DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO
EMENTA:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA FUNDADA EM CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE SOJA. EMBARGOS MONITÓRIOS FORMULADOS SOB A ALEGAÇÃO DE QUE A CONTRATAÇÃO EXIGIRIA O PRÉVIO AJUIZAMENTO DE UMA AÇÃO DE EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA, QUESTIONANDO OS EMBARGANTES, OUTROSSIM, ENCARGOS DE MORA E HONORÁRIOS DE ADVOGADO. EMBARGANTES QUE, FATO SIGNIFICATIVO, RENUNCIARAM À PRESCRIÇÃO.
SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTES OS EMBARGOS, CONSTITUINDO O TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL.
APELO DOS EMBARGANTES, RENOVANDO A TEMÁTICA ACERCA DA INADEQUAÇÃO DA AÇÃO MONITÓRIA, BEM ASSIM QUANTOS AOS ENCARGOS DE SUPOSTA MORA.
APELO EM PARTE SUBSISTENTE. CONTRATO DE ENTREGA DE COISA INCERTA. SOJA, PRODUTO QUE É DETERMINADO POR SEU GÊNERO E QUANTIDADE. CREDOR QUE, ASSIM, DISPÕE DO DIREITO PROCESSUAL AO MANEJO DA EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA INCERTA, CONFORME O QUE PREVÊ O ARTIGO 811 DO CPC/2015. AÇÃO MONITÓRIA QUE, ASSIM, NÃO PODE SER UTILIZADA, SEJA PORQUE O CREDOR JÁ DISPÕE DE TÍTULO EXECUTIVO, SEJA PORQUE O CREDOR ESTÁ A PRETENDER DESDE LOGO QUE SE SUBSTITUA A OBRIGAÇÃO DE ENTREGA POR SE SUBSTITUTO PECUNIÁRIO.
PRESCRIÇÃO A QUE OS EMBARGANTES NA AÇÃO MONITÓRIA EXPRESSAMENTE RENUNCIARAM, DE MANEIRA QUE NÃO HÁ DÚVIDA DE QUE O TÍTULO EXECUTIVO TIVERA RESTAURADA TODA A SUA FORÇA EXECUTIVA, A OBRIGAR O CREDOR A SE UTILIZAR DA AÇÃO DE EXECUÇÃO, QUE NÃO PODE SER SUBSTITUÍDA PELA AÇÃO MONITÓRIA, CUJA FEIÇÃO, NATUREZA JURÍDICA E FINALIDADE, E SEGUNDO A TRADIÇÃO DO DIREITO BRASILEIRO, NÃO AUTORIZAM QUE ESSE TIPO DE AÇÃO TENHA COMO OBJETO UMA OBRIGAÇÃO DE FAZER, SENÃO QUE UNICAMENTE DE CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA.
SENTENÇA REFORMADA. RECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO. ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA, SEM MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
RELATÓRIO:
Trata-se de recurso de apelação interposto contra r. sentença de fls. 140/144 que, em ação monitória movida por (…)em face de (…), julgou “[…] JULGO IMPROCEDENTES os EMBARGOS opostos por (…), o que faço para, constituindo-se de pleno direito título executivo judicial, condenar as embargantes ao pagamento da quantia principal de R$ 67.965,32 (sessenta e sete mil, novecentos e sessenta e cinco reais e trinta e dois centavos), com atualização monetária pelos índices da Tabela Prática do TJSP e juros moratórios de 1% ao mês a contar da planilha de fls. 07, prosseguindo-se o feito, como determina o artigo 523 e seguintes do Código de Processo Civil.
Por força do princípio da sucumbência, condeno as embargantes ao pagamento das custas, despesas processuais e aos honorários advocatícios da parte autora, que fixo em 10% sobre o valor atualizado do débito”.
A parte ré opôs embargos monitórios.
Sustentam os recorrentes a inadequação da via eleita. Alegam ainda que além de ser o procedimento inadequado a conversão em perdas e danos não é automática. Pugnam, nesse contexto, seja o presente recurso provido para a reforma da r. sentença.
Os apelantes requereram o benefício da gratuidade que foi concedido apenas aos apelantes (…). O apelante (…) recolheu o preparo.
Recurso tempestivo, preparado pelo apelante (…), dispensado do preparo em razão da gratuidade da justiça concedida aos demais apelantes e contra-arrazoado.
FUNDAMENTAÇÃO:
Com o respeito que é deveras merecido ao entendimento formado pela maioria da douta turma julgadora após a realização de julgamento com o emprego da técnica prevista no artigo 942 do CPC/2015, dá-se parcial provimento ao recurso de apelação, reformada a r. sentença.
Com efeito, o Legislador engendrou a ação monitória, como procedimento de cognição sumária, sendo necessário que autor fundamente a ação com prova escrita sem eficácia de título executivo exigindo quantia em dinheiro, entrega de coisa fungível ou infungível ou de bem móvel ou imóvel ou ainda o adimplemento de obrigação de fazer ou de não fazer. Em relação a prova escrita é necessário que ela possibilite a formação da convicção do julgador a respeito de um crédito pretendido.
Pois bem, o autor fundamentou a ação monitória em Cédula de Produto de Rural (fls. 14/17) e Contrato de Compra e Venda de Soja (fls. 19/25). Ambos os documentos tratam da negociação de 30.000 Kg de soja brasileira em grão e a granel da safra de 2018/2019 a serem entregues até 30/03/2019. O autor alega não ter recebido as sacas de soja negociadas e busca o recebimento de seu crédito em pecúnia.
No caso em questão o Contrato de Compra e Venda de Soja trata em sua cláusula 4º sobre o inadimplemento. Assim prevê que a compradora, ora autora-embargada, em caso de inadimplemento por parte do vendedor pode exigir a entrega imediata, com o acréscimo de 1% ao mês ou fração de atraso com juros moratórios, mais 10% de multa moratória e destaca que ambos os encargos serão pagos sob a forma de soja em grãos granel.
No que concerne à Cédula de Produto Rural semelhante dispositivo pode ser encontrado na cláusula 7, que estabelece multa e juros moratórios sem prejuízo da entrega da soja em caso de inadimplemento. Além de dispor que os encargos serão pagos em produto do mesmo gênero e quantidade.
Destarte, dispõe o credor da ação de execução para entrega de coisa incerta, que é a coisa que se caracteriza por se poder a determinar por seu gênero e quantidade, como se dá com o produto em questão (soja). E se o credor dispõe já da ação de execução, tal como prevista no artigo 811 do CPC/2015, por óbvio não pode ser utilizar da ação monitória. Duas ordens de razão o impedem de fazê-lo.
A primeira é a de que já dispõe de um título executivo. A segunda radica no injustificado objetivo do credor, que é a de fazer desde logo convertido em obrigação pecuniária o suposto inadimplemento quanto ao cumprimento da obrigação de entrega de coisa incerta.
Há que se sublinhar que os embargantes, na ação monitória, renunciaram expressamente à prescrição, o que significa dizer que o título executivo teve toda a sua força executiva restaurada, a obrigar o credor a se utilizar da ação de execução, que, assim, não pode ser substituída pela ação monitória, considerando a feição, a natureza jurídica e a finalidade desse tipo de ação no direito brasileiro, seguindo o que o direito italiano engendrou, sobretudo pelo genial CALAMANDREI.
A propósito, devemos observar que, na ação monitória, seu objeto não pode ser senão que uma obrigação pecuniária. Ou seja, não se pode buscar pela ação monitória a constituição de um título executivo judicial quanto a uma obrigação de entrega de coisa, sobretudo a de coisa incerta. E aqui vale enfatizar, ainda uma vez, que, em dispondo de título executivo, o credor, ora apelado, não pode pretender que se faça substituir a obrigação de fazer pela sua recomposição pecuniária, não sem antes analisar-se se a obrigação de entrega foi descumprida, com a análise das razões e motivos que possam ter isso ensejado, produzindo-se inclusive perícia no bojo da ação de execução de entrega de coisa incerta, tudo conforme previsto no artigo 812 do CPC/2015, em um procedimento que é específico à entrega de coisa incerta, e que deve ser adotado, sob pena de se conceder ao credor uma vantagem que não é só de natureza processual, mas também material.
De maneira que deve ser extinta a ação monitória em face da carência da ação, haja vista a inadequação da via eleita.
Por meu voto, portanto, “concessa venia” ao entendimento formado pela maioria da douta turma julgadora, dá-se parcial provimento ao recurso de apelação para, reformando a r. sentença e acolhendo os embargos, declarar a extinção anormal da ação monitória, reconhecida a sua inadequação, aplicando-se, pois, o que prevê o artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil.
Quanto aos encargos de sucumbência, consequentemente, impõe-se à autora embargada a condenação, devendo reembolsar ao réu-embargante o que este despendeu com taxa judiciária e despesas processuais, com atualização monetária a partir do desembolso, condenada a autora embargada ainda em honorários de advogado, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à ação monitória, devidamente corrigido desde seu ajuizamento.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
RELATOR VENCIDO