (chamado “deprecante”) faz expedir a outro juiz (chamado “deprecado”) que está no mesmo grau de jurisdição, ou seja, ambos os juízes estão em primeiro grau de jurisdição. Quando se trata de uma ordem emanada de um tribunal a um juiz que está em primeiro grau de jurisdição, expede-se a carta de ordem como veículo para que o ato (a ordem do Tribunal) seja executada. Quando se trata de justiças de países diferentes, a prática do ato é de ser materializada por meio da carta rogatória. Essa expressão “rogatória” é tradicional e seu emprego no campo do processo civil traz o mesmo uso que os dicionários atribuem em geral ao verbo “rogar”, no sentido de solicitar, instar, pedir, que é o que verdadeiramente ocorre quando se tem a justiça de dois ou mais países envolvidas com o processo civil, em que a rigor não se pode falar em ordem imposta pela justiça de um país à de outro país, porque na essência da atividade jurisdicional está a soberania, em que as justiças de países diferentes colaboram entre si, nenhuma delas abrindo mão dessa soberania.

“Seção II
Da Verificação dos Prazos e das Penalidades
Art. 233. Incumbe ao juiz verificar se o serventuário excedeu, sem motivo legítimo, os prazos estabelecidos em lei.
§ 1º Constatada a falta, o juiz ordenará a instauração de processo administrativo, na forma da lei.
§ 2º Qualquer das partes, o Ministério Público ou a Defensoria Pública poderá representar ao juiz contra o serventuário que injustificadamente exceder os prazos previstos em lei”.
Comentários: aos serventuários da Justiça incumbe primordialmente a movimentação dos atos do processo, e essa movimentação deve ocorrer segundo os prazos que o artigo 228 do CPC/2015 fixa, cabendo ao juiz, diz o artigo 233 do CPC/2015, exercer a fiscalização sobre o trabalho de seus auxiliares, nomeadamente quanto à observância dos prazos. Constatado que o prazo legal terá sido superado, e não exista causa que justifique o atraso, o juiz ordenará a instauração de processo administrativo contra o serventuário. As partes, o Ministério Público e a Defensoria Pública podem representar ao juiz, apontando o injustificado excesso de prazo em que terá incidido o serventuário.
MOTIVO LEGÍTIMO: o CPC/2015 não estabelece nenhum critério ou parâmetro para a aferição do que poderá constituir, ou não constituir o “motivo legítimo” na conduta do serventuário, de maneira que serão as circunstâncias do caso em concreto que permitirão definir se o atraso é ou não justificável. Essa apuração ocorrerá no bojo de processo administrativo.
Para efeitos processuais, e não disciplinares, interessa às partes que, constatado o atraso na prática do ato administrativo, que então, no mais breve tempo possível, o ato seja executado. O CPC/2015 não prevê regra a esse respeito, quiçá por supor o Legislador que se trate do óbvio. Mas o óbvio muitas vezes precisa ser expresso.

“Art. 234. Os advogados públicos ou privados, o defensor público e o membro do Ministério Público devem restituir os autos no prazo do ato a ser praticado.
§ 1º É lícito a qualquer interessado exigir os autos do advogado que exceder prazo legal.
§ 2º Se, intimado, o advogado não devolver os autos no prazo de 3 (três) dias, perderá o direito à vista fora de cartório e incorrerá em multa correspondente à metade do salário-mínimo.
§ 3º Verificada a falta, o juiz comunicará o fato à seção local da Ordem dos Advogados do Brasil para procedimento disciplinar e imposição de multa.
§ 4º Se a situação envolver membro do Ministério Público, da Defensoria Pública ou da Advocacia Pública, a multa, se for o caso, será aplicada ao agente público responsável pelo ato.
§ 5º Verificada a falta, o juiz comunicará o fato ao órgão competente responsável pela instauração de procedimento disciplinar contra o membro que atuou no feito”.
Comentários: o CPC/2015 traz normas que, mesmo à época em que esse código entrou em vigor, já podiam ser consideradas natimortas. É o caso do artigo 234, que trata de uma situação que jamais poderá ocorrer com o processo eletrônico, qual seja, a de seus autos não terem sido restituídos no prazo legal. Como o processo eletrônico está ao mesmo tempo em todos os lugares, e a rigor não está em lugar nenhum, é impossível que ocorra a conduta descrita.
A norma permanece como um registro histórico dos tempos, já algo imemoriais, de que quiçá os cronistas judiciários poderão se utilizar como motivo para suas histórias e estórias sobre o que acontecia quando um advogado, inusitadamente, não restituía os autos de um processo, em circunstâncias que eram algo semelhantes às de um “causo” sempre lembrado nos fóruns, quando se contava que um advogado havia “engolido” a nota promissória juntada a um processo, com o que contava satisfeita a dívida. Fazendo desaparecer os autos de um processo, quiçá pudesse suceder o mesmo …

