O PROCESSO CIVIL E OS LIMITES DA LINGUAGEM
Valentino Aparecido de Andrade
Juiz de Direito/SP e Mestre em Direito
Se a nossa representação da realidade por meio da palavra não é, nem nunca pode ser a representação da realidade; se a palavra é a única ferramenta utilizada pelo processo civil para conferir significado à realidade que ocorre fora dele; se essa realidade está sempre além dos limites da linguagem, deve-se refletir se não é exatamente por essa razão que a palavra “certeza” não aparece em nenhum momento nas disposições do CPC/2015, enquanto a palavra “probabilidade” revela-se presente em quatro de suas disposições (artigos 300, 955, parágrafo único, 1.012, parágrafo 4o., e 1.026, parágrafo 1o.), e também não seria por essa mesma razão que a palavra “certeza” não aparece dentre os requisitos da sentença? Não terá o legislador mostrado justo respeito em face dos limites da palavra, sabendo que a realidade nunca pode ser representada pela palavra no processo civil?
Os principais estudos no campo da Filosofia da Linguagem partem ainda hoje das contribuições dadas pelo filósofo austríaco, LUDWIG WITTGESTEIN, que, desenvolvendo uma analogia entre os jogos e a linguagem, afirma que o movimento dos jogadores não pode ser concebido como enunciados, mas sim como atos de fala, de modo que devem ser julgados não em termos de verdade, mas de acerto ou de sucesso em face de uma determinada posição no jogo.
Essa analogia entre jogo e linguagem nos conduz a uma outra analogia: a que fez o genial PIERO CALAMANDREI, que associou o processo civil a um jogo, considerando a relação dialética que marca o processo e que se materializa nas posições que nele se configuram. Destarte, os atos das partes no processo civil (os movimentos nesse “jogo”) não devem ser julgados em termos de verdade, mas de acerto ou sucesso em face do objetivo de cada parte, e esse aspecto não demonstraria que a certeza é um predicado inalcançável no processo civil?
O que nos conduzia a afirmar que é a verossimilhança o maior grau de cognição a que o juiz pode chegar no processo civil, quando esteja a examinar a realidade que as alegações das partes transpõem ao processo civil.
Destarte, quando o legislador estabelece como requisito para a concessão da tutela provisória de urgência a “verossimilhança”, não estaria já no limite máximo do juízo de cognição que pode ser alcançado no processo civil?