Os Limites da Minha Linguagem

“OS LIMITES DE MINHA LINGUAGEM”
Valentino Aparecido de Andrade
Juiz de Direito/SP e Mestre em Direito

Em 2021, completam-se cem anos do “Tractatus Logico-Philosophicus”, de LUDWIG WITTGENSTEIN, em que o genial filósofo austríaco, naturalizado britânico, falecido em 1951, trata das relações entre a linguagem e o mundo real, colocando em questão as discussões clássicas da Filosofia, afirmando que muitas delas eram destituídas de sentido.
Nesse livro fundamental, WITTGENSTEIN sublinha: “os limites de minha linguagem são os limites de meu mundo”.

O direito processual civil (ao lado do direito tributário), é o ramo do Direito em que a abstração está mais presente, o que significa dizer que há e deve haver uma intensa e íntima relação entre a ciência do processo civil e a Filosofia, e dentre os filósofos WITTGENSTEIN é aquele que, com inexcedível rigor lógico, produziu obras que devem interessar de perto os processualistas, por tratarem da linguagem em sua relação com o mundo real, tal como ocorre o todo tempo no processo civil, em que se busca expressar em linguagem jurídico-processual o que constitui a lide como fenômeno do mundo real.

Os estudos filosóficos de WITTGENSTEIN acerca da relação entre linguagem e mundo real conduzem os processualistas a uma reflexão quanto ao papel da mística no processo civil, tema de que o filósofo austríaco trata na parte final de seu livro, mística que surge no contexto do “Tractatus” com o objetivo de provocar o leitor à reflexão sobre aquilo que pode ser dito pela linguagem e aquilo que por ela pode apenas ser mostrado, demonstrando WITTGENSTEIN qual é a importância de se considerar o elemento místico, quando se analisam as relações e os limites entre linguagem e a realidade – exatamente como faz o juiz a cada sentença que profere.

Entramos, pois, no campo do Estruturalismo, que como observou MICHEL FOUCAULT, não é um método novo, mas a consciência desperta e inquieta do saber moderno, uma corrente que, nascida na Linguística, logo despertou a atenção como objeto de reflexão da Filosofia, e que teve seu apogeu, sobretudo na França, entre 1950 e 1980, impondo-se como novo olhar sobre o mundo e a produção simbólica da sociedade, como registra FRANÇOIS DOSSE em seu indispensável livro “História do Estruturalismo”. Sucede, entretanto, que o Estruturalismo passou ao largo do processo civil, como se não houvesse neste linguagem, signo, mensagem, código e significado, objetos de estudo do Estruturalismo. De modo que o processo civil, isolando sua linguagem e a mantendo hermeticamente fechada, não tomou conhecimento dos fecundos estudos e análise dos estruturalistas. O máximo a que chegaram os processualistas foi o de reconhecer que há na linguagem expressa na sentença judicial uma carga de ideologia, mas essa análise estava centrada toda no campo da Ciência Política, e não nos domínios do Estruturalismo. Isso explica como são diminutos e inconsistentes os estudos sobre a linguagem no processo civil.

(Vale lembrar que, em 1945, WITTGENSTEIN publicou “Investigações Filosóficas”, para formar como que uma segunda parte do “Tractatus”.)