“Art. 235. Qualquer parte, o Ministério Público ou a Defensoria Pública poderá representar ao corregedor do tribunal ou ao Conselho Nacional de Justiça contra juiz ou relator que injustificadamente exceder os prazos previstos em lei, regulamento ou regimento interno.
§ 1º Distribuída a representação ao órgão competente e ouvido previamente o juiz, não sendo caso de arquivamento liminar, será instaurado procedimento para apuração da responsabilidade, com intimação do representado por meio eletrônico para, querendo, apresentar justificativa no prazo de 15 (quinze) dias.
§ 2º Sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis, em até 48 (quarenta e oito) horas após a apresentação ou não da justificativa de que trata o § 1º, se for o caso, o corregedor do tribunal ou o relator no Conselho Nacional de Justiça determinará a intimação do representado por meio eletrônico para que, em 10 (dez) dias, pratique o ato.
§ 3º Mantida a inércia, os autos serão remetidos ao substituto legal do juiz ou do relator contra o qual se representou para decisão em 10 (dez) dias”.
Comentários: com a criação do Conselho Nacional de Justiça por meio da Emenda Constitucional 45/2004, era de todo natural que o CPC/2015 centralizasse nesse órgão as representações por excesso de prazo contra os juízes em geral.
Diferentemente do que ocorria com o artigo 198 do CPC/1973, que atribuía ao tribunal de justiça local esse poder de fiscalização, e se referindo apenas ao juiz de primeiro grau, o artigo 235 do CPC/2015 fala agora em juiz e relator, abrangendo assim os magistrados de primeiro e segundo graus, fixando ainda o Conselho Nacional de Justiça como o órgão principal para análise das representações disciplinares por excesso de prazo, sem prejuízo de os tribunais locais continuarem com o poder disciplinar sobre seus juízes, exercido esse poder por meio das corregedorias e ouvidorias.
SUBSTITUTO LEGAL: uma novidade que o CPC/2015 traz é o poder conferido ao Conselho Nacional de Justiça para determinar ao juiz ou relator que, no prazo de dez dias, pratique o ato judicial em relação ao qual o atraso esteja a se configurar, e ainda o poder de, mantida a inércia, designar substituto legal para que o ato seja praticado. No CPC/1973 (artigo 198), a designação do substituto legal ocorreria apenas se o tribunal de justiça local entendesse que as circunstâncias do caso recomendavam essa substituição. No CPC/2015, não há referência às circunstâncias do caso e sua valoração, sendo suficiente para justificar a substituição o simples fato de o juiz ou relator não ter praticado o ato no prazo de dez dias. Evidentemente que se trata de um aprimoramento do sistema legal que busca garantir a eficácia da norma constitucional que garante aos litigantes em geral o direito fundamental a uma justiça célere.
CEM DIAS: importante lembrar que o Conselho Nacional de Justiça fixou o prazo de cem dias corridos como o prazo único a ser aplicado a todas as justiças do Brasil, desconsiderando assim especificidades que os diversos tribunais possam apresentar, como, por exemplo, um número maior de processos, se comparado com outros tribunais. O princípio da proporcionalidade, que, em se aplicando ao Legislador em geral, também se aplica obviamente ao Conselho Nacional de Justiça, determina que se considerem as particularidades que envolvem cada tribunal brasileiro.
“TÍTULO II
DA COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 236. Os atos processuais serão cumpridos por ordem judicial.
§ 1º Será expedida carta para a prática de atos fora dos limites territoriais do tribunal, da comarca, da seção ou da subseção judiciárias, ressalvadas as hipóteses previstas em lei.
§ 2º O tribunal poderá expedir carta para juízo a ele vinculado, se o ato houver de se realizar fora dos limites territoriais do local de sua sede.
§ 3º Admite-se a prática de atos processuais por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real”.
Comentários: enfeixada na garantia constitucional a um processo justo está uma série de direitos processuais, dentre os quais o direito de a parte participar ativamente do processo, podendo reagir àqueles atos que lhe sejam ou lhe possam ser desfavoráveis, dentre os vários atos de que se compõem um processo. Mas como cabe à parte, e apenas a ela própria, aferir se deve ou não reagir, daí se exige que se lhe dê pleno conhecimento de tudo aquilo que ocorre no processo, ao tempo em que isso ocorre. Afinal, o denominar de “parte” o autor e o réu não significa senão a exata ideia de que há um todo (o processo) formado por “partes”, que são o autor e o réu, partes interessadas na lide, além de um juiz, este “parte” desinteressada desse todo.
Indispensável, pois, que se dê conhecimento à parte de todos os atos emanados do juiz, bem assim os praticados pela parte contrária, como também de todos os atos que os auxiliares do juízo executem, ou mesmo qualquer pessoa ou instituição que os pratique no processo, caso, por exemplo, do Ministério Público quando age como fiscal da lei. A lei presume que é de interesse das partes tudo o que acontece no processo, e isso torna necessário que o conteúdo desses atos seja comunicado às partes, e imediatamente comunicado.
Chegamos assim ao título que trata da comunicação dos atos processuais, e começamos pelo que dispõe o artigo 236, que estabelece que os atos processuais serão cumpridos por ordem judicial, havendo aí uma imprecisão do Legislador. Com efeito, nem todos os atos processuais emanam de uma ordem judicial, porque haverá atos que são praticados sem que exista a necessidade de o juiz os autorizar. Esses atos simplesmente ocorrem no processo e, ao ocorrerem, produzem efeitos, que o juiz definirá quais sejam. Melhor seria, pois, que, tratando da comunicação dos atos processuais, simplesmente previsse o artigo 236 que, por ordem judicial, e apenas por ela é que os atos devem ser comunicados às partes que do processo participem, como sucede, por exemplo, com as cartas (precatórias, de ordem e rogatórias), que, como vimos, é o instrumento pelo qual atos processuais devem ser praticados em juízo/tribunal diverso daquele perante o qual a ação tem curso.
E como está a tratar da comunicação dos atos processuais, e não de seu conteúdo, é que o parágrafo 3o. do artigo 236 prevê a possibilidade de que os atos processuais sejam veiculados por videoconferência, ou por qualquer outro recurso tecnológico, abrindo assim o Legislador a possibilidade de inovações tecnológicas poderem ser utilizadas no campo do processo civil.

“Art. 237. Será expedida carta:
I – de ordem, pelo tribunal, na hipótese do §2o. do art. 236;
II – rogatória, para que órgão jurisdicional estrangeiro pratique ato de cooperação jurídica internacional, relativo a processo em curso perante órgão jurisdicional brasileiro;
III – precatória, para que órgão jurisdicional brasileiro pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato relativo a pedido de cooperação judiciária formulado por órgão jurisdicional de competência territorial diversa;
IV – arbitral, para que órgão do Poder Judiciário pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato objeto de pedido de cooperação judiciária formulado por juízo arbitral, inclusive os que importem efetivação de tutela provisória.
Parágrafo único. Se o ato relativo a processo em curso na justiça federal ou em tribunal superior houver de ser praticado em local onde não haja vara federal, a carta poderá ser dirigida ao juízo estadual da respectiva comarca”.
Comentários: a palavra “carta”, utilizada no campo da legislação do processo, constitui herança do direito português e de suas Ordenações. É utilizada no processo civil em seu sentido mais comum, como forma de comunicação.
Sua denominação modifica-se conforme o órgão que a faz expedir e a finalidade da comunicação e realização de determinado ato no processo. “Carta de ordem”, segundo o que prevê o artigo 237, parágrafo 1o., do CPC/2015, é a carta que um tribunal expede com a finalidade de que se pratique um ato fora de seus limites territoriais, enquanto a “carta rogatória” é o veículo de comunicação utilizado quando um órgão da Justiça brasileira solicita a país estrangeiro que pratique determinado ato, como a inquirição de uma testemunha. Mais comum é a “carta precatória”, que é o veículo de comunicação entre órgãos jurisdicionais brasileiros, envolvendo as diversas justiças federal e comum (cf. parágrafo único do artigo 237).
Novidade é a criação da “carta arbitral”, que é o veículo engendrado pelo Legislador a ser utilizado quando, existindo arbitragem e nela se tenha formulado pedido de cooperação endereçado a um órgão do Poder Judiciário, esse órgão determine, no limite de sua competência territorial, a prática de um determinado ato, inclusive atos que materializem a concessão de tutelas provisórias de urgência.

“CAPÍTULO II
– DA CITAÇÃO
Art. 238. Citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual”.
Comentários: pretendendo abarcar, em um só enunciado normativo, as diversas situações processuais que envolvem a participação do réu, do executado ou de qualquer terceiro na relação jurídico-processual, o CPC/2015 estabelece que a citação é o ato pelo qual são eles (réu, executado ou terceiro) convocados a integrar a relação processual. O CPC/1973 empregava de forma mais apropriada o verbo “chamar”, estabelecendo em seu artigo 213 do CPC/1973: “Citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender”.
O verbo “convocar” é empregado no CPC/2015 apenas em duas passagens: no enunciado do artigo 238 e quando se trata da técnica do julgamento estendido (artigo 942), mas o sentido não é o mesmo. No caso do artigo 942, o verbo “convocar” está no sentido de uma materialização do poder funcional da Administração em relação a seus juízes, impondo-lhes determinadas atribuições funcionais, como a de participarem de julgamentos. Trata-se aí de um dever funcional.
Já no caso da citação, o sentido de “convocar” é outro, e incorretamente empregado no enunciado do artigo 238. O réu, executado e o interessado não estão obrigados a integrarem a relação jurídico-processual. Há um ônus, não uma obrigação legal. Se o réu, executado e interessado decidem não participar da relação jurídico-processual, não suportam nenhuma pena. Apenas a sua situação processual é que pode sofrer prejuízos, que, contudo, não são automáticos, porque ainda em face a revelia a pretensão do autor pode ser julgada improcedente, e o mesmo ocorre na execução, considerando a existência de um elenco de matérias de ordem pública que pode ser conhecido de ofício pelo juiz, que, reconhecendo alguma dessas matérias, beneficiará a esfera jurídica do executado. Melhor seria, portanto, que o CPC/2015, mantendo a tradição de nosso direito positivo, adotasse o verbo “chamar”, no sentido de informar ao réu, executado e terceiro que estão a ser demandados em um processo judicial, a fim de que possam se defender.
Daí a dupla finalidade da citação: a de comunicar a existência do processo e a de permitir que o réu, executado e interessado possa se defender. Não se cuida, em primeiro plano, de fazer com que o réu, executado e interessado integrem a relação jurídico-processual, mas que possam se defender no processo, utilizando-se dos mecanismos legais inerentes à essa defesa, seja quanto ao prazo, seja quanto ao tipo de instrumento (contestação, exceção de pré-executividade, etc…).

