EMBARGOS DECLARATÓRIOS. PRECISÃO CONCEITUAL. NÃO CONHECIMENTO X REJEIÇÃO

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO. OBJETIVO DA PARTE AGRAVANTE QUE SE REVELA EVIDENTE NO PRETENDER REDISCUTIR O JULGADO, O QUE SOBRE-EXCEDE O CAMPO COGNITIVO E A FINALIDADE DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS. SITUAÇÃO PROCESSUAL QUE DEVE, CONFORME SEDIMENTADA JURISPRUDÊNCIA DO E. STJ, DETERMINAR A REJEIÇÃO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EMBARGOS ASSIM CONHECIDOS E DESPROVIDOS. HONORÁRIOS DE ADVOGADO NÃO MAJORADOS.
RESSALVA QUANTO À POSIÇÃO DO RELATOR NO SENTIDO DE QUE NÃO SE DEVESSEM CONHECER DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS, AINDA EM FACE DO CARÁTER INFRINGENTE COM QUE REVESTIDOS.

RELATÓRIO
Embargos declaratórios tempestivamente interpostos sob a alegação da existência de omissão no v. acórdão proferido em recurso de agravo de instrumento, alegando a embargante que a omissão radica no fato de não se ter observado que, contrariamente ao que decidido, a legislação processual autoriza a arguição de inexigibilidade de título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação de lei ou de ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso, antes do trânsito em julgado da decisão exequenda.
Em resposta, a embargada sustenta a inexistência do vício alegado, pugnando pelo desprovimento ao recurso por considerar que o objetivo da embargante é tão só o de rediscutir o julgado.
FUNDAMENTAÇÃO
Não se identifica, no conteúdo e intelecção do v. acórdão proferido em recurso de agravo de instrumento, a ocorrência de omissão na análise das matérias que formaram o campo cognitivo daquele recurso.
Com efeito, conquanto a embargante indique a existência de omissão no v. acórdão que, a seu ver, não observou o disposto no artigo 525, §§ 1º, III, 12 e 14, do CPC/2015, o que se revela evidente é que seu objetivo é tão somente o de rediscutir o que fora julgado no recurso, e o de modificar aquilo que lhe é desfavorável, buscando dotar estes embargos declaratórios de uma finalidade que não lhe é própria, sobretudo quando se há reconhecer que o v. acórdão analisou toda a matéria discutida no recurso de agravo de instrumento.
Colhe-se da jurisprudência a posição que é prevalecente, e que aqui se adota: “(…) Não se prestam os embargos de declaração, não obstante sua vocação democrática e a finalidade precípua de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, para o reexame das questões de fato e de direito já apreciadas no acórdão embargado. 2. Ausência de vício justificador da oposição de embargos declaratórios, nos termos do art. 1.022 do CPC, a evidenciar o caráter meramente infringente da insurgência. 3. Embargos de declaração rejeitados.” (STF, Rcl-AgR-ED 33.541, AP, Primeira Turma, Relª Min. Rosa Weber, DJE 04/04/2022, Pág. 22).
A jurisprudência, construída quando em vigor o CPC/1973, admitia em certas e específicas situações que se fizessem dotar os embargos declaratórios de efeito infringente, situação que, no CPC/2015, passou a contar com previsão legal, conforme se vê de seu artigo 1.023, parágrafo 3º., mas esse efeito infringente somente pode surgir quando esteja caracterizado ao menos um dos vícios de intelecção erigidos pelo artigo 1.022 como indispensáveis ao conhecimento e provimento aos embargos declaratórios, o que aqui não ocorre.
Diante, pois, do caráter marcadamente infringente com que a embargante quer dotar este recurso, é de rigor os rejeitar – ou seja, deles conhecer e a eles negar provimento –, adotando-se, pois, a posição jurisprudencial prevalecente e emanada do egrégio Superior Tribunal de Justiça (EDcl no AgInt no AREsp n. 295.754/MG), que, estabelecendo uma distinção de regime processual entre as hipóteses em que os embargos declaratórios não devam ser conhecidos (quando caracterizada a intempestividade, violação ao princípio da unirrecorribilidade e preclusão consumativa), daquelas em que os embargos declaratórios devam ser rejeitados (conhecidos e desprovidos), quando se trata da hipótese em que não se demonstra a caracterização de qualquer dos vícios previstos no artigo 1.022 do CPC/2015, e se revele presente o caráter meramente modificativo do recurso, situação esta que é deste recurso, de maneira que estes embargos de declaração devem ser conhecidos e desprovidos.
