Processo número 1002286-13.2016
Juízo de Direito da 10ª Vara da Fazenda Pública
Comarca da Capital
Vistos.
Nesta demanda, que ajuizou contra a FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, questiona a autora (…) a validez, formal e substancial, da taxa de juros de mora fixada pela Lei Estadual – SP de número 13.918/2009, alegando que o Estado-membro não possui competência para a fixação dos juros de mora, diante da competência exclusiva da União Federal, e que a taxa dos juros de mora fixada nessa Lei Estadual caracteriza confisco, pugnando se declare a existência de relação jurídica que faça aplicada a taxa “SELIC”, prevista em Lei Federal e adotada pela União Federal para seus tributos. E mediante cumulação sucessiva, pugnou a autora por se cancelar o protesto da certidão de dívida ativa e da inscrição de seu nome no “CADIN”. Adotado o rito ordinário.
A peça inicial está instruída com a documentação de folhas 25/97.
Concedida a tutela emergencial parcial, relativamente à taxa de juros a aplicar-se, mas negada quanto ao protesto e inscrição do nome no “CADIN” (folhas 99/100). A autora interpôs agravo de instrumento, mal ao qual o egrégio Tribunal de Justiça negou provimento (v. Acórdão as folhas 171/180).
Citada, a ré contestou, arguindo de primeiro que se deva considerar prevalecente a manifestação de vontade da autora, que, ao firmar termo de parcelamento, renunciou ao direto de, em Juízo, discutir sobre encargos fixados no termo de parcelamento, defendendo, quanto ao mérito da pretensão, a prevalência do que prevê a Lei Estadual de número 13.918/2009, editada nos limites da competência outorgada ao Estado-membro para a definição dos juros de mora, quando aplicados a tributos de sua competência (folhas 122/160).
Réplica as folhas 184/199.
É o RELATÓRIO.
FUNDAMENTO e DECIDO.
A controvérsia instalada nesta demanda diz com a validez da taxa de juros fixada pelo Estado de São Paulo por meio da Lei Estadual de número 13.918/2009, aplicada a seus tributos. Matéria unicamente de direito, a autorizar o julgamento antecipado da lide.
Azado o provimento declaratório ao fim a que a autora o destina, que é o de obter certeza jurídica quanto a que taxa de juros de mora está submetida, quando se trata de débito tributário de competência do Estado de São Paulo, em especial o ICMS.
Quanto ao mérito da pretensão.
Na história do Direito Tributário, registra-se o período em que ele foi considerado como um sub-ramo do Direito Financeiro (cf. Aliomar Baleeiro, in Direito Tributário Brasileiro, p. 2-7, 10a. edição, Forense editora). Hoje, a doutrina não mais questiona a autonomia do Direito Tributário, que no Direito brasileiro é reconhecida pela Constituição da República de 1988, que ao fixar as competências entre os entes públicos, refere-se ao direito tributário como ramo autônomo (artigo 24).
Cabe ao Direito Financeiro regular o conjunto das relações financeiras de que participa o Estado, fixando, por meio de princípios e regras, a normatização dos temas que se referem às receitas, despesas e orçamento público.
Um parte significativa das receitas públicas deriva dos tributos. As relações jurídicas concernentes a tal tipo de receita formam o objeto do ramo autônomo do Direito Tributário. Seus princípios e regras são diversos daqueles que se aplicam ao Direito Financeiro.
É frequente no campo do Direito que um mesmo instituto seja objeto de regulação por mais de um ramo do Direito. Considere-se, por exemplo, a prescrição, regulada tanto pelo Direito Civil quanto pelo Direito Processual Civil. Esse fenômeno também ocorre nas relações entre o Direito Financeiro e o Direito Tributário, e, aliás, em número considerável em razão da origem do Direito Tributário como sub-ramo do Direito Financeiro.
Assim ocorre com os juros de mora, instituto que é regulado tanto pelo Direito Financeiro e Direito Econômico, quanto pelo Direito Tributário.
Será, portanto, a natureza da relação jurídico-material o critério prevalecente à definição de qual ramo do Direito será aplicado a um instituto jurídico comum, influindo nessa análise a finalidade prática específica do instituto, segundo o ramo em que esteja a atuar. Assim, poderá ocorrer que os juros de mora, quando aplicados ao Direito Tributário, possam ter um aplicação diversa daquele que teriam, se a aplicação fosse de Direito Financeiro. Essa forma de aplicação pode produzir alguma mudança inclusive na essência do instituto, mas não a ponto que o desnature.
Seja no campo do Direito Financeiro, seja no campo do Direito Econômico, e também no do Direito Tributário juros de mora não devem ser confundidos com correção monetária. A competência para legislar a respeito desses institutos pode ser diversa, por consequência.
Destarte, se os juros de mora estão a ser aplicados às receitas públicas que não se configuram como tributos, nesse caso os princípios e regras a ser considerados serão os que formam o Direito Financeiro. É que os juros de mora aí estão a incidir sobre uma relação jurídico-tributária, e assim a matéria é de ser regulada pelos princípios e regras do Direito Tributário. Não se pode aplicar a tais juros de mora princípios e regras do Direito Financeiro ou do Direito Econômico (por exemplo, a regra do artigo 22, inciso VI da Constituição da República).
