JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DE MÉRITO E O LITISCONSÓRCIO

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. LITISCONSÓRCIO PASSIVO FACULTATIVO.
DECISÃO PARCIAL DE MÉRITO QUE JULGOU A PRETENSÃO FORMUILADA CONTRA UMA DAS LITISCONSORTES. SENTENÇA PROFERIDA NOUTRO MOMENTO PROCESSUAL EM RELAÇÃO À OUTRA LITISCONSORTE PASSIVA.

FORMAÇÃO DO LITISCÓRCIO PASSIVO FACULTATIVO QUE OBRIGA O JUIZ A PROFERIR SENTENÇA QUE EXAMINE, A UM SÓ TEMPO, TODAS AS PRETENSÕES FORMULADAS CONTRA OS LITISCONSORTES PASSIVOS. INSTITUTO DA DECISÃO PARCIAL DE MÉRITO (CPC/2015, ARTIGO 356) QUE NÃO SE APLICA AO LITISCONSÓRCIO PASSIVO FACULTATIVO.

TRATAMENTO PROCESSUAL QUE FEZ CRIAR UM INJUSTIFICADO REGIME PROCESSUAL DE DISCRIMEN ENTRE AS LITISCONSORTES PASSIVAS, CONCEDENDO A UMA DAS LITISCONSORTES O DIREITO A INTERPOR RECURSO DE APELAÇÃO, NEGANDO ESSE MESMO DIREITO PROCESSUAL À OUTRA LITISCONSORTE, QUE SOMENTE PODE SER UTILIZAR DO AGRAVO DE INSTRUMENTO. GRAVE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL “PROCESSUAL”. DECISÃO PARCIAL DE MÉRITO E SENTENÇA DECLARADAS NULAS. SEM FIXAÇÃO DE SUCUMBÊNCIA.

RELATÓRIO
Cuida-se de ação de exoneração de alimentos ajuizada por E.M.S., em face de I.C.S., nascida em 24/09/1996, e I.C.S., nascida em 16/12/1997, sob o fundamento de que as alimentandas atingiram a maioridade civil e não estão a cursar universidade ou curso técnico, e que jamais demonstraram interesse em o fazer, alegando o autor que, além desses aspectos, sua situação financeira deteriorou-se ao longo do tempo, pugnando pela concessão de provimento jurisdicional que faça extinguir a obrigação de prestar alimentos.
O juízo de origem, separando as relações jurídico-materiais objeto do processo e aplicando o instituto da decisão antecipada parcial de mérito, proferiu decisão de procedência quanto ao pedido formulado em face de uma das litisconsortes, enquanto em relação à outra litisconsorte proferiu sentença, também de procedência ao pedido.
Recurso de apelação interposto em face da decisão parcial de mérito, alegando a apelante que o autor-apelado não cumpre com sua obrigação alimentar e que ela, a apelante, esforça-se em trabalhar e estudar, mas como não aufere renda suficiente em seu estágio, não pode assumir as despesas com curso superior ou técnico.
Recurso tempestivo, sem preparo diante da gratuidade de que goza a recorrente. Sem contrarrazões.

FUNDAMENTAÇÃO
Caracteriza-se a nulidade tanto da r. decisão proferida em julgamento antecipado parcial de mérito, quanto da r. sentença, por incidirem ambas em grave violação ao princípio constitucional do devido processo legal “processual”.
Com efeito, o novel instituto do “julgamento antecipado parcial de mérito”, de que trata o artigo 356 do CPC/2015, não se aplica à hipótese de cumulação subjetiva de demandas, ou seja, ao litisconsórcio, quando o litisconsórcio é passivo facultativo, como neste caso, porque, segundo o artigo 117 do CPC/2015, as relações dos litisconsortes com a parte adversa são distintas, o que significa dizer que, conquanto exista cumulação de demandas, essa cumulação é a rigor apenas subjetiva, se considerarmos que cada pedido deve ser analisado e decidido isoladamente, o que deve, contudo, ocorrer a um só tempo no processo, quando se estiver a proferir uma só sentença, que deve abranger o exame de todas as relações jurídico-materiais que envolvem cada litisconsorte, dando a cada uma dessas relações o resultado que merecerem, mas em um exame que deve ocorrer a um só tempo no processo, ou seja, em uma só sentença. Dizer-se que, no litisconsórcio facultativo (também chamado de “simples”) há uma pluralidade de processos, como é comum dizer-se na doutrina, não significa que se tenha a cumulação de pedidos nos moldes em que o artigo 356 do CPC/2015 exige para o fim de autorizar o julgamento antecipado parcial de mérito.
Portanto, o instituto do julgamento antecipado parcial de mérito somente pode ser aplicado no litisconsórcio passivo quando se trata do litisconsórcio passivo unitário, em que há uma identidade das relações entre os litisconsortes passivos, de modo que, nessa específica hipótese, havendo, além da cumulação subjetiva, cumulação de pedidos, possa o juiz decidir antecipadamente algum desses pedidos, analisando-o em face de todos os litisconsortes passivos, como porque todos os pedidos estão umbilicalmente ligados entre todos os litisconsortes, situação totalmente diversa daquela que ocorre no caso do litisconsórcio passivo facultativo.
Destarte, como se configura nos autos o litisconsórcio passivo facultativo, e como as relações dos litisconsortes passivos são analisadas de modo específico em face da parte contrária, e como não existe uma cumulação de pedidos nos moldes em que o artigo 356 do CPC/2015 impõe, daí decorre que o juízo de origem não poderia proferir uma decisão parcial de mérito para uma das litisconsortes passivas, enquanto para a outra uma sentença, o que fez criar um indevido e injustificado regime processual de discrímem entre as litisconsortes passivas, desatendendo à garantia de um processo justo, o que se reflete sobretudo no campo recursal.
Com efeito, como a decisão proferida em julgamento parcial do mérito é impugnável apenas por agravo de instrumento, conforme estatui o artigo 356, parágrafo 5º, do CPC/2015, a esfera jurídica da litisconsorte passiva ora apelante foi colocada uma situação acentuadamente desfavorável em face da outra litisconsorte, contra a qual se preferiu sentença, porquanto a primeira litisconsorte somente pode interpor recurso de agravo de instrumento, enquanto a outra o recurso de apelação, e esses recursos no CPC/2015, tanto quanto ocorria no CPC/1973, são recursos de natureza diversa e com um específico campo cognitivo, o que significa dizer que o recurso de apelação possui um campo cognitivo maior do que sucede com o recurso de agravo de instrumento, havendo aí uma importante distinção que é suficiente para concluir que o regime processual de discrímem criado pelo juízo de origem não pode subsistir, por incidir em uma grave violação ao princípio do devido processo legal “processual”.
Pelo meu voto, declaro a nulidade tanto da r. decisão proferida em julgamento antecipado parcial de mérito, quanto da r. sentença, porque caracterizada grave violação ao princípio do devido processo legal “processual”, devendo o juízo de origem, como sói deve ocorrer em se tratando de litisconsórcio passivo facultativo, analisar, em uma só sentença, todas as relações jurídico-substanciais que envolvem as litisconsortes passivas em face do autor.
Declarada a nulidade da r. sentença, não se fixam encargos de sucumbência.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
RELATOR