Processo número 1008563-35.2020
Juízo da 1ª. Vara Cível – Foro Regional de Pinheiros
Comarca da Capital
Vistos.
Afirma a autora, (…), qualificada a folha 1, não ter tido a vontade ou interesse de firmar três contratos de seguro de vida com os réus, (…), e que somente soube que os tinha firmado quando buscou saber de investimentos que supunha tivessem sido realizados, quando então lhe foi dado conhecer da existência de tais contratos, tendo havido, segundo a autora, exploração pelos réus de sua boa-fé, objetivando que se declare inválidos tais contratos e que os réus sejam condenados a lhe restituírem o valor dos prêmios, com incidência de correção monetária e de juros, estes contados segundo a previsão que consta dos mesmos contratos, sublinhando a autora deva contar com o regime de proteção estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor. Adotado o procedimento comum.
Citados, os réus contestaram e sustentando que a autora reconhece como sua a assinatura que consta em cada um dos três contratos de seguro de vida, e que a ela foi dado o conhecimento do objeto dos contratos e das cláusulas que os formam, não tendo havido vício de consentimento ou exploração da boa-fé da autora.
Réplica apresentada.
Na fase do julgamento conforme o estado deste processo, procedeu-se ao saneamento, instaurando-se a fase de instrução, na qual a autora foi interrogada e colheu-se testemunho por ela produzido.
Encerrada a fase de instrução, as partes apresentaram memoriais, registrando-se certidão quanto à intempestividade.
É o RELATÓRIO.
FUNDAMENTO.
Nega a autora tivesse tido a vontade ou o interesse em firmar com os requeridos três contratos de seguro, e que prepostos da ré teriam conseguido a sua assinatura nesses contratos por meio da exploração de sua boa-fé. As rés sustentam que a assinatura aposta nos três contratos é verdadeira e que a autora isso o reconhece, e que a tivera ela a intenção de contratar o que efetivamente contratou, depois de lhe ser dado o conhecimento do objeto dos contratos e de suas cláusulas.
Conhecer-se-á do conteúdo dos memoriais, conquanto a intempestividade daqueles apresentados pela autora e por um dos corréus.
Destarte, quanto ao mérito da pretensão.
Caracteriza-se, sem dúvida, uma relação jurídica de consumo aquela estabelecida entre as partes, o que significa dizer que aqueles predicados de natureza processual que o Código de Defesa do Consumidor prevê são aqui aplicados, nomeadamente o que favorece a posição processual da autora, que basta seja verossímil, não se exigindo seja cercada pela certeza jurídica. De modo que é juridicamente verossímil o que a autora afirma quando nega tenha tido a vontade ou o interesse de contratar, sendo de se destacar que não há nos autos nenhuma prova que os réus tenham produzido que possa infirmar essa verossimilhança.
É de se destacar, outrossim, uma importante modificação trazida com o Código de Processo Civil que amplia ou potencializa o regime jurídico de proteção do Código de Defesa do Consumidor, na medida em que, por seu artigo 489, parágrafo 3º., o CPC/2015 estabelece que “A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé” – o que é de ser aplicado ao caso presente.
Com efeito, do histórico da autora como cliente dos réus verifica-se que essa relação iniciou-se no longínquo ano de 1988 e a autora fora sempre uma cliente “tradicional”, se assim podemos qualificar o perfil da autora como uma dona de casa que mantém seus rendimentos e renda depositados em conta-corrente sobretudo depois do falecimento de seu esposo em julho de 2018, quando, em tendo recebido um resgate do dinheiro aplicado por seu esposo, tivera a intenção de aplicar o dinheiro, mas não a vontade e o interesse de firmar contratos de seguro de vida, que em nada lhe poderiam beneficiar diante de sua situação pessoal (viúva e sem filhos), aspecto fático do qual se extrai a verossimilhança no que argumenta a autora.
Diante desse quadro fático-jurídico, é de rigor a procedência do pedido (com pequena ressalva), invalidando-se os contratos desde sua origem, de modo que não podem produzir contra a esfera jurídica da autora, impondo-se aos réus a condenação em a ela restituírem o valor dos prêmios pagos durante todo o tempo em que vigeu a contratação, com correção monetária calculada de acordo com os índices da Tabela Prática do egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, calculada de acordo com o pagamento de cada prêmio nos três contratos ora invalidados “ab ovo”. Quanto aos juros de mora, eles incidem a contar da citação e devem ser calculados de acordo com o artigo 406 do Código Civil, não se defendo adotar os índices que o contrato prevê, como a autora defende, porquanto invalidados esses contratos, não há razão para que se adote cláusula que neles inserida, como a cláusula dos juros de mora.
POSTO ISSO, JULGO PROCEDENTE o pedido, mas com ressalva quanto aos juros de mora, declarando, pois, inválidos desde o início os três contratos de seguro de vida descritos na peça inicial, contratos que não produzem contra a esfera jurídica da autora nenhum efeito, condenando-se os réus a restituírem à autora o valor de todos os prêmios pagos, com a incidência de correção monetária e juros de mora, tal como determinado. Assim, este processo é extinto, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Condeno os réus no reembolso à autora do que esta despendeu com a taxa judiciária e despesas processuais, com atualização monetária desde o respectivo desembolso. Condeno os réus também em honorários de advogado, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor que será restituído à autora, devidamente corrigido.
Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.
São Paulo, em 22 de setembro de 2021.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO