Constitui regra geral inerente ao instituto do condomínio, que um dos condôminos, exercendo posse exclusiva sobre o bem em comum, deva pagar alugueres aos demais condôminos. Mas será assim no caso de ex-cônjuges que, em se divorciando, mantenham em regime de condomínio o imóvel em que durante o casamento moravam, imóvel que, depois do divórcio, é então utilizado pela ex-esposa e filhos do casal?
Se considerarmos a regra geral, não haveria dúvida em afirmar que sim, que há a obrigação de a ex-esposa pagar aluguel a seu ex-cônjuge pelo uso exclusivo que faz do imóvel. Mas há especificidades que, vindas do Direito de Família, projetam efeitos sobre o instituto do condomínio.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DIVÓRCIO COM PARTILHA DE BENS. RECONVENÇÃO. SENTENÇA QUE, INTEGRADA POR DECISÃO EM EMBARGOS DECLARATÓRIOS, JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO FORMULADO NA AÇÃO, DECRETANDO O DIVÓRCIO, ACOLHENDO, OUTROSSIM, PARTE DO PEDIDO FORMULADO EM RECONVENÇÃO, CONDENANDO A AUTORA-RECONVINDA NO PAGAMENTO DE ALUGUEL.
APELO DA AUTORA-RECONVINDA EM QUE BUSCA A REFORMA DA R. SENTENÇA, ARGUMENTANDO QUE, SEGUNDO DOMINANTE JURISPRUDÊNCIA, NÃO CABE A FIXAÇÃO DE ALUGUERES QUANDO, DECRETADO O DIVÓRCIO, O IMÓVEL CONTINUA A ABRIGAR OS FILHOS DO CASAL.
APELO SUBSISTENTE. HÁ CERTAS ESPECIFICIDADES QUE ENVOLVEM O CONDOMÍNIO DE BEM IMÓVEL EM RELAÇÃO A EX-CÔNJUGES COM FILHOS, QUANDO O IMÓVEL, APÓS O DIVÓRCIO, CONTINUA A FORMAR A RESIDÊNCIA DOS FILHOS, AO LADO DA MÃE COMO NESTE CASO. ESPECIFICIDADE QUE, VINDO DO DIREITO DE FAMÍLIA, PROJETA IMPORTANTES EFEITOS NO INSTITUTO DO CONDOMÍNIO, CUJAS REGRAS DEVEM SER INTERPRETADAS DE ACORDO COM AS CARACTERÍSTICAS E ESPECIFICIDADES DA REALIDADE MATERIAL SUBJACENTE, DE RESTO COMO DETERMINA O ARTIGO 5º. DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO.
SENTENÇA REFORMADA. RECURSO DE APELAÇÃO PROVIDO. ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA, COM A MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS DE ADVOGADO DA PATRONA DA AUTORA-RECONVINDA.
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto contra r. sentença de fls. 174/176, integrada às fls. 186/187, que, entre outras questões, julgou parcialmente procedente pedido reconvencional formulado em ação de divórcio litigioso cumulada com pedido de partilha de bens, para “[…] condenar a autora ao pagamento de 50% do valor do aluguel mensal do imóvel, em favor do réu, enquanto estiver ocupando e/ou residindo no imóvel […]”, atribuindo à autora, enquanto estiver ocupando o imóvel, a responsabilidade pelo pagamento das taxas e despesas de consumo.
Apela a autora sustentando o desacerto da r. sentença, porquanto, segundo argumenta, o imóvel também é utilizado para a moradia dos filhos das partes, de modo que não seria cabível a cobrança de alugueres em seu desfavor, o que não teria sido bem valorado pelo juízo de origem, pugnando, nesse contexto, pela reforma parcial da r. sentença.
Recurso tempestivo, dispensado do preparo – em razão da gratuidade da justiça concedida à autora na origem – e contra-arrazoado.
FUNDAMENTAÇÃO
Dá-se provimento ao recurso de apelação interposto pela autora-reconvinda, reformando a r. sentença para que se declare a improcedência ao pedido formulado em reconvenção quanto ao pagamento de alugueres.
Dentre os tradicionais ramos que compõem o que se denomina de “Direito Civil”, o Direito de Família é aquele que certamente apresenta mais peculiaridades, sobretudo pelas constantes transformações pelas quais as relações humanas passam e que evidentemente provocam efeitos no instituto do casamento/união estável. E essas peculiaridades próprias ao Direito de Família não circunscrevem seus efeitos a esse específico ramo do Direito Civil, senão que causam também influxo sobre outras áreas e institutos, caso em especial do condomínio.
Com efeito, se é regra comum que, existindo condomínio, e usufruindo um dos condôminos da coisa em comum, há a obrigação de pagamento de aluguel, essa regra deve ser interpretada de modo diferente quando se cuidam de ex-cônjuges que, divorciados, mantêm-se como proprietários em comum da casa em que viviam, até a partilha do bem, e que durante um certo período os filhos, junto com a mãe como neste, permaneçam na casa. Aplicada a regra geral, não haveria dúvida da obrigação de o condômino que estivesse a usar exclusivamente do bem de pagar aluguel. Mas como se frisou, o Direito de Família comporta peculiaridades, e essas peculiaridades devem ser levadas em conta.
Como aqui se deve fazer, porquanto a autora-reconvinda mantém-se junto com seus filhos na casa em que vivia o casamento, e ali ficará na aguarda de que ocorra a partilha do bem. Mas até lá não é justo que se lhe exija o pagamento de alugueres a seu ex-cônjuge, porque se deve considerar o valor jurídico de proteção à família, em função do qual se deve proteger os filhos do casal, amparados assim pelo direito à moradia, havendo aí uma função social que toca considerar como prevalecente, aliás como determina deva ser feito a norma do artigo 5º. da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Destarte, há razão à autora-reconvinda no que obtempera em seu recurso, que, provido, conduz a que se declare a improcedência ao pedido de fixação de alugueres, reformada a r. sentença, e apenas nele.
Por meu voto, dá-se provimento ao recurso de apelação interposto pela autora, reformando em parte a r. sentença para que se declare a improcedência ao pedido de fixação de alugueres, formulado em reconvenção.
Modifica-se também o regime de sucumbência, de modo que se restaura aquele regime que o juízo de origem inicialmente havia adotado a folha 176, majorando em favor do patrono da autora os honorários, que passam a ser da ordem de R$1.100,00 (um mil e cem reais), com atualização monetária desde a r. sentença. Observe-se a gratuidade, como de rigor.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
RELATOR