Valentino Aparecido de Andrade
Juiz de Direito/SP e Mestre em Direito
Relaciono aqui duas situações que guardam uma certa identidade, para comentar a necessidade de o Poder Judiciário reexaminar os conceitos, institutos e estrutura do Direito Administrativo à luz do princípio constitucional da proporcionalidade.
Um policial preso e um servidor público que seja candidato a eleições. Em ambos os casos os juízes em geral têm reconhecido o direito a que servidores públicos nessa situação jurídica continuem a receber a remuneração do cargo, embora não exerçam as atribuições do cargo, no primeiro caso, porque o policial está preso, e no segundo, porque afastado das funções para disputa em eleições.
Há que se distinguir, contudo, a relação de trabalho que os servidores públicos mantêm com a Administração, daquela outra relação que diz respeito à prisão do policial ou da condição eleitoral de candidato. Dessa nova relação jurídica, a Administração não participa, nem pode suportar seus efeitos jurídicos.
O que significa dizer que, relativamente à relação de trabalho que o policial preso e o servidor público candidato mantêm com a Administração, esta só tem o dever de pagar os salários se há efetivamente trabalho prestado. Aliás, o salário é a contraprestação pelo trabalho realizado. De modo que se o servidor não o executa, seja porque está preso, seja porque, por sua vontade, quis se candidatar, não há direito ao salário, nem obrigação jurídico-legal da Administração de pagá-lo.
Poder-se-á argumentar que a hipótese do servidor público afastado pela disputar pleito eleitoral tem previsão legal. Sim, previsão em lei complementar. Mas isso não dispensa a análise de sua constitucionalidade substancial pela aplicação do princípio da proporcionalidade. O mesmo deve suceder no caso do policial preso.
Aplicando-se, pois, o princípio da proporcionalidade na análise dessas duas situações, é de rigor concluir ser injusto obrigar a Administração a pagar salários a um servidor público que não está a trabalhar, porque falta o pressuposto fático-jurídico que geraria a obrigação da contrapartida (o pagamento do salário), dado não existir trabalho efetivo do servidor.
Com efeito, a Administração em nada interfere no ato que determina a prisão preventiva de um policial (determinada essa prisão pelo Poder Judiciário), como também não interfere na decisão do servidor público em candidatar-se, de modo que não pode a Administração sofrer as consequências patrimoniais de um ato que não lhe diz respeito diretamente, em que não interveio ou de que não participou, de modo que, nessas circunstâncias e por essa razão seria injusto onerar os cofres da Administração, para lhe obrigar a pagar a remuneração a um servidor que não está a trabalhar.
O Direito Administrativo deve, pois, ser interpretado à luz do princípio constitucional da proporcionalidade.