O PODER DE NÃO DECIDIR

O PODER DE NÃO DECIDIR
Valentino Aparecido de Andrade

É juridicamente possível ao Poder Judiciário exercer o poder de não querer decidir em um determinado caso? Se entendermos, como KELSEN, que todo e qualquer conteúdo pode ser Direito, devemos responder que sim, é plenamente possível, dirão os positivistas.

Chegamos, assim, ao ponto principal da questão que está a envolver os positivistas e os não positivistas de há muito tempo, mais precisamente desde o relato feito por XENOFONTE acerca de uma controvérsia político-jurídica envolvendo ALCIBÍADES e PÉRICLES, no contexto do qual XEFONTE registra no que consistia a polêmica: “Então, quando um tirano apodera-se de um Estado e impõe aos cidadãos o que eles devem fazer isso também é uma lei?”.

Esse exemplo é citado por ROBERT ALEXY em seu livro “Conceito e Validade do Direito”, em que aborda a polêmica entre os positivistas e os não positivistas na compreensão do que é o Direito, daquilo que não pode ser Direito, ou que o pode ser segundo o queira o Legislador.

Essa mesma temática ressurge de quando em quando, e assim está suceder no mundo jurídico brasileiro, depois que se acenou com a possibilidade de que o Poder Judiciário decida não decidir em um caso em concreto. Supõe-se, obviamente, que a Lei, ou mais precisamente a Constituição, preveja esse poder: o de não decidir.

E então dirão os positivistas que, se o Direito prevê o poder de não decidir, o Poder Judiciário pode não decidir, e pronto.

Mas os não positivistas afirmarão com segurança de que não é bem assim, porque na hipótese de o Poder Judiciário não querer decidir, deixará de exercer o principal papel que lhe cabe em um Estado de Direito, e um Estado de Direito somente pode ser considerado como tal se o Poder Judiciário existe efetivamente, decidindo tudo aquilo que lhe é submetido a decidir. De modo que a Constituição não pode prever o não exercer um poder que forma a essência do Poder Judiciário, que é o poder de decidir.

Pois bem, por ora a nossa Constituição não confere esse poder de não decidir ao Poder Judiciário, e assim não se há aprofundar a questão senão que a título de “lege ferenda”, ou seja, de que venha existir um projeto de emenda constitucional que conceda ao Poder Judiciário que, a seu talante, não queira decidir um litígio, seja por razão for.

Curiosamente o Poder Judiciário terá que decidir primeiro se é caso de não decidir, porque lhe caberá dizer antes se o poder que a Lei confere amolda-se ou não ao caso em questão, para então deixar de decidir. Nesse tipo paradoxal de situação, teríamos a seguinte decisão: “O Poder Judiciário, depois de examinar a situação material subjacente objeto do litígio, examinando-a profundamente, decide não decidir”.

Mas se o Poder Judiciário não decide, quem decidirá: o Legislador? Mas aí voltamos ao problema inicial que está no controle de constitucionalidade das Leis, que, em um Estado de Direito, não pode ser suprimido do Poder Judiciário.

Como vemos, tinha certa razão KELSEN quando dizia que todo conteúdo pode ser Direito. Como também têm razão os não positivistas, quando observam que o Direito não é idêntico à totalidade das leis escritas, com o que a Moral não quer ser deixada de lado.