RESPONSABILIDADE OBJETIVA NO PROCESSO DE CONHECIMENTO.

SUMÁRIO: 1- ESCLARECIMENTO INICIAL. 2. O PROBLEMA FÁTICO-JURÍDICO. 3. A QUESTÃO DA EFETIVIDADE E A ESSÊNCIA DO PROCESSO CAUTELAR: O TEMPO. 4. O PODER GERAL DE CAUTELA APLICADO AO PROCESSO DE CONHECIMENTO. A CUMULAÇÃO DE AÇÕES. 5. A FUNGIBILIDADE NO PLANO DA LÓGICA E DO SISTEMA PROCESSUAL BRASILEIRO. 6. FUNDAMENTO JURÍDICO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA PROCESSUAL.

1. ESCLARECIMENTO INICIAL.

Provocado pelo título dado a este artigo, poderia o leitor supor que o tema aqui tratado dissesse respeito à aplicação da teoria da responsabilidade objetiva ao processo de conhecimento, quando nele utilizada a técnica da tutela de emergência antecipatória, instaurada em nosso sistema processual com a reforma de 1994.

Assim, poder-se-ia imaginar tivéssemos o objetivo de examinar a alteração do parágrafo 3º do artigo 273 do Código de Processo Civil, promovida pela Lei Federal de número 10.444/2002, que buscando aprimorar o regime das tutelas emergenciais antecipatórias (satisfativas e preventivas), e na esteira de posição majoritária na doutrina brasileira, acabou por aceder à necessidade de, expressamente, remeter o referido dispositivo à aplicação do artigo 588,1 estendendo a responsabilidade objetiva processual (atualmente prevista no inciso I do artigo 475-0) à execução das tutelas emergenciais antecipatórias – o que, de resto, sempre se revelou como natural conseqüência do tipo de cognição (provisória) que está envolvida na técnica de antecipação da tutela, e nomeadamente como resultado do atual regime imposto à execução provisória em nosso sistema processual, ainda dominado por um princípio que é inerente à estrutura de que foi dotado o metódico processo civil pelo Liberalismo europeu do século XIX: o emblemático princípio da conservação do fático, em função do qual se pressupõe como legítima e válida uma situação tal como estabelecida no campo sociológico (pré-processual), reclamando a iniciativa processual daquele que pretenda alterá-la, que, contudo, corre o risco de ser civilmente responsabilizado pelos danos causados pelo processo à parte contrária, independentemente de dolo ou culpa, o que, aliás, é da essência do regime jurídico da responsabilidade objetiva, acolhido integralmente em nosso Código de Processo Civil em vigor e assim aplicado a todos os tipos de processo, como é autorizado concluir dos artigos 273, parágrafo 3º (processo de conhecimento), 475-0 e 574 (processo de execução), e 811 (processo cautelar).

É certo que em nosso sistema processual, o princípio da conservação do fático acha-se hoje mitigado pelas substanciais transformações ocorridas na execução provisória a partir da mencionada Lei 10.444/2002, e sobretudo pela recente Lei 11.232/2005 que, criando a fase do cumprimento da sentença de provimento condenatório, eliminou, nesse caso, a necessidade do processo de execução, tornando mais próximas no tempo as fases de conhecimento e execução, embutidas agora em só processo, com evidente economia de tempo e ganho de efetividade. Mas sem com isso excluir a prevalência desse importante princípio, cujo vigor é representado nas regras que estabelecem a responsabilidade objetiva processual, cada vez mais presentes e enfáticas, como é próprio de um sistema processual que considera prevalecente a efetividade em detrimento da segurança jurídica, mas que exige, em contrapartida, que se garanta ao réu a recomposição dos danos que venha a experimentar em virtude de uma atuação jurisdicional que depois se revele objetivamente injusta, tanto que revogada.

Identifica-se desse modo o que constitui o fundamento fático-jurídico da teoria da responsabilidade objetiva processual: o risco, necessariamente associado à iniciativa daquele que vai a juízo litigar, e pelo qual é obrigado a reparar os danos causados à parte contrária, independentemente de ter atuado dolo ou culpa, conforme se depreende da modificação ora introduzida no artigo 475-0, inciso I, do CPC, que não se limitou a uma simples alteração redacional em face do que dispunha o artigo 588, inciso I, ao enfatizar que a execução provisória corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente.2

É de supor que como as tutelas emergenciais são necessariamente concedidas em juízo sumário, quando ainda não se pode ter certeza se o direito afirmado pelo autor existe ou não, uma situação de risco estará, pois, nessas circunstâncias, sempre envolvida na concessão do provimento jurisdicional. A demonstrar a importância do tema da responsabilidade objetiva processual quando se está no terreno do instituto da tutela emergencial antecipatória.

Mas acerca da tutela emergencial antecipatória muito já se discorreu em nossa doutrina processual, não havendo questão a ela relacionada que não tenha merecido dos processualistas uma segura análise.3 E mesmo quanto à responsabilidade objetiva, com a inserção da regra legal que expressamente a manda aplicar à execução da tutela antecipada, não há muito que se possa perscrutar, pelo menos em nosso direito positivo.

Remanesce, contudo, uma variação do mesmo tema e que suscitou nosso interesse. É que a Lei Federal de número 10.444/2002 fez introduzir no artigo 273 do CPC o parágrafo 7º, cuja redação é a seguinte: “Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado”.

Por meio desse dispositivo, engendrado sob a idéia da inexistência de óbice à cumulação em um só processo das lides principal e cautelar – experiência já adotada em nossa legislação esparsa,4 no processo de execução5 e também no mandado de segurança6 – e com o evidente objetivo de tornar mais célere e efetiva como um todo a atividade jurisdicional, o juiz é autorizado a conceder, diretamente no processo de conhecimento, a tutela incidental cautelar, sem exigir a instauração de um outro processo (cautelar). Bem verdade, contudo, que na execução da tutela cautelar incidental, tal como se dá na tutela antecipatória, poderá sobrevir dano à parte contrária, trazendo-nos de volta ao tema da responsabilidade objetiva aplicada ao processo de conhecimento, o que justifica a escolha do título dado a este artigo e a sua aparente ambigüidade, que embora seja sempre condenável, aqui pode ser desculpada.

Eis a nossa tarefa: a de colocar sob análise as conseqüências jurídicas que se possam extrair da regra que prevê a fungibilidade da medida cautelar em face da tutela antecipada, em cujo contexto caberá principalmente verificar se a regra legal da responsabilidade objetiva (artigo 811), prevista dentre aquelas que compõem o título III, que regulam o processo cautelar em nosso Código de Processo Civil em vigor, pode ser aplicada quando a medida cautelar é concedida em caráter incidental no processo de conhecimento, como ora autoriza o parágrafo 7º do artigo 273 – situação processual, cabe adscrever, que como todas aquelas que não estão expressamente previstas em Lei, provoca natural controvérsia, ensejando que do tema se cuide.

A propósito, correlata ao tema tratado é a questão que diz respeito ao conteúdo e limites dessa fungibilidade; a dizer, se ela permite ao juiz o caminho inverso como propugna Cândido Rangel Dinamarco, para quem não há fungibilidade em uma só mão de direção, a autorizar que o juiz conceda a tutela antecipatória em vez da tutela cautelar pleiteada, dês que presentes os requisitos legais inerentes àquela.7 A seu tempo e com todo o respeito que merece o autor de genial obra como é “A Instrumentalidade do Processo”, demonstrar-se-á o desacerto dessa posição, quando encarada sob os planos da Lógica e do sistema processual adotado no Brasil.

E já que se fala da responsabilidade objetiva, terá lugar ao final deste estudo um breve exame de sua natureza jurídica e nomeadamente de seus matizes ao ser transposta para o processo civil, perquirindo-se, em linhas gerais, o tipo de dano que pode ser causado pelo processo e da forma como pode ser recomposto, segundo o Direito Positivo brasileiro.

2. O PROBLEMA FÁTICO-JURÍDICO.

Não se pode desconhecer a dificuldade de ordem fática muitas vezes presente e que impede distinguir, com a nitidez necessária, o campo de atuação da tutela jurisdicional antecipada em face da tutela cautelar, desencadeando um problema prático com o qual o juiz se depara quando percebe que o efeito pretendido pelo autor, ao pleitear a concessão da tutela emergencial antecipatória, não é ou não pode ser satisfativo, mas tão-só assecuratório, reclamando a tutela cautelar.

Considere-se, com efeito, que a situação material subjacente pode revelar-se ao juiz como uma verdadeira “situação cautelanda”, como a denomina Ovídio Baptista, para quem a proteção cautelar não se confunde com a mera tutela do processo, pois que por ela se implementa o direito substancial de cautela, ou seja, a pretensão à segurança de uma variegada ordem de direitos, materiais ou processuais.8

De modo que se o efeito pretendido pelo autor é, ou somente pode ser, a proteção a um direito subjetivo (material ou processual), e não sua satisfação direta, a tutela cautelar será o remédio processual a conceder-lhe em lugar da tutela antecipatória. Nesse caso, é a situação material subjacente que não comporta o efeito satisfativo, tornando inadequada a tutela emergencial antecipatória.

A demonstrar que a fronteira entre as tutelas emergenciais antecipatória e cautelar é, muitas vezes, fluida no campo fático.

Releva notar, outrossim, que nem sempre a situação material subjacente será o verdadeiro obstáculo ao cabimento da tutela antecipatória. É que o tipo de provimento jurisdicional reclamado no processo de conhecimento pode não ser consentâneo com essa espécie de tutela jurisdicional diferenciada. Caso dos provimentos declaratório e constitutivo, que nem por isso, entretanto, deixam de conviver com uma situação de risco, que se não for controlada adequadamente e em tempo oportuno, pode conduzir à infrutuosidade da tutela jurisdicional, o que evidentemente o sistema processual deve sempre evitar.

