Processo número 1003787-31.2018
3ª. Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública
Comarca da Capital
Vistos.
Questiona o autor aspecto formal do procedimento de suspensão do direito de dirigir, alegando não ter sido notificado da instauração desse procedimento, e do qual somente tivera ciência quando lhe foi obstado renovasse a sua carteira de habilitação, argumentando o autor, nesse contexto, que o procedimento é nulo e que por isso não pode produzir quaisquer efeitos, sobretudo aquele de impedir o exercício do direito de dirigir veículo automotor.
Citado, o réu, DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO – DETRAN/SP, contestou, alegando ter observado o devido processo legal, em especial quanto à notificação do autor.
Determinou-se, na forma do artigo 9º. da lei federal 12.153/2009, que o réu apresentasse informações quanto aos principais atos que foram praticados no procedimento instaurado contra o autor, para que detalhasse esses atos e nomeadamente quanto à forma de notificação. Quedou-se inerte o réu.
Nesse contexto, FUNDAMENTO e DECIDO.
Uma das principais regras que compõem o específico sistema processual instituído pela lei federal 12.153/2009 é a que está prevista no artigo 9º. desse diploma: a que permite ao juiz requisitar do réu informações, quando elas sejam necessárias ao esclarecimento daquilo sobre o que se controverte, regra que deve ser considerada no contexto da distribuição do ônus da prova.
Esse artigo tem especial importância porque a presunção de legitimidade que existe em favor do ato administrativo, quando impugnada pelo particular, deve ensejar ao órgão público comprove o que tenha alegado como suporte fático-jurídico de sua contestação, deslocando-se, assim, o ônus da prova, que passa a ser do ente público.
Daí porque se determinou ao réu fizesse comprovar ter procedido à notificação do autor ao tempo em que lhe instaurou o procedimento de suspensão, de modo que pudesse o réu comprovar o que alegara na contestação, já que o autor afirmava não ter sido notificado, tornando esse nuclear fato controvertido.
Sucede, entretanto, que o réu não cumpriu a intimação, deixando, pois, de produzir a prova necessária quanto ao que aduzira na contestação. Trata-se de um ônus, e que como tal produz determinados efeitos. Deve o réu, pois, suportar os efeitos decorrentes de não ter se desincumbido do ônus da prova quanto ao que alegou.
Assim, por não ter o réu se desincumbido do ônus da prova – e era ônus seu comprovar que a notificação fora feita, e feita segundo a forma prevista em Lei –, como o réu, pois, não se desincumbiu dessa alegação (e lhe foi dado prazo para que o fizesse), deve suportar a procedência do pedido formulado pelo autor, porque não há prova consistente de que o ato de notificação terá observado o devido processo legal “formal”. Nulo o procedimento, pois, não pode o autor sofrer quaisquer efeitos decorrentes dele, sobretudo quanto à pena que lhe foi aplicada.
Nesta sentença, concedo a tutela provisória de urgência antecipada, para cominar ao réu a obrigação de, em 72 horas, proceder ao registro desta sentença, invalidando o procedimento de suspensão que instaurou contra o autor e de todos os efeitos por esse procedimento gerados contra a esfera jurídica do autor, a quem se assegura o direito de renovar a sua carteira nacional de habilitação, salvo existir outro motivo que não integre o conjunto do que discutido nesta demanda. Recalcitrante, suportará o réu multa fixada em R$100,00 (cem reais), por dia. Prazo que se inicia tão logo o réu seja desta sentença intimado.
POSTO ISSO, JULGO PROCEDENTE o pedido para declarar a invalidez formal do procedimento de suspensão do direito de dirigir instaurado contra o autor, cuja esfera jurídica não pode ser atingida por qualquer efeito decorrente desse procedimento, cominando-se ao réu a obrigação de proceder ao registro desta sentença, invalidando o referido procedimento em 72 horas, bem assim de todos os efeitos que foram gerados contra a esfera jurídica do autor, concedida nesta sentença a tutela provisória de urgência de natureza antecipada. Declaro a extinção deste processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Quanto a encargos de sucumbência, prevalece a regra do artigo 55 da Lei federal de número 9.099, de modo que, em não se tendo caracterizado a prática pelo réu de ato de litigância de má-fé, não se lhe pode impor o pagamento de qualquer encargo dessa natureza, sequer honorários de advogado.
Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.
São Paulo, em 3 de dezembro de 2020.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO