A IDEOLOGIA JURÍDICA AMA ESCONDER-SE
Valentino Aparecido de Andrade
É do filósofo pré-socrático, HERÁCLITO DE ÉFESO, a conhecida frase: “A Natureza Ama Esconder-se”. Mas também a Ideologia jurídica o faz, e tão ou mais perigosamente quanto se dá com a Natureza. Afinal, se o Direito é uma superestrutura, nada mais natural a importância da Ideologia no campo jurídico, que, a rigor, nunca é exclusivamente jurídico, tantos são os efeitos que produz na realidade político-social.
Coube ao filósofo LOUIS ALTHUSSER a primazia de demonstrar como a Ideologia opera efeitos no campo do Direito, fazendo prevalecer nas leis uma determinada base econômica, impactando a superestrutura (o Direito) naquilo que se mostra necessário para que prevaleça a base econômica, e não os direitos subjetivos que, incorporados ao direito positivo, integram a superestrutura jurídica de um país. Recordemos do que escreveu LOUIS ALTHUSSER a respeito:
“Qualquer pessoa pode compreender facilmente que esta representação de toda a sociedade como um edifício que comporta uma base (infraestrutura) sobre a qual se erguem os dois ‘andares’ da superestrutura, é uma metáfora, muito precisamente, uma metáfora espacial: uma tópica. Como todas as metáforas, esta sugere, convida a ver alguma coisa. O quê? Pois bem, precisamente isto: que os andares superiores não poderiam ‘manter-se’ (no ar) sozinhos se não assentassem de fato na sua base.
“A metáfora do edifício tem portanto como objetivo representar a ‘determinação em última instância’ pelo econômico. Esta metáfora espacial tem por efeito afetar a base de um índice de eficácia conhecido nos célebres termos: determinação em última instância do que se passa nos ‘andares’ (da superestrutura) pelo que se passa na base econômica”. (“Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado”, tradução por Joaquim José de Moura Ramos, p. 26-27, Editorial Presença – Portugal – Livraria Martins Fontes – Brasil).
MICHEL FOUCAULT, seguindo a trilha iniciada com ALTHUSSER, colocou o discurso jurídico como foco de sua preocupação, sobretudo em cinco conferências que proferiu aqui no Brasil entre 21 e 25 de maio de 1973, tratando de analisar como o discurso jurídico acaba por revelar a ideologia do operador jurídico, embora este tente a todo o momento escondê-la, esperando do povo em geral que adotem o mesmo comportamento que se espera das crianças, quando se as encaminham à escola, tal como KANT observara: “Enviam-se em primeiro lugar as crianças à escola não com a intenção de que elas lá aprendam algo, mas com o fim de que elas se habituem a permanecer tranquilamente sentadas e a observar pontualmente o que se lhes ordena” – como registrou FRANÇOIS EWALD em livro dedicado ao estudo de como FOUCAULT via o Direito, para além daquilo que os operadores do Direito gostam que se possa ver.
A importância que envolve a Ideologia Jurídica nos deve levar a refletir, por exemplo, das inúmeras ferramentas utilizadas pelos grupos econômicos com o objetivo de convencerem os juízes de que têm razão, e de como isso é feito para que os juízes suponham estejam a pensar com sua própria cabeça, quando estão a pensar tal como esses grupos querem que pensem. Uma dessas ferramentas, que parecem inofensivas, são os congressos pretensamente jurídicos, mas que de jurídicos não têm nada, senão que apenas os operadores é que são “jurídicos”, que aliás estão ali tanto quanto estão as crianças nas escolas, para se lhes impor uma determinada Ideologia.