Suposto que o objetivo do provimento declaratório é alcançar a certeza jurídica, como esse efeito somente pode ser conquistado com o trânsito em julgado da sentença, é conseqüente a incompatibilidade desse tipo de provimento com a técnica da tutela antecipatória. Óbice que, embora por razão diversa, também existe no caso do provimento constitutivo, cujos efeitos nucleares (criação, modificação ou extinção de uma determinada relação jurídica) dependem do trânsito em julgado, porque assim exige o predicado da segurança jurídica, que nesse caso, justificadamente, deve sobrelevar o da efetividade, a não ser que se queira criar um ambiente de intranqüilidade jurídica, com efeitos que podem ser perigosamente projetados na ordem social.

Destarte, mesmo em face de uma situação de risco concreto que os envolva e reclame necessária proteção, ainda assim os provimentos declaratório e constitutivo não podem ser antecipados. O que, todavia, não impede que alguns efeitos desses provimentos jurisdicionais, quando meramente reflexos (ou melhor: assecuratórios), sejam protegidos pela tutela cautelar, emprestando significativa importância à distinção engendrada pela doutrina italiana quanto aos efeitos que podem ser “antecipados” pela via da tutela cautelar, que são apenas aqueles que se referem ao estado de fato que se seguirá ao do acolhimento da sentença no processo de conhecimento (ou da implementação do direito material no processo de execução), e não os efeitos jurídicos envolvidos na sentença, para a antecipação dos quais apenas a técnica da tutela emergencial antecipatória pode ser utilizada.9

A título de exemplo, considere-se a situação daquele que esteja a enfrentar as conseqüências geradas a partir de uma relação jurídica, que, conquanto não exista de fato, está a produzir nocivos efeitos sobre sua esfera jurídica. Suponha-se, assim, que se trate de um comerciante, contra quem foi emitida uma duplicata simulada levada a protesto, em circunstâncias que lhe exigirão, para a proteção de seu nome e crédito, o pagamento da inexistente dívida, ou então a utilização de azado mecanismo processual que lhe permita contrastar os efeitos dessa situação a que injustamente exposto, para o que lhe será necessária, útil e adequada a ação de provimento declaratório, com a qual poderá obter o pronunciamento jurisdicional que lhe desobrigue suportar as conseqüências jurídicas dessa inexistente relação jurídica cambiária. Mas em face da cognição plena e exauriente imposta a esse tipo de ação, patente o acentuado tempo que será consumido até que sobrevenha o trânsito em julgado da sentença, criando uma situação de risco concreto em prejuízo do autor, que terá de conviver, durante o curso da demanda, com os prejuízos projetados a partir da relação jurídica material subjacente, mesmo que inexistente. À sua instância, contudo, poderá o juiz conferir-lhe a necessária proteção, não apenas sustando o protesto da duplicata, mas também obstando ao réu faça inscrever seu nome em cadastros de inadimplentes, até a solução definitiva da demanda. Trata-se aí de um efeito reflexo do provimento jurisdicional declaratório, e como tal, um efeito assecuratório, para a proteção do qual o processo cautelar naturalmente se presta.

E também no campo tributário mostra-se comum a ação de provimento declaratório, utilizada com o objetivo de obliterar-se a incidência de algum tributo. É o caso, por exemplo, do comerciante ou industrial que tenha importado mercadoria para integrá-la ao ativo fixo de seu estabelecimento comercial, hipótese não abarcada inicialmente dentre aquelas que dão suporte fático à incidência do ICMS, mas que a partir da Emenda Constitucional de número 33/2001 passou a ser tributada, pelo menos na visão do fisco – situação jurídica, entretanto, ainda objeto de viva controvérsia nos tribunais, autorizando que o contribuinte pretenda validamente desobrigar-se do pagamento desse tributo. Nessas circunstâncias, o único remédio processual de que poderá valer-se para arrostar a incidência do ICMS é ação de provimento declaratório. Ocorre, entrementes, que para o desembaraço aduaneiro da mercadoria, exige-se do importador o prévio recolhimento do tributo em questão, sobre cuja validez controverte na ação declaratória. Bem caracterizada nesse caso uma situação de risco emergencial, para o controle da qual tem a jurisprudência admitido a concessão da tutela cautelar.

Daí a necessidade de que também a esses provimentos – declaratório e constitutivo – estenda-se a proteção cautelar, própria ao controle da situação de risco emergencial.

Pois que reclamada em ambas as hipóteses, tanto naquela em que a situação fática exige o provimento meramente assecuratório, quanto na dos provimentos declaratório e constitutivo, a utilização do processo cautelar, para o qual a questão – a da pretensão à segurança – é assim remetida e examinada em sua sede própria, que é o processo cautelar, cuja autonomia estrutural e funcional o Código de Processo Civil de 1973 reconheceu com certo pioneirismo, na esteira do que propugnava a doutrina italiana.

3. A QUESTÃO DA EFETIVIDADE E A ESSÊNCIA DO PROCESSO CAUTELAR: O TEMPO.

Da exigência de instauração de um novo processo (cautelar) para a análise da consistência do direito material de segurança, cria-se paradoxalmente um problema relacionado à efetividade – a mesma efetividade, frise-se, que deu origem ao processo cautelar como nós o conhecemos hoje, quando já cristalizada a idéia de sua autonomia científica.

Com efeito, a natural demora do processo de conhecimento com sua ordinariedade cognitiva plena e exauriente; a prevalência do princípio da conservação do fático, moldado que fora à luz do Positivismo (o que fez gerar no processualista a vã ilusão de que o processo poderia, a qualquer tempo e assim que o quisesse, interferir na realidade subjacente, controlando com auto-suficiência qualquer situação de risco) – eis aí a origem dos prejuízos que tal estrutura causava ao demandante que possuía razão, cujo direito acabava muitas vezes consumido pela demora na concessão da prestação jurisdicional.

Essa situação, reveladora da ineficiência do processo como meio de solução das lides, significou o leitmotiv para engendrar-se uma forma especial de tutela jurisdicional, mais célere e por isso mais efetiva, pela qual fosse possível consolidar-se uma relação mais harmônica no processo entre seus dois principais valores: o da segurança jurídica e o da efetividade, que ao tempo em que se emparelhavam em importância, fazia com que o processo e o processualista não tomassem partido entre um e outro, como sói nesse tipo de situação, pois conforme observa MONTAIGNE, entre dois desejos iguais, um espírito equilibrado nunca tomará partido.10

A tutela cautelar nasceu assim da necessidade de dotar-se o processo de uma carga maior de efetividade, valor que se tornou prevalecente no bojo da fase instrumentalista, o que explica que a primeira e mais importante função destinada ao processo cautelar tenha sido exatamente a de natureza verdadeiramente antecipatória – que não lhe é própria –, colmatando nesse sentido o processo de conhecimento, ao tempo em que este ainda não contava com a técnica da tutela antecipatória: “O aumento considerável da jurisdição de urgência, no direito moderno, significativamente na França (…) deve-se ao que se convencionou chamar ‘exigência de efetividade’ do direito que a experiência contemporânea impõe ao legislador (…)”.11

Podemos dizer, portanto, que o processo cautelar não assumirá seu pleno sentido se olvidarmos dessa primeira função que lhe foi excepcionalmente reservada naquele momento histórico, e pela qual é possível confirmar-se a razão dos processualistas que, como o prospector Ovídio Baptista, avistaram a existência de um direito material de segurança como objeto do processo cautelar (e que forma seu mérito). Afinal, antecipar também é proteger, e a proteção a um direito material é sempre a finalidade precípua do processo cautelar, no que se configura seu objeto litigioso próprio, cuja existência por isso se impõe, conforme reconhece e enfatiza LIEBMAN: “O processo acautelatório tem, de fato, como organismo processual, uma individualidade própria: uma demanda, uma relação processual, um provimento final, um objeto próprio, que é a ação acautelatória. (…)”.12

Destarte, o caráter processual do objeto litigioso, como o identifica a doutrina processual desde Karl Heinz Schwab,13 também se revela presente no processo cautelar em face do particular efeito jurídico que é seu objetivo implementar: a proteção ao direito material, com evidente repercussão no campo da coisa julgada, como assinala Lopes da Costa, nosso primeiro processualista a cuidar sistematicamente do processo cautelar: “Para verificar se no processo cautelar a sentença faz coisa julgada material não se pode, evidentemente, examinar os efeitos que ela possa exercer sobre o processo da ação principal, e isto, simplesmente, porque os objetos do pedido em uma e outra dessas ações são de todo diversos. Na principal, é a satisfação do direito que se pretende. Na cautelar, apenas a garantia da execução futura”.14

A propósito, há um paralogismo no pensamento daqueles que sustentam que como o processo cautelar serve à finalidade de outro processo (de conhecimento ou de execução), não possui ele, processo cautelar, uma finalidade em si ou um objeto próprio.15 De fato, o processo cautelar carece de uma finalidade própria, mas nenhum processo, nem mesmo o de conhecimento, possui uma finalidade interna e que seja somente sua, porque sua finalidade lhe será sempre exterior, radicada que está na aplicação do direito material, o que, aliás, a fase instrumentalista permitiu compreender com exatidão ao elidir a idéia, até ali dominante, de que o processo possuía uma finalidade per si. A realidade de qualquer processo lhe é sempre exterior, portanto.

Realidade que no processo cautelar radica no tempo presente imediato (no que se configura sua essência), com efeitos que devem se projetar para o futuro, predicando sua mais importante finalidade, que é a proteção a um direito material. Diversamente, pois, do que se dá com os processos de conhecimento e de execução, cuja realidade nuclear localiza-se no tempo passado, quando formada a lide no âmbito do direito material. (O que evidentemente não significa que os efeitos da tutela jurisdicional nesses processos não se produzam também no tempo presente; mas esses efeitos atuam de outra forma, de acordo com a seguinte relação: do passado para o presente, enquanto no caso do processo cautelar, do presente imediato para o futuro.)