“Art. 239. Para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado, ressalvadas as hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido.
§ 1º O comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação, fluindo a partir desta data o prazo para apresentação de contestação ou de embargos à execução.
§ 2º Rejeitada a alegação de nulidade, tratando-se de processo de:
I – conhecimento, o réu será considerado revel;
II – execução, o feito terá seguimento”.
Comentários: querendo ater-se à lógica, o CPC/2015 estabelece que, para a validade do processo, é indispensável a citação do réu ou do executado, salvo nas hipóteses em que, antes de o juiz determinar a citação, faz extinto o processo, como se dá nos casos em que, de plano, o juiz indefere a peça inicial ou declara a improcedência liminar do pedido, de maneira que, nessas hipóteses, o processo terá existido, terá sido válido, sem a necessidade da citação. Sob o plano lógico, não há que censurar o enunciado do artigo 239, “caput”, do CPC/2015, mas a questão que fica é se há a necessidade de o enunciado dizer o que é óbvio, e nesse caso o óbvio não precisa ser dito, como percebeu o Legislador do CPC/1973 ao simplesmente estabelecer que a citação do réu é indispensável à validez do processo, quando evidentemente há lugar para que o juiz a tenha determinado (a citação). Note-se que se fala em “validez” do processo, e não em sua existência.
Citação que, sob o aspecto formal, e não substancial, pode ser suprida, quando o réu ou o executado comparece espontaneamente ao processo, o que faz presumir saiba de sua existência, tanto quanto sabe que possui o ônus de nele se defender. Equivoca-se o Legislador quando fala que o comparecimento espontâneo supre a falta da citação. Em se tratando a citação de um ato de comunicação, quando essa comunicação é realizada por outros meios e sua finalidade atingida no plano substancial, o ato formal de citação é desnecessário.
Diversa é a situação no que diz respeito à nulidade de citação. Neste caso, a citação foi realizada, mas algum vício pode obstar que ela produza seus efeitos jurídicos. Cabe ao réu alegar a nulidade da citação. E como ocorre quando se trata de um ônus, se a alegação não subsiste, há efeitos jurídicos que sucedem. Daí a previsão no parágrafo 2o. do artigo 239 quanto a esses efeitos. Importante observar que o CPC/2015 traz uma importante modificação nessa matéria. É que o artigo 214, parágrafo único, do CPC/1973 previa que, “Comparecendo o réu apenas para arguir a nulidade e sendo esta decretada, considerar-se-á feita a citação na data em que ele ou seu advogado for intimado da decisão”, diversamente, pois, do que se dá com o artigo 239, parágrafo 2o., que prevê que, rejeitada a alegação de nulidade, o réu será considerado revel, o que significa dizer que, ainda que o réu, a compasso com a alegação de nulidade, tenha contestado, se o juiz rejeitar a alegação de nulidade, declarará, sem mais, a revelia, não se considerando as demais matérias alegadas pelo réu.

“Art. 240. A citação válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor, ressalvado o disposto nos arts. 397 e 398 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).
§ 1º A interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data de propositura da ação.
§ 2º Incumbe ao autor adotar, no prazo de 10 (dez) dias, as providências necessárias para viabilizar a citação, sob pena de não se aplicar o disposto no § 1º.
§ 3º A parte não será prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário.
§ 4º O efeito retroativo a que se refere o § 1º aplica-se à decadência e aos demais prazos extintivos previstos em lei”.
Comentários: com uma pobreza de estilo, o artigo 240 do CPC/2015 reproduz, em essência, o enunciado normativo do artigo 219 do CPC/1973, ao estabelecer que a citação válida induz a litispendência, torna litigiosa a coisa (o bem da vida sobre o qual se controverte no processo), e faz constituir em mora o “devedor”, havendo aí por se considerar a impropriedade de, no processo de conhecimento, falar-se em “devedor”, quando ainda não se tem certeza (que só surgirá com a sentença) se há mesmo razão no que alega o autor, de maneira que seria apropositado dizer-se que a citação válida constitui em mora o réu (ou requerido).
Acerca da constituição em mora, o artigo 240 do CPC/2015 sublinha duas exceções que vêm do Código Civil, ao se referir aos artigos 397 e 398 desse Código, que fixam um momento diferente para que se considere como constituída a mora, a ocorrer antes mesmo de a citação no processo.
Note-se que esse efeito (o da constituição em mora) é produzido no processo civil, mais precisamente com a citação válida, mas que alcança diretamente a relação jurídico-material objeto da lide, o mesmo ocorrendo com a prescrição, cujo prazo é interrompido pela citação válida, retroagindo então à data da propositura da ação, se o autor se desincumbir de providenciar o que lhe caiba no prazo de dez dias do momento em que foi determinada a citação. Os efeitos que envolvem a interrupção da prescrição e a fixação de seu termo inicial aplicam-se também à decadência e a outros prazos extintivos previstos em Lei. Importante observar que, segundo o parágrafo 3o., do CPC/2015, a parte não poderá ser prejudicada quando a demora se imputar ao serviço judiciário, ou quando a causa da demora não puder de qualquer modo ser atribuída à parte.
CITAÇÃO VÁLIDA X JUÍZO INCOMPETENTE: o CPC/2015 torna mais nítida a distinção entre citação válida e juízo incompetente, ao fixar que a validez da citação é de ser aferida segundo os requisitos legais que a formam, e não quanto ao juízo, que pode ser incompetente. Ou seja, a citação pode ser válida, ainda que determinada por juízo incompetente, e produzirá seus efeitos.
PREVENÇÃO: ao tempo em que estava em vigor o CPC/1973, o enunciado normativo de seu artigo 213 dava ensejo a uma dúvida, que o CPC/2015 quis eliminar, o que fez suprimindo do artigo 240 a referência à prevenção, a robustecer a distinção que a jurisprudência estabelecera, no sentido de que, existindo juízos que se localizam em comarcas diversas, será a citação válida que fará configurar a prevenção, aplicando-se, pois, o artigo 240, mas se os juízes localizarem-se na mesma comarca, nesse caso se aplicará a regra do artigo 59 do CPC/2015, ou seja, a prevenção é determinada com o registro ou distribuição da peça inicial.

