Processo número 1056446-80.2019
3ª. Vara do Juizado Especial de Fazenda Pública
Comarca da Capital
Vistos.
Os autores, (…), qualificados a folha 1, suportaram de parte da ré, FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, a imposição e a cobrança de encargos de mora quanto ao ITCMD – Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação, sustentando os autores que o Fisco não levou na devida consideração o fato de que houvera a necessidade do ajuizamento da ação de declaração de ausência, antes de poderem obter a certidão de óbito, e por isso a mora no pagamento do tributo justifica-se e deve ser escusada, pretendendo os autores que, reconhecida essa situação, seja a ré condenada a restituir-lhe o valor pago.
Citada, a ré contestou, alegando ter se limitado a cumprir a lei de regência do tributo, que prevê a incidência de multa e juros, quando caracterizada a mora, o que sucedeu no caso em questão.
Nesse contexto, FUNDAMENTO e DECIDO.
Quanto ao mérito da pretensão – que é procedente.
É fato incontroverso o de os autores terem recolhido, fora do prazo legal, o valor do ITCMD. Mas é necessário considerar aquela especial circunstância que os autores alegaram e comprovaram ter ocorrido, porque ela deve ser analisada em função do que prevê o Código Tributário Nacional, quando cuida da equidade.
Com efeito, o Código Tributário Nacional, em seu artigo 108, inciso IV, e parágrafo 2º., prevê a possibilidade de se aplicar a equidade, salvo para a hipótese de dispensa do pagamento de tributo devido.
Destarte, como dispensar ou reduzir os encargos de mora não se confunde com a ressalva legal (ou seja, não se está a aplicar a equidade para dispensar o pagamento do tributo, mas apenas quanto aos encargos gerados com a mora do pagamento), é direito subjetivo do sujeito passivo da tributação pleitear a aplicação da equidade, autorizando o CTN que o juiz, considerando as circunstâncias especificas da relação jurídico-tributária corrija o extremo rigor da lei que preveja encargos de mora desarrazoados, para os reduzir, ou conforme o caso, para os dispensar, considerando alguma circunstância especial que tenha sido decisiva para caracterizar a mora.
Como no caso presente, dado que Maria de Lurdes Bueno, de quem os autores são herdeiros, acabou por perder a vida na tragédia da queda da barragem em Brumadinho, e seu corpo não foi encontrado, isso obrigou os autores a buscarem a tutela jurisdicional para que se declarasse a ausência, e somente após o trânsito em julgado da sentença proferida naquela demanda é que puderam obter a certidão de óbito, sem a qual não poderiam, por óbvio, ter procedido ao requerimento para que fosse realizada por via extrajudicial a transmissão dos bens deixados pela ausente, circunstância que a ré deveria ter levado em consideração para fixar o prazo inicial para o recolhimento do tributo.
Destarte, aplicando a equidade, por considerar a especial circunstância que diz respeito ao que foi necessário aos autores para obterem a certidão de óbito, e tendo em conta o diminuto prazo que sobre-excedeu ao prazo de trinta dias contado do momento em que obtiveram a certidão de óbito, considero ter a ré agido com demasiado rigor ao atribuir mora aos autores, demasiado rigor que, por aplicação da equidade, é aqui corrigido, para que se afaste a declaração de mora, garantindo-se aos autores recebam em restituição o valor que despenderam com os encargos da mora aplicados ao ITCMD.
POSTO ISSO, JULGO PROCEDENTE o pedido para condenar a ré, FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, a restituir aos autores esse valor, com a incidência de correção monetária desde o momento em que o pagamento dos encargos de mora ocorreu, contada a correção monetária segundo o mesmo índice que o Fisco aplicou para a mora. E devem incidir também os juros de mora, de um por cento ao mês, contados do trânsito em julgado desta Sentença, de acordo com regra do Código Tributário Nacional. Declaro a extinção deste processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Quanto a encargos de sucumbência, prevalece a regra do artigo 55 da Lei federal de número 9.099, de modo que, em não se tendo caracterizado a prática pela ré de ato de litigância de má-fé, não se lhe pode impor o pagamento de qualquer encargo dessa natureza, sequer honorários de advogado.
Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.
São Paulo, em 27 de maio de 2020.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO