NOVO PERFIL DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO CPC/2015

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ALEGAÇÃO DA EMBARGANTE DE QUE O V. ACÓRDÃO PROFERIDO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO INCIDIU EM OMISSÃO QUANTO À ANÁLISE DE MATÉRIA QUE, DE RESTO, PODER-SE-IA CONHECER DE OFÍCIO, COMO É A QUE TRATA DA MULTA APLICADA POR SUPOSTA RECALCITRÂNCIA, ALÉM DE APONTAR A EMBARGANTE O SURGIMENTO DE UMA DECISÃO QUE QUALIFICA COMO DE “SURPRESA” E QUE DIZ RESPEITO A UMA SUPOSTA PRECLUSÃO, TEMA ACERCA DO QUAL A DECISÃO AGRAVADA NÃO VERSARA, E SOBRE O QUE AS PARTES NO AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO HAVIAM SE PRONUNCIADO.

NATUREZA JURÍDICA DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO TRANSMUDADA NO CPC/2015 DIANTE DO QUE PREVEEM OS ARTIGOS 1023, PARÁGRAFO 1º. E ARTIGO 1.024, PARÁGRAFO 4º.. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO QUE NÃO SE CIRCUNSCREVEM MAIS A UMA FINALIDADE DE APENAS CORRIGIR OU INTEGRAR O CONTEÚDO DE UMA DECISÃO, SENÃO QUE PODEM ALCANÇAR A FINALIDADE DE A COMPLEMENTAR, NOMEADAMENTE QUANDO SE CONFIGURA A OMISSÃO, CUJO CONCEITO LEGAL O PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 1.022 TORNOU MAIS ABRANGENTE DO QUE SE DAVA EM FACE DO CPC/1973.

OMISSÃO QUE SE CONFIGURA NO CASO EM QUESTÃO E QUE DEVE SER COLMATADA, DE MODO QUE OS PRINCÍPIOS DO ACESSO À JUSTIÇA E DE GARANTIA AO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO SEJAM ATENDIDOS, O QUE, EM ESSÊNCIA, TAMBÉM FORAM LEVADOS EM CONSIDERAÇÃO PELO CPC/2015 AO TRANSMUDAR A NATUREZA JURÍDICA DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, AMPLIANDO SUA FINALIDADE.

MATÉRIA QUE VERSA SOBRE MULTA APLICADA EM SITUAÇÃO DE RECALCITRÂNCIA QUE PODE E DEVE SER CONHECIDA DE OFÍCIO, QUANDO SE TORNA NECESSÁRIO CONSIDERAR A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE, COMO NO CASO EM QUESTÃO, EM QUE ALEGA A EMBARGANTE NÃO TER SIDO APRECIADA A SUA ARGUMENTAÇÃO QUANTO A TER SIDO FIXADO UM VALOR MUITO SUPERIOR ÀQUELE QUE ENVOLVE O BEM DA VIDA OBJETO DO PROVIMENTO JURISDICIONAL, SOBRE-EXCEDENDO A MAIS DE CINQUENTA VEZES O VALOR DA COBRANÇA DECLARADA COMO INDEVIDA.

MATÉRIA QUE NÃO FOI ANALISADA NO CONTEXTO DA DECISÃO AGRAVADA, MALGRADO SE TRATASSE, COMO SE TRATA DE UMA QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA, DE FORMA QUE A PRECLUSÃO NÃO PODERIA JUSTIFICAR NÃO SE ANALISASSE O TEMA.

EMBARGOS DECLARATÓRIOS CONHECIDOS, PROVIDOS E COM EFEITOS MODIFICATIVOS.

