Alegando violação ao devido processo legal “processual”, ajuizou a autora, (…), com sede nesta Capital, a presente demanda, trazendo no polo passivo a FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO e o TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, a este último atribuindo a referida violação, afirmando a autora que esse Tribunal proferiu julgamento cujos efeitos atingiram diretamente sua esfera jurídica, sem, contudo, fazer observado o devido processo legal, deixando de permitir-lhe participasse ativamente do processo administrativo, antes de julgá-lo, o que, segundo a autora, configura violação à regra constitucional que exige o devido processo legal, devendo ser invalidado o julgamento emanado do requerido, TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, a obstar que qualquer efeito, projetado desse julgamento, possa manter-se eficaz.
Nesse contexto, afirma a autora que em 1998 celebrara contrato administrativo com empresa pública do Município de São José dos Campos, denominada URBANIZADORA MUNICIPAL S/A – URBAM, obrigando-se a realizar as atividades de coleta e de transporte de resíduos sólidos gerados naquele Município, tendo sido firmado, além desse contrato, alguns aditivos, cuja legalidade, analisada pelo TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃ PAULO, foi reconhecida, mas não assim quanto a pagamentos realizados a título de indenização, pagamentos que foram glosados pelo referido Tribunal, que os invalidou, o que fez com que a empresa pública contratante ajuizasse contra a autora ação de cobrança (distribuída inicialmente a 4a. Vara Cível da Comarca de São José dos Campos, e depois redistribuída a 2a. Vara da Fazenda, da mesma Comarca, já julgada em primeira instância)
A peça inicial está instruída com a documentação de folhas 29/114.
Determinou-se à autora emendasse a peça inicial para que levasse a cabo diversas providências, dentre as quais a correção do polo passivo, que, segundo o decidido as folhas 116/117, deveria ser ocupado pela FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, e não pelo TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Negou-se, outrossim, a tutela emergencial antecipatória, o que conduziu a autora a interpor recurso de agravo de instrumento, insurgindo-se não apenas contra a não concessão da tutela antecipatória, mas também em face das providências determinadas pelo Juízo (folhas 121/140). Recurso não provido (v. Acórdão as folhas 254/260).
As folhas 166/170, a autora, cumprindo a determinação, emendou a peça inicial, aditamento que foi recebido a folha 176.
Citada (folha 217), a ré, FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, contestou, arguindo de primeiro a ausência do interesse de agir, para, quanto ao mérito da pretensão, defender a validez formal do julgamento emanado do TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, defendendo igualmente as atribuições que a Lei confere a esse Tribunal no exame dos contratos administrativos, como aquele celebrado pela autora, cuja participação no procedimento administrativo na condição de parte não está prevista legalmente (folhas 220/232).
Réplica as folhas 234/238.
As folhas 307/311, este Juízo determinou que o polo passivo passasse a ser integrado também pelo TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, na condição de litisconsorte passivo necessário, por efeito de a demanda versar sobre a validez de ato emanado desse Tribunal. Determinou-se a esse Tribunal que, com sua contestação, apresentasse copia integra dos autos do procedimento administrativo em questão.
Citado (folha 340), o TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO contestou para adscrever que a pretensão formulada pela autora diz apenas com a invalidez formal do procedimento administrativo, argumento que, segundo o requerido, não pode medrar, porquanto a autora tivera conhecimento da existência do procedimento administrativo em que se analisava a legalidade do contrato administrativo por ela celebrado com a URBAM, bem assim quanto aos aditamentos firmados, e em nenhum momento manifestou-se a autora naqueles autos, o que obsta venha agora, em Juízo, alegar nulidade por violação ao devido processo legal. Sustenta o requerido, outrossim, que a autora não estava, como não esteve, nem está submetida à esfera de atuação do TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO AULO, de forma que, não sendo parte, não pode pretextar com a aplicação do devido processo legal, alegando nulidade apenas se tivesse sido parte poderia alegar (folhas 346/354, com documentos as folhas 355/1669).
Réplica as folhas 1673/1677.
É o RELATÓRIO.
FUNDAMENTO e DECIDO.
A relação jurídico-material que forma o objeto desta demanda está bem delineada nas alegações formuladas pelas partes, e também na documentação que apresentaram, a permitir o imediato julgamento da lide, o que, de resto, atende ao que as partes requereram.
As condições da ação estão caracterizadas, principalmente o interesse de agir, diante da efetiva, real e concreta necessidade de a autora buscar a tutela jurisdicional que faça invalidar ato administrativo que está a atingir sua esfera jurídica, como a autora demonstrou.
Cabe adscrever que como se cuida de demanda que controverte sobre a validez de ato administrativo emanado do TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, a este ente público é reconhecida a personalidade judiciária a permitir-lhe a condição formal de parte.
Quanto ao mérito da pretensão.