Parafraseando a “Natureza” (ou “Pandora”), personagem que se revela a Brás Cubas durante seu delírio, como este insolitamente narra em suas Memórias Póstumas,16 para o processo cautelar, a exemplo do que se dá com o “Tempo”, não importa o minuto que passa, mas o minuto que vem. O processo cautelar, por conseqüência, não olha diretamente para o passado, senão que primordialmente para o presente imediato em sua relação com o tempo futuro. Destarte, enquanto para o processo de conhecimento – e mesmo, em certa medida, para o processo de execução –, o que importa é proceder à reconstrução do fato passado, para o que o juiz desenvolve uma atividade mental semelhante à do historiador, no processo cautelar não importa o fato passado, mas apenas o que sucede no presente imediato, em que deve se configurar a situação de risco emergencial, um dos requisitos para a utilização do processo cautelar.

O tempo no processo é, portanto, seu elemento indissociável, como, aliás, indissociável também é o tempo quando se considera a realidade fática subjacente. Mas é óbvio que a realidade fática possui um tempo próprio, que jamais é coincidente com o tempo que sucede no processo. Sob essa perspectiva, o processo, pela narrativa que forma seu conteúdo, assemelha-se a um romance literário, o que nos permite a apropriação de uma idéia filosófica do genial Thomas Mann, exposta em sua famosa obra “A Montanha Mágica”, que dela se utilizou para demonstrar a importância do fator “tempo” na narrativa e de que forma ele – o tempo da narrativa – se distingue do tempo real.17 Segundo Mann, a narrativa possui dois tipos de tempo: em primeiro lugar, o seu tempo próprio, o tempo efetivo do que está sendo narrado; o outro tipo de tempo é o tempo da narrativa em si, a variar segundo a forma da narrativa, pela qual é possível que o tempo imaginário da narração coincida, quase por completo e na medida do possível, com o tempo da realidade narrada. Além disso, afirma Mann, é possível tratar o tempo como o assunto central da narrativa, como ocorre com o processo cautelar, cuja narrativa é centrada, toda, na dimensão temporal.

Tudo a demonstrar que o processo é essencialmente temporal, tanto quando objetiva reconstruir no tempo presente o que ocorreu no tempo passado (finalidade do processo de conhecimento), como também quando busca assegurar no presente imediato os efeitos de uma situação material ainda não consolidada ou reconhecida, para sua futura proteção (finalidade do processo cautelar).

Afirma Satta, com razão, que o direito material não pode ser prejudicado pela morosidade da justiça.18 De fato, é pelo efeito meramente assecuratório que o provimento cautelar afirma-se como tal, justificando sua existência ao lado dos outros tipos de tutela jurisdicional, malgrado não haja entre eles uma relação de homogeneidade que conceda a possibilidade de constituir o provimento cautelar um “tertium genus”, como demonstrou Calamandrei, pontificando que os provimentos cautelares: “representam uma conciliação entre as duas exigências, freqüentemente contrastantes, da justiça, aquela da celeridade e aquela da ponderação: entre o fazer depressa mas mal, e o fazer bem feito mas devagar, os procedimentos cautelares objetivam antes de tudo a celeridade, deixando que o problema do bem e do mal, isto é, da justiça intrínseca do procedimento, seja resolvido sucessivamente com a necessária ponderação nas repousadas do processo ordinário”.19

Tenha-se em conta, pois, que a principal finalidade do processo cautelar não é a de emprestar utilidade direta a outro processo, mas sim a de proteger, em primeiro plano, o direito material que é também objeto do processo de conhecimento ou de execução, ainda que a proteção reclamada no processo cautelar possa se circunscrever a alguma situação processual.

O que, de resto, comprova que a finalidade do processo cautelar existe e não é substancialmente diversa da finalidade do processo de conhecimento ou de execução, senão que dela se diferencia tão-só no grau de eficácia dos efeitos processuais projetados no plano do direito material, que no processo de conhecimento ou de execução pode atingir, essa eficácia, um grau máximo consubstanciado na implantação ou satisfação direta do direito material, enquanto no processo cautelar essa eficácia é naturalmente menor, porquanto limitada a uma mera proteção ou garantia do mesmo direito material.

Assim se pode compreender o posicionamento de Calamandrei, quando afirma que o processo cautelar não constitui um “tertium genus” em face dos processos de conhecimento e de execução, porque deles, de fato, não se diferencia por seu conteúdo (que pode ser idêntico aos daqueles processos), nem por sua provisoriedade (há, com efeito, medidas provisórias não-cautelares), senão que a real diferença radica na função que lhe é destinada: a de proteção.

Essa dificuldade de natureza ontológica, somente superada a partir da seminal obra de Calamandrei (“Introduzione allo Studio Sistematico dei Provvedimenti Cautelari”), explica o fato de ter sido o processo cautelar aquele que mais tardiamente experimentou desenvolvimento no âmbito da Ciência Processual, até ali colocado ao lado dos processos de conhecimento e de execução de acordo com uma equivocada taxinomia, que desconsiderava a heterogeneidade do provimento cautelar baseada na função que lhe é própria, que é a de emprestar proteção aos direitos materiais. Como afirma Lopes da Costa, a tutela preventiva (rectius: cautelar) objetiva conservar a possibilidade de satisfação do direito material.20

Com efeito, conquanto o direito material envolvido no processo cautelar seja rigorosamente o mesmo que é objeto do processo principal (de conhecimento ou de execução), o efeito pretendido com a prestação jurisdicional cautelar pleiteada é diverso, no que se caracteriza a diferença de graus de finalidade a que se aludiu. De modo que enquanto no processo principal objetiva-se a satisfação imediata do direito material, no processo cautelar apenas sua proteção é reclamada.

As tutelas sumárias, dentre elas a tutela cautelar, aparecem nesse contexto influenciado por uma nova visão do que deve ser a função jurisdicional, em que sobreleva o valor da efetividade, agora erigida à condição de uma qualidade-motriz do processo civil, principalmente a partir do momento em que o processo passou a ser condicionado por novas exigências de justiça, que não mais admitem uma desarrazoada e anacrônica lentidão da função jurisdicional: “A proliferação das tutelas sumárias nada mais é do que fenômeno oriundo das novas exigências de uma sociedade urbana de massa que não admite a morosidade jurisdicional imposta pela ordinariedade. A redescoberta das tutelas sumárias anteriores à Revolução Francesa sob as vestes da tutela cautelar, assim, decorre da não adaptação do sistema de distribuição de justiça à evolução da sociedade”.21

O que quadra com o diagnóstico feito pelo jurista italiano, Giuseppe Tarzia, grande estudioso do processo cautelar: “A intolerável lentidão do processo ordinário de cognição constitui um impulso, dificilmente controlável, à proliferação dos procedimentos antecipatórios, principalmente em função de cautela do autor, que provavelmente tem razão. O impulso é obviamente tanto maior quanto mais caracterizada a relevância social da lide, a cuja composição provisória o juiz objetiva, desse modo, prover”.22

Daí o processo cautelar ter sido elevado a um totem da função antecipatória, da qual o processo de conhecimento então não dispunha. É o processo, ainda uma vez e como sempre, cedendo passo à pressão que lhe impõem as vicissitudes da vida social.

Circunstâncias que igualmente explicam o fato de a teoria da tutela cautelar ter estado sempre vinculada ao processo de conhecimento, conforme adscreve Ovídio Baptista:

A teoria da tutela cautelar – tal como ela foi construída pelos sistemas jurídicos da Europa continental, de tradição romano-canônica – está intimamente ligada ao instituto de Direito Processual moderno, conhecido como ‘Processo de Conhecimento’.

(…) a tutela cautelar concebida pelos grandes mestres italianos, a que nosso Direito mais diretamente se liga, passou a constituir essa modalidade especial de tutela jurisdicional a partir da concepção de um tipo de processo de índole eminentemente declarativa, dominado por um exacerbado princípio dispositivo”.23

Mas a como se fez referência, da necessidade imposta ao autor de fazer instaurado um novo processo (cautelar) para o controle da situação de risco emergencial, resulta um problema diretamente relacionado à questão da efetividade, a qual reclama se observe primordialmente o tempo em que a tutela jurisdicional é prestada, sobretudo entre nós, agora que norma constitucional (CF, art. 5º, LXXVIII) assegura aos litigantes a razoável duração do processo, exigindo do Estado lhes garanta a celeridade de sua tramitação.

Assim é que da exigência imposta ao autor da instauração de um novo processo, advém um natural retardamento na concessão da prestação jurisdicional de segurança, sem contar o relevante fato de que o número de processos, nessas circunstâncias, aumenta consideravelmente, porque em vez de um só processo, o de conhecimento, haverá dois, o de conhecimento e o cautelar, exigindo cada um a prática de determinados atos processuais, o que evidentemente consome tempo. É o que constata Ovídio Baptista:

“(…) sendo a tutela cautelar – como insiste em afirmar a doutrina universalmente estabelecida por Calamandrei – destinada a tutelar o ‘processo principal’, o resultado que se pode com ela obter em termos de desafogo do serviço judiciário não só não é igual a zero porque é pior do que isso: o processo cautelar, ao invés de diminuir a atividade processual, simplesmente a duplicará, pois, ao lado do procedimento comum, destinado a compor a lide, teríamos de formar um segundo processo, com o objetivo de preservar a incolumidade da relação processual de que se trata”.24

Acresce observar que até a adoção no Brasil do instituto da tutela antecipatória geral (CPC, artigo 273), o problema era diverso, mas também relacionado a dificuldades de natureza ontológico-conceitual. É que ao tempo em que não se permitia no sistema processual brasileiro antecipar-se a tutela jurisdicional, ou mesmo alguns de seus efeitos, era comum socorrer-se do processo cautelar para implementar-se essa antecipação por meio das cautelares satisfativas, muito utilizadas, por exemplo, para o desbloqueio dos cruzados novos à época do malogrado governo Collor (1990-1992).

