LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO E O FRACIONAMENTO DE CRÉDITOS NA EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA: IMPOSSIBILIDADE LEGAL

Sumário: 1. Colocação do tema. 2. O regime das relações dos litisconsortes entre si e com a parte contrária. O litisconsórcio unitário. 3. Regime especial (unitário) do litisconsórcio no processo de execução contra a Fazenda Pública. 4. Conclusão.

1. Começa a vingar na jurisprudência brasileira o entendimento de que, em caso de litisconsórcio facultativo ativo em execução por quantia certa contra a Fazenda Pública (CPC, artigo 730), podem ser fracionados os créditos de cada autor, tornando possível a requisição direta daqueles de pequeno valor, individualmente considerados para esse fim. Esse entendimento, já incorporado a provimento de alguns tribunais,1 baseia-se no argumento de que a vedação instituída pelo parágrafo 4o. do artigo 100 da Constituição da República de 1988 (com a redação que lhe foi dada pela Emenda de número 37/2002) deve ser aplicada quando se está em face de um único autor, cujo crédito, por força do referido óbice legal, não pode ser fracionado, nada obstando, contudo, que em caso de litisconsórcio facultativo, com vários credores, considere-se o valor individual de cada crédito para permitir-se o fracionamento, autorizando-se, assim, que sejam simultaneamente expedidos, no mesmo processo, a requisição direta de pagamento e o precatório.

Não se pode olvidar, é certo, das diversas vicissitudes a que submetido no Brasil o credor do Poder Público, acentuadas em larga medida pela Emenda de número 30/2000, que, alterando o disposto no artigo 100, parágrafo 1o., da CF/1988, passou a exigir o trânsito em julgado como condição para o início do processo de execução, o que, só por si, retarda consideravelmente o tempo de satisfação do crédito. Nesse contexto, em que sobejam dificuldades, não parece justo, de fato, privar-se o credor de um lesto remédio processual, que é a requisição direta de pagamento, quando o valor de seu crédito o permite.

É o Poder Judiciário brasileiro, porta-voz do interesse público (e não do Poder Público), preocupado com a prevalência do predicado da efetividade do processo, a condenar e a combater, com eficaz meio, a mora da Fazenda Pública na satisfação de suas obrigações pecuniárias reconhecidas em demanda judicial.

Destarte, sob uma visão exclusivamente de política judiciária, louvável, sem dúvida, a iniciativa engendrada pela jurisprudência brasileira de permitir o fracionamento de créditos contra a Fazenda Pública no litisconsórcio facultativo, azada forma de garantir ao credor de pequeno montante a satisfação de seu crédito em tempo oportuno. (Nomeadamente agora em face da entrada em vigor da Emenda Constitucional de número 45/2004, que assegura a todo litigante uma razoável duração de seu processo, estimulando, por conseqüência, a adoção de todos os meios que assegurem essa celeridade.)2

Justifica-se, assim, o fato de a jurisprudência ter se dado ao cuidado de, em favor do credor, conceder-lhe o direito de receber, em tempo mais diminuto, seu crédito, ainda que seus consortes – no litisconsórcio – não tenham a mesma “sorte”.

Mas, convém analisar a questão também, e principalmente, pelo prisma do direito positivo brasileiro – e sob esse aspecto, essa solução, que se afigurava, até então, de “boa justiça”, revelar-se-á ilegal, como este breve trabalho procurará demonstrar.

2. É da tradição do direito positivo, inaugurada pelo Código de Processo Civil alemão de 1877 (o primeiro a sistematizar o instituto do litisconsórcio), a regra de que, salvo disposição em contrário, os litisconsortes devem ser considerados autonomamente em suas relações processuais entre si e em face do adversário. É o que a doutrina denomina de “princípio da independência dos litisconsortes”,3 consubstanciado no §61 do Código alemão: “Os litisconsortes, salvo quando outra coisa não resulte de disposições do direito civil ou desta lei, estão, em face do adversário, como partes em causas distintas, de modo que os atos de um não aproveitarão nem prejudicarão os demais”.