A partir da Constituição da República de 1988, a cláusula do devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV) alberga todo tipo de processo, inclusive o de natureza administrativa. E, como é cediço, no Estado Democrático de Direito, qualquer intromissão na esfera jurídica do particular por ato do Poder Público e de seus agentes delegados deve justificar-se plenamente, sob pena de violação do “due process of law”, tanto em seu sentido substancial quanto processual. De modo que a Administração Pública deve permitir ao particular possa exercer o direito efetivo de defesa, antes de lhe impor qualquer ato que acarrete efeito, ainda que indireto, em sua esfera jurídica. Como ensina o ilustre processualista NELSON NERY JUNIOR:
“O devido processo legal se manifesta em todos os campos do direito, em seu aspecto substancial. No direito administrativo, por exemplo, o princípio da legalidade nada mais é do que manifestação da cláusula substantive due process. Os administrativistas identificam o fenômeno do due process, muito embora sob outra roupagem, ora denominando-o de garantia da legalidade e dos administrados, ora vendo nele o postulado da legalidade. Já se identificou a garantia dos cidadãos contra os abusos do poder governamental, notadamente pelo exercício do poder de polícia, como sendo manifestação do devido processo legal.” (“Princípios do Processo Civil na Constituição Federal”, páginas 35/36, 5al. edição, 1999, editora Revista dos Tribunais).
Assim, não subsiste o argumento invocado pelo TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO em sua contestação de que como a autora não se submete a controle de fiscalização pelo Tribunal, não possuiria a condição de parte, e por isso não poderia alegar a nulidade, por não ter sido notificada dos atos que compunham o procedimento administrativo. Com efeito, a condição de contratada em contrato administrativo submetido a controle de validez pelo TRIBUNAL DE CONTAS, basta a que se considere a autora como parte daquele procedimento administrativo, diante de seu evidente interesse jurídico em ver reconhecida a legalidade da contratação firmada com ente público.
Além desse aspecto, há que se considerar que o julgamento foi proferido no sentido da ilegalidade de pagamentos feitos à autora por força de aditamentos a contrato administrativo, o que fez com que o ente público contratante viesse depois, forçado pelo julgado emanado do TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, a cobrar da autora o reembolso do que lhe havia pago.
Equivoca-se, com efeito, o TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO ao sustentar que a autora, como não era parte no procedimento, não deveria ter sido oficialmente notificada de sua existência. Tratando-se de contrato em que figurava como parte contratante, e diante da possibilidade, que acabou por se concretizar, de a contratação ter sido invalidada em algum ponto (como sucedeu quanto aos pagamentos a título de indenização que à autora foi realizado), deveria o TRIBUNAL tê-la notificado dos termos do procedimento administrativo, assegurando-lhe exercesse amplo direito de defesa, como exige e garante o devido processo legal “processual”, antes de proceder ao julgamento e de determinar ciência de seu conteúdo ao MINISTÉRIO PÚBLICO.
Devido processo legal que impõe à Administração o dever de garantir ao particular efetiva participação em qualquer procedimento administrativo, quando este possa produzir, ainda que reflexamente, qualquer efeito gravoso à sua esfera jurídica.
O fato de a autora ter tido, de algum, modo conhecimento da existência do procedimento administrativo em questão, não basta a que se considere cumprido o devido processo legal; era indispensável que a autora fosse oficialmente notificada da existência do processo administrativo, para que pudesse defender-se como interessada, com acesso a todos os mecanismos de prova que o Ordenamento Jurídico em vigor admite.
O fato é que a autora não foi notificada oficialmente do processo administrativo que tramitava pelo TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, cujos efeitos acabaram por diretamente atingir a sua esfera jurídica, sobretudo por aqueles que foram gerados em ação judicial fundada naquele Julgado. Daí a conclusão de que o requerido, TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, indevidamente violou a garantia do devido processo legal “processual”, com isso causando prejuízo concreto à defesa da autora.
Acolhida, pois, a pretensão que a autora formula, declarando-se a invalidez do julgamento proferido pelo requerido, TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, nos autos do processo administrativo registrado sob número TC – 1737/007/98, para garantir-se à autora a efetiva participação, como interessada, no objeto e trâmite desse processo, devendo ser notificada para que possa, no prazo legal, ou naquele estabelecido pela Administração, apresentar defesa e as provas que queira produzir, sem prejuízo do exame de sua pertinência por aquele Tribunal, proferindo-se, em momento oportuno, novo julgamento.
POSTO ISSO, JULGO PROCEDENTE o pedido, reconhecendo e declarando como caracterizada nulidade formal no processo administrativo registrado sob número TC – 1737/007/98, por violação ao devido processo legal “processual”, para, assim, garantir-se à autora, (…) efetiva participação, como interessada, no objeto e trâmite desse processo, devendo ser notificada para que possa, no prazo legal, ou naquele estabelecido pelo TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, apresentar defesa e indicar as provas que queira produzir, sem prejuízo do exame de sua pertinência por aquele Tribunal, proferindo-se, em momento oportuno, novo julgamento, sempre com a observância do que exige e garante o devido processo legal “processual”. Declaro a extinção deste processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil.
Encargos de sucumbência a serem suportados apenas pela FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, ente público que em Juízo representa o TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Condeno-a, pois, no reembolso à autora do que esta despendeu a título de despesas processuais, com atualização monetária a partir do desembolso, condenando-a também no pagamento de honorários de advogado, estes fixados segundo os critérios do artigo 20, parágrafo 4o., do Código de Processo Civil, em R$20.000,00 (vinte mil reais), com atualização monetária a partir desta data, justificando a fixação nesse patamar em razão do valor atribuído à causa (cf. folha 169), e da natureza da causa, que é de média complexidade jurídica, além do tempo de trâmite e do número de atos processuais praticados.
Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença, a ser submetida a reexame necessário.