Adotada essa solução, não havia, é certo, o problema quantitativo que envolve a necessidade de instauração de dois processos (cautelar e de conhecimento), mas, em contrapartida, exsurgia outro grave problema, decorrente do fato de que indevidamente se sobreexcediam os limites da função tipicamente cautelar, engendrada que fora, como é sabido, não para o reconhecimento ou satisfação direta do bem da vida, mas apenas para a proteção de um direito.

Nesse ponto localizada, segundo Liebman, a gênese da crise experimentada pelos provimentos cautelares, degenerados quando se lhes emprestou uma função que não lhes é própria, mas para a implementação da qual o processo cautelar foi obrigado a servir ao tempo em que o nosso sistema processual revelava-se desprovido de formas efetivas de tutela jurisdicional, como constata Luiz Guilherme Marinoni: “Deveras, a ineficiência do procedimento ordinário e os estreitos limites postos para a execução provisória da sentença, vieram contribuir para o ‘alargamento’ do campo do processo cautelar, que passou a albergar e a conduzir através de seu estreito canal, além da verdadeira tutela cautelar, determinadas tutelas que se assemelham à cautelar tão somente pela característica da urgência”.25

Justifica-se, assim, o fato de o processo cautelar ter sido utilizado como um mecanismo milagroso, em virtude do qual as partes poderiam obter uma justiça rápida e eficiente. Dessa forma, pode-se explicar o fato de a função cautelar ter se desprendido de sua finalidade original (assecuratória), para abarcar a possibilidade de com ela se obter o resultado prático que apenas o provimento principal poderia conceder, olvidando-se, como adverte Ovídio Baptista, que o juiz, ao oferecer qualquer vantagem processual a um dos litigantes, não o faz sem causar prejuízo ao outro litigante.26

E no caso da tutela cautelar, o risco nela embutido é consideravelmente maior em virtude da imediata e concreta produção dos efeitos fáticos que são projetados a partir do provimento jurisdicional. Não sem razão, adverte o escritor Albert Camus, que no caso do juiz, um passo apenas separa sua profissão da pretensão ou da estupidez.27

Na origem e estrutura de ambos os problemas, tanto naquele que envolve a exigência da instauração de dois processos (cautelar e de conhecimento), como no que se refere ao desazado aumento do campo cognitivo e finalístico da tutela cautelar, está uma antinomia diagnosticada pelo processualista italiano e especialista em processo cautelar, Giovanni Verde, consubstanciada na constatação de que a moderna doutrina moderna do processo, diversamente do que ocorria no passado, é condicionada por problemas e exigências que nascem de dois fatores que atuam sobre ela simultaneamente: de um lado uma significativa demanda por justiça, tido o acesso à justiça hodiernamente como um direito social básico; e doutro a necessidade, decorrente da incrementação do acesso à justiça, de o sistema judiciário funcionar adequadamente para a proteção e satisfação dos diversos direitos materiais, o que reclama uma eficiente gestão de meios, ao que naturalmente se contrapõe a problemática do tempo, por isso tão cara ao processo.

Diante desse duplo problema, o Legislador brasileiro cuidou adotar inicialmente a técnica da tutela emergencial antecipatória, estabelecendo agora a fungibilidade entre ela e a tutela cautelar com o objetivo de eliminar, quando possível, a necessidade da instauração de um novo processo, estendendo ao processo de conhecimento uma experiência adotada nalgumas ações de rito especial e que os juízes, por sua conta e risco, já implementavam ao circunscrever o número de atos processuais praticados no processo cautelar, quase que esvaziando seu conteúdo.

4. O PODER GERAL DE CAUTELA APLICADO AO PROCESSO DE CONHECIMENTO. A CUMULAÇÃO DE AÇÕES.

Ao possibilitar ao juiz a concessão, diretamente no processo de conhecimento, da medida liminar de natureza cautelar, como previsto no parágrafo 7º do artigo 273 do Código de Processo Civil, o Legislador está, em essência, ampliando o poder geral de cautela (CPC, artigos 798-799), extraindo-o de sua sede própria (que é o processo cautelar), para fazê-lo também aplicado ao processo de conhecimento sob a forma de uma cumulação de ações.

Há, sim, no caso da tutela cautelar incidental uma cumulação de ações, ainda que não haja uma cumulação de pedidos, a demonstrar o desacerto da doutrina quando sustenta que para a caracterização da cumulação de ações deva haver, no mínimo, dois pedidos formulados em uma só demanda, o que, sem dúvida, é a situação processual mais comum, mas que não exclui a possibilidade da existir cumulação de ações noutras circunstâncias.

Conforme pontifica o processualista alemão Friedrich Lent, a cumulação de ações depende unicamente da existência de mais de uma lide.28 E não de pedidos. De fato, é possível haver cumulação de ações ainda quando o autor tenha formulado um só pedido, exatamente como sucede com a recém-criada tutela cautelar incidental, que sob esse aspecto diferencia-se da tutela emergencial antecipatória.

Com efeito, no caso da medida liminar de caráter antecipatório há uma só lide, um só conteúdo na demanda e um único efeito jurídico abarcado na pretensão formulada (a satisfação do direito material), que é antecipado no tempo, o que em condições normais, pela cognição plena e exauriente imposta ao processo de conhecimento, apenas com o trânsito em julgado da sentença ao autor seria dado obter. Há nesse caso, como facilmente se verifica, somente uma lide, identificada e individualizada pelo efeito jurídico que o autor quer obter, cuja solução é assim antecipada no tempo.

Diversamente, pois, do que ocorre com a tutela cautelar incidental concedida no processo de conhecimento. Nesta, há duas lides, visto que são diversos os efeitos jurídicos pretendidos pelo autor, embora um só o pedido formulado. É que neste caso embora haja um só pedido, e que envolve a princípio, segundo o pedido formulado, a satisfação do direito material, diversos são os efeitos jurídicos pretendidos pelo autor, que a compasso com a implementação do direito material que afirma em juízo, pretende, também, sua imediata proteção, diante de uma situação de risco emergencial que traz a exame quando pleiteia a concessão da tutela emergencial antecipatória. Distintos efeitos jurídicos, assim cumulados em uma só demanda (processo de conhecimento).

Sobreleva considerar, nesse contexto, que o objeto da lide é identificado e individualizado a partir dos efeitos que o autor quer ver implementados no e pelo processo. Assim, no caso do processo cautelar, seu objeto caracteriza-se no efeito de proteção que o autor quer obter, ao passo que no processo de conhecimento é diverso o efeito que pleiteia (de caráter satisfativo), o que caracteriza a cumulação de lides e, por conseqüência, de ações. Trata-se, pois, de efeitos jurídicos diversos; logo, de lides diferentes cumuladas no processo de conhecimento, embora um só o pedido formulado.

A tutela cautelar incidental presta-se desse modo a confirmar a tese da doutrina processual, hoje prevalecente, no sentido de identificar o objeto da lide (mérito) em função dos efeitos jurídicos pretendidos pelo autor, os quais constituem e qualificam sua pretensão, esta entendida, como deve ser, em seu sentido processual: “O objeto da lide pode assim ser definido como o acertamento, pedido em juízo, de um efeito jurídico. (…)” – afirma LENT, que a respeito do tema da pluralidade de demandas (rectius: ações), ainda aduz que nesse caso o autor está a reunir em uma só demanda pretensões (processuais) diversas contra o mesmo réu: “O termo ‘pretensão’ vai aqui entendido em sentido processual, como pedido; é possível, pois, pretender em juízo, a um só tempo, muitos efeitos jurídicos, reclamando diversas decisões (…)”.29

Mas o mesmo LENT adverte que não há pluralidade de ações quando o objeto da lide (seu efeito jurídico, pois) é único, ainda que possa estar apontoado em uma relação jurídica complexa e abrangente de vários fatos, que dariam origem a diversas pretensões de direito substancial, se as tivesse formulado o autor, o qual, contudo, por conveniência ou interesse, pleiteia na demanda uma só decisão em face de um único efeito jurídico nela pretendido.30

E da compreensão desse fenômeno processual é dado extrair, por outra linha de argumentação, a evidência da tese que defende a existência de objeto próprio (mérito) no processo cautelar. Ao contrário, pois, do que afirma Araken de Assis,31 o problema do cúmulo de ações depende sim diretamente da natureza e relações da função cautelar, porque se aceitarmos a existência do mérito cautelar, chegaremos à indisputável conclusão de que no caso da tutela cautelar incidental há uma cumulação de ações, o que não ocorre com a medida liminar antecipatória.32

No processo cautelar, há, portanto, uma nova lide, cujo conteúdo é diverso daquele que constitui a lide do processo principal, a dar razão a Ovídio Baptista, de cujas palavras nos servimos aqui para demonstrar a existência do direito substancial de cautela, que é objeto do processo cautelar, ainda que acerca desse direito não seja produzida a coisa julgada material, o que, de resto, não infirma a existência do direito subjetivo material de cautela, lembrando-se que desde Liebman estabeleceu-se a correta idéia de que a coisa julgada não é efeito da sentença, mas um modo de manifestar-se e de produzir-se o efeito jurídico do provimento jurisdicional projetado a partir da sentença, para torná-lo, esse efeito nuclear, estável, em uma escala que pode alcançar, em uma ponta, a imutabilidade absoluta, grau máximo da coisa julgada material, e, noutra, a inexistência de qualquer estabilização, tudo conforme dispuser o legislador segundo critérios de conveniência e da natureza da relação jurídico-material envolvida no processo.33 Pois que como obtempera convincentemente Ovídio Baptista, do fato de os efeitos da tutela cautelar não se estabilizarem, a dizer, da inexistência da coisa julgada material em sede cautelar, não é lícito concluir pela inexistência do direito substancial de cautela.

Assim, toda vez que o juiz é autorizado a conceder, no processo de conhecimento, uma medida liminar de natureza cautelar, daí resulta que o sistema processual está implementando, em só demanda, uma cumulação de ações de conhecimento e cautelar, as quais se distinguem pelos efeitos que serão projetados para fora do processo, malgrado tenha sido um só o pedido formulado.

Suficientemente comprovada, assim, a existência da cumulação de ações quando a tutela cautelar incidental é concedida em processo de conhecimento, com reflexo no campo da teoria da responsabilidade objetiva, conseqüência da aplicação ao processo de conhecimento do artigo 811 do Código de Processo Civil, como se demonstrará (cf. item 6).

O que também se presta a confirmar o acerto do Legislador brasileiro ao omitir o pedido dentre os requisitos da petição inicial da demanda cautelar (cf. artigo 801 do CPC). Com efeito, em face do poder geral de cautela e da natural fluidez da situação de risco (“cautelanda”), cabe ao juiz encontrar livremente a forma mais adequada ao controle da situação, ainda que essa forma seja diversa daquela pela qual propugnou o autor, concedendo-lhe assim a tutela cautelar que melhor assegure a existência do suposto direito.

Daí a menor importância formal que o pedido assume no processo cautelar, o que, contudo, não significa que ele não exista em sua sede própria (no processo cautelar), senão que sua conformação, nesse caso, é diversa em face da natural fluidez da situação material subjacente ao processo. Assim também no caso da tutela cautelar incidental. Nesse caso, embora o autor tenha formulado um só pedido (de antecipação da tutela), o juiz, autorizado por uma relação de fungibilidade criada por Lei, transmuda-o para adequá-lo ao efeito que lhe é próprio em face da situação material subjacente, utilizando-se do mesmo poder geral de cautela, mas para fazê-lo aplicado ao processo de conhecimento.

E a respeito do poder geral de cautela, escreve GALENO LACERDA:

Os artigos 798 e 799 consagram o poder cautelar geral do juiz, qualificado na doutrina como inominado ou atípico, exatamente porque se situa fora e além das cautelas específicas previstas pelo legislador. No exercício desse imenso e indeterminado poder de ordenar ‘as medidas provisórias que julgar adequadas’ para evitar o dano à parte, provocado ou ameaçado pelo adversário, a discrição do juiz assume proporções quase absolutas. Estamos na presença de autêntica norma em branco, que confere ao magistrado, dentro do estado de direito, um poder puro, idêntico ao do pretor romano, quando, no exercício do imperium, decretava os interdicta”.34

E tanto é assim no processo cautelar, que no processo de conhecimento o poder geral de cautela não pode ser diferente.

Destarte, no caso do processo de conhecimento, seja porque a situação fática material pode não permitir a utilização da técnica da tutela antecipada, seja porque o provimento jurisdicional pleiteado com ela não é consentâneo, o juiz, nessas circunstâncias e em função de poder geral de cautela que o sistema processual ora lhe confere pelo artigo 273, parágrafo 7º., pode e deve assegurar a mantença do direito material sobre o qual se controverte no processo de conhecimento, concedendo ao autor não a tutela emergencial antecipatória pela qual ele pugnara, mas lhe concedendo a devida proteção pela tutela cautelar incidental, azada ao controle da situação de risco emergencial.

Precisamente desse poder geral de cautela, utilizou-se o Legislador para ampliar a carga de efetividade no processo de conhecimento, dispensando, quando o caso, a necessidade de instauração do processo cautelar e permitindo ao juiz a concessão de medida cautelar incidental no processo de conhecimento.

Sob esse enfoque – o da efetividade –, acertada, sem dúvida, a solução adotada pelo Legislador brasileiro, consubstanciada no parágrafo 7º do artigo 273 do CPC, pela qual, em certas circunstâncias, é eliminada a necessidade da instauração do processo cautelar. E mesmo sob o enfoque teórico, parece não haver óbice a que se cumulem, no processo de conhecimento, as lides principal e cautelar. Afinal, a teoria da tutela cautelar não esteve sempre intimamente ligada ao processo de conhecimento, engendrada que fora quando a ordinariedade do processo de conhecimento não lhe permitia um efetivo e adequado controle da situação de risco emergencial?

Mas, convém perguntar: depois do aparecimento da tutela cautelar incidental, para que há de servir o processo cautelar em nosso sistema? E mais: a tutela cautelar incidental não pode constituir-se na gênese direta de uma crise pela qual o processo cautelar poderá atravessar, agora que se o torna desnecessário?

Nesse contexto, poder-se-á, sem dúvida, cogitar-se da perda de importância do processo cautelar em virtude de o processo de conhecimento abranger agora a tutela de proteção. Mas é de se considerar primeiramente que se trata de uma experiência circunscrita ao Direito positivo brasileiro, sem qualquer efeito no plano da Ciência Processual, evidentemente. E como observa o grande escritor argentino, Ernesto Sabato, nem a arte, nem a ciência, nem as instituições jurídicas podem ser entendidas e julgadas isoladamente no âmbito estreito de sua cidadania.35

Além disso, com a novel tutela cautelar incidental reforça-se a importância da função cautelar de proteção aos direitos materiais envolvidos no processo. Função que é própria à tutela cautelar e que não pode ser atribuída aos outros tipos de provimento (de conhecimento ou de execução), e que efetivamente não lhes foi atribuída, se bem entendermos o que constitui a relação de fungibilidade estabelecida pelo artigo 273, parágrafo 7º, do CPC.

O processo cautelar, portanto, não foi em absoluto abolido, senão que sua autonomia e função mantêm-se asseguradas em nosso sistema processual, assim como sua necessidade. Assim sendo, se é a proteção cautelar a que se quer obter, ao processo cautelar deve acorrer o autor. Apenas excepcionalmente é que será dado ao juiz o poder de conceder, no processo de conhecimento, a tutela cautelar em lugar da tutela antecipada, quando esta tiver sido pleiteada, mas não pude ser, seja pela situação material, seja pelo tipo de provimento jurisdicional, concedida. Fora dessa excepcional situação, a instauração do processo cautelar não pode ser dispensada.

Evidentemente que ao trazer para o processo de conhecimento o poder geral de cautela, o Legislador traz nele embutida a estrutura geral do processo cautelar na forma como prevista em nosso Código de Processo Civil em vigor, exigindo-se, para a concessão da medida liminar cautelar, que se configure a presença dos tradicionais requisitos do “fumus boni iuris” e do “periculum in mora”, assumindo o autor, tal como se dá no processo cautelar, a responsabilidade objetiva processual pelos danos causados à parte contrária, independentemente de dolo ou culpa, tal como estabelecida no artigo 811 do CPC.

Mas é importante sublinhar, considerando os efeitos que se projetam sobre o tema da responsabilidade objetiva processual, que ao conceder no processo de conhecimento a tutela cautelar incidental, o juiz não a está concedendo “ex officio”, como lhe seria permitido fazer pelo artigo 797 do CPC, senão que está apenas adequando a providência jurisdicional pleiteada (de cunho satisfativo) àquela adequada em face da situação fática subjacente ou do tipo de provimento jurisdicional, que reclamam uma mera proteção.

5. A FUNGIBILIDADE NO PLANO DA LÓGICA E DO SISTEMA PROCESSUAL BRASILEIRO.

Tal como previsto no artigo 273, parágrafo 7º., do Código de Processo Civil, é de rigor a conclusão de que há uma relação de fungibilidade entre a tutela cautelar incidental e a tutela antecipada, a autorizar que o juiz conceda, diretamente no processo de conhecimento, a tutela de proteção. A questão que então se coloca radica na possibilidade de, em nome dessa mesma fungibilidade, conceder-se a tutela antecipatória em lugar da tutela cautelar, quando esta tiver sido pleiteada em sua sede natural (no processo cautelar). É o que sustenta Cândido Rangel Dinamarco, para quem não há fungibilidade em uma só mão de direção:

O novo texto não deve ser lido somente como portador da autorização a conceder uma medida cautelar quando pedida a antecipação da tutela. Também o contrário está autorizado, isto é: também quando feito um pedido a titulo de medida cautelar, o juiz estará autorizado a conceder a medida a título de antecipação de tutela, se esse for seu entendimento e os pressupostos estiverem satisfeitos. Não há fungibilidade em uma só mão de direção. Em direito, se os bens são fungíveis isso significa que tanto se pode substituir um por outro, como outro por um”.36

Em reforço à sua tese, exemplifica o renomado processualista:

Se for feito um pedido de sustação de protesto com o rótulo de antecipação de tutela e o juiz entender que a natureza da medida postulada é a de uma cautela e não de uma antecipação, estará ele autorizado a concedê-la a título de medida cautelar, sem se preocupar com a qualificação proposta pelo autor.

Inversamente: peço a título de medida cautelar a intervenção do juiz em uma sociedade anônima, com vista a estancar dilapidações patrimoniais em curso por obra dos administradores estatutários. Essa é uma medida indiscutivelmente antecipatória e não cautelar, porque não visa a aparelhar o processo para melhor produzir os resultados desejados, mas de oferecer ao autor, desde logo, a proteção externa a que ele poderá ter direito. Não-obstante o erro de qualificação, o juiz concederá a medida, desde que presentes os pressupostos”.37

Mas quando, à luz da Lógica e do nosso sistema processual civil em vigor, analisa-se a consistência desse posicionamento doutrinário, constata-se que ele não pode subsistir. Senão vejamos.