Regra também adotada pelo direito brasileiro a partir do Código de Processo Civil do Estado da Bahia de 1915 que, em posição de vanguarda relativamente ao nosso sistema positivo e apontoado diretamente na lei processual germânica, previu o regime comum, que se caracteriza pela independência das relações entre os litisconsortes e em face da parte contrária, regime peculiar, mas não exclusivo, do litisconsórcio facultativo. Dispunha o artigo 8o. desse diploma estadual: “Salvo disposição expressa de lei, cada litisconsorte se considera isoladamente em relação à parte contrária, não aproveitando, nem prejudicando aos outros os atos que praticar”. Regra que se manteve em nosso primeiro código nacional de processo civil (CPC de 1939), com uma redação mais enfática: “Artigo 89 – Salvo disposição em contrário, os litisconsortes serão considerados em suas relações com a parte adversa como litigantes distintos e os atos de um não aproveitarão nem prejudicarão aos demais” –, e que subsiste no Código de Processo Civil em vigor (CPC de 1973), com diminuta alteração de estilo, segundo se colhe de seu artigo 48: “Salvo disposição em contrário, os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos; os atos e as omissões de um não prejudicarão nem beneficiarão os outros”.

Mas é importante observar que a lei, desde o Código alemão (Z.P.O.) de 1877, cuidou ressaltar a possibilidade de, em certas circunstâncias, excepcionar-se o regime geral de independência dos litigantes no litisconsórcio (facultativo ou necessário). Trata-se nesse caso do regime especial de relações entre os litisconsortes, compondo a figura denominada pela doutrina alemã do “litisconsórcio unitário”, que se caracteriza por ser um regime de interdependência de relações processuais dos litisconsortes entre si e em face do litigante adversário, o que é mais próprio de ocorrer no litisconsórcio necessário, mas não necessariamente nele, como a princípio e durante considerável tempo imaginaram os processualistas germânicos, os quais nesse equívoco incidiram por conta de uma incorreta intelecção que extraíram do conteúdo do §62 do Código alemão de 1877, que lhes pareceu indicar que a figura do litisconsórcio unitário estava associada exclusivamente aos casos de litisconsórcio necessário, como se todo litisconsórcio necessário fosse, sempre, um litisconsórcio unitário. Da gênese desse momentoso equívoco, fala-nos BARBOSA MOREIRA em prestigiada monografia que escreveu acerca do tema:

Em muitas edições da Z.P.O., costuma apor-se ao §62 a rubrica “Notwendige Streitgenossenschaft”, que, ao pé da letra, significa ‘litisconsórcio necessário’. Em vão se procurará nele, contudo, a indicação especificada dos casos em que a demanda tem de ser proposta em conjunto por mais de uma ou contra mais de uma pessoa. O dispositivo não concerne, repita-se, aos pressupostos do litisconsórcio, mas ao seu regime. Consagra, nesta perspectiva, outro princípio, diverso do mencionado acima, e ao qual se pode chamar princípio da interdependência dos litisconsortes”.4

E, dessa forma, durante largo tempo a doutrina processual concebeu, em uma inadequada relação de gênero e espécie, o litisconsórcio necessário e o litisconsórcio unitário.

Mas, bastaria a doutrina atentar para o fato de a lei alemã de 1877 ter contemplado dois dispositivos diversos para regular o regime das relações entre os litisconsortes, e chegaria, sem dificuldade, a duas conclusões: a primeira, a de que o regime da unitariedade das relações dos litisconsortes não se circunscre apenas ao litisconsórcio necessário, pois que alcança igualmente o litisconsórcio facultativo, comprovado por hipóteses que a jurisprudência logo tratou de encontrar; e a segunda conclusão, de maior relevo para o objeto deste estudo, a de que o primeiro dispositivo (§61) estabelece uma regra geral, inerente à essência do litisconsórcio, que é o constituir uma cumulação de demandas, o que significa que os litigantes mantêm sua esfera de autonomia jurídico-processual, ainda quando estejam litigando em conjunto em um mesmo processo, regime geral, contudo, que pode, a critério da lei, ser excepcionado nalguns casos que a legislação pode, a sua conveniência, prever.

Como o direito positivo brasileiro, desde o Código da Bahia de 1915, incorporara em seu texto a mesma redação do código alemão, impunham-se-lhe essas conclusões, com as quais a doutrina brasileira apenas recentemente atinou, mais exatamente a partir da verdadeira obra-motriz de BARBOSA MOREIRA, que na esteira da processualística européia, deslindou os conceitos de “litisconsórcio necessário” e de “litisconsórcio unitário”, como, em justiça, reconheceu FREDERICO MARQUES:

