MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO JUDICIAL QUE IMPÕE AO AUTOR UM LIMITE AO NÚMERO DE LAUDAS DA PEÇA INICIAL. ILEGALIDADE DO ATO JUDICIAL CARACTERIZADA. CONTROLE DA PEÇA INICIAL PELO MAGISTRADO QUE NÃO LHE CONCEDE O PODER DE INTERFERIR, ALÉM DE UM JUSTO LIMITE, NA LIBERDADE DO AUTOR QUANTO À ESTRUTURAÇÃO DA PEÇA INICIAL E DA EXPOSIÇÃO DA CAUSA DE PEDIR E DO PEDIDO CONFORME PAREÇA CONVENIENTE AO AUTOR O FAZER. ORDEM CONCEDIDA

MANDADO DE SEGURANÇA. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. WRIT IMPETRADO APÓS A INFRUTUOSIDADE DE AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE IMPUSERA UM LIMITE DE DEZ LAUDAS À PEÇA INICIAL.

CONTROLE DA REGULARIDADE FORMAL DA PETIÇÃO INICIAL QUE, CIRCUNSCRITO AOS REQUISITOS ESTRUTURAIS E FORMAIS ESTABELECIDOS PELA LEI, DEVE RESPEITAR O PRINCÍPIO DA LIBERDADE NA EXPOSIÇÃO DO CONTEÚDO FÁTICO-JURÍDICO DA DEMANDA PROPOSTA, NÃO SENDO DADO AO JUIZ O PODER DE, GENERICAMENTE, LIMITAR A UM DETERMINADO NÚMERO DE PÁGINAS A NARRATIVA DA CAUSA DE PEDIR E DO PEDIDO, O QUE FICA AO ALVEDRIO DO AUTOR DA AÇÃO DEFINIR.

CELERIDADE JUDICIAL QUE, ERIGIDA PELO JUÍZO DE ORIGEM COMO RAZÃO PARA IMPOR O LIMITE AO NÚMERO DE LAUDAS DA PEÇA INICIAL, NÃO GUARDA RELAÇÃO DE PERTINÊNCIA LÓGIGO-JURÍDICA COM A EXIGÊNCIA. ANÁLISE DA QUESTÃO SOB A FORMA DE CONTROLE (MEIO E FIM) ENFEIXADA NO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROPORCIONALIDADE.

DIREITO LÍQUIDO E CERTO CONFIGURADO. ORDEM DE SEGURANÇA CONCEDIDA, COM A CONFIRMAÇÃO DA MEDIDA LIMINAR. SEMFIXAÇÃO DE ENCARGOS SUCUMBENCIAIS.

RELATÓRIO

Mandado de Segurança impetrado por (…) contra ato coator atribuído ao Juízo da (…) da comarca de (…), consubstanciado na r. decisão que, nos autos da ação declaratória de inexistência de débito movida contra a (…), determinou a emenda da petição inicial para que este arrazoado se limitasse a 10 (dez) laudas.

Afirma a impetrante a ilegalidade no ato judicialproferido pela autoridade coatora ao limitar a dez o número de páginas da peça inicial, sustentando a impetrante que não há no CPC/2015 previsão que legitime o ato da autoridade coatora, a quem cabe apenas controlar o conteúdo da peça inicial naqueles aspectos que se consubstancia nas hipóteses previstas nos artigo 319 e 320 do CPC/2015, de maneira que o ato judicial estaria a sobre-exceder o poder que é concedido por lei ao magistrado para a análise da peça inicial. Destarte, pugna pela concessão da ordem de segurança, ao fim de que lhe seja assegurado o prosseguimento do processo de origem nos exatos termos da petição inicial apresentada.

A peça inicial está instruída com a documentação defolhas 12/33.

À partida, porque identificada relevância jurídica na argumentação da impetrante, foi-lhe deferida a medida liminar, desobrigando-a de levar a cabo a emenda da peça inicial para a fazer reduzida em número de caracteres ou de páginas, devendo prevalecer, ao menos por ora, a sua liberdade no definir, “sponte propria”, o que deve ou não figurar na peça inicial, sem limitação a número de páginas (fls. 52/54).

Informações prestadas pela autoridade coatora (fls. 59).

A douta Procuradoria de Justiça, assinalando que (…) o mérito diz respeito a direito individual disponível, envolvendo partes maiores e capazes, declinou de intervir, conforme o seu r. parecer de folha 63.