“Art. 241. Transitada em julgado a sentença de mérito proferida em favor do réu antes da citação, incumbe ao escrivão ou ao chefe de secretaria comunicar-lhe o resultado do julgamento”.
Comentários: estamos a tratar dos meios de comunicação dos atos processuais, em especial da citação, que pode não ocorrer em determinadas situações processuais, quando o juiz profere sentença de mérito em favor do réu, antes mesmo de determinar a sua citação, como se dá, por exemplo, no caso em que o juiz pronuncia de ofício a prescrição, fazendo extinguir o processo, com resolução do mérito (CPC/2015, artigo 489, inciso II). Nesse caso, não será a citação o meio pelo qual se dará ao réu o conhecimento da existência do processo, senão que uma mera intimação, dando-lhe a conhecer que o processo foi extinto em seu favor, e com resolução do mérito.
A rigor, o mesmo deveria ocorrer nos casos em que se dá a extinção do processo sem resolução do mérito, quando a sentença surgir antes mesmo de o juiz ter determinado a citação, mas há uma particularidade trazida com o parágrafo 7o. do artigo 485 do CPC/2015. Com efeito, extinta de pronto a ação sem resolução do mérito, interpondo o autor apelação, o juiz terá o prazo de cinco dias para retratar-se, e se não o fizer, o recurso de apelação será recebido e o juiz determinará a citação do réu para responder ao recurso, de maneira que a citação terá então lugar, ainda que se trate de um processo extinto sem resolução do mérito.

“Art. 242. A citação será pessoal, podendo, no entanto, ser feita na pessoa do representante legal ou do procurador do réu, do executado ou do interessado.
§ 1º Na ausência do citando, a citação será feita na pessoa de seu mandatário, administrador, preposto ou gerente, quando a ação se originar de atos por eles praticados.
§ 2º O locador que se ausentar do Brasil sem cientificar o locatário de que deixou, na localidade onde estiver situado o imóvel, procurador com poderes para receber citação será citado na pessoa do administrador do imóvel encarregado do recebimento dos aluguéis, que será considerado habilitado para representar o locador em juízo.
§ 3º A citação da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas respectivas autarquias e fundações de direito público será realizada perante o órgão de Advocacia Pública responsável por sua representação judicial”.
Comentários: em se tratando de um meio de comunicação no processo civil, o CPC/2015 regula como se deve dar essa comunicação, considerando algumas hipóteses, como a do réu estar ausente, inclusive do Brasil, ou como se deve dar a citação das pessoas jurídicas de direito público, ou ainda nas ações de locação, quando o locador estiver fora do País, temporária ou definitivamente. Em regra, diz o “caput” do artigo 242, a citação deve ser pessoal, e essas hipóteses são excepcionais, seja por características imanentes à própria situação jurídica, seja por aspectos impostos pela realidade fática.

“Art. 243. A citação poderá ser feita em qualquer lugar em que se encontre o réu, o executado ou o interessado.
Parágrafo único. O militar em serviço ativo será citado na unidade em que estiver servindo, se não for conhecida sua residência ou nela não for encontrado”.
Comentários: quanto mais breve realizar-se o ato de citação, tanto melhor para que se possa alcançar uma razoável duração no processo, o que justifica que o artigo 243 estabeleça que a citação possa e deva ser feita em qualquer lugar em que se encontre o réu, o executado ou o interessado. Assim dispunha o artigo 216 do CPC/1973, e assim estabelece o artigo 243 do CPC/2015, apenas acrescentando que a citação deva ser feita no local em que o executado ou interessado estiverem, como ocorre com o réu.
Especificidades que envolvem o trabalho do militar das Forças Armadas e da Polícia Militar dos Estados-membros foi levada em consideração pelo CPC/2015, que prevê que se a residência do militar não for conhecida, ou ali ele não for encontrado, então sua citação se dará na unidade em que estiver servindo.

“Art. 244. Não se fará a citação, salvo para evitar o perecimento do direito:
I – de quem estiver participando de ato de culto religioso;
II – de cônjuge, de companheiro ou de qualquer parente do morto, consanguíneo ou afim, em linha reta ou na linha colateral em segundo grau, no dia do falecimento e nos 7 (sete) dias seguintes;
III – de noivos, nos 3 (três) primeiros dias seguintes ao casamento;
IV – de doente, enquanto grave o seu estado”.
Comentários: conquanto se trate de um ato processual que deva ocorrer o mais breve possível, a sensibilidade do Legislador recomendou-lhe ressalvar determinadas situações da vida, em face das quais a celeridade processual deve ceder passo, como ocorre, por exemplo, quando se trata de doença, morte e casamento, protraindo-se a citação para que ocorra noutro momento, conforme estatui o artigo 244, que ainda veda que a citação tenha lugar quando o réu, executado ou interessado estiver a participar de ato de culto religioso. Trata-se da aplicação pelo Legislador do princípio constitucional da proporcionalidade, com a ponderação entre valores jurídicos, prevalecendo os de natureza pessoal.
Mas se há risco de perecimento do direito objeto de discussão no processo, nesse caso modifica-se a escala de importância entre os valores em colisão, e a celeridade processual terá então primazia.

“Art. 245. Não se fará citação quando se verificar que o citando é mentalmente incapaz ou está impossibilitado de recebê-la.
§ 1º O oficial de justiça descreverá e certificará minuciosamente a ocorrência.
§ 2º Para examinar o citando, o juiz nomeará médico, que apresentará laudo no prazo de 5 (cinco) dias.
§ 3º Dispensa-se a nomeação de que trata o § 2º se pessoa da família apresentar declaração do médico do citando que ateste a incapacidade deste.
§ 4º Reconhecida a impossibilidade, o juiz nomeará curador ao citando, observando, quanto à sua escolha, a preferência estabelecida em lei e restringindo a nomeação à causa.
§ 5º A citação será feita na pessoa do curador, a quem incumbirá a defesa dos interesses do citando”.
Comentários: em se tratando de um meio de comunicação, é indispensável que o receptor da comunicação (o réu, o executado e o interessado) tenha condição física e mental de compreender o conteúdo da mensagem. Se não possui essa condição, conforme descrito na certidão de oficial e de justiça e comprovada em laudo médico, a citação deverá ser recebida por outra pessoa que a representará no processo civil: o curador.
Importante observar que o artigo 245 refere-se à citação pessoal. Poderá suceder, contudo, de a citação ter sido indevidamente feita por correio, e nessa situação, em se comprovando posteriormente que o réu, executado ou interessado não possuía a condição física ou mental para receber a citação, o ato processual será declarado nulo e o juiz determinará seja realizada uma nova citação, agora na pessoa do curador.
Se o réu, executado ou interessado for interdito e essa informação constar da peça inicial, a citação será feita diretamente a seu curador.

“Art. 246. A citação será feita:
I – pelo correio;
II – por oficial de justiça;
III – pelo escrivão ou chefe de secretaria, se o citando comparecer em cartório;
IV – por edital;
V – por meio eletrônico, conforme regulado em lei.
§ 1º Com exceção das microempresas e das empresas de pequeno porte, as empresas públicas e privadas são obrigadas a manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações, as quais serão efetuadas preferencialmente por esse meio.
§ 2º O disposto no § 1º aplica-se à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e às entidades da administração indireta.
§ 3º Na ação de usucapião de imóvel, os confinantes serão citados pessoalmente, exceto quando tiver por objeto unidade autônoma de prédio em condomínio, caso em que tal citação é dispensada”.
Comentários: em virtude do princípio da celeridade, o CPC/2015 ampliou as modalidades de citação, ao permitir, por exemplo, que o escrivão ou chefe de secretaria certifique ter citado o réu, executado ou interessado, se o citando comparecer em cartório, além de determinar que as empresas públicas e privadas sejam cadastradas nos cartórios, o que evidentemente facilita a citação. Também prevê que Lei venha a regular a citação por meio eletrônico.
A citação pelo correio continua a ser a modalidade preferencial de citação, o que se justifica em razão da grande eficiência alcançada no Brasil pelos serviços dos correios. O artigo 247 do CPC/2015 prevê as hipóteses em que a citação pelo correio não pode ser realizada, sob pena de nulidade, como se dá quando o citando for incapaz, situação vista nos comentários ao artigo 245.
AÇÃO DE USUCAPIÃO: diante de peculiaridades que envolvem a ação de usucapião, o artigo 246 estabelece a obrigatoriedade da citação pessoal de todos os confinantes (os que têm propriedade limítrofe ao do imóvel usucapiendo), salvo quando o objeto da ação for uma unidade autônoma de prédio em condomínio, caso em que a citação é dispensada, por presumir o Legislador que os confinantes saibam da existência da ação de usucapião. O CPC/1973 não continha norma prevendo essa dispensa de citação.

“Art. 247. A citação será feita pelo correio para qualquer comarca do país, exceto:
I – nas ações de estado, observado o disposto no art. 695, § 3º;
II – quando o citando for incapaz;
III – quando o citando for pessoa de direito público;
IV – quando o citando residir em local não atendido pela entrega domiciliar de correspondência;
V – quando o autor, justificadamente, a requerer de outra forma”.
Comentários: conforme vimos, a citação pelo correio é a modalidade fixada pelo Legislador como preferencial, seja pela eficiência dos serviços dos correios, seja pela possibilidade de a citação ocorrer em qualquer lugar do país, eliminando a necessidade da expedição de carta precatória, obtendo-se a celeridade no processo. Mas há situações nas quais essa modalidade não pode ser adotada, considerando certos aspectos fáticos e jurídicos, como se dá, por exemplo, nas ações de estado (as ações que envolvem temas do Direito de Família, por exemplo), ou quando o citando for incapaz, ou se tratar de uma pessoa de direito público.
Se o autor, ele próprio, assinala não querer que a citação se dê pelo correio, então terá lugar a citação por oficial de justiça, ou por outra das modalidades de citação que o CPC/2015 prevê, como, por exemplo, aquela em que o escrivão ou chefe de secretaria, recebendo a pessoa do citando em cartório, realiza o ato de citação, certificando a respeito.

“Art. 248. Deferida a citação pelo correio, o escrivão ou o chefe de secretaria remeterá ao citando cópias da petição inicial e do despacho do juiz e comunicará o prazo para resposta, o endereço do juízo e o respectivo cartório.
§ 1º A carta será registrada para entrega ao citando, exigindo-lhe o carteiro, ao fazer a entrega, que assine o recibo.
§ 2º Sendo o citando pessoa jurídica, será válida a entrega do mandado a pessoa com poderes de gerência geral ou de administração ou, ainda, a funcionário responsável pelo recebimento de correspondências.
§ 3º Da carta de citação no processo de conhecimento constarão os requisitos do art. 250.
§ 4º Nos condomínios edilícios ou nos loteamentos com controle de acesso, será válida a entrega do mandado a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência, que, entretanto, poderá recusar o recebimento, se declarar, por escrito, sob as penas da lei, que o destinatário da correspondência está ausente”.
Comentários: muitas vezes o Legislador brasileiro desce a minúcias que, a rigor, são de todo desnecessárias, como se dá com o “caput” do artigo 248, ao dizer que, determinada pelo juiz a citação, o cartório fará remeter ao citando cópia da peça inicial, o prazo da resposta, o endereço do juízo e do respectivo juízo. Em se tratando de um meio de comunicação, é evidente que a finalidade do ato é transmitir um determinado conteúdo, a existência de uma ação, e o prazo de que dispõe o réu para apresentar resposta. Como não há, no processo civil regulado pelo CPC/2015, nenhuma hipótese em que o citando, ele próprio, pode apresentar defesa, dispensado o patrocínio técnico por advogado (salvo quando o citando é advogado), não há necessidade de o CPC/2015 fixar-se em minúcias como são as tratadas no artigo 248, porque as providências de que trata o “caput” do artigo 248 são todas elementares.
A única matéria realmente importante trazida neste artigo está no parágrafo 4o. e tem suscitado questionamentos na jurisprudência, ao prever a forma de citação que ocorrerá quando o citando residir em condomínios edilícios ou em loteamentos fechados, presumindo-se que a citação terá sido feita com validez, bastando que o oficial de justiça certifique ter entregue a citação ao funcionário da portaria. Discute-se na jurisprudência acerca da interpretação desse enunciado, o qual fala apenas em “mandado”, a conduzir a conclusão de que se aplicaria apenas à citação por oficial de justiça, e não pelo correio. Outra questão radica no exigir o artigo 248, parágrafo 4o., que o condomínio ou loteamento tenham um funcionário com atribuição exclusiva para o recebimento de correspondências, o que não é comum existir. Haveria, pois, a necessidade de o regulamento do condomínio ou do loteamento prever essa atribuição específica, indicando ainda o nome do funcionário, sem o que o rigor exigido pelo Legislador não estará atendido, de maneira que a citação não poderia ser reconhecida como válida. Dada a importância da citação, indispensável requisito de validez da relação jurídico-processual, qualquer dúvida que envolva a citação deve conduzir a que, por cautela, o ato seja refeito, como exige o princípio do devido processo legal, o que significa dizer que o dispositivo legal tende a não ter a aplicação prática que o Legislador lobrigava.

“Art. 249. A citação será feita por meio de oficial de justiça nas hipóteses previstas neste Código ou em lei, ou quando frustrada a citação pelo correio”.
Comentários: outro daqueles dispositivos totalmente desnecessários, em que bastava ao Legislador tivesse observado uma elementar lógica, porque se antes fixou uma ordem na modalidade das citações (artigo 246), e se resulta claro, segundo essa ordem, que a citação por correio é a preferencial, não havia a necessidade de prever que, não realizada a citação pelo correio, seja porque vedada pela lei, seja por qualquer outra casa, dever-se-ia partir para a citação por oficial de justiça.

“Art. 250. O mandado que o oficial de justiça tiver de cumprir conterá:
I – os nomes do autor e do citando e seus respectivos domicílios ou residências;
II – a finalidade da citação, com todas as especificações constantes da petição inicial, bem como a menção do prazo para contestar, sob pena de revelia, ou para embargar a execução;
III – a aplicação de sanção para o caso de descumprimento da ordem, se houver;
IV – se for o caso, a intimação do citando para comparecer, acompanhado de advogado ou de defensor público, à audiência de conciliação ou de mediação, com a menção do dia, da hora e do lugar do comparecimento;
V – a cópia da petição inicial, do despacho ou da decisão que deferir tutela provisória;
VI – a assinatura do escrivão ou do chefe de secretaria e a declaração de que o subscreve por ordem do juiz”.
Comentários: o artigo 250 enumera os requisitos formais do mandado de citação, reproduzindo em essência, mas com ligeira alteração de estilo o que o artigo 225 do CPC/1973 dispunha, com uma modificação mais significativa quanto à supressão do que permitia o parágrafo único do artigo 225 do CPC/1973 quanto à possibilidade de que o mandado pudesse ser confeccionado por meio de um breve relatório, quando o autor, ele próprio, cuidava entregar em cartório cópia da petição inicial em quantidade equivalente ao do número dos citandos.
Descumprido algum dos requisitos exigidos do artigo 250 do CPC/2015, poder-se-á declarar a nulidade do ato de citação, nulidade, contudo, que é relativa e que se considerará sanada se o réu não suportou nenhum sério obstáculo a que pudesse conhecer da ação para a responder no prazo legal. A propósito do prazo legal, o CPC/2015 exige que do mandado de citação conste expressamente o prazo de que dispõe o citando para se defender, e a jurisprudência considera que o descumprimento desse requisito formal pode tornar nula a citação, sendo esse o requisito formal de maior importância dentre aqueles que podem caracterizar a nulidade da citação.

