RECONVENÇÃO SUCESSIVA NO CPC/2015
Valentino Aparecido de Andrade
Juiz de Direito/SP e Mestre em Direito
O artigo 702, parágrafo 6o, do CPC/2015 prevê o cabimento na ação monitória da reconvenção, mas expressamente veda que se ofereça reconvenção à reconvenção, o que significaria dizer que, na ação monitória, não se autoriza a reconvenção sucessiva, denominação que é dada pela doutrina quando o autor, diante da reconvenção formulada pelo réu, contra esta também apresenta reconvenção. Mas ao vedar a reconvenção sucessiva na ação monitória, o CPC/2015 não a teria permitido para todas as outras ações? Essa é a questão que analisaremos aqui.
A reconvenção ingressou em nosso direito positivo com o Código de Processo Civil de 1939, que a previa em seu artigo 139, conceituando-a como “a ação do réu destinada a modificar ou excluir o pedido do autor”. O instituto fora herdado do velho direito lusitano.
Tratava-se, pois, de um meio de defesa, e como tal foi regulado no Código de Processo Civil de 1973, que, em seu artigo 315, previa “O réu pode reconvir ao autor no mesmo processo, toda vez que a reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa”.
Chegamos, pois, ao CPC/2015, que, seguindo a tradição de nossa legislação processual civil, estabelece: “Na contestação, é lícito ao réu propor reconvenção para manifestar pretensão própria, conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa” (artigo 343).
Enquanto na contestação, o réu nada pretende daquele que o demanda, senão que, contestando, o réu limita-se a resistir à pretensão, na reconvenção a atitude do réu, e seu objetivo são outros, a ponto de, em essência, não se pode dizer que o réu, quando formula reconvenção, está a defender-se: está, em verdade, a atacar, tanto quanto lhe fez o autor quando ajuizou a demanda. GABRIEL DE REZENDE FILHO, apoiando-se na lição de CHIOVENDA, enfatiza: “a contestação é a resistência passiva do réu ante o ataque do autor; a exceção, a resistência passiva; a reconvenção, um contra-ataque”.
Como registra nosso insigne processualista, MOACYR AMARAL SANTOS, que a exemplo do que fizera com o tema das provas no processo civil, também produziu um completa e segura monografia sobre a reconvenção (“Da Reconvenção no Direito Brasileiro”, Max Limonad, 1958), a origem da reconvenção está no direito romano, surgindo particularmente no período do procedimento “per formulas”, quando a figura da “exceptio” como meio de defesa contava com uma elaboração mais desenvolvida, transferida, já então com maior consistência, ao período dos glosadores e depois ao direito germânico, recebendo na legislação processual alemã uma completa regulamentação, fixando-se sua essência como a ação do réu contra o autor, em processo pendente contra aquele, ou como ROSENBERG a conceitua: “é a ação proposta pelo réu, chamado reconvinte, contra o autor, chamado reconvindo, por meio da qual aduz uma pretensão independente” – anota MOACYR AMARAL SANTOS na obra mencionada (pg. 77/78).
O direito germânico, aprimorando o instituto da reconvenção, fixou-lhe requisitos indispensáveis, como em especial a necessidade de que exista uma conexão, um vínculo fático-jurídico entre a reconvenção e a ação, ou ainda entre a reconvenção e o que o réu alega em sua defesa. Essa conexão, segundo ROSENBERG, não se limita a fixar a competência, senão que constitui indispensável requisito à reconvenção, adscrevendo que a reconvenção não precisa derivar da mesma causa da ação principal, mas deve com esta relacionar-se de alguma maneira. A reconvenção deve, outrossim, manter vínculo com ao menos um ponto ou questão presente na contestação.
O genial CHIOVENDA, tal como fizera com outros diversos institutos do processo civil, estudou com profundidade a reconvenção, apurando-lhe a essência, para demonstrar que não é necessário que a reconvenção relacione-se por um nexo jurídico com a ação ou com a exceção, bastando exista um vínculo com ao menos um dos títulos deduzidos em juízo pelo autor para os fins da ação, ou ainda com um título que, embora não esteja na ação, o réu, ele próprio, o tenha invocado em sua defesa.
Admitida a reconvenção, surgem, portanto, dois processos independentes, “unidos exclusivamente para o debate e a decisão, que serão comuns”, diz MOACYR AMARAL SANTOS, citando ROSENBERG. É o princípio da unidade processual que justifica e legitima a reconvenção, seja em termos da garantia do juiz natural (o juiz competente para a ação, também deve ser o competente para a reconvenção, evitando-se decisões conflitantes), seja em termos de economia processual (tanto melhor, com efeito, que, em um só processo, decidam-se tantas as demandas quanto possível), na esteira, portanto, do que sempre cuida observar CHIOVENDA, no sentido de que deva haver o máximo resultado da atuação da lei com o mínimo emprego possível de atividade processual.
Importante observar que o CPC/2015 trouxe significativas modificações no regime jurídico da reconvenção, como, por exemplo, a possibilidade de o réu formular reconvenção, ainda que não tenha contestado (parágrafo 6o. do artigo 343). Outra novidade está na previsão que autoriza a que réu formule reconvenção contra o autor e também contra um terceiro. Contudo, a mais significativa modificação diz respeito aos requisitos essenciais para que a reconvenção possa ser formulada, requisitos que, no CPC/2015, foram ampliados.