Sob o plano da Lógica formal, há que se considerar a preciosa lição de Kant quanto à extensão dos conceitos, os quais podem ser, sob esse aspecto, classificados como superiores ou inferiores, em função do que se caracteriza a relação de gênero/espécie e de reciprocidade entre eles. Nesse contexto, afirma Kant que a extensão ou a esfera de um conceito é tanto maior quanto mais coisas possam se encontrar sob ele e por ele serem pensadas. Daí a existência de conceitos superiores, que têm sob si outros conceitos (inferiores), por eles abarcados, de acordo com uma determinada relação, que assim pode variar: “Visto que os conceitos superiores e inferiores só são assim chamados relativamente (respective), um e o mesmo conceito pode, pois, em diversas relações, ser ao mesmo tempo um conceito superior e um conceito inferior. Assim, por exemplo, o conceito de homem é, em relação ao conceito de cavalo um conceito superior; em relação com o conceito de animal, um conceito inferior”.38

Desse modo, conceitos que têm uma mesma esfera de abrangência são chamados de “conceitos recíprocos”. Pode haver nesse caso uma relação de identidade absoluta entre os conceitos ou, o que é mais comum, uma relação de gênero e espécie, de modo que um, por ser mais amplo em extensão do que o outro, é tido, nessa relação de reciprocidade, como um “conceito superior”, contendo sob si o conceito inferior e, além dele, algo mais que o torna gênero na relação de reciprocidade que mantém com o conceito (inferior) nele contido.39

Adverte Kant, outrossim, que a Lógica preocupa-se apenas quanto à forma dos conceitos, o que demarca seu limite cognitivo. De modo que não lhe compete, não constitui seu objeto a análise da origem dos conceitos quanto à matéria neles abrangida.40 Tarefa que é assim reservada à Metafísica, se de cunho filosófico for a investigação da matéria do conceito, ou a algum ramo da Ciência, como, exemplo, à Ciência do Direito em seu âmbito puramente teórico ou dogmático.

Como nosso objetivo aqui é o de examinar a relação de reciprocidade entre conceitos legais, tal como fixados pelo Direito Positivo brasileiro, daí resulta a necessidade de que examinemos esses mesmos conceitos sob dupla perspectiva: inicialmente à luz da Lógica, desimplicando-os quanto à sua forma, e a compasso no âmbito de sua aplicação dogmática no Código de Processo Civil, sem o que não será possível demonstrar, com a necessária consistência, que entre a tutela antecipada e a tutela cautelar somente há fungibilidade do conceito nuclear inferior (plausibilidade) para o conceito nuclear superior (verossimilhança), e não no sentido contrário.

Sob esse duplo enfoque, o da Lógica e do nosso sistema processual civil, consideremos, pois, os conceitos que formam o núcleo dos institutos da tutela antecipada e da tutela cautelar.

No caso da tutela antecipada, esse conceito nuclear é o da verossimilhança, cuja presença é exigida pelo artigo 273, “caput”, do Código de Processo Civil, enquanto que no caso da tutela cautelar outro o conceito nuclear: o da plausibilidade. (Importante observar que há um outro conceito nuclear aí envolvido, mas que está presente tanto na tutela antecipada, quanto na tutela cautelar, que é o conceito de risco emergencial. Trata-se, como se nota, de um só conceito, com aplicação a todo tipo de tutela emergencial, cautelar ou não.)

Há, portanto, entre os conceitos de “verossimilhança” e o de “plausibilidade” uma relação de reciprocidade, pois que ambos são, em seu conteúdo, estados de espírito. Mas estados de espírito que não apresentam entre si um idêntico grau de extensão.

Segundo Malatesta, verossímil não é o que pode ser uma verdade real, mas o que tem semelhança com ela. E para ter parecença com a verdade real, diz ele, não basta a simples condição de possibilidade; exige-se algo mais, um qualquer motivo que induza a crer em uma verdade, mais que como simples possível, como real.41

É exatamente esse “algo mais” que torna a verossimilhança um conceito superior na relação de reciprocidade que mantém com a plausibilidade, cuja extensão é, tanto na relação de ordem geral ditada pela Filosofia, quanto na que envolve sua aplicação específica no campo do nosso Direito Processual positivo, um conceito menor em face do conceito de verossimilhança, tomado como um conceito superior nessa relação de reciprocidade.

Entende-se por plausibilidade, com efeito, o que MALATESTA chama de “credulidade”; ou seja, um estado de espírito que se encontra diante de motivos iguais tanto para concluir-se pela afirmação do fato, quanto para negá-lo. Daí porque autoriza a Lei ao juiz que, podendo acreditar no que alega o autor, ou pelo menos não havendo nada que o contra-indique em cognição sumária, conceda-lhe a medida liminar cautelar, protegendo um simples direito, bastando-lhe para essa análise a sua simples aparência, que se revela na plausibilidade. Como afirma LOPES DA COSTA: “Na ação preventiva, dispensa-se o rigor da prova. Basta a plausibilidade”.42

Abstraindo, nos limites deste trabalho, de se perquirir se o juiz pode alcançar a verdade no processo, ou apenas a certeza, o certo é que é possível distinguir esses dois estados de espírito (verossimilhança e plausibilidade) a partir da relação de reciprocidade que os vincula e do grau de extensão estabelecido em nosso sistema processual civil, que para a concessão da tutela cautelar exige a presença da plausibilidade, reclamando, em contrapartida, para a tutela antecipada, com maior rigor, a presença de verossimilhança, assim extraída de prova inequívoca.

Aliás, acerca dos conceitos de “verossimilhança” e de “prova inequívoca”, empregados no “caput” do artigo 273 do nosso Código de Processo Civil em vigor, tem a doutrina sustentado que há aí um equívoco do Legislador, porque quando em face da existência de uma prova que se considera inequívoca, o estado de espírito que resulta dessa situação não pode ser o de mera verossimilhança, mas o de certeza. De fato, quando se está em face de uma prova que se repute inquestionável em sua existência, conteúdo e alcance, não há dúvida que se está em face da certeza como estado de espírito, o que, contudo, não infirma o fato de que a presença dessa mesma prova – inequívoca – também se faça eventualmente presente na verossimilhança, cuja relação de reciprocidade com a certeza pode apresentar essa identidade de elemento, como se dá, por exemplo, em nosso Código de Processo Civil em vigor, que exige a prova inequívoca para a concessão da tutela antecipada.

Admite-se, é certo, que outro poderia ser o regime, se assim dispusesse o Legislador, concedendo nesse caso ao juiz o poder de antecipar os efeitos jurídicos da tutela jurisdicional ainda com base na verossimilhança, mas dispensando a necessidade da presença da prova inequívoca, o que conduziria, em termos práticos, a tornar equivalentes os conceitos de verossimilhança e de plausibilidade, que nessa hipótese passariam a apresentar uma relação de fungibilidade de mão dupla, em virtude da identidade de extensão.

Mas, examinando-se o nosso atual sistema processual, constata-se que o Legislador optou por atribuir ao conceito de verossimilhança uma extensão maior do que a que conferiu ao conceito de plausibilidade, erigindo ainda a necessidade de que, no caso da verossimilhança, haja uma prova inequívoca, que também se exige para a obtenção da certeza, fundada na qual o juiz profere a sentença.

Assim, em nosso sistema processual o elemento que distingue a verossimilhança da certeza não lhes é interno; ou seja, não está na prova inequívoca, cuja presença se exige, segundo a Lei, tanto na verossimilhança, quanto na certeza. A distinção entre um e outro desses conceitos legais decorre, portanto, de um outro elemento, e que lhes é exterior: o fator tempo – e o que confirma que é impossível conceber o processo dissociado da idéia de tempo.

Assim, ao estabelecer a cognição plena e exauriente como forma normal de cognição, está a Lei a operar com o tempo no processo de um modo mais tranqüilo, quando se revela possível uma relação dialética entre o passar e o durar do tempo. Nesse caso, embora naturalmente distintos o tempo próprio do processo e o tempo (objetivo) da relação material subjacente, as circunstâncias não exigem que se antecipe ou se precate o suposto direito material, cuja existência, localizada no passado, perdura no presente, que é o tempo próprio do processo. Aqui, a inexistência de contraste entre a segurança jurídica e a celeridade tolera a natural lentidão do processo, permitindo que a decisão seja proferida a seu próprio tempo, como imaginava possível o Positivismo científico.

Mas, noutras vezes o tempo objetivo da lide impõe-se em face do tempo do processo, reclamando uma pronta e eficaz atuação jurisdicional, sob o risco de perecimento do suposto direito material. Assoma-se nesse caso uma situação de risco emergencial, para controle da qual a doutrina engendrou as tutelas antecipatória e cautelar, que se distinguem, como visto, pelo efeito jurídico nelas envolvido e que dita o grau de exigência imposto pela Lei. Com efeito, se a pretensão circunscreve-se a uma mera proteção, basta a plausibilidade (aparência) do direito invocado; mas se o efeito pretendido é de natureza satisfativa, então o nível de exigência é idêntico àquele com o qual o juiz se deparará ao tempo em que irá proferir sentença, consubstanciado na prova inequívoca que conflui à certeza jurídica.

A propósito, importante observar que essa identidade conceitual entre certeza e verossimilhança em nosso sistema processual não exclui, evidentemente, a hipótese de a sentença poder revogar a tutela antecipada, natural paradoxo de qualquer sistema processual que opere com a cognição provisória. É que ao exigir a presença da prova inequívoca para a concessão da tutela antecipatória, a Lei impõe ao juiz, em tese, o mesmo rigor que teria se estivesse a proferir sentença, equiparando por isso a certeza à verossimilhança, mas sem lhe tolher o direito de, ao tempo em que proferir sentença, abjurar daquela posição inicialmente adotada, optando assim por outra “certeza”.43

De toda a forma, como observa Ovídio Baptista, se o direito material apresentar-se no processo em grau de indiscutível evidência, a ponto de caracterizar a verossimilhança ou a certeza, então nesse caso não caberá a concessão da tutela cautelar, mas sim a tutela definitiva e satisfativa.44 A demonstrar que não há, em nosso sistema processual civil, distinção ontológica entre os conceitos legais de verossimilhança e certeza, que se diferenciam apenas quanto ao tempo que os envolve no processo.