“Art. 251. Incumbe ao oficial de justiça procurar o citando e, onde o encontrar, citá-lo:
I – lendo-lhe o mandado e entregando-lhe a contrafé;
II – portando por fé se recebeu ou recusou a contrafé;
III – obtendo a nota de ciente ou certificando que o citando não a apôs no mandado”.
Comentários: a minúcias o CPC/2015 muitas vezes vai inutilmente, como foi o CPC/1973, embora àquela altura, na década de setenta, justificava-se, o que hoje não mais se dá, dado que o ato de citação não é mais tido como um ato solene, agora que o processo civil, ele próprio, tornou-se bastante conhecido das pessoas em geral, além de se considerar que a introdução do processo civil eletrônico em larga escala transformou o ato de citação em um prosaico ato, que o oficial de justiça mecanicamente cumpre, isso quando se necessita do oficial de justiça para a citação.
A propósito, o CPC/2015 faz recordar do início do grande livro “Memória de um Sargento de Milícias”, em que o autor, MANUEL ANTÔNIO DE ALMEIDA, registra o papel que os meirinhos, digo, os oficiais de justiça tiveram em nossa história, sobretudo na cidade do Rio de Janeiro e em sua Rua do Ouvidor. Deliciemo-nos com a prosa desse maravilhoso autor:
“Era no tempo do rei. Uma das quatro esquinas que formam as ruas do Ouvidor e da Quitanda, cortando-se mutuamente, chamava-se nesse tempo – O canto dos meirinhos – e bem lhe assentava o nome, porque era aí o lugar de encontro favorito de todos os indivíduos dessa classe (que gozava então de não pequena consideração). Os meirinhos de hoje não são mais do que a sombra caricata dos meirinhos do tempo do rei (…)”.
Mas voltemos ao CPC/2015 e a seu artigo 251, que, reproduzindo integralmente o artigo 226 do CPC/1973, trata de algumas providências que são imanentes (e óbvias) ao ato de citação, ao estabelecer, pois, que o oficial de justiça procurará o citando, e o encontrando, a ele lerá o conteúdo do mandado, certificando o ter feito, assim como a recusa do citando, se isso ocorrer. São providências cuja falta somente caracterizará nulidade se o citando tiver tido intransponível dificuldade à compreensão do ato, o que, na prática, dificilmente acontece.
“Art. 252. Quando, por 2 (duas) vezes, o oficial de justiça houver procurado o citando em seu domicílio ou residência sem o encontrar, deverá, havendo suspeita de ocultação, intimar qualquer pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho de que, no dia útil imediato, voltará a fim de efetuar a citação, na hora que designar.
Parágrafo único. Nos condomínios edilícios ou nos loteamentos com controle de acesso, será válida a intimação a que se refere o caput feita a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência”.
Comentários: menos tolerante que o Legislador do CPC/1973, o CPC/2015 estabelece que se o oficial de justiça, por duas vezes (e não três vezes, como se previa no artigo 227 do CPC/1973), não encontrar o citando em seu domicílio ou residência, suspeitando de que ele esteja a se ocultar, certificará essa situação, detalhando-a, para então fazer intimar qualquer pessoa da família do citando, ou mesmo um seu vizinho, informando de que, no dia seguinte, em determinado horário, voltará para fazer a citação.
Se o citando residir em condomínio de edifícios, ou em loteamento com controle de acesso, o oficial de justiça poderá, em lugar de intimar um parente ou vizinho do citando, intimar o funcionário da portaria que seja responsável pelo recebimento da correspondência, cuidando o oficial de justiça de certificar exista no regulamento do condomínio ou do loteamento a nomeação daquele funcionário, a quem tenha sido formalmente delegada a função de receber a correspondência.
A citação realizada nessas condições é denominada de “citação por hora certa”, e dela o CPC/2015 trata no artigo 72, inciso II, referindo-se à obrigatoriedade da nomeação de um curador especial ao citando, e nos artigos 253 e 254, dispositivos que veremos em breve.
A citação com hora certa também pode ocorrer na execução, conforme prevê o artigo 830 do CPC/2015.
“Art. 253. No dia e na hora designados, o oficial de justiça, independentemente de novo despacho, comparecerá ao domicílio ou à residência do citando a fim de realizar a diligência.
§ 1º Se o citando não estiver presente, o oficial de justiça procurará informar-se das razões da ausência, dando por feita a citação, ainda que o citando se tenha ocultado em outra comarca, seção ou subseção judiciárias.
§ 2º A citação com hora certa será efetivada mesmo que a pessoa da família ou o vizinho que houver sido intimado esteja ausente, ou se, embora presente, a pessoa da família ou o vizinho se recusar a receber o mandado.
§ 3º Da certidão da ocorrência, o oficial de justiça deixará contrafé com qualquer pessoa da família ou vizinho, conforme o caso, declarando-lhe o nome.
§ 4º O oficial de justiça fará constar do mandado a advertência de que será nomeado curador especial se houver revelia”.
Comentários: em linhas gerais, o CPC/2015 manteve as providências que o CPC/1973, por seu artigo 228, fixava para a implementação da citação por hora certa, prevendo que o oficial de justiça comparecerá no dia e horário que houver designado, e então procurará o citando. Encontrando-o, a citação será pessoal.
Mas se o citando não estiver presente, o oficial de justiça buscará informar-se das razões de sua ausência, descrevendo-as na certidão que elaborará, e de cujo conteúdo dará ciência a algum parente do citando, ou um seu vizinho, com a advertência de que, em se configurando a citação, ao citando será nomeado um curador especial que elaborará a sua defesa. Assim é feita a citação por hora.
Lembremos que o artigo 378 do CPC/2015 impõe a todos o dever de colaborarem com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade, o que abarca a obrigação de o parente ou do vizinho do citando informar ao oficial de justiça o local em que o citando esteja, ou as razões de sua ausência, bem assim o dever de receber a citação por hora certa que o oficial de justiça esteja a executar.

“Art. 254. Feita a citação com hora certa, o escrivão ou chefe de secretaria enviará ao réu, executado ou interessado, no prazo de 10 (dez) dias, contado da data da juntada do mandado aos autos, carta, telegrama ou correspondência eletrônica, dando-lhe de tudo ciência”.
Comentários: para aperfeiçoamento da citação por hora certa, o artigo 254 determina que o escrivão, ou chefe da secretaria, faça levar ao conhecimento do citando o fato de a sua citação ter ocorrido por hora certa. Tratando-se de uma modalidade de citação ficta, justifica-se que o CPC/2015 imponha como condição de validez à citação por hora essa comunicação ao citando.
“Art. 255. Nas comarcas contíguas de fácil comunicação e nas que se situem na mesma região metropolitana, o oficial de justiça poderá efetuar, em qualquer delas, citações, intimações, notificações, penhoras e quaisquer outros atos executivos”.
Comentários: é de nossa tradição que a Justiça Comum Estadual seja estruturada por meio de “comarcas”, que constituem a forma geográfica pela qual a justiça em primeiro grau se distribui, sendo oportuno lembrar que o conceito de “comarca” não equivale ao de município, pois pode ocorrer de uma comarca abranger mais de um município. A Justiça Comum Federal adota um outro conceito, o de “seção judiciária”, na base do qual também está o espaço geográfico em que as varas federais são distribuídas em todas as regiões do país.
Ao tempo em que se discutia o projeto que viria a se tornar o CPC/1973, o professor Miguel Reale observou que o texto deveria cuidar das áreas metropolitanas, como as que existiam em São Paulo, de maneira que o CPC/1973 deveria prever a possibilidade de os atos processuais serem praticados além do território da comarca, quando se tratassem de municípios que formavam uma área metropolitana, o que deu origem ao artigo 230 do CPC/1973 e que o CPC/2015 incorporou em seu artigo 255.
Mas com a expansão a passos largos do processo eletrônico, e da forma como os atos processuais podem ser realizados, sem limites geográficos, não há mais sentido em falar-se em áreas metropolitanas.