RELATÓRIO
Embargos declaratórios nos quais a embargante alega que o v. Acórdão proferido em agravo de instrumento deixou de analisar matéria que envolve multa aplicada em situação de recalcitrância, e que além da omissão, o v. Acórdão acabou por decidir sobre tema que não havia se colocado no contexto da r. decisão agravada, e do qual as partes não haviam tratado no recurso de agravo de instrumento, qual seja, o tema da preclusão, e que se há qualificar o v. Acórdão como tendo proferido uma “decisão-surpresa”.
Recurso tempestivo e não respondido.
FUNDAMENTAÇÃO
Estivéssemos a buscar na práxis forense um caso que pudesse justificar a opção do Legislador do CPC/2015 em dotar o recurso dos embargos declaratórios de uma natureza diversa daquela que lhe conferia o CPC/1973, e dificilmente encontraríamos um caso mais apropriado como este.
Em seus comentários aos embargos de declaração, como haviam sido regulados pelo CPC/1973, adscreveu BARBOSA MOREIRA que a doutrina brasileira durante muito tempo, mais propriamente aquela que havia estudado o CPC/1939, discutia sobre se os embargos declaratórios constituíam ou não um recurso. BARBOSA MOREIRA observa que, em diversas legislações estrangeiras, os embargos declaratórios não eram tratados como recurso, senão como um mecanismo de correção da sentença, o que acabou por prevalecer em alguns códigos estaduais, como o do Rio de Grande do Sul e de São Paulo (cf. “Comentários ao Código de Processo Civil”, volume V, p. 419, editora Forense).
Escreveu BARBOSA MOREIRA na referida obra: “O estatuto de 1973 podia ter optado por uma das duas posições, mas com a indispensável coerência. O que não se afigura razoável é justamente o que se fez: bifurcar a disciplina do instituto, inserindo-a, em parte, no Título referente aos recursos, e em parte no Capítulo VIII (‘Da sentença e da coisa julgada’) do título VIII (‘Do procedimento ordinário’) do Livro I (‘Do processo de conhecimento’). A solução adotada é infeliz por mais de uma razão. Para começar, obviamente, o problema deveria merecer tratamento unitário, pois em substância não varia, quer se trata de pronunciamentos emitidos por órgãos de primeiro grau, quer por órgãos de grau superior. (…)”.
Está aí, em grande medida, origem da controvérsia que se instalou na doutrina brasileira quanto à natureza jurídica dos embargos declaratórios e de sua finalidade. Tratar-se-ia de um recurso, ou não? E em se tratando de um recurso, sua finalidade poderia conduzir a modificar o conteúdo da decisão agravada, e em caso afirmativo, em que grau essa modificação poderia ser admitida?
Devemos observar que essas questões não haviam passado despercebidas ao genial processualista mineiro, LOPES DA COSTA, cujas obras infelizmente hoje estão esquecidas das novas gerações. Pois bem, escrevendo sobre os embargos declaratórios e como haviam sido regulados no CPC/1939, pontificou LOPES DA COSTA, apoiando-se nos ensinamentos de outro memorável processualista, PEREIRA E SOUSA:
“De maior relevo são ainda os efeitos que para a sentença do fato de não haver o juiz decidido sobre algum pedido ou feito a atribuição das custas.
Nos outros casos, o juiz cumpriu integralmente o seu dever, não silenciou, embora mal se houvesse pronunciado. A sentença era incorreta.
Já aqui, o julgador exerceu somente em parte o seu ofício. Nem atendeu nem rejeitou pedidos que lhe foram dirigidos, ou não declarou à conta de quem ficaram as custas.
Falta uma parte da decisão.
A sentença é incompleta.
Necessário é complementá-la, resolvendo os pontos omitidos. Esse ato representa uma segunda sentença, complemento da primeira, sentença complementar.
Na última, se inova. Vem a ser uma primeira decisão.
O processo para obter a sentença complementar é o mesmo ainda: os embargos de declaração (…).
O despacho é uma verdade sentença e, pois, da sentença deve ter a forma: sentença complementar”. (“Direito Processual Civil Brasileiro”, vol. III, p. 314/315, editora Forense).
Durante o longo tempo em que esteve em vigor o CPC/1973, a doutrina não mais debateu sobre a natureza jurídica dos embargos declaratórios, porque se lhe revelava óbvio que o Legislador brasileiro lhe havia dado a conformação, a natureza jurídica pois, de um recurso. Mas havia ainda um aspecto que merecia uma análise mais detida: qual a finalidade dos embargos declaratórios?
No bojo dessa discussão, estava o perscrutar sobre em que medida o juiz ou tribunal poderia “complementar” a sua decisão, quando conhecia dos embargos declaratórios e lhes devia dar provimento, sobretudo quando se cuidava de uma omissão por colmatar. O CPC/1973 não havia fixado esse limite, e a jurisprudência, algo timidamente, falava da possibilidade de se conferir “efeito infringente” aos embargos declaratórios.
Com a regulação dada pelo CPC/2015, não havia mais dúvida: aquela lição de LOPES DA COSTA frutificava: os embargos declaratórios são um recurso, cujo objetivo não é mais apenas de corrigir ou de integrar, senão que sua finalidade transcende a isso, visto que o juiz e o tribunal podem complementar sua primeira decisão, em especial quando se trata de omissão acerca de algum ponto, e sobretudo quando se cuida de matéria de ordem pública, em face da qual a preclusão não opera efeitos.
Os artigos 1.023, parágrafo 2º., e 1.024, parágrafo 4º., do CPC/2015 são claros no sentido de que os embargos de declaratórios podem conduzir à complementação da decisão embargada, entendendo-se como complementação a análise, com toda a extensão, daquilo de que, na primeira decisão não se tratou.
Esse é o caso que se configura aqui. O acórdão proferido nos embargos declaratórios não cuidou analisar daquilo que forma a essência do inconformismo da então agravante, ora embargante, e nessa mesma omissão havia incidido o juízo de origem que, na decisão agravada, não analisou se a recalcitrância poderia ser imposta à agravante, se o regime de solidariedade passiva produziria efeitos em relação a esse tipo de multa, qual o grau de recalcitrância que à agravante poderia se imputar, e ainda se o valor da multa cobrado pela agravada é ou não razoável, como também se é ou não proporcional.
Temas esses que são de ordem pública, o que significa dizer que preclusão não obsta que deles se conheça, caracterizando-se, exatamente aí, a omissão apontada pela embargante e que deve ser colmatada, conforme exigem os princípios do acesso à justiça e do duplo grau de jurisdição.
Tudo para dizer que se devem conhecer dos embargos declaratórios, dando-lhes provimento para, reconhecida a omissão no contexto do v. Acórdão proferido em agravo de instrumento, declarar a nulidade formal da r. decisão agravada, obrigando o juízo de origem a examinar aqueles temas, decidindo a respeito deles, não se podendo suprimir aquele grau de jurisdição, sobretudo no que diz respeito à alegação da agravante de que a multa que se lhe cobra sobre-excede em mais de cinquenta vezes o valor do bem da vida objeto do provimento jurisdicional.
Por meu voto, pois, conhecem-se dos embargos declaratórios, provendo-os com efeitos modificativos.
Sem condenação em encargos de sucumbência.

VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
RELATOR

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