O QUE DISTINGUE O JUIZ DO POLÍTICO?

O QUE DISTINGUE O JUIZ DO POLÍTICO?
Valentino Aparecido de Andrade

Interessante o tema que surge com a indicação do ministro da justiça ao cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal, quando o escolhido riposta às críticas que lhe foram apresentadas para alegar que, aprovada a sua indicação, comportar-se-á como “juiz”, e não como “político”. Que há diferenças entre um e outro, não há dúvida. Mas o que precisamente distingue uma função da outra?

Vamos dar um passo atrás e lembrar da tradicional teoria da separação dos poderes e, nesse contexto, da distinção entre “função jurisdicional” e “função política” como espécies de funções da soberania. Diz CHIOVENDA que é fácil e mais nítido contrapor a função jurisdicional à função legislativa, porque a esta última pertence ditar as normas abstratas (as leis) que devem regular a vida das pessoas, enquanto à jurisdição pertence aplicar essas mesmas normas a casos em concreto.

Mas quando se pensa na distinção entre a jurisdição e a política, as dificuldades não são pequenas, e isso sem considerar aqueles importantes aspectos levados por JACQUES DERRIDA em seu “Força de Lei”, quando se refere à questão ética-política-jurídica que está necessariamente envolvida ao se pensar no valor do justo, no fazer justiça, que é diferente daquilo que se deve pensar quando se está a trabalhar com o Direito (com a norma legal).

Vários são os critérios engendrados por filósofos, cientistas políticos e jurídicos para estabelecer a distinção entre a função jurisdicional e a função política. CHIOVENDA, por exemplo, afirma que a jurisdição é de ser considerada como uma atividade substitutiva da vontade das pessoas envolvidas em uma relação jurídica, porque o juiz, ao decidir, impõe a sua vontade (a dizer, a vontade do Estado), vontade essa que assim se sobrepõe (substitui) à vontade das partes, e isso ocorre no processo, e apenas no processo é que isso pode ocorrer. Acrescenta CHIOVENDA: “o juiz age atuando a lei; a administração em conforme com a lei; o juiz considera a lei em si mesma; o administrador considera-a como norma de sua própria conduta. E ainda: a administração é uma atividade primária ou originária; a jurisdição é uma atividade secundária ou coordenada”.

Mas e quando pensamos em uma corte constitucional, ou seja, em um tribunal superior ao qual cabe examinar a constitucionalidade das leis, fazendo-o especialmente em controle abstrato de constitucionalidade? As diferenças observadas por CHIOVENDA continuam a existir? Um ministro do STF ao qual caiba decidir se uma norma é, abstratamente, constitucional ou não, está a atuar a lei nos moldes chiovendianos, como faz qualquer juiz em um processo em que se controverte sobre um litígio entre particulares? Evidentemente que não.

A atividade jurisdicional de um ministro do STF apresenta certas peculiaridades que são o resultado direto do acentuado poder que a esse mesmo tribunal é conferido pela constituição. E aqui é que surge o problema, porque se há distância entre a função jurisdicional e a função administrativa, essa distância não é grande, e ainda que exista, ou deva existir, ela é tão tênue que, em muitas situações, há insuperável dificuldade em distinguir o papel que um ministro do STF exerce daquele que atribuído a um político em geral.

Tivéssemos uma corte constitucional, e a distinção entre as funções jurisdicional e política poderia ser de interesse puramente acadêmico. Mas o fato é que o STF não é uma corte constitucional, ou mais propriamente não é apenas uma corte constitucional, porque lhe cabe julgar casos em concreto, processos criminais, por exemplo, e nesse terreno aquela distinção elaborada por CHIOVENDA passa a ter uma vital importância, porque está em questão o grau de independência (e de imparcialidade) do ministro.

Daí a justa preocupação que se deve ter com o perfil do indicado ao STF. Esse perfil pode ser político, mas até um determinado limite. Mas qual é esse limite? A Constituição não nos diz. Quem sabe DERRIDA possa nos ajudar nessa árdua tarefa.