Não se confunde o litisconsórcio necessário com o litisconsórcio unitário. Aquele promana da exigência de participação, no processo, de todas as partes, visto que a decisão da lide vincula todos os que estão integrados na relação jurídica a que se prende o conflito a ser composto. Já o litisconsórcio unitário – como bem ensina JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA – ‘diz respeito ao modo por que se regerão as relações dos litisconsortes entre si e com a parte contrária, nos casos em que – seja necessário ou não o litisconsórcio – a situação jurídica litigiosa submetida à apreciação judicial tem de receber disciplina uniforme, não se concebendo a decisão da lide seja uma para este e outra para aquele co-litigante: tal é o problema do regime especial característico do litisconsórcio unitário”.5

Com efeito, o litisconsórcio necessário resolve-se em uma questão de legitimidade ativa ou passiva, revelando-se, outrossim, uma conseqüência lógica da aplicação do princípio do contraditório, conforme destacou o ilustre processualista italiano ENRICO REDENTI,6 a quem coube ainda a iniciativa de demonstrar, com pioneirismo mas com certa hesitação – como indica a imprópria expressão de que se valeu para identificar casos de litisconsórcio facultativo de regime unitário, chamando-os de “litisconsórcio quase-necessário” –7, que o litisconsórcio facultativo também pode, excepcionalmente, segundo a lei, abarcar casos em que a decisão deve ser uniforme em face de todos os litisconsortes (litisconsórcio unitário). Aí, aliás, o quid que permite a correta compreensão da essência da figura do litisconsórcio necessário e do regime que se lhe pode aplicar, assim como ao litisconsórcio facultativo. A respeito, pontifica BARBOSA MOREIRA, com miríficas palavras:

O conceito de litisconsórcio unitário não coincide com o de litisconsórcio necessário nem na compreensão, nem na extensão. Quanto à primeira, basta ver que a estrutura inteligível daquela figura tem como nota típica a obrigatoriedade da decisão uniforme no mérito; a desta, a indispensabilidade da presença simultânea de duas ou mais pessoas no pólo ativo ou no pólo passivo do processo. Ora, evidentemente não é o mesmo terem de participar A e B, conjuntamente, do processo, e ter o juiz de tratar A e B de modo uniforme na sentença definitiva”.8

O regime da unitariedade decorre, pois, das relações travadas entre os litigantes em face da parte contrária, relações que podem ser relações caracterizada por uma autonomia (ou relativa autonomia, diria DINAMARCO)9 entre os co-litigantes, ou por uma interdependência, caracterizando-se neste último caso o litisconsórcio unitário, com aplicação tanto ao litisconsórcio necessário (o que é mais comum), quanto ao litisconsórcio facultativo:

A ciência processual brasileira vem elaborando galhardamente a teoria do litisconsórcio unitário, sem confundi-lo com o necessário e sem reduzi-lo a subespécie deste (eles resultam de diferentes critérios classificatórios, como se vê desta medida exposição) e dando seguros passos a partir do ponto a que conseguiram chegar os doutrinadores europeus. (…) É ponto pacífico, entre nós, a possibilidade de um litisconsórcio necessário que não seja unitário, e inversamente, do litisconsórcio facultativo unitário”. 10

3. Daí se avançou para o correto sentido de entender-se que o regime da unitariedade das relações entre os litigantes em face da parte contrária é muito mais amplo do que a princípio se o concebera. Isso deu azo a que se atinasse com o fato de a aplicação do litisconsórcio não se aplicar apenas ao processo de cognição, como, de resto, sucede com a grande maioria dos institutos processuais, como as condições da ação e os pressupostos processuais, que ao processo de execução também devem ser aplicados, do que a doutrina processual contemporânea agora se deu conta, como adscreve DINAMARCO na introdução à sua obra “Execução Civil”:

A teoria da execução forçada jamais será satisfatoriamente desenvolvida se não assentar nas sólidas colunas dos princípios e dos institutos fundamentais do direito processual civil, já descobertos e elaborados com riqueza e muita criatividade em relação ao processo de conhecimento. Para chegar-se ao conhecimento verdadeiramente científico da execução é indispensável a consciência do apoio do sistema nas garantias estabelecidas a nível constitucional, associada à visão estrutural da ordem processual distribuída entre seus institutos fundamentais (jurisdição, ação, defesa e processo)”.11

A propósito, lembremos de CARNELUTTI e de seu reelaborado conceito de “lide”, como sendo um conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos interessados e pela resistência do outro, resistência que pode revelar-se seja na contestação, seja na insatisfação da pretensão (processo de execução). Pois que o objeto do processo de execução é, à semelhança do processo de conhecimento, a lide.12 Conceito que, aplicado ao litisconsórcio no processo de execução, determina a seguinte conseqüência, de evidente influxo na questão que aqui é objeto de análise: no processo de execução em litisconsórcio facultativo ativo, a satisfação da lide poderá ser uniforme em relação a todos os litisconsortes, se assim dispuser a lei. A dizer: nada obsta a que se preveja, em Lei, o regime da interdependência dos litisconsortes (litisconsórcio unitário) no processo de execução, ainda que no processo de conhecimento, que o antecedeu, esse regime não tenha sido adotado.

