USUCAPIÃO. APARTAMENTO INSTALADO EM CONDOMÍNIO IRREGULAR. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO

DIREITO CIVIL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. SENTENÇA QUE JULGOU EXTINTA A AÇÃO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, POR ENTENDER QUE, EM SE TRATANDO DE UM EDIFÍCIO DE APARTAMENTOS QUE NÃO POSSUI REGISTRO IMOBILIÁRIO, NÃO HAVENDO, POIS, A OBRIGATÓRIA ESPECIFICAÇÃO QUANTO AO CONDOMÍNIO E UNIDADES QUE O FORMAM, NÃO HÁ A POSSIBILIDADE JURÍDICO-LEGAL DE EXAMINAR-SE O PEDIDO DA USUCAPIÃO.
APELO DO AUTOR NO SENTIDO DE QUE SOBRELEVA CONSIDERAR QUE A USUCAPIÃO É MODALIDADE DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DA PROPRIEDADE, E QUE POR ISSO NÃO HÁ O ÓBICE ERIGIDO NA R. SENTENÇA, QUE DEVE, SEGUNDO O AUTOR, SER DECLARADA NULA, RETOMANDO-SE A FASE DE INSTRUÇÃO PARA A PRODUÇÃO DAS PROVAS NECESSÁRIAS À DEMONSTRAÇÃO DOS REQUISITOS QUANTO À POSSE EXIGIDA À USUCAPIÃO.
INCONFORMISMO INSUBSISTENTE. INEXISTÊNCIA LEGAL DO CONDOMÍNIO QUE OBSTACULIZA O SURGIMENTO DO DIREITO SUBJETIVO INVOCADO PELO AUTOR.
RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO, MANTENDO-SE A EXTINÇÃO DO PROCESSO, MAS COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, DECLARANDO-SE IMPROCEDENTE O PEDIDO. ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA FIXADOS. SEM MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS DE ADVOGADO.

RELATÓRIO
A r. sentença julgou anormalmente extinta esta ação de usucapião extraordinária, ausente a possibilidade jurídica do pedido, por entender o juízo de origem que, em se tratando de um apartamento instalado em um condomínio irregular, não é juridicamente possível que se declare a aquisição da propriedade pela usucapião, havendo a necessidade de que se proceda previamente à regularização do condomínio, regularização que deve se dar por meio de averbação no registro imobiliário da construção do edifício, com especificação de cada unidade que o forma, abrangendo aquela que constitui objeto desta ação.
É contra essa r. sentença, pois, que o autor interpôs recurso de apelação, sustentando que se deve considerar a usucapião como modalidade de aquisição originária, de maneira que o óbice erigido pela r. sentença não é de molde que impeça o exame do mérito da pretensão, pugnando, pois, pela declaração de nulidade da r. sentença, retomando-se a fase de instrução.
Recurso de apelação tempestivamente interposto, dispensado o preparo em razão da gratuidade. Contrarrazões apresentadas.

FUNDAMENTAÇÃO
A este recurso de apelação nega-se provimento, mantendo-se a extinção do processo, mas com exame do mérito, declarando-se a improcedência do pedido por aplicação do artigo 487, inciso I, do CPC/2015.
Em se tratando a usucapião de uma forma pela qual se adquire a propriedade, deve-se concluir que, em não havendo possibilidade jurídico-legal de existir a propriedade, não pode, “a fortiori”, haver a usucapião, porque a posse que é exigida como requisito legal à usucapião é uma posse qualificada, no sentido de que não basta que exista o fator tempo e que se configure o “animus dominus”, porque é indispensável que o objeto sobre o qual a posse exerça-se seja apto a gerar a propriedade. Exige-se, pois, que o objeto seja hábil a fazer surgir a propriedade – o que não ocorre no caso em questão, por se tratar de um apartamento que está instalado em um condomínio irregular.
Não se trata, pois, de perquirir se a posse é justa ou não, senão que é indispensável que exista um objeto hábil à propriedade.
Poder-se-ia argumentar que pela usucapião adquire-se a propriedade originária sobre a coisa. Mas se trata aí de um predicado desse tipo de propriedade, e não de sua substância. Para que haja aquisição originária, é, portanto, indispensável que exista antes a propriedade, ou que ela possa existir.
No caso em questão, a posse é exercida pelo autor sobre um apartamento que integra um condomínio irregular, de modo que a posse que exerce não pode gerar a aquisição da propriedade, por ausência de objeto hábil, inexistindo, portanto, o direito subjetivo que o autor invoca, o que constitui razão e fundamento para que analise o mérito da pretensão que formula, havendo por se afastar uma falsa carência de ação que a r. sentença considerou.
E examinado o mérito, é de se declarar a improcedência ao pedido por ausência do direito subjetivo invocado.
Apenas ao tempo em que o condomínio estiver regularizado, com o registro imobiliário e a especificação de cada unidade que o forma, é que poderá surgir o direito subjetivo do autor à aquisição da propriedade por meio da usucapião.
Importante assinalar que apenas em uma modalidade específica da usucapião a existência de loteamento clandestino não constitui óbice a que se possa declarar e reconhecer o domínio: tão somente na modalidade da usucapião especial prevista no artigo 183 da Constituição da República de 1988. Com efeito, essa especial modalidade da usucapião, e que possui matriz constitucional, foi ideada e construída e tornada norma exatamente para afastar o óbice que incide em geral sobre a usucapião e que radica no existir loteamento clandestino. Exatamente para erigir uma exceção à essa regra geral é que se criou, por norma constitucional, a usucapião especial urbana.
Aliás, a necessidade de que a regulação se desse por norma constitucional bem demonstra que se deve considerar tratar-se de uma especial modalidade de usucapião. Além disso, vale lembrar que, durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, foi apresentada a Emenda 2P01692-8, em janeiro de 1988, e cuja razão, explicitada pelo autor da proposta, era a de regularizar, por meio da usucapião especial, a situação do loteamento clandestino, sendo essa, portanto, uma especial razão e que justifica o regime de discrímem.
Regime jurídico-legal específico, o da usucapião especial urbano, que não se aplica às demais modalidades de usucapião, em especial à extraordinária, que é a modalidade pleiteada nestes autos, em que não há razão que justifique a aplicação da analogia ou da interpretação extensiva quanto à regra constitucional.
Assim, a exceção à regra geral da usucapião não se aplica a este caso, em que o objeto da ação da usucapião extraordinária é um apartamento que integra um condomínio irregular.
Há apenas um reparo a ser feito, porquanto a extinção do processo, como se cuidou observar, deve-se dar com o exame do mérito da pretensão, com a declaração de improcedência do pedido. Com efeito, na esteira do que ensina CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO em suas “Instituições de Direito Processual Civil” (volume II, p. 319-320, Malheiros editores), há que se precatar com “as falsas carências de ação”, que se configuram quando, em verdade, falta algum requisito material para a existência do direito alegado, como se configura neste caso, em que não há coisa hábil a fazer gerar a usucapião extraordinária, e que por isso se deve julgar o mérito – e se declarar improcedente o pedido.
Por meu voto, nego provimento ao recurso de apelação interposto pelo autor, para manter a extinção do processo, mas com o exame do mérito, declarando-se improcedente a pretensão, com fundamento no artigo 487, inciso I, do CPC/2015.
E aplicando o artigo 85, parágrafo 1º., do CPC/2015, condeno o autor-apelante no pagamento da taxa judiciária, de despesas processuais, com atualização monetária a partir do respectivo desembolso, e também em honorários de advogado, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa, com correção monetária desde o ajuizamento. Fixados os honorários de advogado apenas neste momento, não se aplica a regra do artigo 85, parágrafo 11, do CPC/2015. Por fim, registre-se que o autor beneficia-se da gratuidade.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
RELATOR