JUÍZES E ADVOGADOS NO MUNDO VIRTUAL
Valentino Aparecido de Andrade
Arrisco dizer que, salvo em raríssimos episódios, que, aliás, por serem raríssimos transformaram-se em notícia, as audiências virtuais registraram um número de rusgas, desavenças e altercações entre juízes e advogado consideravelmente menor do que se registrava antes da pandemia, quando as audiências eram todas presenciais, em que juízes e advogados sentavam-se fisicamente próximos. As audiências virtuais eliminaram esse espaço físico, tornando-o virtual, e estou certo que foi isso que fez com que a paz se instalasse no ambiente forense.
Em julho de 1992, OTTO LARA RESENDE escreveu uma deliciosa crônica, desenvolvendo um tema sobre o qual falara pouco antes e que atiçara seu leitor. Escrevera OTTO sobre a difícil arte de ser vizinho, e seus leitores (e vizinhos) haviam reclamado, colocando em questão se era mesmo adequado chamar de “arte” esse tipo de relação. Na crônica a que deu o nome de “O amorável pequinês”, OTTO, desenvolvendo o tema, analisa quão fácil é amar o próximo, desde que o próximo esteja longe, e quanto mais longe maior é o amor que se lhe pode dispensar. Diz ele: “A coisa muda quando as distâncias se anulam. Quanto mais próxima, mais complexa a relação. Compartilhar uma casa pode ser um tormento. Uma cama, então, nem se fala”.
E imagine compartilhar uma sala de audiência, como faziam diuturnamente juízes e advogados? Naturalmente, os conflitos surgiam a todo o momento e pelos mais variados motivos. Mas com a chegada da pandemia a situação modificou-se totalmente.
As audiências, realizadas a uma segura distância física entre juízes e advogados, criaram um ambiente de cordialidade que não se pensava pudesse existir. Lembro aqui de PIERO CALAMANDREI, o ilustre processualista italiano, que em “Eles, os Juízes, vistos por um Advogado”, verdadeiro livro de crônicas forenses, relata diversos episódios de conflitos entre juízes e advogado em salas de tribunais. Por sinal, esses conflitos é que tornaram o livro famoso.
A CALAMANDREI, contudo, não ocorreu que era exatamente a proximidade física entre juízes e advogados a causa dos conflitos, e não o pensamento jurídico diferente de um em relação ao outro. Tivemos, pois, que vivenciar o triste episódio da pandemia para constatarmos que a única causa desses conflitos é a proximidade física.
Não há dúvida de que o universo virtual tem o grande poder de transformar em abstrata qualquer tipo de relação humana, e a experiência com as audiências em processos judiciais confirma esse fenômeno. No mundo virtual, com efeito, as pessoas concretas transmudam-se em imagens, e como toda imagem é apenas uma semelhança, assim também ocorre com as imagens nos vídeos, que são abstratas porque apenas parecem os seres humanos que representam. O juiz passa a ser apenas o juiz, e o mesmo sucede com o advogado. Ambos deixam de ser pessoas, para serem apenas imagens.
Pode-se, portanto, concluir que os juízes e advogados, com as audiências virtuais, deixaram de ser inimigos em razão de estarem distantes fisicamente um do outro, e por isso passaram a se compreender melhor. Afinal, como observa OTTO com percuciência, ninguém se atrita com quem está longe.