Ressalva-se, contudo, a posição deste Relator no sentido de que se não devessem ser conhecidos estes embargos, ainda que neles presente o pretendido caráter infringente, por considerar que é muito comum encontrar-se em nossa jurisprudência a expressão “rejeitam-se os embargos declaratórios”, com o que não ficam a saber as partes e seus advogados se os embargos declaratórios foram ou não conhecidos, gerando uma dúvida que, a rigor, deveria ensejar a formulação de novos embargos declaratórios, apenas para que o juiz, o relator ou o tribunal esclarecessem se, “rejeitando os embargos declaratórios”, julgaram-nos em seu mérito ou não. A respeito, a preciosa lição de PONTES DE MIRANDA em seu “Código de Processo Civil”, de 1973, tomo VII, p. 422-423:
“Como acontece com qualquer recurso, primeiro se há de conhecer ou não conhecer dos embargos de declaração. Após o conhecimento é que se dá ou se nega provimento ao remédio jurídico recursal. Se não há obscuridade, no tocante ao fundamento, ou à conclusão ou às conclusões, ao dizer que não conhece dos embargos de declaração, tem o tribunal, como teria o juiz, de fundamentar o ato de não-conhecimento. Aí, desde logo fica esclarecido o que se tinha por obscuro”.
Os embargos declaratórios, como todo tipo de recurso, têm seus requisitos objetivos, e eles estão previstos no artigo 1.022, incisos I a III, do CPC/2015. Destarte, se esses requisitos estão cumpridos em tese os embargos declaratórios devem ser conhecidos, passando então o órgão julgador (juiz, relator ou tribunal) a decidir se, efetivamente, há na decisão/sentença/acórdão obscuridade, contradição ou omissão. Se houver qualquer desses vícios, aos embargos declaratórios há que se dar provimento. Se não se configurar efetivamente a presença de nenhum desses requisitos, os embargos declaratórios devem ser conhecidos, mas desprovidos.
Constitui uma imprecisão técnica, pois, a decisão que, singelamente, “rejeita” os embargos declaratórios, por obstar a compreensão das partes e de seus advogados quanto a terem ou não sido conhecidos os embargos declaratórios. Imprecisão técnica, aliás, em que incidiu o próprio legislador, como se vê do artigo 1.024, parágrafo 5º. – o que comprova que também o legislador do processo civil olvidou das preciosas lições de PONTES DE MIRANDA.
Essa é, a rigor, a mesma posição de BARBOSA MOREIRA, como se vê de seu ensaio “Que Significa ‘Não Conhecer’ de um Recurso?”, publicado em sua coleção, “Temas de Direito Processual”, obra hoje praticamente de alfarrábio:
“Para bem responder à pergunta do título, deve-se começar por lembrar que o recurso – como aliás todo ato postulatório – pode ser objeto de apreciação judicial por dois ângulos perfeitamente distintos: o da admissibilidade e o do mérito. Ao primeiro deles, trata-se de saber se é possível dar atenção ao que o recorrente pleiteia, seja para acolher, seja para rejeitar a impugnação feita à decisão contra a qual se recorre. Ao outro, cuida-se justamente de averiguar se tal impugnação merece ser acolhida, porque o recorrente tem razão, ou rejeitada, porque não a tem. É intuitivo que à segunda etapa só se passa se e depois que, na primeira, se concluiu ser admissível o recurso: sendo ele inadmissível, com a declaração da inadmissibilidade encerra-se o respectivo julgamento, sem nada acrescentar-se a respeito da substância da impugnação. Semelhante relação entre os dois juízos permite caracterizar o primeiro como preliminar ao segundo”.
BARBOSA MOREIRA ainda obtempera que a necessidade de bem distinguir as hipóteses em que o recurso não deva ser conhecido daquela em que o deva ser (para ser ou não provido) produz um importante efeito no terreno da coisa julgada, porque, conhecido um recurso e a ele se dando ou não provimento, modificou-se o conteúdo da decisão recorrida, o que produz efeito quanto à coisa julgada material.
Alicerçado, pois, no entendimento desses dois ilustres processualistas brasileiros, é que defendo a posição de que, em não se configurando a presença de qualquer dos vícios previstos no artigo 1.022 do CPC/2015, os embargos declaratórios não devem ser conhecidos, ainda que a sua finalidade fosse a de modificar o julgado, por considerar que a finalidade pretendida pela parte embargante não causa nenhum influxo quanto aos vícios previstos no referido artigo, o que significa dizer que a finalidade infringente não faz surgir qualquer desses requisitos.
Malgrado essa posição, acompanho a posição desta c. Câmara, pois que alinhada à jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça.
Pois que meu voto é no sentido de que se conheçam dos embargos declaratórios e a eles, rejeitando-os, negue-se provimento.
Afasto, outrossim, a aplicação do artigo 85, parágrafo 11, do CPC/2015, seja por considerar deva prevalecer a corrente jurisprudencial que entende que a regra que prevê a majoração dos honorários advocatícios não se aplica quando se trata de julgamento em embargos declaratórios, seja porque sequer houve a fixação de sucumbência no acórdão embargado justamente em razão de também não o ter sido feito pela r. decisão então agravada.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
RELATOR