No Direito Brasileiro, a Constituição da República de 1988 outorga competência concorrente entre a União Federal, Estados-membros e o Distrito Federal para legislar acerca do direito tributário e direito financeiro, cabendo à União Federal fixar as normas de caráter geral, a que deverão obedecer os demais entes públicos (artigo 24). Na caso do Direito Tributário, o artigo 146 da Constituição fixa quais são as matérias acerca das quais a União poderá fixar regras regrais. Note-se que os juros de mora não estão nesse elenco.
Recolhidos esses dados, conclui-se: a matéria que se refere à juros de mora aplicados a tributos é de Direito Tributário, e não de Direito Financeiro ou Direito Econômico; a Constituição da República de 1988 outorga competência privativa à União Federal para legislar sobre regras gerais aplicadas a tributos, mas não quanto a juros de mora.
Destarte, nada obsta que o Estado-membro, legislando sobre tributo de sua competência, fixe uma determinada taxa de juros diversa daquela adotada pela União Federal ou por outro Estado-membro. Sobre não haver outorga de competência que preveja o poder da União de fixar regras a respeito dos juros de mora, quando aplicados a tributos, tem-se ainda a considerar que a Constituição da República fixou um regime de distribuição de competências em matéria tributária que deve ser observado, a obstar, por exemplo, que a União Federal possa emitir regras sobre tributos de outro ente público, salvo na hipótese de se tratarem de regras gerais, e estas emitidas apenas nas restritas hipóteses do artigo 146 da Constituição da República de 1988.
O Estado de São Paulo, editando a Lei 13.918/2009, modificou a taxa de juros de mora aplicadas a tributos de sua competência, em especial o ICMS. Exerceu nessa matéria uma opção política que é decorrência da competência em matéria tributária exclusiva que lhe foi outorgada pela Constituição da República.
Sob o aspecto formal, a dizer, sobre a questão do princípio da legalidade, não há dúvida que o Estado de São Paulo legislou dentro dos limites de sua competência em matéria tributária, e o fez legislando não sobre correção monetária, mas sobre juros de mora. Sua opção em legislar acerca dos juros de mora é formalmente legal, portanto.
Consideremos agora se a taxa de juros de mora que o Estado de São Paulo adotou viola ou não o princípio constitucional da proporcionalidade, porque a autora está a alegar a caracterização de confisco. Essa análise diz com a aplicação da regra de ponderação, enfeixada como forma de controle no conteúdo do princípio da proporcionalidade.
A taxa de juros de mora fixada na Lei
Estadual – SP de número 13.918/2009 corresponde a 0,13% ao dia, podendo ser reduzida, em um caso específico ou a algumas determinadas situações, se assim entender conveniente fazer o senhor Secretário da Fazenda, cuja competência para isso foi dada pela referida Lei, que ainda cuidou ressalvar que se houver diminuição, a taxa aplicada não poderá ser inferior à taxa “SELIC”. Assim, essa taxa de juros de mora alcança aproximadamente 3,9% ao mês, e 47% ao ano.
A taxa de juros de mora é fixada segundo as regras do mercado. Quanto maior o índice de insolvência, maior a taxa aplicada. O fenômeno inflacionário também tem intensa influência na definição da taxa dos juros de mora. A economia brasileira opera com altas taxas de juros, de mais de 5% ao mês. Importante observar que a taxa básica definida pelo COPOM é apenas uma referência, mas não representa a taxa real dos juros de mora, definida segundo a realidade do mercado ao tempo em que o índice é medido.
A comprovar que a taxa de juros de mora é fixada segundo a conjuntura econômica, tenha-se em conta o acerto do Legislador ao revogar o artigo 192, parágrafo 3o., da Constituição da República de 1988, que indevidamente fixava uma taxa “legal” de 12% ao ano, uma situação irreal que foi corrigida pela Emenda Constitucional de número 40. A bem demonstrar que o Direito tem limites que lhe são impostos por realidades que não são jurídicas em sua essência, como é o caso da economia.
De forma que, analisando as taxas de juros de mora praticadas pelo mercado brasileiro, não se mostra excessiva a taxa de juros fixada pela Lei Estadual – SP de número 13.918/2009, nem desproporcional à finalidade dos juros de mora, que constitui pena pelo retardamento no cumprimento de uma obrigação, reparando o patrimônio do credor pela demora em receber o que lhe é devido.
Assim, como é improcedente o pedido principal, prejudicada a análise do pedido objeto de cumulação sucessiva de demandas, qual seja, o de que se determinasse o cancelamento do protesto de certidão de dívida ativa e inscrição do nome da autora no “CADIN”.
POSTO ISSO, JULGO IMPROCEDENTE o pedido principal, que versava sobre a taxa de juros de mora a aplicar-se, prejudicada a análise do pedido sucessivo, declarando a extinção deste processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do novo Código de Processo Civil. Cessa imediatamente a eficácia da medida liminar concedida as folhas 99/100. Com urgência, comunique-se a ré para os devidos fins.
Condeno a autora no pagamento da taxa judiciária, despesas processuais, com atualização monetária a partir do desembolso, e honorários de advogado, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da atribuído à causa, com correção monetária desde seu ajuizamento.
Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.
São Paulo, em 8 de junho de 2017.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO