NECESSIDADE SOCIAL IMPERIOSA

“NECESSIDADE SOCIAL IMPERIOSA”
Valentino Aparecido de Andrade

A nossa jurisprudência simplesmente desconhece a expressão “necessidade social imperiosa”, quando está a aplicar o princípio da proporcionalidade, outro desconhecido de nossa jurisprudência. Aqui, a solução entre colisão de direitos fundamentais é feita empiricamente, devemos dizer, diversamente do que ocorre no âmbito do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos – TEDH, que cunhou a referida expressão. Vejamos o que ela significa, ou pode significar.

Por “necessidade social imperiosa” entende o TEDH que se trata de analisar o grau da restrição que se impõe ou se impôs ao exercício de uma liberdade. Quanto maior o grau dessa restrição, mais consistente deve ser o argumento empregado para restringir a liberdade, ou seja, deve haver uma necessidade social concreta que isso justifique. Vejamos um caso prático recente, julgado pelo TEDH.

Uma jornalista portuguesa foi condenada pela justiça de seu país por ter violado o sigilo envolvendo as investigações de um rumoroso caso. Foi condenada, pois, a pagar uma multa de mil euros. Recorreu ao TEDH, e ali tivera seu inconformismo reconhecido, porque se entendeu que a condenação imposta à jornalista, aplicada pela justiça portuguesa, violava o artigo 10 da Constituição Europeu dos Direitos Humanos, que é a garantia à liberdade de expressão. Entendeu o TEDH que, nas circunstâncias do caso em concreto não havia uma necessidade social imperiosa que justificasse se suprimisse da jornalista o direito à liberdade expressão, materializada na reportagem que escreveu. Escreveu o TEDH:

“Nas circunstâncias do presente caso, a existência da investigação criminal em questão, os principais suspeitos e a natureza das operações ilícitas em questão já haviam sido divulgadas nos meios de comunicação no momento da publicação da notícia. É, portanto, questionável se, dada a cobertura mediática do caso, os fatos sob investigação e sua relevância política, ainda era necessário impedir a divulgação de informações que já eram, pelo menos em parte, do domínio público”.

Está aí a essência desse critério: o da “necessidade social imperiosa”, que traz racionalidade para um tema tão importante quanto é o que envolve a colisão da liberdade em face de outros direitos.

No Brasil, como dito, estamos ainda em uma etapa histórica do empirismo quando se trata de decidir judicialmente se a liberdade de expressão deve prevalecer ou não, ou seja, em uma etapa em que não se está a aplicar a razão, senão que meras opiniões do julgador. É o que explica a diminuta importância que, entre nós, é dada ao princípio da proporcionalidade, confundido quase sempre com o princípio da razoabilidade, ou o que é pior, com o autorizar uma carga acentuadamente discricionária pelos juízes.

Como dizia HEGEL no prefácio à primeira edição de sua “Ciência da Lógica”: “Há um período durante a formação de uma época histórica como na educação do indivíduo, em que se trata principalmente de adquirir e afirmar o princípio em sua intensidade, ainda não desenvolvida. Porém, imediatamente surge a exigência superior de o transformar em ciência”.

Esperemos, pois, que o nosso Direito supere o mais breve possível a etapa empírica em que se hoje coloca o princípio da proporcionalidade, erigido como deve ser a uma verdadeira “ciência” na solução dos variados conflitos que envolvem a liberdade.

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