JABUTIS E JABUTIS

JABUTIS E JABUTIS
Valentino Aparecido de Andrade

Os cientistas políticos estão atônitos diante da ilimitada capacidade criativa do legislador brasileiro. Depois de inventarem a insólita figura do “jabuti”, engendraram uma sua variedade. Agora que supunham ter compreendido aquilo que em essência formava o instituto do “jabuti”, e de exporem ao mundo civilizado essa novidade legislativa, os cientistas políticos deram-se conta de que não têm seu trabalho concluído.

Terão, pois, que analisar a novel figura do “jabuti do jabuti”, que vem a ser, em linhas gerais, a intromissão em um projeto de um lei de um tema que constitui a verdadeira finalidade do projeto, mas que não pode se revelar ao público como tal, porque isso poderia criar embaraços à aprovação do projeto. Enquanto o jabuti “strictu sensu” consiste na introdução em um projeto de lei de um assunto que não guarda nenhuma relação com o objeto do projeto, o “jabuti do jabuti” é algo mais engenhoso, sua técnica mais requintada, e seu objetivo, o de fazer parecer à opinião pública em geral que não é esse o objetivo do projeto de lei.

O “jabuti do jabuti”, aliás, acaba de ser criado, e seu uso se dá em grande estilo. Com efeito, no projeto que regula o tema da responsabilidade das plataformas sociais por conteúdo daquilo que nelas é publicado, ou seja, as “fake news”, inseriu-se no projeto uma regra quanto ao pagamento pelas redes sociais de conteúdos jornalísticos que elas tenham divulgado. Não se trata, por óbvio de conteúdo jornalísticos “falsos”, senão que “verdadeiros”, que as redes sociais extraem de outros veículos de comunicação e os publicam.

Como divulga o jornal “Folha de São Paulo”, em excelente reportagem publicada na edição de hoje, verifica-se que, no bojo da discussão do projeto sobre a responsabilidade das plataformas sociais, introduziu-se uma regra sobre a responsabilidade dessas plataformas não sobre as “fake news”, mas sim sobre o pagamento a grandes veículos de informação da remuneração pela utilização do conteúdo jornalístico nas redes sociais. Esse é, ao fim e ao cabo, o principal objetivo do projeto, conquanto deva parecer aos olhos do público que é a “moralização” das plataformas sociais pelas “fake news”.

Os cientistas políticos terão certamente grande tarefa pela frente, mas o resultado pode ser interessante aos olhos da opinião pública, que, graças às redes sociais, estão a compreender melhor como os trabalhos legislativos desenvolvem-se nalgumas situações.