APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA, CUMULADA COM PEDIDO DE REPARAÇÃO POR DANO MORAL. AUTORA QUE AFIRMA TER SIDO VÍTIMA DE CRIME DE TENTATIVA DE FEMINICÍDIO, COM GRANDE REPERCUSSÃO, OCORRIDO NAS DEPENDÊNCIAS DO CONDOMÍNIO-RÉU, O QUAL, CONTUDO, DEIXOU DE CUMPRIR O QUE LHE IMPUNHA A LEI ESTADUAL – SP 17.406/2021 QUANTO À PRONTA E IMEDIATA COMUNICAÇÃO DO FATO À AUTORIDADE POLICIAL, OMISSÃO QUE PERMITIU QUE NOVOS EPISÓDIOS DE VIOLÊNCIA ATINGISSEM A AUTORA, QUE AINDA SOFREU PENA DE ADVERTÊNCIA QUE O RÉU LHE APLICOU. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTES OS PEDIDOS.
APELO DA AUTORA EM QUE DE PRIMEIRO REQUER SE APLIQUE AO CASO EM QUESTÃO O QUE DISPÕE O PROTOCOLO ESTABELECIDO PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA ACERCA DO JULGAMENTO COM BASE NA PERSPECTIVA DE GÊNERO, E QUE SE CONSIDERE POIS QUE, A DESPEITO DE A AUTORA, ELA PRÓPRIA, TER COMUNICADO O FATO À AUTORIDADE POLICIAL, ISSO NÃO ESCUSA O RÉU DA OBRIGAÇÃO LEGAL, CONSIDERANDO A FINALIDADE PARA A QUAL O LEGISLADOR ENGENDROU A REFERIDA LEI.
APELO PROVIDO. FINALIDADE DA LEI ESTADUAL – SP 17.406/2021 QUE É EXPLICITADA POR SEU PROJETO E QUE REFORÇA A PROTEÇÃO DAS MULHERES DIANTE DO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DE ESPECTRO BASTANTE VARIADO, BUSCANDO CRIAR UM AMBIENTE DE CONSCIENTIZAÇÃO DE QUE SE TRATA DE UM ASSUNTO DE INTERESSE PÚBLICO E DO QUAL DEVEM PARTICIPAR OS CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS E COMERCIAIS, QUANDO EM SUAS DEPENDÊNCIAS OCORREM EPISÓDIOS DE VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES.
PROPORCIONALIDADE DA REFERIDA LEI ESTADUAL RECONHECIDA EM FACE DA NORMA DO ARTIGO 226, PARÁGRAFO 8º., DA CONSTITUIÇÃO DE 1988, DA LEI FEDERAL 11.340/2006 (“LEI MARIA DA PENHA) E DO PROTOCOLO PRA JULGAMENTO COM PERSPECTIVA DE GÊNERO, EMANADO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.
OMISSÃO EM QUE INCIDIU O RÉU E DO QUE NÃO SE PODE ESCUSAR, AINDA QUE O FATO TENHA SIDO COMUNICADO À AUTORIDADE POLICIAL PELA AUTORA. FINALIDADE DA LEI ESTADUAL QUE NÃO SE EXAURE NA COMUNICAÇÃO DO FATO À AUTORIDADE POLICIAL. DANO MORAL FIXADO EM R$1.000,00 (UM MIL REAIS), CONSIDERANDO NOMEADAMENTE O SEU CARÁTER PEDAGÓGICO. (TANTO QUANTO PEDAGÓGICO É O OBJETIVO DA REFERIDA LEI ESTADUAL.)
MEDIDA APLICADA PELO RÉU – A DE ADVERTÊNCIA –, QUE, POR ÓBVIO, NÃO POSSUI JUSTA CAUSA EM RELAÇÃO À AUTORA, VÍTIMA DO CRIME DE TENTATIVA DE FEMINICÍDIO.
SENTENÇA REFORMADA. APELO INTEGRALMENTE PROVIDO. ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA, SEM A MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto contra r. sentença que declarou improcedentes os pedidos, por considerar o juízo de origem que, feita pela própria a autora a comunicação à autoridade policial acerca de episódio de crime de crime de feminicídio de que vítima a autora, dever-se-ia escusar o réu da obrigação estabelecida na Lei estadual – SP 17.406/2021, negando também o pedido cumulado na demanda, de que se declarasse a invalidez de advertência aplicada pelo réu à autora, que, nesse contexto, interpondo recurso de apelação, insurge-se contra a r. sentença, aduzindo que há se considerar a finalidade para a qual o Legislador criou a referida Lei estadual, de maneira que a omissão em que incidiu o réu, e que se não pode escusar, é de ser juridicamente valorada, ainda que o fato tenha sido comunicado à autoridade policial pela própria autora.