Com efeito, se no artigo 316 do CPC/1973 previa-se que, oferecida a reconvenção”, o autor reconvindo era intimado para apresentar contestação à reconvenção, no CPC/2015 não se fala em contestação, mas em resposta do autor à reconvenção, como se vê do parágrafo 1o. ao artigo 343 – e não se trata de uma modificação apenas terminológica. Há importantes efeitos aí envolvidos, pois que, segundo o “caput” do artigo 343, apenas em contestação é que se pode formular reconvenção, fixando o legislador, portanto, não apenas o momento temporal em que a reconvenção pode ser apresentada, senão que em tipo de peça em que ela pode ser veiculada – apenas em contestação, o que significa dizer que o CPC/2015 fixou um requisito específico de admissibilidade da reconvenção, além daqueles tradicionais (pendência de uma ação e conexão com a ação ou com a defesa). No CPC/2015, a reconvenção somente pode ser formulada em contestação.
Se formos ao CPC/1973, veremos que o nome dado ao capítulo II do título VIII (o que tratava do procedimento ordinário) era: “da resposta do réu”, fazendo referência aos artigos 297-318, de modo que “resposta” era um termo genérico e que abarcava em seu conteúdo a contestação, a exceção e também a reconvenção. Destarte, o CPC/2013, quando se referia à resposta, estava a se referir a qualquer das formas de defesa. Mas é de se atentar para a importante modificação que ocorre no CPC/2015, que não mais emprega o termo “resposta” como gênero que abarca a contestação. Quando o CPC/2015 refere-se à resposta, como ocorre no parágrafo 1o. do artigo 343, ele não está a se referir à contestação. “Resposta” passou a ser o termo empregado pelo CPC/2015 quando se trata da manifestação da parte contrária em face de determinadas situações processuais. Ou seja, quando o CPC/2015 refere-se à “contestação”, ele está a considerar apenas a peça de defesa apresentada pelo réu, e apenas pelo réu. Contestação não é mais sinônimo de “resposta”, nem esta é um termo de uso genérico no CPC/2015.
De modo que se conclui que, em tendo o CPC/2015 fixado como requisito indispensável à reconvenção que ela seja formulada apenas em contestação, e como o autor-reconvindo não apresenta contestação, senão que apenas resposta conforme se lê do artigo 343, parágrafo 1o., daí decorre que o autor não pode formular reconvenção. E se não há mais lugar para a reconvenção apresentada pelo autor, não há a possibilidade de reconvenção sucessiva.
Poder-se-ia argumentar que, no CPC/1973, a reconvenção era apresentada em peça separada e não na contestação, dado o que previa o artigo 297 daquele Código, e que no CPC/2015 a contestação deve abranger todas as formas de defesa e mesmo a reconvenção, de acordo com o prevê o artigo 343 do Código ora em vigor. De fato, no CPC/1973, como vimos, o termo “resposta” era genérico e abarcava tanto a contestação, quanto a reconvenção e a exceção, enquanto no atual CPC a resposta deixou de corresponder, em sentido e finalidade, àquele conteúdo mais amplo, senão que passou a ter um sentido específico e que não equivale mais ao da contestação. Portanto, no CPC/2015, quando o legislador fala em “resposta”, está a se referir particularmente à manifestação da parte contrária em face de uma determinada situação processual que lhe pode causar gravame (ou que de qualquer modo exija a observância do contraditório), como é o caso em especial do parágrafo 1o. ao artigo 343, que, tratando da reconvenção, estabelece que o autor será intimado para apresentar resposta ao pedido do réu-reconvinte. Destarte, o fato de a reconvenção, no CPC/2015, ser veiculada em contestação, não infirma o argumento, aqui defendido, de que a contestação constitui um novo requisito essencial à admissibilidade à reconvenção, e como o autor não é intimado para apresentar contestação, mas resposta, daí decorre a conclusão de que não há a figura da reconvenção sucessiva. De resto, os requisitos de admissibilidade da reconvenção devem ser analisados em face das disposições do CPC/2015, e não daquelas em vigor no CPC/1973. Assim, se o legislador fixa a contestação como a peça em que a reconvenção deva ser formulada, sob pena de preclusão desse direito processual, como o autor, no CPC/2015, não é intimado para apresentar contestação à reconvenção, senão que é intimado para responder, ausente o requisito formal de admissibilidade da reconvenção, não lhe é dado o direito de formular uma reconvenção sucessiva (reconvenção em face da reconvenção do réu).
Mas o artigo 702, parágrafo 6o. do CPC/2015, ao vedar a reconvenção da reconvenção na ação monitória, não teria, “a contrario sensu”, autorizado a reconvenção sucessiva noutras ações, que não a ação monitória? Não, é a resposta. Com efeito, há que se considerar uma particularidade que envolve a ação monitória, cuja defesa é exercida não pela forma de contestação, mas sim por meio de embargos, segundo determina o parágrafo 1o. do artigo 702. Portanto, como na ação monitória não há a figura da contestação, mas apenas dos embargos como meio de defesa, se não houvesse a previsão expressa quanto à admissibilidade da reconvenção, incidiria a regra geral do artigo 343 e do requisito específico ali previsto (a contestação), de modo que, prevalecendo aquela regra geral, não caberia reconvenção na ação monitória. Isso explica a razão pela qual o legislador quis expressamente prever o cabimento da reconvenção, ainda que não exista a figura da contestação, como uma exceção à regra geral do artigo 343. Mas a qual razão de obstar a reconvenção à reconvenção? Por uma questão lógica: como o legislador abriu uma exceção à regra geral, revelou-se necessário estabelecer expressamente o alcance dessa exceção.