LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO: ECONOMISTAS X JURISTAS

RUI BARBOSA E O PROCESSO CIVIL

Desde MARX sabemos que as relações de produção e de reprodução no
mundo econômico apresentam-se como o substrato das relações jurídicas, a
evidenciar o acentuado vínculo que há entre a Economia e o Direito. MARX
destaca: "A categoria econômica mais simples (…) nunca pode existir a
não ser como relação unilateral e abstrata de um todo concreto vivo já
dado". É o que explica a razão pela qual as relações econômicas passam a
integrar um complexo estruturado estabelecido pelo mundo do Direito. Daí a
importância de vermos como uma determinada lei – caso da recente "Lei do
Superendividamento", a lei federal 14.181, de julho deste ano – é analisada
por economistas e juristas.

Acerca dessa lei, escreveu a economista, ZEINA LATIF, ontem no jornal "O
Globo": "Com o endividamento recorde, o já elevado comprometimento
da renda dos indivíduos com o pagamento da dívida deverá seguir em
alta, o que poderá alimentar a inadimplência. Acendem-se as luzes
amarelas. O que fazer diante disso? A primeira coisa é não colocar areia
nas engrenagens dos crédito. Muitas vezes ações bem-intencionadas
acabam se mostrando contraproducentes. É o caso da lei do
superendividamento, em vigor desde julho. (…) a lei representa uma

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intervenção excessiva no mercado de crédito. Há um caráter até
paternalista em regular o grau de endividamento dos indivíduos, o que
prejudica o amadurecimento financeiro. Além disso, sua implementação
poderá ser um pesadelo. A dificuldade começa pela definição do mínimo
existencial. Trata-se de uma tarefa inglória, especialmente em um país
com ciclo econômico acidentado e elevada informalidade. (…)". 

Já os juristas mais atentos devem ver a mesma lei de forma muito diferente.
Trata-se de uma lei engendrada com o objetivo de enfraquecer a proteção
jurídico-legal trazida com o Código de Defesa do Consumidor, sobre o que já
escrevemos aqui. A pretexto de querer proteger, a lei 14.181 em realidade
desprotege, pressionando o devedor a submeter-se a medidas de interesse 
exclusivo do credor, como se dá com o plano de pagamento embutido no
"processo de repactuação de dívidas".

Não é de se estranhar que economistas liberais queiram em favor do mercado
(especialmente do mercado financeira) uma liberdade total, sem qualquer
amarra legal. Por que a lei deve se intrometer no mundo econômico? Uma lei
que defina "um mínimo existencial" é uma "lei na contramão", dizem esses

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economistas, cuja argumentação, aliás,  se prevalecente eliminaria quase que
todos os direitos fundamentais econômicos previstos em nossa Constituição.

Os juristas mais conscientes sabem, mais uma vez segundo a lição de MARX,
 que a formulação mais geral e ampla dos direitos de liberdade deveu-se
sobretudo a uma necessidade imposta à classe dominante, que, obrigada a
apresentar o seu interesse como se igual ao de todos os membros da
sociedade, legisla dessa forma ampla e genérica como uma estratégia para a
proteção de seus específicos interesses (in Feuerbach. Oposição das
Concepções Materialista e Idealista, Marx-Engels Obras Escolhidas, t. I, p.
40, edições Avante – Lisboa e Progresso – Moscou, 1982). A lei do
superendividamento comprova o grau de acuidade de MARX.