Não temos racismo!

Teremos que concordar com o nosso vice-presidente da República, que, enfática e sentenciosamente, do alto de sua experiência militar, afirma, depois de longo meditar, que nós não temos racismo, nem somos racista. De fato, se remontarmos ao tempo de LIMA BARRETO, nosso grande escritor, constataremos que essa é a verdade.

Não temos racismo, mas o número de negros mortos pela polícia é muito superior ao dos brancos, e assim ocorreu durante toda a nossa história social.

Nós não temos racismo, mas as pesquisas sociodemográficas, como as realizadas pelo IBGE, dizem que a população negra ocupa, em sua grande maioria, as classes econômicas menos privilegiadas.

Não temos racismo, mas os estudantes negros só formam apenas dez por cento daqueles que frequentam escolas privadas na cidade de São Paulo.

Nós não temos racismo, e o fenômeno da escravidão foi apenas um “ponto fora da curva”, tão insignificante que não constitui a nossa realidade, de modo que os escritores utilizaram a escravidão como pretexto para escreverem livros de pura ficção, como é o caso do maranhense, JOSUÉ MONTELLO em seu “Os Tambores de São Luís”.

Nós não temos racismo, mas os negros não estão presentes em órgãos estatais de relevo, como no Poder Judiciário. Em São Paulo, por exemplo, no tribunal de justiça, que vem a ser o mais tribunal do país, apenas 0,6% dos magistrados são negros, ou se declaram como tal.

Nós não temos racismo, mas em nossa grande imprensa são raríssimos os casos em que integrantes da população negra ocupam cargo de direção. E aqui retornamos a LIMA BARRETO, que em seu imortal livro “Recordações do Escrivão Isaias Caminha”, publicado em 1909, retrata como a nossa imprensa, composta só por brancos, considerava aqueles que, negros como LIMA BARRETO, tinham a petulância de quererem escrever – e escrever em jornais!

Como dizia GUIMARÃES ROSA, “O pior cego é o que quer ver”. Chegamos a um momento em que nos tornamos esse cego, pois que agora queremos ver o que de fato ocorre com a nossa população negra, para que possamos mudar essa realidade.