SÚMULAS E TESES VINCULANTES: O CONSUMIDOR EM SEU FADÁRIO
Valentino Aparecido de Andrade
Diz NIETZSCHE: “Não há fatos, somente interpretações”. Mas no caso das súmulas e teses vinculantes deve-se dizer o contrário: “Não há interpretações, somente fatos”. Com efeito, as súmulas e teses vinculantes constituem fatos em face dos quais o juiz nada pode fazer, ou seja, não pode interpretar. Pronto, a solução está dada de antemão. E isso deve ocorrer ainda em face de processos nos quais se tenha como configurada uma relação de consumo, como, por exemplo, na situação em que o consumidor queira discutir em juízo acerca da taxa de juros aplicada no contrato, quando entende se trate de uma taxa desarrazoada ou desproporcional. Há teses que, aliás, sequer são vinculantes, mas que muitos juízes e tribunais a tornaram na prática obrigatórias, porque embora exista espaço para interpretação, aplicam essas teses automaticamente. Ou seja, há fatos, mas eles não podem ser interpretados pelo juiz.
Se observamos bem, a rigor nem mesmos as súmulas e teses que são vinculantes obstam que se as interprete, como deve ocorrer com as normas legais. Há um texto e é sobre ele que o juiz deve pensar, interpretando-o, buscando extrair a solução mais adequada ao caso em concreto. O que no caso dos contratos bancários quer dizer que suas especificidades devem ser analisadas, em especial quanto à taxa de juros aplicada, porque essa taxa é definida com base em critérios variáveis, como, por exemplo, a questão que diz respeito ao risco.
Mas o que se vê em uma grande maioria de julgados é uma análise puramente formal dos contratos bancários, em que se aplica a técnica do julgamento antecipado da lide, com base na qual se conclui que, se é contrato de adesão, se o consumidor concordou com suas cláusulas, então nada há que fazer, senão o declarar que inexiste qualquer abusividade, ainda que exista um conteúdo fático presente nessa demanda que é nuclear, e que torna indispensável um perscrutar mais profundo do magistrado na compreensão da lide em todas as suas perspectivas, especialmente naquela que é imposta pela análise substancial (e não meramente formal) do contrato, o que impõe examinar se, diante das circunstâncias de um caso em concreto, terá ou não havido uma onerosidade excessiva, o que somente pode ser aferida por perícia, sem a qual é impossível aferir onde está a linha de equilíbrio entre as posições contratuais, e o que terá ocorrido para gerar o desequilíbrio, e se esse desequilíbrio trouxe ao consumidor uma carga de sacrifício que está para além daquilo que se poderia considerar como razoável.
De nada ainda o consumidor argumentar com o existir uma especial proteção que a Constituição de 1988 lhe confere, quando estatui como direito fundamental o direito de proteção ao consumidor, obrigando o Estado a propiciar essa proteção (artigo 5o., inciso XXXII), o que passa evidentemente pela garantia a um processo justo, entendido como tal um processo que exige que todas as provas necessárias sejam produzidas, e que o juiz possa interpretar a lide sob várias perspectivas. Sobrevém quase que invariavelmente o julgamento antecipado da lide, e com ele a declaração de improcedência ao pedido, porque “não há abusividade”.
São tantas as súmulas editadas para tratar dos contratos bancários e dos juros que a eles se devem aplicar, que esse aspecto nos conduz a comparar com o que ocorreu com os planos de saúde, porque o resultado é diametralmente inverso, havendo aí um componente de raiz sociológica que merece um estudo mais profundo. Tentou-se, com efeito, editar uma série de súmulas para estabelecer parâmetros ao juiz no julgamento das causas que tratassem da cobertura contratual. Chegou-se mesmo a cogitar da edição de uma súmula vinculante, engenhosa ideia que, felizmente, não passou de uma ideia, de uma infeliz ideia, por óbvio. Prevaleceu, portanto, a liberdade de interpretação conferida ao juiz.
Mas no caso dos contratos bancários, essas súmulas e teses alcançaram o resultado de engessarem a discussão sobre a razoabilidade e proporcionalidade da taxa de juros aplicada, quase que no limite de, na prática, suprimir o direito de ação do consumidor, que pode judicialmente litigar contra o banco, mas em condições muito mais desvantajosas do que a própria taxa de juros que lhe foi aplicada.