Aqui, aliás, revela-se, com maior nitidez, o “algo mais” que diferencia a verossimilhança da plausibilidade em nosso sistema processual e que se consubstancia tanto na aparência de “verdade”, quanto no fato de que embora provisória, a tutela antecipada traz em si a produção dos mesmos efeitos jurídicos que seriam gerados apenas com a sentença, o que justifica que se exija do juiz, para a concessão da tutela antecipada, o mesmo rigor na análise da situação fático-jurídica que teria se estivesse naquele momento a proferir sentença.

Portanto, ao exigir a presença de uma prova inequívoca, que como tal a considere o juiz, está o Legislador, a um só tempo, indicando a unidade conceitual entre a verossimilhança e a certeza em nosso sistema processual civil, destacando no mesmo contexto a distinção ontológica entre os conceitos de verossimilhança e de plausibilidade, assim demarcando a sua respectiva extensão, conquanto agora estabelecida entre tais conceitos uma relação de reciprocidade, o que autoriza conceder a tutela cautelar em lugar da tutela antecipada. Mas e o contrário?

O fato de haver uma relação de reciprocidade entre um conceito superior e um conceito inferior não autoriza concluir que haja necessariamente entre eles uma completa relação de fungibilidade, que permita que um possa ser utilizado em lugar do outro. Como o conceito inferior está contido no superior, é evidente que nesse caso se pode aplicar, sem óbice, a fungibilidade, porque a extensão do conceito superior abarca toda a extensão do conceito que lhe é inferior, em uma relação de gênero e espécie. O que, todavia, não se dá na situação inversa. Com efeito, como é maior a extensão do conceito superior em face da do conceito inferior, este não poderá substituir aquele. É o que nos ensina a Lógica, demonstrando que há um paralogismo no argumento de que toda relação de fungibilidade é uma relação de mão dupla.

Destarte, seja porque o processo cautelar não pode, em sua natureza e finalidade, comportar a satisfação do direito material, senão que apenas a proteção de efeitos fáticos derivados de um suposto direito; seja porque o requisito nuclear da tutela antecipada (a verossimilhança) é de maior grau de extensão do que o da plausibilidade, nomeadamente em face da exigência da presença de prova inequívoca, daí se conclui que não pode haver, em nosso sistema processual, a relação de fungibilidade que permita ao juiz conceder, no processo cautelar, a tutela antecipada em lugar da tutela de mera proteção.

A dizer: se o autor, no processo de conhecimento, pleiteia como antecipação de tutela um efeito que é, em verdade, assecuratório, pode o juiz conceder-lhe, no processo de conhecimento, a tutela cautelar em vez da tutela antecipatória, presente aqui a relação de fungibilidade entre o conceito inferior (plausibilidade) e o conceito superior (verossimilhança), conforme prevista no artigo 273, parágrafo 7º, do CPC. Mas a recíproca não verdadeira. De modo que se o autor pleiteia, no processo cautelar, a concessão da tutela cautelar, o juiz não lhe pode conceder a tutela antecipatória, não apenas porque o processo cautelar não comporta o efeito satisfativo (não podendo por isso substituir a natural função do processo de conhecimento), mas também porque o grau de extensão (e de rigor) da verossimilhança é superior ao da plausibilidade. Diante disso, se o juiz se depara com a verossimilhança/certeza, extraída de prova inequívoca, concluirá que o processo cautelar é, nessas circunstâncias, inútil ou desnecessário, remetendo o autor ao processo de conhecimento.45

6. FUNDAMENTO JURÍDICO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA PROCESSUAL.

Em um dos primeiros estudos sistemáticos sobre a responsabilidade processual, observou Manlio La Rocca que a responsabilidade civil não é outra coisa que a sujeição às conseqüências jurídicas decorrentes da própria ação.46 Revela-se assim o fundamento jurídico da teoria da responsabilidade objetiva processual. Não é, como afirma Ovídio Baptista, que a lei cria um regime de desigualdade entre as partes, quando dá prevalência à conservação do fático,47 senão que se trata de uma justa conseqüência jurídica, porque aquele que pretende mudar o fático deve assumir o ônus de ser responsabilizado pelas conseqüências geradas em virtude de sua ação processual, se não medrar a pretensão material que formula em juízo.

A responsabilidade objetiva processual encontra seu fundamento jurídico, portanto, na idéia do risco, e não no princípio da conservação do fático, embora haja entre eles, nesse terreno, uma evidente correlação.

Não se pode olvidar, nesse contexto, que o processo civil é um processo que podemos classificar de “burguês”, estruturado que foi segundo os ideais do Liberalismo europeu do século XIX, que defendia a mantença de um determinado equilíbrio na vida em sociedade, que somente poderia ser rompido em caso de absoluta necessidade (assim demonstrada, de regra, por meio de uma cognição plena e exauriente), ensejando a idéia conceitual do risco, que de um lado fez gerar a teoria da responsabilidade objetiva processual, e de outro, curiosamente, a teoria da tutela cautelar.48

Note-se, no particular, um interessante paradoxo que marca o nascimento do processo civil na forma como nós o conhecemos hoje, com repercussão no campo da teoria da responsabilidade objetiva processual. Com efeito, na doutrina do Liberalismo, o Estado foi sempre o fantasma que atemorizou o indivíduo, porque lhe restringia a liberdade, daí o motivo de o Liberalismo ter idealizado um Estado jurídico baseado na liberdade, dando a esta uma função preponderante na sociedade civil burguesa e “fazendo do Estado o acanhado servo do indivíduo”.49 Assim, embora o processo civil moderno tenha nascido do dogma liberal da liberdade, uma índole tipicamente conservadora o domina, como resultado da prevalência do poder sobre a liberdade, o que explica que esta (a liberdade), quando exercida, sujeite-se às conseqüências decursivas do regime da responsabilidade civil, subjetiva ou objetiva, conforme tiver se revelado no exercício da demanda uma conduta processual desleal (litigância de má-fé), abusiva, ou ainda danosa, mas independente de dolo ou culpa (responsabilidade objetiva).

Consideremos aqui apenas a responsabilidade objetiva processual, que como se enfatizou decorre essencialmente do risco inerente ao exercício da ação processual, e cujo antecedente histórico mais recuado localiza-se na pena de “sacramentum”, estabelecida no Direito Romano.50 Como nos diz Chiovenda, o “sacramentum” surgiu no período das “legis actiones” e se constituía em uma pena rigorosa e absoluta que sempre haveria de sofrer o vencido, independentemente de ter ele atuado, no processo, com dolo ou culpa, como conseqüência, assim, de um regime que se impunha do direito material ao processo.51 Nesse regime, perder a demanda equivalia a ser responsabilizado civilmente pelos danos causados em função do processo, sem se perquirir do dolo ou culpa. Como se percebe, subjaz a esse antigo regime processual a idéia de risco que envolve a propositura de qualquer demanda.

É essa mesma idéia – a do risco – que constitui o fundamento jurídico da teoria da responsabilidade objetiva processual, nomeadamente aplicada ao processo cautelar, potencialmente perigoso em função dos danos que ele pode produzir, a justificar a necessidade de que se lhe dote de uma regra de proteção à parte contrária, como a do artigo 811 do nosso Código de Processo Civil em vigor: “(…) A ação assecuratória é, por conseqüência, ela própria, uma ação provisória; e daí importa que se exerça, em regra, a risco e perigo do autor, quer dizer, que o autor, em caso de revogação ou desistência, seja responsável pelos danos causados pelo despacho, tenha ou não tenha culpa; e isso pelas mesmas razões expostas a propósito da ação executiva anormal (…)”.52

A respeito, escreve GALENO LACERDA:

Em suma, a justiça da tese se sintetiza no aforisma: cuius est commodum eius est incommodum, ou ubi commoda ibi incommoda. Vincula-se à idéia objetiva de ônus ou de risco processual, comum não apenas às ações cautelares, como à execução provisória da sentença. Neste sentido, a responsabilidade decorrente do art. 811 é da mesma natureza da derivada do art. 588, I. Quem tem interesse, para sua conveniência (cômodo), em executar a cautela ou a sentença provisória, suporta a inconveniência (incômodo) de indenizar o prejuízo causado, se decair da medida ou for vencido na ação. Nada mais certo e justo. Tudo não passa de responsabilidade objetiva, decorrente de livre avaliação do risco. Daí a contracautela do art. 804, como conseqüência lógica dessa responsabilidade. Ao réu, sem culpa, é que seria sumamente injusto arcar com o dano causado pelo autor”.53

Obtempera Ovídio Baptista, mas sem razão, que não pode ser verdadeiro o argumento de que se vale Chiovenda para defender a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva ao processo cautelar, porque, diz o processualista gaúcho, se assim fosse, ao exeqüente também haveria de se aplicá-la (a responsabilidade objetiva) na hipótese em que os embargos de execução tivessem sido julgados procedentes, declarando-se inexistente o direito de crédito.54 Duas observações impõem-se em face desse raciocínio, assim para acoimá-lo: a primeira, a de que se trataria nessa hipótese de uma execução definitiva, e não provisória, o que não eliminaria a hipótese da reparação civil, mas não aquela fundada no artigo 588 (hoje prevista no artigo 475-O); a segunda observação diz com o disposto no artigo 574 do Código de Processo Civil, que estabelece a responsabilidade objetiva contra o credor na hipótese em que a sentença declarar a inexistência de seu crédito (execução injusta).

Assim vemos que ao processo de conhecimento também deve ser aplicada a regra do artigo 811 do CPC, quando em seu bojo concedida a medida cautelar incidental. Neste comenos, cabe lembrar o que ficou dito quando se tratou do poder geral de cautela, no sentido de que o juiz não concede “ex officio” a tutela cautelar incidental, senão que apenas transmuda o efeito jurídico embutido no pedido formulado pelo autor, de antecipação de tutela para tutela incidental cautelar, mais adequada em face da situação fática subjacente ou em função do tipo de provimento jurisdicional.

