O NOVO CONSTITUCIONALISMO E O FEDERALISMO NORTE-AMERICANO

O NOVO CONSTITUCIONALISMO E O FEDERALISMO NORTE-AMERICANO
Valentino Aparecido de Andrade

Em postagens anteriores, tratamos de enfatizar um fenômeno que envolve o que poderíamos chamar de “o novo constitucionalismo”, ou mesmo de um “pós-constitucionalismo”, fenômeno que se mostra presente na sociedade moderna com características e peculiaridades com as quais um antigo constitucionalismo não lidava, nem podia lidar.

A mais importante revista de economia do mundo, “The Economist”, em sua edição deste mês de setembro, traz em matéria de capa (“The Disunited States of America” – “Os Estados Desunidos da América”) um assunto que toca de perto a um novo constitucionalismo, ao analisar o que ocorreu em um mesmo dia (25 de agosto de 2022) envolvendo dois importantes Estados norte-americanos, os estados da Califórnia e do Texas.

No Estado de Califórnia, uma lei proibiu a venda de carros movidos a petróleo a partir de 2035 como uma forma de remodelar a indústria automobilística, reduzindo a emissão de carbono, enquanto no mesmo dia em que essa lei era editada, no Texas uma lei proibiu o abordo a partir do momento da concepção, sem qualquer exceção, mesmo no caso de estupro ou de incesto.

Relacionando as duas leis, a revista “The Economist” analisa o que está por trás desse importante fenômeno, em que dois Estados norte-americanos adotam posições diametralmente opostas, em que seus legisladores demonstram uma concepção de mundo totalmente diferente uma da outra. Enquanto na Califórnia uma posição de proteção ao meio-ambiente, no Texas uma lei que veda o aborto. Diz o editorial da revista: “Estes dois acontecimentos podem ser desconexos, mas eles são sintomas de uma importante tendência”.

Com efeito, está surgindo uma outra forma de federalismo, na qual Estados norte-americanos legislam de modo acentuadamente diverso um do outro em temas semelhantes ou afins. A questão que surge é a seguinte: qual é o limite suportável pelo federalismo, quando temas tão sensíveis quanto os da proteção ao meio-ambiente e o do aborto recebem uma regulamentação legal tão dissociada entre estados que compõem uma mesma federação? Há um limite, ou o federalismo é tão elástico que permite esse tipo de acontecimento, sem sofrer ruptura? Esse é o principal tema que forma o novo constitucionalismo.

“Em teoria – diz a revista – não é uma coisa ruim. Com 50 estados, a América tem 50 laboratórios para testar quais as políticas que funcionam e as que não funcionam. As pessoas podem escolher viver e as empresas podem optar por operarem em lugares nos quais as suas preferências estão refletidas nas leis locais, como tantos fizeram durante a pandemia, movendo-se a estados que tinham menos restrições. Cada estado pode fazer suas próprias trocas entre impostos sobre riqueza e a generosidade com os serviços públicos. Qualquer estado pode aprender com seus vizinhos que tenham melhores escolas e uma melhor regulação de negócios”.

E um sério risco é então identificado no editorial: “Infelizmente, esta forma de construção do federalismo é o que os políticos estão buscando hoje. Ao contrário, eles estão combatendo uma guerra cultura nacional: prescrevendo o que pode ser discutido em sala de aula, como é fácil portar e carregar uma arma, quais intervenções médicas podem ser oferecidas aos jovens que se identificam como transgêneros, e que tipo de benefícios ilegais os imigrantes podem reivindicar. (…) Isto é porque 37 dos 50 estados, onde vivem três quartos dos americanos, são governados por um único partido (…)”.

No Brasil, em razão de uma limitação mais rígida em termos de definição de competências entre os Estados-membros e municípios, e o expressivo controle pelo Supremo Tribunal Federal, é possível que o fenômeno norte-americano não ocorra aqui com a mesma intensidade que se registra nos Estados Unidos, em que a preocupação com a harmonia entre os Estados surge e se intensifica.

Mas é necessário considerar que uma sociedade complexa como a nossa é caracterizada exatamente pelo pluralismo, e por isso as soluções dadas a problemas iguais ou semelhantes podem ser muito diferentes entre si. Cabe a um novo constitucionalismo, pois, estudar o impacto desse fenômeno.