Assim, autoriza o Código de Processo Civil brasileiro em vigor (artigo 48) que a lei preveja hipóteses em que o regime do litisconsórcio unitário seja aplicado ao litisconsórcio facultativo, inclusive no caso do processo de execução (CPC, artigo 598). Como observa, com agudeza, GUILHERME ESTELLITA, o litisconsórcio, conquanto seja um fenômeno rigorosamente processual, suporta influxos causados também pelo direito substantivo, e mesmo pelo direito público,13 como sucede no caso do direito positivo brasileiro, que por norma de matriz constitucional, impõe um determinado regime quando se trata de execução contra a fazenda pública. É que o artigo 100, parágrafo 4o., da CF/1988, ao estabelecer que “são vedados a expedição de precatório complementar ou suplementar de valor pago, bem como fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, a fim de que seu pagamento não se faça, em parte, na forma estabelecida no § 3º deste artigo e, em parte, mediante expedição de precatório”, instituiu, para o processo de execução de sentença condenatória, um regime especial de relações entre os credores-litisconsortes e a Fazenda Pública, ao determinar se considere, para obstar o fracionamento dos créditos, o valor total da execução. Norma de direito público, de matriz constitucional, que dota o litisconsórcio facultativo ativo na execução de um regime de interdependência de relações processuais dos credores em relação à Fazenda Pública, configurando o que a doutrina denomina de litisconsórcio unitário.

Considere-se, outrossim, tal como perceberam os romanos, que o provimento condenatório admite, mas não exige o litisconsórcio.14 Daí não ser desarrazoado impor-se aos litisconsortes, no litisconsórcio facultativo, algumas condições como contrapartida para que logrem obter alguns aspectos de frutuosidade da coligação na demanda, como, por exemplo, a economia de tempo e dinheiro. Aqui, de resto, a justificativa da existência dessa figura (do litisconsórcio facultativo), radicada na prevalecente idéia do maior aproveitamento da atividade jurisdicional, e não, como seria engano supor, na busca de evitar-se decisões conflitantes em face de casos iguais ou semelhantes. Eis o que a respeito afirma GUILHERME ESTELLITA:

(…) a justificativa da concessão da lei processual é somente aquela do aproveitamento da atividade judiciária, embora não seja despicienda a conveniência de evitar que uma mesma questão de direito ou de fato possa, numa demanda ser solucionada num certo sentido e, noutra demanda, em sentido diverso. Mas, em verdade, essa não é a razão precípua da admissibilidade do litisconsórcio, na hipótese.

Se tal contradição houvesse, seria puramente de origem teórica, isto é, sem efeitos práticos para os litigantes das causas separadas, pois em cada uma destas, a relação jurídica na mesma agitada teria solução perfeitamente autônoma em face das outras. (…)”.15

Posição também adotada por JOÃO BONUMÁ, que enfatiza a natureza processual do litisconsórcio: “(…) Só fins processuais justificam essa coexistência de sujeitos ativos ou passivos no mesmo procedimento formal, fins consistentes em evitar um desperdício inútil de atividade jurisdicional e, na medida do possível, em afastar o perigo de demandas comuns pela origem, pela conexão ou pela identidade de fundamentos, serem contraditoriamente julgadas.”.16

Daí o litisconsórcio, que implica uma unificação do procedimento, em regra puramente exterior. Com efeito, cada litisconsorte é independente em relação a outro, de modo que pode comportar-se no processo como melhor lhe aprouver. Essa é a regra, mas que pode ser afastada por outro comando normativo, instituidor de um regime de interdependência de relações processuais, segundo ressalva que existia desde o Código Alemão de 1877 e que o direito brasileiro adotou e adota (CPC/1973, artigo 48).

Cabe adscrever que o regime especial da unitariedade é de cunho e efeito meramente processuais. Assim pensa BARBOSA MOREIRA, para quem no plano processual, e somente nele, é que se há explicar a obrigatória uniformidade da decisão de mérito.17 O que vale para o processo de execução, a indicar que neste, quando instituído o regime da unitariedade, o procedimento (logo, o momento da satisfação do crédito) deva ser único para todos os credores.

Ao optarem pelo litisconsórcio facultativo, os autores aceitam as suas vicissitudes, algumas inevitáveis porquanto impostas por Lei, como a que se traduz no regime do litisconsórcio unitário e no considerar-se, para efeito de execução, o valor global da execução. Assim, o limite estabelecido para pagamento por requisição direta, independentemente de precatório, há de observar o valor total da execução, e não no valor do crédito de cada litigante. É o que prevê o parágrafo 4o. do artigo 100 da CF/1988.

4. Conclui-se, portanto, que a Constituição da República de 1988 (artigo 100, §4O. – CF/1988) instituiu um regime especial unitário no processo de execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, ao determinar se considere o valor global da execução, obstando o fracionamento de créditos dos litisconsortes.

Amiúde vem a jurisprudência, com sua laboriosa e constante veia criativa (no que está, de resto, sua inata importância), encontrando notáveis meios processuais consentâneos com as exigências que provém do direito substancial e da realidade sócio-econômica subjacente; assim se deu, por exemplo, com a jurisprudência francesa, que ideou a figura do abuso do abuso de direito, e com a nossa jurisprudência, que garantindo ao proprietário o direito de ser desapossado de seu bem na desapropriação se e quando efetuado pelo Poder Público o pagamento do valor integral da indenização, deu azo a que o Texto Constitucional de 1988 passasse a reconhecer, em termos de direito positivo, esse importante direito. E a jurisprudência é um rico repositório de soluções bastante criativas, como essas, depois incorporadas ao direito positivo. Destarte, muito é de esperar que o Legislador brasileiro, a compasso com o objetivo e sinalização da jurisprudência, encontre uma eficiente forma de tornar célere e eficaz a satisfação do crédito, quando devedora a Fazenda Pública, forma que pode ser, “de lege ferenda”, o fracionamento de créditos no litisconsórcio facultativo.

Reconhece-se, ao cabo, que seria justo permitir-se o fracionamento de créditos em um mesmo processo, como boa parte da jurisprudência brasileira abona. Mas como dizia ANATOLE FRANCE, a justiça é a sanção das injustiças estabelecidas.18 Prevalece, por ora, o óbice legal a esse fracionamento.

1 Caso dos Tribunais Regionais Federais, aos quais o Provimento de número 373/2004, do Conselho da Justiça Federal, determina se considere individualmente o crédito de cada autor para efeito de admitir-se o fracionamento entre requisição direta e precatório.

2 Com a Emenda de número 45/2004, o artigo 5o. recebeu mais um inciso, o de número LXXVIII, cujo teor é o seguinte “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

3 Cf. José Carlos Barbosa Moreira, in Litisconsórcio Unitário, p. 19, 1a. edição, Forense, 1972, Rio de Janeiro.

4 Litisconsórcio Unitário, p. 19.

5 Manual de Direito Processual Civil, v. 1, p. 287-288, 12a. edição, Saraiva, 1987, São Paulo.

6 Diritto Processuale Civile, v. 2, p. 9, Giuffré Editore, 4a. edição, 1997, Milão.

7 Diritto Processuale Civile, v. 2, p. 103-104.

8 Litisconsórcio Unitário, p. 131.

9 Litisconsórcio, p. 36, 5a. edição, Malheiros editores, 1997, São Paulo.

10 Cândido Rangel Dinamarco, Litisconsórcio, p. 69.

11 Execução Civil, Premissas I, p. 21, Malheiros editores, 4a. edição, 1994, São Paulo.

12 Ressalve-se a posição contrária de Liebman, para quem o objeto do processo de execução é o pedido do exeqüente para a realização das atividades necessárias à efetivação da regra sancionadora formulada no título executório (in Processo de Execução, p. 48, Saraiva, 3a. edição, São Paulo, 1968).

13 Do Litisconsórcio no Direito Brasileiro, p. 129, Tese apresentada à Faculdade Nacional de Direito, Faculdade Nacional de Direito, 1955.

14 Cf. Guilherme Estellita, in Do Litisconsórcio no Direito Brasileiro, p. 64-68.

15 Cf. Guilherme Estellita, in Do Litisconsórcio no Direito Brasileiro, p. 182.

16 Direito Processual Civil, v. 1, p. 520, Saraiva, 1946, São Paulo.

17 Litisconsórcio Unitário, p. 25-26.

18 A Justiça dos Homens, p. 26, Difel, São Paulo, 1986.