Agravo de Instrumento. Contrato de plano de saúde. Cobertura contratual. Procedimento de emergência. Decisão que indefere pedido de tutela provisória de urgência. Conflito entre posições jurídico-contratuais. Ponderação de valores. Princípio da precaução e o “juízo do mal maior”. Recurso provido.
RELATÓRIO
Cuida-se de agravo de instrumento interposto contra r. decisão que negou a concessão da tutela provisória de urgência, por não reconhecer a presença dos requisitos previstos no artigo 300 do CPC/2015, negando à agravante, pois, o custeio de procedimento médico (“radiocirurgia robótica”), porque realizado em hospital que não integra a rede credenciada da agravada, sustentando a agravante que o procedimento a que foi submetida é caracterizado como de urgência médica, situação que, segundo a agravante, foi desconsiderada ou não bem valorada na r. decisão agravada.
Recurso tempestivo, dispensado o preparo diante da gratuidade da justiça concedida à agravante. Tutela provisória de urgência concedida neste recurso. Contraminuta apresentada, arguindo a agravada a ausência do interesse recursal sob o argumento de que não houve negativa quanto à cobertura contratual do procedimento em questão, senão que apenas a ressalva de que o procedimento deveria ser realizado em hospital da rede credenciada, e como a agravante, a seu talante, decidiu realizar o procedimento em hospital que não integra a rede credenciada, prevê o contrato apenas o reembolso, segundo os valores previstos no contrato, e não o custeio integral.
Para melhor instrução deste recurso, determinou-se a apresentação do contrato firmado entre as partes.
FUNDAMENTAÇÃO
Dispõe o artigo 300 do Código de Processo Civil que “a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”. Por óbvio, certas características e peculiaridades da relação jurídico-material objeto da demanda podem causar influxo na intelecção desse dispositivo legal, não para autorizar que o magistrado conceda tutelas de urgência quando não exista uma situação de risco, ou quando não possa identificar em cognição sumária ao menos a plausibilidade jurídica no direito subjetivo invocado. Esses requisitos estão previstos em lei e devem necessariamente estar presentes – e sem eles, a tutela provisória de urgência não pode ser concedida.
Mas há determinadas relações jurídico-materiais que em função da maior importância do bem protegido apresentam determinadas características e peculiaridades a que o magistrado deve estar atento. É o que sucede com o contrato de plano de saúde, que ainda que se trate de um contrato de natureza privada, há em seu objeto – o direito à saúde – um significativo conteúdo que o traz para uma proteção estatal, que se dá tanto pela aplicação de um regime jurídico-legal específico (o Código de Defesa do Consumidor), quanto pela observância de regras emanadas da agência reguladora. E a proteção estatal completa-se no campo hermenêutico, porque em sendo o direito à saúde um direito fundamental previsto em nossa Constituição, essa especial característica do direito e de sua aplicação a um contrato privado como é o contrato de plano de saúde, obriga o juiz a utilizar-se do conteúdo e do alcance do artigo 196 da Constituição da República de 1988 como material hermenêutico, e isso deve se dar já quando se está no terreno das tutelas provisórias de urgência.
Mas as normas constitucionais ainda devem supeditar o juiz que esteja a analisar um contrato de plano de saúde com a aplicação do princípio da proporcionalidade e das formas de controle nele enfeixadas, nomeadamente o juízo de ponderação, como é próprio de ocorrer quando se instala um conflito entre posições jurídicas, inclusive contratuais, quando ambas sejam defensáveis e legítimas.
Com efeito, é pela aplicação do princípio da proporcionalidade que se solucionam judicialmente conflitos entre posições jurídicas, e no caso particular do direito brasileiro, como o direito à vida é um nuclear direito fundamental, utilizado como material hermenêutico na intelecção de contratos de plano de saúde, o princípio da proporcionalidade deve necessariamente ser aplicado pelo juiz, quando lhe caiba decidir acerca de cláusulas que dizem respeito à cobertura em contrato de plano de saúde. E o princípio da proporcionalidade lhe será especialmente útil quando esteja a examinar se é caso ou não da concessão de uma tutela provisória de urgência.
É, portanto, pela aplicação do princípio da proporcionalidade que o juiz deve decidir sobre qual posição jurídico-contratual deva prevalecer, quando um conflito lhe é submetido a exame.
Dentre as formas de controle abarcadas no conteúdo do princípio da proporcionalidade, destaca-se o juízo de ponderação, que assim constitui uma importante técnica de julgamento a ser empregada quando se cuida de decidir conflitos de interesses derivados de posições contratuais, como neste caso, em que o direito fundamental à saúde, previsto em norma constitucional, está em questão, e seu conteúdo e alcance devem ser utilizados pelo magistrado como material hermenêutico.
No caso presente, tivesse o juízo de primeiro grau se valido do juízo de ponderação, teria concluído que, negando a tutela provisória de urgência, colocara a esfera jurídica da agravante aquém de uma proteção jurídica minimamente razoável, obrigada a arcar com os custos do procedimento médico a que se submeteu, um procedimento médico que, à partida, caracterizar-se-ia como de urgência.
Mas ainda que não tivesse se utilizado do juízo de ponderação, bastaria-lhe então socorrer-se de um outro importante critério, que é sempre enfatizado por DINAMARCO no campo das tutelas de urgência. Refiro-me ao critério que obriga o juiz a aferir e a sopesar as posições processuais e os riscos a que submetidas quando se nega ou se concede uma tutela provisória de urgência. Deve o juiz, pois, perscrutar que consequências podem suceder a cada parte se for negar a tutela provisória de urgência, fundado no que deve analisar que parte estará a suportar uma situação mais desfavorável no caso em que a tutela de urgência venha a ser concedida ou negada. É simplesmente a aplicação do vetusto princípio da precaução, com base no qual, aliás, CALAMANDREI construiu toda a teoria sobre o processo cautelar, fonte primária para que a doutrina chegasse às tutelas provisórias de urgência.
De maneira que, aplicando o juízo de ponderação, como também o princípio da precaução, é que se fez conceder, neste agravo de instrumento, a tutela provisória de urgência, com a qual se colocou e ainda se coloca a esfera jurídica da agravante sob uma justa e efetiva proteção, para ao cabo concluir que estavam e estão presentes os requisitos do artigo 300 do CPC/2015, ao contrário do que se havia decidido no juízo de origem.
Pois que, por tais razões e sua substância, meu voto é no sentido de dar provimento ao agravo de instrumento, reformando a decisão agravada, para ratificar a tutela provisória de urgência concedida as folhas 14/15. Com urgência, comunique-se o juízo de origem.
Como na decisão agravada não se fixaram encargos de sucumbência, aqui também não se os fixam.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
RELATOR