SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. BASE DE CÁLCULO DO ADICIONAL DE TEMPO DE SERVIÇO

“SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. BASE DE CÁLCULO DO ADICIONAL DE TEMPO DE SERVIÇO E DA SEXTA-PARTE. DISTINÇÃO ENTRE INCORPORAÇÃO DE UMA VANTAGEM PECUNIÁRIA E SEU APROVEITAMENTO NA BASE DE CÁLCULO DE OUTRA VANTAGEM PECUNIÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 37, XIV, DA CF/1988. ANÁLISE DA DOUTRINA E IDENTIFICAÇÃO DA FONTE HISTÓRICA DO NOSSO REGIME JURÍDICO DA REMUNERAÇÃO DO SERVIDOR PÚBLICO”.

Vistos.

Discute-se nesta ação acerca da base de cálculo do adicional por tempo de serviço e da sexta-parte,  nomeadamente para definir se a sua base de cálculo deve ou não abarcar outras vantagens pecuniárias. Ação promovida com esse objetivo por (…) servidora pública estadual, qualificada a folha 1, contra a FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

Citada, a ré, FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, contestou, alegando que o adicional por tempo de serviço e a sexta-parte são pagos de com a base de cálculo que a Lei estabelece, e que  vantagens pecuniárias que sejam temporárias,  como não se incorporam aos vencimentos, não podem integrar a base de cálculo tanto do adicional por tempo de serviço, quanto da sexta-parte.

Assim se coloca, em poucas linhas, a demanda em seu conteúdo, e nesse contexto, FUNDAMENTO e DECIDO.

Quanto ao mérito da pretensão.

Importante assinalar, pois,  que  o egrégio Supremo Tribunal Federal afastou a existência de repercussão geral no tema que trata da base de cálculo do adicional por tempo de serviço e da sexta-parte, por entender que a matéria envolve dispositivo de lei infraconstitucional. De fato, a base de cálculo desse tipo de benefício funcional tem previsão na Legislação do respectivo ente público, como no caso do Estado de São Paulo, que em sua Constituição previu: “Artigo 129 – Ao servidor público estadual é assegurado o percebimento do adicional por tempo de serviço, concedido no mínimo por quinquênio, e vedada a sua limitação, bem como a sexta-parte dos vencimentos integrais, concedida aos vinte anos de efetivo exercício, que se incorporarão aos vencimentos para todos os efeitos, observado o disposto no art. 115, XVI, desta Constituição”.

O que não significa que não se deva considerar a existência de normas constitucionais que, aplicadas a todos os entes públicos, determinam algumas restrições à forma pela qual o ente público possa legislar acerca da base de cálculo dos benefícios funcionais que conceda a seus servidores.

Assim, a Emenda constitucional de número 19, modificando a redação do artigo 37, inciso XIV, passou a vedar a sobreposição de valores recebidos a título de acréscimos pecuniários recebidos pelo servidor público, ainda que se trate de acréscimos pecuniários que não tenham entre si o mesmo título ou fundamento. (A redação original desse dispositivo constitucional somente vedava a sobreposição de acréscimos pecuniários apenas se tivesse entre si um mesmo título ou fundamento.)

Donde se concluir que a Constituição da República de 1988, a partir de sua Emenda 19, estabeleceu a vedação a que as vantagens pecuniárias recebidas pelo serviço possam ser calculadas sobre elas mesmas, em um efeito de indevidamente onerar o custeio da folha de pessoal. A Emenda 19 veio, portanto, para vedar a incidência de vantagem pecuniária sobre vantagem pecuniária.

A propósito, vale lembrar a importante observação feita pelo conhecido juspublicista, HELY LOPES MEIRELLES, no sentido de que o fato de a Lei autorizar a incorporação definitiva de uma determinada vantagem pecuniária não significa que se tenha autorizado a “acumulação de adicional sobre adicional”. Tal acumulação, diz ele, somente poderia ser estabelecida por disposição expressa de lei (Estudos e Pareceres de Direito Público, v. II, p. 254, RT, 1977).

Destarte, em face da vigência e validez da Emenda constitucional de número 19, há regra constitucional expressamente vedando essa sobreposição de quaisquer acréscimos pecuniários, independentemente do título sob o qual recebidos. Assim, o que o Legislador estadual pode fazer é apenas estabelecer a incorporação de uma determinada vantagem pecuniária, mas não pode estabelecer que haja a acumulação de vantagem pecuniária sobre vantagem pecuniária no cálculo do adicional por tempo de serviço.

É nesse contexto, portanto, que se deve levar a cabo a interpretação do artigo 129 da Constituição do Estado de São Paulo, que conquanto preveja o recebimento do adicional por tempo de serviço/sexta-parte calculado sobre os vencimentos integrais do servidor público estadual, não permite (e nem o poderia fazer em face da obediência à Constituição da República de 1988) que haja a acumulação do adicional por tempo de serviço/sexta-parte com outras vantagens pecuniárias que o servidor público tenha obtido. Assim,  por “vencimentos integrais” há que se entender o que o servidor público recebe mensalmente, mas sem se pode considerar nesse cálculo a acumulação entre o adicional por tempo de serviço/sexta-parte e demais vantagens pecuniárias.

A propósito do regime jurídico dos vencimentos e vantagens pecuniárias do servidor público, cabe adscrever algo relevante, mas de que boa parte da doutrina e jurisprudência não se dão conta, e que diz respeito à fonte histórica desse regime jurídico, o que é sempre de se levar em conta na interpretação da norma jurídica. Extrai-se, pois, da lição do insuperável juspublicista, MARCELLO CAETANO, cuja influência em nosso Direito Administrativo foi e continua intensa, o ensinamento (que está em seu famoso “Manual de Direito Administrativo”, p. 273-276, Coimbra editora, 1947) de que por “vencimento”  do servidor público há que se considerar o que lhe é pago periódica e regularmente, em contraprestação ao exercício das funções de seu cargo, e que o “vencimento” compreende formas variadas de remuneração, o que torna necessário classificar, de um lado,  o vencimento propriamente dito, e doutro,  os acessórios do vencimento, sendo estes integrados pelos vencimentos de categoria e vencimento de exercício, o que, em nosso Ordenamento Jurídico denominam-se “vantagens pecuniárias”, divididas em gratificação e adicional por tempo de serviço, e que as vantagens pecuniárias compõem, portanto, tudo o que ao servidor público é pago além do vencimento, a dizer, além daquilo que ele  recebe normalmente pelo exercício de seu cargo, abrangendo até mesmo os valores que não constituem retribuição de serviços, mas indenizações de despesas ou encargos, caso, por exemplo, da ajuda de custo. Essa é a fonte histórica do regime jurídico dos “vencimentos” do servidor público, e que foi integrada a nosso Ordenamento Jurídico em vigor com aquela feição descrita pelo grande juspublicista português. Destarte, como no Direito Brasileiro, diante da regra constitucional  que veda o aproveitamento na base de cálculo de uma determinada vantagem pecuniária o que o servidor público recebe a título de outra vantagem pecuniária, conforme estatui o inciso XIV do artigo 37 da Constituição da República de 1988, daí decorre que nenhuma vantagem pecuniária, seja a que se revele pagamento pelo exercício de alguma função especial ou não, seja  ainda na forma de um abono ou licença, o respectivo valor não pode ser valor ser aproveitado na base de cálculo de outra vantagem pecuniária, por força de vedação legal.

De modo que é de todo irrelevante se trate ou não de vantagem pecuniária incorporável ou incorporada aos vencimentos, porque há regra constitucional que veda o aproveitamento de qualquer vantagem pecuniária na base de cálculo de outra.

POSTO ISSO, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, declarando a extinção deste processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do novo Código de Processo Civil.

Quanto a encargos de sucumbência, prevalece a regra do artigo 55 da Lei federal de número 9.099, de modo que, em não se tendo caracterizado a prática pela autora de ato de litigância de má-fé, não se lhe pode impor o pagamento de qualquer encargo dessa natureza, sequer honorários de advogado. Beneficia-se a autora da gratuidade.

Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.

São Paulo, em 20 de abril de 2018.

VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE

JUIZ DE DIREITO