FUNDAMENTAÇÃO

Uma anotação preambular. Está a impetrante a utilizar-se do mandado de segurança como azado remédio para se insurgir contra r. decisão proferida em processo judicial, depois que se lhe negou pudesse interpor agravo de instrumento, diante das restritas hipóteses em que esse recurso pode ser interposto no regime do CPC/2015 (cf. agravo de instrumento nº 208356-68.2023.8.26.0000).

É de rigor conceder-se a ordem de segurança,ratificando-se a medida liminar.

Discute-se neste mandamus os limites do controle exercido pelo juiz quanto à regularidade formal da petição inicial.

Está dentro do princípio da liberdade aplicado ao processo civil o poder que é conferido à parte, e exclusivamente a ela, o definir de que maneira estruturará a narrativa da peça inicial, inclusive quanto ao número de caracteres e páginas que entenda conveniente apresentar ao magistrado para uma análise quecircunscreve-se àqueles aspectos que estão previstos nos artigos 319 e 320.

A propósito, conforme adscreve DINAMARCO:

Os requisitos aos quais o Código de Processo Civil submete a petição inicial são direcionados a ambas as finalidades institucionais desta, figurando entre eles os que se destinam à identificação da demanda (partes, causa de pedir e pedido) e os que dizem respeito à constituição regular do processo.(Instituições de direito processual civil, vol. III, n. 1.184, p. 427)

Outrossim, assevera JOSÉ FREDERICO MARQUES: que Todas as indicações que a inicial necessita conter a fim de individualizar a ação a ser proposta, visam especificar a res in iudicium deducta. (Manual de direito processual civil, vol. 2, n. 346, p. 40)

Nesse contexto, malgrado a inexistência de disposiçãolegal acerca do limite de laudas, há que se reconhecer que a únicalimitação metodológica sobre a exposição da narrativa inicial peloautor se refere à observância de requisitos estruturais e formais, cuja finalidade consiste em permitirem a identificação dos elementos subjetivos e objetivos da demanda, bem como a indicação do interesse na adoção de algum método de solução consensual de conflito.

Todo princípio jurídico deve ter seu conteúdo e alcanceextraído conforme as circunstâncias, e nada justifica que a autoridadecoatora tenha extraído do princípio da cooperação o poder em que se arvorou para exercer um controle sobre o número de caracteres e de páginas que a impetrante tenha querido adotar para melhor estruturar a peça inicial e da narrativa dos fatos e do direito que entende devam ser levados em consideração.

Cumpre observar, aliás, que, aparentemente, a extensãoda narrativa constante na petição inicial entregue mostra-se pertinente às especificidades da demanda proposta, ao compasso que, segundo bem asseverou a impetrante, foram trazidas diversas imagens publicitárias, fundamentações legais, referências de julgados em situação IDÊNTICAS do mesmo empreendimento, entre todas as argumentações jurídicas e fáticas ali exposta. (fls. 7).

Analisando sob a perspectiva do princípio constitucional da proporcionalidade a razão invocada pela autoridadecoatora para impor uma limitação ao número de laudas da peça inicial, e considerando, pois, a forma de controle enfeixada nesse princípio, qual seja, a relação de pertinência lógico-jurídica entre meio e fim, conclui-se que essa relação não está aqui caracterizada, porque não é necessariamente um número menor de laudas que formam a peça inicial que fará com o processo tenha um trâmite mais célere.  Vale lembrar que, há alguns anos, um importante instituto de pesquisaapurou que boa parte do tempo útil de um processo judicial no Brasil dava-se no ambiente cartorário, não sendo por isso legítimo transferir às partes do processo a causa principal pela delonga dos processos, como faz a autoridade coatora para genérica e desarrazoadamente impor um limite de páginas à peça inicial.

Destarte, em se reconhecendo, como reconhece o direito subjetivo da impetrante, declara-se inválido o ato judicial que a impusera a emenda da petição inicial para ajustamento ao número de 10 (dez) laudas, ato que, declarado nulo, não pode produzir nenhum efeito, o que faz acolher a pretensão no sentido de se assegurar o prosseguimento do processo sem a emenda da petição inicial.

Por meu voto, configurado o direito subjetivo da impetrante e ratificada a medida liminar, concede-se a ordem de segurança.

Sem encargos de sucumbência.

VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE

RELATOR