“Art. 256. A citação por edital será feita:
I – quando desconhecido ou incerto o citando;
II – quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar o citando;
III – nos casos expressos em lei.
§ 1º Considera-se inacessível, para efeito de citação por edital, o país que recusar o cumprimento de carta rogatória.
§ 2º No caso de ser inacessível o lugar em que se encontrar o réu, a notícia de sua citação será divulgada também pelo rádio, se na comarca houver emissora de radiodifusão.
§ 3º O réu será considerado em local ignorado ou incerto se infrutíferas as tentativas de sua localização, inclusive mediante requisição pelo juízo de informações sobre seu endereço nos cadastros de órgãos públicos ou de concessionárias de serviços públicos”.
Comentários: o processo é um caminhar para a frente, o que significa dizer que seus atos devem ser praticados a despeito de qualquer dificuldade. Donde uma necessidade prática de, quanto à citação, prever-se que sua realização possa ocorrer ficticiamente, quando o citando é desconhecido ou incerto, ou quando o é o local em que ele se encontra.
O artigo 256 prevê, pois, em que situações a citação por edital (uma modalidade de citação ficta) deve ser realizada, devendo-se considerá-la como excepcional, ou seja, a citação por edital somente pode ser adotada nas situações expressamente previstas em lei. Fora dessas situações, a citação pessoal deve ser tentada à exaustão, sob pena de se declarar nula a citação, com momentosos efeitos a serem gerados no processo.

“Art. 257. São requisitos da citação por edital:
I – a afirmação do autor ou a certidão do oficial informando a presença das circunstâncias autorizadoras;
II – a publicação do edital na rede mundial de computadores, no sítio do respectivo tribunal e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, que deve ser certificada nos autos;
III – a determinação, pelo juiz, do prazo, que variará entre 20 (vinte) e 60 (sessenta) dias, fluindo da data da publicação única ou, havendo mais de uma, da primeira;
IV – a advertência de que será nomeado curador especial em caso de revelia.
Parágrafo único. O juiz poderá determinar que a publicação do edital seja feita também em jornal local de ampla circulação ou por outros meios, considerando as peculiaridades da comarca, da seção ou da subseção judiciárias”.
Comentários: por se tratar de uma modalidade de citação ficta, justifica-se o zelo do Legislador em fixar determinados requisitos à validez da citação por edital, previstos nos incisos do artigo 257 do CPC/2015.
A novidade que o CPC/2015 introduz em relação ao que o artigo 232 do CPC/1973 estabelecia quanto a esses requisitos formais está no aproveitamento da “Internet” como meio de comunicação, utilizando-a com o objetivo de que se amplie a possibilidade de que o citando possa vir a ter conhecimento de que sua citação por edital ocorreu no processo.
Citado por edital, o réu, se revel, será defendido no processo por meio de curador especial.

“Art. 258. A parte que requerer a citação por edital, alegando dolosamente a ocorrência das circunstâncias autorizadoras para sua realização, incorrerá em multa de 5 (cinco) vezes o salário-mínimo.
Parágrafo único. A multa reverterá em benefício do citando”.
Comentários: era natural que o Legislador, atento ao rigor que deve ser observado em face de uma modalidade de citação ficta, impusesse sanção à conduta da parte que, por dolo, tenha alegado a ocorrência de qualquer das circunstâncias previstas no artigo 256 do CPC/2015, quando as sabe inexistentes, configurando-se o dolo exatamente no saber inexistente um determinado fato ou circunstância, conduta que, em essência, caracteriza a litigância de má-fé, mas que pareceu ao Legislador devesse ser tratada de modo específico.
A multa, que é fixada pelo Legislador em cinco vezes o valor do salário mínimo, reverterá em favor do citando, além de se declarar nula a citação por edital.
“Art. 259. Serão publicados editais:
I – na ação de usucapião de imóvel;
II – na ação de recuperação ou substituição de título ao portador;
III – em qualquer ação em que seja necessária, por determinação legal, a provocação, para participação no processo, de interessados incertos ou desconhecidos”.
Comentários: há ações cujas características, vindas do direito material, impõem no campo processual certas peculiaridades, caso, por exemplo, da ação de usucapião, o que justifica a necessidade prevista no artigo 259 de que nela, na ação de usucapião, expeçam-se editais com o objetivo de alertar confinantes do imóvel ou quaisquer outros interessados na existência da ação.
Em geral, o que justifica que se expeçam editais nalgumas ações é fazer levar ao conhecimento de possíveis interessados, ainda que incertos ou desconhecidos, para que possam reagir à pretensão formulada pelo autor da ação, o que atende à necessidade de que se observe, tanto quanto possível, o contraditório.
Conquanto o acesso aos editais seja diminuto, como sempre foi, não se encontrou outra forma que os possa substituir, ainda com a “Internet”, e é por isso que o Legislador continua a prevê-los.

“CAPÍTULO
III
– DAS CARTAS
Art. 260. São requisitos das cartas de ordem, precatória e rogatória:
I – a indicação dos juízes de origem e de cumprimento do ato;
II – o inteiro teor da petição, do despacho judicial e do instrumento do mandato conferido ao advogado;
III – a menção do ato processual que lhe constitui o objeto;
IV – o encerramento com a assinatura do juiz.
§ 1º O juiz mandará trasladar para a carta quaisquer outras peças, bem como instruí-la com mapa, desenho ou gráfico, sempre que esses documentos devam ser examinados, na diligência, pelas partes, pelos peritos ou pelas testemunhas.
§ 2º Quando o objeto da carta for exame pericial sobre documento, este será remetido em original, ficando nos autos reprodução fotográfica.
§ 3º A carta arbitral atenderá, no que couber, aos requisitos a que se refere o caput e será instruída com a convenção de arbitragem e com as provas da nomeação do árbitro e de sua aceitação da função”.
Comentários: conforme já vimos, as cartas (precatória, de ordem ou rogatória) são veículos pelos quais um órgão do Poder Judiciário requisita a um outro órgão do mesmo Poder Judiciário pratique um determinado ato no processo civil. No caso da carta rogatória, o processo é da competência da Justiça brasileira e aqui tem trâmite, mas a execução de um determinado ato terá que ser feita perante Justiça estrangeira, e essa execução se dá exatamente pela carta rogatória, a qual também é utilizada pela Justiça estrangeira para requisitar à Justiça brasileira pratique ato, quando o processo tem trâmite noutro país.
O artigo 260 do CPC/2015 enumera os requisitos formais que as cartas devem atender e que são basicamente informações essenciais à intelecção do ato cuja execução deva ocorrer.
O parágrafo 3o. do artigo 260 faz referência à carta arbitral criada pela lei federal 13.129/2015 como o veículo pelo qual o árbitro ou tribunal arbitral solicita a órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o cumprimento, em área de sua competência territorial, de ato solicitado por árbitro, observada a confidencialidade, se estipulada na arbitragem. O parágrafo 3o. do artigo 260 estabelece os requisitos formais à carta arbitral.

