NEOLOGISMOS NO PROCESSO CIVIL: O TERMO “ENDOPROCESSUAL”.
Valentino Aparecido de Andrade
Juiz de Direito/SP e Mestre em Direito
Tornou-se cada vez mais frequente encontrar-se em parte de nossa doutrina e jurisprudência o emprego de neologismos, utilizados quase sempre para descreverem ou caracterizarem alguma ideia para a qual a tradicional doutrina do Direito Processual Civil de há muito cunhou e emprega azada denominação. Destarte, na maioria das vezes em que se depara com um neologismo no campo do processo civil, ou já existe uma denominação consagrada pelo uso, e bastaria dela se utilizar, ou a novel palavra (o neologismo) é mau empregado, gerando equívoco naquele que dele se utiliza, como no caso em questão. É o que acontece com o termo “endoprocessual”, frequentemente encontrado em nossa jurisprudência, e empregado para situações as mais variadas possíveis.
O prefixo “endo”, dizem os melhores dicionários (como, por exemplo, o “Grande Dicionário – Língua Portuguesa”, Porto editora), constitui um elemento de formação de palavras que exprime a ideia de dentro, interioridade (provindo do grego “éndon”). Esse é, pois, o sentido comum do termo “endo” e não há razão lógico-gramatical, ou de outra natureza, que legitime transmudar o sentido do prefixo “endo”, quando se quiser dele utilizar no processo civil. De modo que se pode dizer, por exemplo, “uma relação endoprocessual”, no sentido de exprimir algo que está a ocorrer dentro do processo, para o distinguir, por exemplo, de que algo que ocorre ou deve ocorrer fora do processo, devendo nesse caso chamar-se de “extraprocessual”, que é o prefixo que indica o que está fora de determinado contexto. É comum dizer-se, pois, que a coisa julgada produz e deve produzir efeitos dentro e fora do processo, quando essa coisa julgada é “material”. Pode-se empregar aqueles prefixos de origem grega para se poder dizer que a coisa julgada material é um fenômeno endo e extraprocessual. Mas se trataria aí apenas de um neologismo, sem qualquer efeito prático, porque bastaria dizer-se que a coisa julgada produz efeitos dentro e fora do processo, com o que a ideia se revelaria mais nítida.
Encontramos em nossa jurisprudência a seguinte utilização do neologismo “endoprocessual”:
“(…) Por isso, além dos entendimentos jurisprudenciais já transcritos, também a coerência endoprocessual determina a rejeição do Recurso Especial. (…)”.
“(…) Noutras palavras, em virtude da falta de garantias de adimplemento, por ocasião da obtenção do crédito, são contrapostas as formas aflitivas pessoais de satisfação do débito em âmbito endoprocessual. (…)”.
“(…) O instituto endoprocessual apenas veda a discussão, nos mesmos autos, quanto à necessidade de julgamento conjunto da Ação Ordinária e do Mandado de Segurança. (…)”.
“(…) A partir dessa profunda análise endoprocessual, percebe-se que não houve violação alguma, pelo aresto recorrido, aos dispositivos de lei federal infraconstitucional apontados pelo Recorrente, tendo precluído a oportunidade para a demandada formular recursos na origem”.
Perceba o leitor como é variado o emprego do termo “endoprocessual” em nossa jurisprudência, e ao mesmo tempo sem nenhum sentido que o ajuste ao sentido comum da palavra. Dizia EINSTEN que “Tudo deveria ser tornado tão simples quanto possível, mas não mais simples do que isso”. Destarte, quando queiramos dizer que algo ocorre no interior de um processo, digamos simplesmente isso – “no interior de um processo”, evitando o uso de neologismos, sobretudo quando eles não fazem sentido algum.