E como se trata de responsabilidade objetiva, basta a prova do nexo de causalidade entre a medida cautelar e os efeitos a partir dela gerados, de forma que não cabe perscrutar se a medida cautelar foi ou não concedida legitimamente. Basta que ela tenha sido concedida e executada para que dê azo à responsabilidade civil pelos danos causados ao réu. Mas é necessário que a sentença proferida no processo de conhecimento expressamente reconheça a responsabilidade objetiva do autor, remetendo para a fase de liquidação apenas a apuração do “quantum debeatur” dos danos (materiais ou morais), causados pela execução da tutela cautelar incidental. De modo que se a sentença no processo de conhecimento não tratar da responsabilidade objetiva processual, ao autor incumbirá a interposição de embargos de declaração para suprir a omissão, sob pena de decair desse direito.

Por fim, examinando as hipóteses do artigo 811 do CPC, verifica-se que no caso da tutela cautelar incidental apenas duas delas se lhe aplicam: as dos incisos I e IV.

1 Embora o fato não traga maiores conseqüências, há que se registrar o injustificável descuido da novel Lei 11.232/2005, que malgrado tenha revogado integralmente o art. 588 do CPC, como conseqüência da transformação do processo de execução fundado em título executivo judicial em uma fase posterior do processo de conhecimento, não procedeu à necessária alteração do art. 273, parágrafo 3º, que continua a remeter ao revogado art. 588, e não, como deveria, ao dispositivo atual que regula a execução provisória (art. 475-O).

2 Dispunha o art. 588, I: “corre, por conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os prejuízos que o executado venha a sofrer”. Já o novo art. 475-O, I, estabelece: “corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido”.

3 O que não autoriza concluir tenha cessado toda discussão doutrinária acerca da tutela antecipada. Nalgumas questões, com efeito, o instituto ainda dá azo a polêmicas, como ora sucede com a possibilidade de antecipar-se a tutela na hipótese em que caracterizado o abuso do direito de defesa (CPC, art. 273, II), ou quando em face de cumulação de pedidos, um deles revelar-se incontroverso (art. 273, §6º). Parte da doutrina, capitaneada pela professora Ada Pellegrini Grinover, tem sustentado que para essas hipóteses não se exige a presença da situação de risco emergencial, mas apenas a verossimilhança no fundamento da demanda.

4 Caso da ação popular, regulada pela Lei Federal de número 4717/1965, que por seu art. 5º, §4º, prevê a possibilidade de o juiz suspender a eficácia do ato lesivo impugnado.

5 Caso do artigo 653 do CPC, que prevê o arresto, medida cautelar incidental em processo de execução.

6 No que está a importância do mandado de segurança como remédio processual em nosso sistema. Com efeito, o provimento em mandado de segurança pode assumir variegada forma, abarcando inclusive a feição cautelar, embora exija a Lei 1533/1951 a presença da relevância, e não a simples plausibilidade.

7 Cf. A Reforma da Reforma, p. 92-94, Malheiros editores, 3ª edição, 2002, São Paulo.

8 Do Processo Cautelar, p. 83, 2ª edição, editora Forense, 1999, Rio de Janeiro.

9 Cf. Lotario Dittrich, Il Provvedimento D’Urgenza, in Il Nuovo Processo Cautelare, p. 175-205, Cedam, 1993, Padova.

10 De como o espírito a si mesmo se enreda, in Seleta dos Ensaios de Montaigne, 2º tomo, p. 471, Livraria José Olympio editora, Rio de Janeiro, 1971.

11 Ovídio Baptista, Do Processo Cautelar, p. 66.

12 Enrico Tullio Liebman, notas às Instituições de Direito Processual Civil de Giuseppe Chiovenda, v. 1, p. 274, Saraiva, 3ª. edição, 1969, São Paulo.

13 Karl Heinz Schwab, El objeto litigioso en el proceso civil, coleccion Ciencia del Proceso, v. 51, EJEA, 1968, Buenos Aires.

14 Cf. Lopes da Costa, Medidas Preventivas, 3ª edição, p. 49, Sugestões Literárias, São Paulo, 1966.

.

15 Assim pensa, por exemplo, Humberto Theodoro Junior, como o revela em sua conhecida obra Processo Cautelar, p. 45, Leud, 12ª, edição, 1990, São Paulo.

16 Refiro-me ao famoso livro de nosso maior escritor, Machado Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas.

17 A Montanha Mágica (tradução por Herbert Caro), cap. VII (“Passeio pela Praia”), p. 653-655, Círculo do Livro, São Paulo, .

18 Direito Processual Civil (tradução por Luiz Autuori), 2º. volume, p. 721, Borsoi editor, Rio de Janeiro, 1973.

19 Introdução ao Estudo Sistemático dos Procedimentos Cautelares (tradução por Carla Roberta Andreasi Bassi), p. 39-40, Servanda editora, Campinas, 2000.

20 Medidas Preventivas, prefácio da 2ª. Edição, Sugestões Literárias, 1966, São Paulo.

21 Luiz Guilherme Marinoni, in Tutela Antecipatória, p. 14, 4ª edição, RT, 2000, São Paulo.

22 Cf. Il Nuovo Processo Cautelare, La Tutela Cautelare (tradução livre), p. XXXII, Cedam, Padova, 1993.

23 Do Processo Cautelar, p. 1.

24 Do Processo Cautelar, p. 6.

25 Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória, p. 47, RT, São Paulo, 1992.

26 Do Processo Cautelar, p. 5.

27 O Jornalismo Crítico, in Cartas a um Amigo Alemão, editora Livros do Brasil, coleção miniatura Literatura, Lisboa, 2003.

28 Diritto Processuale Civile Tedesco, 1ª. Parte, tradução por Edoardo F. Ricci, p. 325, Morano editor, Napoli, 1962.

29 Diritto Processuale Civile Tedesco, 1ª. Parte, p. 151 e 325.

30 Lent, com efeito, considera que os fatos não são parte do objeto litigioso, entendido este em seu sentido exclusivamente processual. Ressalva, contudo, que os fatos são necessários para individualizar e fixar o objeto litigioso. Diz ele: “ [o objeto litigioso] não é constituído (…) de um simples fato ou evento, mas de um direito ou de uma relação jurídica: nem é necessário que tal direito (ou relação) exista de verdade, bastando sua afirmação”. Nesse aspecto, diferentemente de Schwab, Lent coloca o núcleo do objeto litigioso tão-só no direito material, cujos efeitos pretendidos pelo autor configuram-no (Obra mencionada, p. 149 e 325).

31 Cf. Cumulação de Ações Cautelares, in Medidas Cautelares – Estudos em homenagem ao Prof. Ovídio A. Baptista da Silva, p. 50, Sergio Antonio Fabris editor, Porto Alegre, 1989.

32 Nesse ponto, equivoca-se Araken de Assis ao equiparar as situações processuais envolvidas na tutela antecipada e na tutela incidental cautelar. Para ele, as medidas liminares, cautelares ou não, não provocam a cumulação de ações (in “Cumulação de Ações”, p. 222, 4ª. Edição, RT, São Paulo, 2002). De fato, na tutela antecipada não há mesmo esse cumulo objetivo de pretensões, que, contudo, existe, pelas razões apontadas, na medida cautelar incidental.

33 Cf. Eficácia e Autoridade da Sentença, 3ª edição, Forense, 1994, Rio de Janeiro.

34 Comentários do Código de Processo Civil, v. VIII, t. I, p. 135-136, 2ª. edição, Forense, Rio de Janeiro, 1984.

35 O Escritor e seus Fantasmas (tradução por Pedro Maia Soares), p. 25, Companhia das Letras, São Paulo, 2003.

36 A Reforma da Reforma, p. 92.

37 Obra mencionada, p. 92-93.

38 Lógica, p. 114, 2ª. edição, editora Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1999.

39 Cf. Kant, Lógica, p. 116.

40 Lógica, p. 112.

41 Cf. Nicola Framarino dei Malatesta, A Lógica das Provas em Matéria Criminal (tradução por Waleska Girotto Silverberg), v. I, p. 69, Conan editora, 1995.

42 Medidas Preventivas, p. 60.

43 Dessa possibilidade inata ao processo civil, é dado concluir, em reforço, que o processo não pode alcançar a verdade científica, mas apenas a certeza como estado de espírito. E nos faz lembrar, em certa medida, do paradoxo de Epiménides.

44 Do Processo Cautelar, p. 70.

45 O que não exclui a hipótese em que a tutela antecipada deva conviver com a tutela cautelar, simultaneamente. Aqui, contudo, a situação é diversa, porque não se estará em face de uma relação de fungibilidade, mas de adequação (e mesmo de necessidade) de cada uma à sua precisa finalidade.

46 Profili di un Sistema di Responsabilità Processuale, p. 9, Morano editore.

47 Cf. Antecipação de Tutela e Responsabilidade Objetiva, in Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – AJURIS, v. 72, março de 1978, p. 58-78.

48 Surgida da necessidade de se alterar o fático, quando presente uma situação de risco emergencial.

49 Cf. Paulo Bonavides, Do Estado Liberal ao Estado Social, p. 40, Malheiros editores, 6ª. edição, 1996, São Paulo.

50 Diferente do que se dá com a litigância de má-fé, cuja origem não se funda na pena do “sacramentum”.

51 La Condena em Costas (tradução para o espanhol por Juan A. de La Puente y Quijano), p. 51, Libreria General de Victoriano Suarez, Madrid, 1928.

52 Cf. Giuseppe Chiovenda, Instituições, v. 1, p. 274.

53 Comentários ao Código de Processo Civil, v. III, t. I, p. 433-434.

54 Cf. Do Processo Cautelar, p. 205.