EXISTE DIREITO ADQUIRIDO A UMA POSIÇÃO CONTRATUAL?

EXISTE DIREITO ADQUIRIDO A UMA POSIÇÃO CONTRATUAL?
Valentino Aparecido de Andrade

Que o Direito positivo brasileiro é fértil em inventar soluções jurídicas, temos provas suficientes para o afirmar. Aliás, quanto mais pobre é um país, economicamente falando, mais engenhoso são (ou devem ser) os operadores do Direito, que buscam remediar, no campo jurídico, o que é gerado pela pobreza. Especialmente desde o “Plano Collor”, nosso Direito positivo tem se mostrado cada vez mais fértil.

E essa fertilidade chegou agora, como sói deveria ocorrer, ao campo dos contratos, aplicando-se-lhes o instituto do direito adquirido, o que significa dizer que um contratante poderia conquistar, pelo instituto do direito adquirido, uma posição contratual definitiva no tempo. Sucede, entretanto, que o contrato é, por natureza, um vínculo jurídico transitório, e por ser transitório, esse vínculo possui um termo determinado para ser extinto, o que é diametralmente oposto à ideia do direito adquirido. Com efeito, na raiz de qualquer contrato está a transitoriedade, enquanto a noção de permanência é o que caracteriza a essência do instituto do direito adquirido.

É exatamente por isso que o STF tem, de há muito, firmado a tese de que o servidor público não possui direito adquirido a um determinado regime jurídico-funcional, precisamente porque todo regime jurídico é, por essência, transitório, tanto quanto um contrato o deve ser. Assim, tudo que é transitório não pode ensejar o direito adquirido, e isso vale naturalmente aos contratos.

Por isso é que não há sentido lógico-jurídico em afirmar que se pode conquistar uma posição contratual definitiva por meio do direito adquirido.

Mas as circunstâncias que envolvem a execução no tempo de um contrato não podem fazer com que o vínculo contratual mantenha-se por algum tempo? Sim, mas não é do direito adquirido que se trata aí. É possível, portanto, aplicar-se o instituto da “surrectio” no campo contratual, de modo que um vínculo contratual pode, excepcionalmente, estender-se além do tempo previsto no contrato, se as circunstâncias da realidade material subjacente, a dizer, se as circunstâncias em que a execução do contrato ocorreram legitimem a interpretação no sentido de que era vontade dos contratantes estender o vínculo além do tempo fixado. Mas isso nada tem a ver com o instituto do direito adquirido que, assinale-se ainda uma vez, não pode ser aplicado aos contratos, porque estes são, por natureza, transitórios. Portanto, uma posição contratual jamais pode se tornar objeto de um direito adquirido.

A “surrectio” nada mais é do que o resultado de uma interpretação das circunstâncias da realidade contratual. Estende-se no tempo o vínculo contratual porque as partes o quiseram que assim fosse, conquanto não tivessem pactuado a respeito, cabendo ao Poder Judiciário, analisando as circunstâncias em que o contrato foi executado, interpretando essas circunstâncias, decidir se a “surrectio” aplica-se ou não. Mas estender um contrato não quer dizer mantê-lo indefinidamente, como se houvesse o direito adquirido a uma posição contratual.

A “surrectio” é a criação de um direito subjetivo não em razão do tempo, mas sim em razão das circunstâncias que o tempo provoca. O tempo em si é neutro; são as circunstâncias que o qualificam juridicamente. O genial filósofo alemão, MARTIN HEIDEGGER, cunhou a expressão “Dasein” para demonstrar o que somos em termos de existência. Essa expressão em alemão “Dasein” tornou-se, na linguagem filosófica universal, a que se adota quando se quer dizer que o ser humano projeta-se no tempo as suas possibilidades, e ao fazê-lo “existe”. Podemos nos utilizar do “Dasein” para concluir que um direito subjetivo surge por meio da “surrectio”, quando as circunstâncias projetadas no tempo o fazem surgir, como também devem, essas mesmas circunstâncias, determinar por qual tempo razoável que esse vínculo contratual deverá ser estendido.

Mas a “surrectio” não faz surgir um direito adquirido, a não ser que o direito subjetivo de que se trata possa, ele próprio o direito subjetivo, tornar-se definitivo no tempo, a ponto de não poder ser extinto. Destarte, se o direito subjetivo que a “surrectio” faz nascer é um direito de natureza contratual, o direito adquirido não pode surgir, porque o contrato, todo contrato, é sempre um vínculo transitório, e por isso não se lhe pode aplicar, por essência, o direito adquirido.

Mas a fértil criatividade dos operadores do Direito positivo brasileiro não encontra limites, o que justifica que estejamos agora a aplicar o instituto do direito adquirido aos contratos, fazendo surgir, por meio da “surrectio”, uma posição contratual definitiva, contra a qual o tempo nada pode fazer.