Recurso interposto no prazo legal, dispensado o preparo em razão da gratuidade. Resposta no prazo legal.
FUNDAMENTAÇÃO
Dá-se provimento ao recurso de apelação, com a reforma integral da r. sentença, acolhidos ambos os pedidos formulados na peça inicial desta demanda.
Submetida a lei estadual 17.406/2021 a seu controle pelo princípio constitucional da proporcionalidade, é de rigor definir qual a finalidade que o Legislador estadual erigiu para impor aos condomínios em geral a obrigação de, prontamente, comunicar à autoridade policial episódios de violência contra a mulher quando ocorridos em suas dependências.
A finalidade dessa lei estadual está explicita no projeto que lhe deu origem, o projeto de número 108/2020, de autoria do deputado estadual, Professor Kenny, que enfatiza a necessidade de se conscientizar a sociedade como um todo de quão grave é o fenômeno que ocorre em nossa sociedade com maior frequência e que envolve a violência contra as mulheres, um fenômeno de largo espectro, como menciona o deputado estadual ao enfatizar que, entre janeiro e novembro de 2019, havia ocorrido algo próximo de cento e cinquenta casos de feminicídio, superando àquela altura o número registrado no ano anterior. Muitos desses episódios de violência haviam ocorrido no ambiente doméstico, e muitos deles em condomínios.
Evidentemente que a finalidade da referida Lei estadual não está diretamente na comunicação do fato à autoridade policial, mas na conscientização de que é um dever dos condomínios o de, na medida do possível, impedirem que esses episódios ocorram em suas dependências, para que o podem contribuir fazendo levar imediatamente ao conhecimento da autoridade policial tais ocorrências.
Importante observar que a Lei estadual – SP 17.406/2021 não exclui a responsabilidade do condomínio na hipótese em que outrem tenha comunicado a autoridade policial, nem mesmo a vítima, o que autoriza a conclusão de que a finalidade da referida lei estadual é pedagógica.
Essa finalidade, aliás, é o que torna proporcional a lei estadual – SP 17.406/2021 em face da norma do artigo 226, parágrafo 8º., da Constituição de 1988, segundo a qual “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”, de maneira que o Legislador estadual ideou uma adequada forma de tornar ainda mais eficiente o sistema de proteção das mulheres em face de episódios de violência doméstica, objetivo da Lei federal 11.340/2006, a conhecida “Lei Maria da Penha”, e de resto com essa mesma finalidade há que se considerar o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, emanado do Conselho Nacional de Justiça.
Portanto, não pode subsistir o argumento adotado pelo juízo de origem de que, em tendo a autora, ela própria, cuidado comunicar o fato à autoridade policial, dever-se-ia escusar o réu de não ter cumprido a obrigação imposta pela mencionada lei estadual, porque como enfatizado a finalidade dessa lei é marcadamente pedagógica, de conscientização, o significa dizer que é de todo irrelevante tenha o fato sido levado ao conhecimento da autoridade policial pela autora, porque o fato objetivo é o de que o réu não cumpriu sua obrigação legal, praticando ato ilícito (por omissão), ensejando a reparação por dano moral em favor da autora.
Reparação por dano moral que deve encontrar um patamar que seja razoável, tanto quanto proporcional, levando-se em consideração sobretudo o caráter pedagógico que é próprio a esse tipo de reparação em nosso ordenamento jurídico em vigor. Destarte, condena-se o réu na reparação por dano moral em relação à autora, fixada essa reparação em R$1.000,00 (um mil reais), com atualização monetária a partir desta data. Juros de mora que se contam desde a citação.
Quanto à sanção aplicada pelo réu contra a autora – a de advertência –, por óbvio não há justa causa, considerando que a autora estava a ser vítima de crime de tentativa de crime de feminicídio, de modo que as vicissitudes pelas quais passava naquele triste episódio não podem dar azo a que se a sancione por algo de que estava a ser a própria vítima.
Por meu voto, dá-se provimento ao recurso de apelação interposto pela autora, reformando a r. sentença, porquanto acolhidos ambos os pedidos formulados nesta demanda, nos termos aqui estabelecidos.
Invertem-se os encargos de sucumbência nos termos em que haviam sido estabelecidos na r. sentença, de maneira que tais encargos são atribuídos exclusivamente ao réu, inclusive os honorários de advogado. Não se aplica a regra do artigo 85, parágrafo 11, do CPC/2015.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
RELATOR