“Art. 261. Em todas as cartas o juiz fixará o prazo para cumprimento, atendendo à facilidade das comunicações e à natureza da diligência.
§ 1º As partes deverão ser intimadas pelo juiz do ato de expedição da carta.
§ 2º Expedida a carta, as partes acompanharão o cumprimento da diligência perante o juízo destinatário, ao qual compete a prática dos atos de comunicação.
§ 3º A parte a quem interessar o cumprimento da diligência cooperará para que o prazo a que se refere o caput seja cumprido”.
Comentários: como todo ato processual, aquele praticado por meio de carta precatória, rogatória ou de ordem também está submetido ao prazo a que o tribunal ou juiz tiver assinalado, e para a fixação desse prazo se deverá levar em conta a natureza da diligência, ou seja, do ato que será praticado, bem assim o maior ou menor grau de facilidade das comunicações, é o que estabelece o “caput” do artigo 261.
Expedida a carta, as partes devem ser intimadas para que possam acompanhar seu cumprimento, em especial a parte a quem o ato a ser executado interessa de perto, cabendo-lhe, diz o parágrafo 3o., cooperar para que a carta seja cumprida no prazo assinalado.
É importante observar que se trata de um prazo impróprio aquele fixado ao cumprimento das cartas, de maneira que, sobre-excedido, a única providência que o tribunal ou juiz que tiver expedido a carta poderá adotar é representar para as providências disciplinares contra o juízo moroso.
“Art. 262. A carta tem caráter itinerante, podendo, antes ou depois de lhe ser ordenado o cumprimento, ser encaminhada a juízo diverso do que dela consta, a fim de se praticar o ato.
Parágrafo único. O encaminhamento da carta a outro juízo será imediatamente comunicado ao órgão expedidor, que intimará as partes”.
Comentários: é próprio das cartas (precatória, de ordem ou rogatória) o serem itinerantes, no sentido de que podem ser deslocadas entre um ou mais juízos, quando o cumprimento do ato processual isso o exigir. Suponha-se, por exemplo, que se trate de uma carta precatória expedida para inquirição de uma testemunha, a qual terá mudado sua residência, fato que se tornou conhecido após a expedição da carta precatória, que, assim, poderá ser deslocada para o juízo deprecado cuja competência territorial abranger o local da nova residência da testemunha.
Modificado o encaminhamento da carta, as partes deverão ser cientificadas do fato para que possam acompanhar seu cumprimento.
“Art. 263. As cartas deverão, preferencialmente, ser expedidas por meio eletrônico, caso em que a assinatura do juiz deverá ser eletrônica, na forma da lei”.
Comentários: com a implantação do processo civil eletrônico, quase a totalidade de seus atos deverá observar essa mesma forma (eletrônica), salvo aqueles cujas características o tornem refratário a isso, como se dá com a execução material de um ato como o da apreensão de um bem. As cartas, mero veículo de comunicação, não têm nenhum obstáculo a que sejam expedidas por meio eletrônico, e assim deverá ocorrer, como o artigo 263 do CPC/2015 prevê, de resto uma norma legal desnecessária por regular o que se revela óbvio.

“Art. 264. A carta de ordem e a carta precatória por meio eletrônico, por telefone ou por telegrama conterão, em resumo substancial, os requisitos mencionados no art. 250, especialmente no que se refere à aferição da autenticidade”.
Comentários: querendo ser minucioso, o CPC/2015 incide com uma frequência maior do que se poderia aceitar no pecadilho de querer regular o óbvio, como se dá com esta norma, e como em várias outras mencionadas. Evidentemente que, expedida por qualquer meio, ainda que o eletrônico, a carta deve contar com a segurança que envolve a autenticidade do tribunal ou juízo que a fez expedir, como, aliás, ocorre com todos os atos do Poder Judiciário praticados no processo.

“Art. 265. O secretário do tribunal, o escrivão ou o chefe de secretaria do juízo deprecante transmitirá, por telefone, a carta de ordem ou a carta precatória ao juízo em que houver de se cumprir o ato, por intermédio do escrivão do primeiro ofício da primeira vara, se houver na comarca mais de um ofício ou de uma vara, observando-se, quanto aos requisitos, o disposto no art. 264.
§ 1º O escrivão ou o chefe de secretaria, no mesmo dia ou no dia útil imediato, telefonará ou enviará mensagem eletrônica ao secretário do tribunal, ao escrivão ou ao chefe de secretaria do juízo deprecante, lendo-lhe os termos da carta e solicitando-lhe que os confirme.
§ 2º Sendo confirmada, o escrivão ou o chefe de secretaria submeterá a carta a despacho”.
Comentários: em muitas de suas disposições, o CPC/2015 nasceu velho, como demonstra a norma em questão ao falar que o secretário do tribunal, o escrivão ou chefe da secretaria transmitirá por telefone a carta de ordem, quando já tínhamos à disposição em 2015, ao tempo, pois da entrada em vigor do CPC/2015, meios de comunicação mais avançados que o telefone. Faltou apenas o CPC/2015 se referir à possibilidade de a carta ser transmitida por telex (?!).

“Art. 266. Serão praticados de ofício os atos requisitados por meio eletrônico e de telegrama, devendo a parte depositar, contudo, na secretaria do tribunal ou no cartório do juízo deprecante, a importância correspondente às despesas que serão feitas no juízo em que houver de praticar-se o ato”.
Comentários: e não faltou falar em telex, porque o artigo 266 o faz ao se referir à situação em que na carta requisitada por “telegrama” a parte deverá depositar as despesas junto ao juízo que cumprirá o ato cuja requisição se deu por carta, tratando, pois, de uma situação processual hoje e de há muito insólita.

“Art. 267. O juiz recusará cumprimento a carta precatória ou arbitral, devolvendo-a com decisão motivada quando:
I – a carta não estiver revestida dos requisitos legais;
II – faltar ao juiz competência em razão da matéria ou da hierarquia;
III – o juiz tiver dúvida acerca de sua autenticidade.
Parágrafo único. No caso de incompetência em razão da matéria ou da hierarquia, o juiz deprecado, conforme o ato a ser praticado, poderá remeter a carta ao juiz ou ao tribunal competente”.
Comentários: desatendidos aos requisitos formais que o CPC/2015 fixou, o juiz recusará o cumprimento de carta precatória ou arbitral, mas não poderá fazer o mesmo em se tratando de carta de ordem ou rogatória, pela simples razão de que, no caso de carta de ordem, expedida por tribunal, não pode o juiz recusar cumprimento de uma ordem emanada de tribunal, o mesmo sucedendo em relação à carta rogatória, diante do fato de que o “exequatur” (ordem para cumprimento da carta), emanar do Superior Tribunal de Justiça.
Considerando o efeito itinerante das cartas precatória e arbitral, o juiz deprecado, se lhe faltar competência em razão da matéria ou de hierarquia, deverá remeter a carta ao juiz ou ao tribunal competente.

“Art. 268. Cumprida a carta, será devolvida ao juízo de origem no prazo de 10 (dez) dias, independentemente de traslado, pagas as custas pela parte”.
Comentários: para dizer o óbvio, o CPC/2015, por seu artigo 268, afirma que, cumprida a carta, ela será devolvida ao juízo de origem, para que seja encartada ao processo e ali produza seus efeitos.