Processo número 06000011-75.2019
3ª. Zona Eleitoral de São Paulo, Capital
Comarca da Capital
Vistos.
Invocando a aplicação da Lei federal 9.504/1997, que, por seu artigo 23, parágrafo 1º., regulamenta as doações por pessoas físicas a campanhas eleitorais, afirma o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL que (…) qualificada nos autos, contra quem representa, violou a norma legal, ao doar acima do limite legal, pois que, nas eleições ocorridas em 2018, teria doado ao candidato, (…), a quantia de R$10.000,00 (dez mil reais), quando, segundo a norma legal, somente poderia ter doado R$6.356,37 (seis mil, trezentos e cinquenta e seis reais e trinta e sete centavos), considerando os critérios legais para aferição do limite à doação, pugnando o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, nesse contexto, que se considere ter a autora violado a norma legal, de modo que se lhe aplique multa em até 100% (cem por cento) da quantia que excedeu a do limite legal.
Sob a forma de medida cautelar, acolhendo-sepedido do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, decretou-se a quebra do sigilo fiscal da representada. Implementada essa medida, o MINISTÉRIO PÚBLICO pôde ter acesso à declaração de imposto de renda apresentada pela representada.
Recebida formalmente a representação, procedeu-se à notificação da representada, que, no prazo legal, apresentou defesa, em que reconheceu como verdadeiro o fato de ter doado a importância de R$10.000,00 (de mil reais), e que o valor de fato supera o limite legal, masobtemperando que procedeu à retificação de sua declaração de imposto de renda, de modo que, considerados os valores aceitos pelo Fisco, o limite legal não foi ultrapassado. Obtemperou também que, casada sob o regime de comunhão parcial, deve-se considerar a soma do patrimônio do casal para a fixação do valor que foi doado. Argumentou, outrossim, que de qualquer modo não se configurou o abuso do poder econômico, ou ainda que o valor doado pudesse causar qualquer impacto sobre o resultado do pleito eleitoral.
As partes apresentaram alegações finais.(Considerou-se o justo impedimento, de modo que se receberam como tempestivas as alegações finais da representada.)
Nesse contexto, FUNDAMENTO e DECIDO.
A conduta descrita na representação, qual seja, a de ter a representada doado acima do limite legal não se caracteriza.
Com efeito, a legislação federal que disciplina o imposto de renda concede ao sujeito passivo da exação o prazo de cinco anos para que requeira ao Fisco a homologação da retificação de dados, de modo que se a retificação dos dados é feita dentro de prazo, e homologada pelo Fisco, o que deve ser considerado para a produção de quaisquer efeitos jurídicos, inclusive na relação jurídico–eleitoral, é a declaração final, com os dados que foram homologados pelo Fisco.
É irrelevante, portanto, que se se trate de retificação e não da declaração inicial feita pelo contribuinte, porque se a lei concede o prazo para a retificação, e se o contribuinte a faz dentro desse prazo, o que prevalece é a declaração final, que é aquela homologada pelo Fisco com a retificação.
À legislação eleitoral não é dado o poder de transmudar a realidade tributária, ou mesmo desconsiderá–la, sobretudo quando, para tipificar determinada conduta, como sucede com a que se materializa em doar acima de determinado limite, adota o limite que é apurado e homologado pelo Fisco Federal, na forma e condições que estão previstas na legislação federal acerca do imposto de renda. Assim, para efeito da legislação eleitoral, o limite que é de ser aferido é aquele que o Fisco federal considerou e homologou segundo a legislação desse tributo.
Não há sentido lógico ou jurídico, pois, no se fixar um prazo fatal para que a retificação de dados fornecidos ao Fisco em relação ao imposto de renda produza efeitos na relação jurídico-eleitoral, quando essa mesma legislação (a eleitoral) remete diretamente à legislação tributária do imposto de renda o suporte fático para a configuração da conduta em questão.
Destarte, em tendo havido a homologação pelo Fisco da retificação à declaração do imposto de renda feita pela requerida, e aliás, o MINISTÉRIO PÚBLICO nada objetou a respeito, daí decorre que a conduta imputada à requerida não se configura materialmente, porque o valor doado encontra-se dentro do limite legal, apurado segundo a declaração final do imposto de renda para o respectivo exercício fiscal.
Acresce considerar que a representada é casada sob o regime da comunhão parcial de bens, como comprovou por meio de certidão de casamento, de modo que é razoável o que argumenta no sentido de que, em se tratando desse regime legal, o valor doado deve ser aferido de acordo com a soma do que declarado por cada cônjuge ao Fisco Federal, o que, aplicado ao caso presente, determina a conclusão de que o valor doado está dentro do limite legal.
POSTO ISSO, desacolho o pedido formulado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, porque a conduta imputada – a de a requerida ter doado acima do limite legal – não se configurou, considerando o valor da declaração final de imposto de renda, tal como homologada pelo Fisco Federal, e ainda a soma do patrimônio do casal, de acordo com o que é de rigor observar-se no regime da comunhão parcial de bens. Este processo é extinto, com a resolução de seu mérito.
Sem condenação em encargos de sucumbência.
Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadasdesta Sentença.
São Paulo, em 11 de agosto de 2020.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ ELEITORAL