INCIDENTE. ALEGAÇÃO DE PARCIALIDADE DO PERITO. DISTINÇÃO EM FACE DA FIGURA DA SUSPEIÇÃO

Processo número 0005290-65.2020
Juízo da 1ª. Vara Cível – Foro Regional de Pinheiros
Comarca da Capital

Vistos.

Cuida-se de incidente pelo qual a aqui requerente, (…), nos autos da ação em que, como embargante, contende com (…), afirma existir e se caracterizar a parcialidade do perito, (…), nomeado para o mister naqueles autos, sustentando a requerente que o perito fez juízos de valor acerca do objeto da perícia, extrapolando os limites de sua função no processo, quando, atribuindo a si um poder de fiscalização, sugeriu ao Juízo que a embargante tivesse praticado crime contra o Fisco, além de atribuir-lhe a prática de litigância de má-fé, demonstrando o perito, segundo a requerente, que avançara além do que lhe cabia fazer em relação ao objeto da perícia, revelando uma quebra da imparcialidade, a impor, segundo a requerente, a necessidade de sua destituição, com a nomeação de um novo perito.

Incidente recebido e processado em forma regular, intimou-se o perito para que apresentasse resposta ao incidente, do que ele se desincumbiu as folhas 28/58, em que nega tenha perdido a imparcialidade quanto ao objeto da perícia, tendo se limitado a cumprir o mister, coletando elementos de informação e os valorando segundo lhe cabe fazer como perito, com o objetivo de produzir um laudo que traga “a verdade dos fatos”, a fim de “subsidiar com isonomia a justa composição do litígio.

Réplica apresentada.

É o RELATÓRIO.

FUNDAMENTO.

Como cuidou enfatizar a requerente as folhas 462/466, sua alegação radica no ter o perito, no curso da perícia, perdido a imparcialidade, de modo que não se trata de incidente fundado na alegação de suspeição do perito, mas sim na sua suposta parcialidade. Tal como se fez observar a folha 459, as hipóteses legais previstas para a suspeição não se aplicam ao caso da alegação de parcialidade, sendo esta figura – a da exceção de parcialidade – uma construção de nossa doutrina e jurisprudência.

Não prospera, contudo, o que alega a requerente, de modo que este incidente é rejeitado.

Tanto quanto sucede com as partes de uma ação e seus advogados, e igualmente com o juiz, o perito também tem naturalmente seus juízos de valor, que vão se formando e consolidando enquanto ele coleta, detalha e analisa os elementos de informação acerca do objeto que lhe toca periciar, e esses juízos de valor acabam por se revelar no conteúdo do laudo. É inerente à função do perito, portanto, que ele opere com juízos de valor quanto aos aspectos fáticos da controvérsia e que formam o objeto da perícia. O Código de Processo Civil não lhe impõe, nem o poderia fazer, uma neutralidade absoluta, pois como observa MOACYR AMARAL SANTOS, “A função pericial é uma função pública, como tal considerada a exercida por um órgão do poder público ou por quem com delegação deste. Aliás, a função do perito muito se aproxima da função do juiz”. (“Prova Judiciária no Cível e Comercial, vol. V, p. 92).

Neutralidade que somente é violada quando esses juízos de valor sobre-excedem determinados limites do razoável, como ocorre quando o perito revela uma inclinação em favor de alguma das partes do processo, realizando, por exemplo, diligências que convêm apenas aos interesses da parte que quer beneficiar, e desprezando ou recusando elementos de informação que a parte contrária quisesse lhe supeditar. Não há nos autos principais prova de que o perito tenha assim agido.

Quanto a ter o perito indicado a possibilidade de a parte ter cometido algum crime, ou praticado ato que possa configurar litigância de má-fé, não há o que censurar na conduta do perito, porque a finalidade desse tipo de comunicação não é outra que não a levar ao conhecimento do juízo aspectos que a perícia possa ter considerado como de relevo na compreensão completa da realidade material analisada, para que o juiz os valore, analise-os e decida a respeito. Não sobre-excedeu o perito os limites de sua atribuição, portanto, lembrando que, em função do que estatui o artigo 157 do CPC/2015, o perito deve empregar toda a sua diligência na realização da perícia, o que significa dizer que a Lei lhe conferiu poderes de investigação que sejam necessários à apuração do que de interesse à perícia.

Quanto à linguagem que o perito utilizou-se na correspondência que manteve com o assistente técnico da requerente, sua intelecção poderá ter sido algo dificultada em razão do texto empregado pelo perito, como ele tratou de justificar a folha 29, explicitando o que pudera ter ficado não muito claro naquela correspondência, sem daí se poder afirmar tenha o perito perdido o predicado da imparcialidade.

Portanto, não se revela nos autos tenha o perito deixado em algum momento de observar a necessária imparcialidade na condução dos trabalhos que envolvem a perícia, nem que tenha excedido os poderes de investigação que lhe são concedidos para a realização do mister, não havendo qualquer motivo legal para que seja substituído.

POSTO ISSO, REJEITO o conteúdo deste incidente em que se alegava a parcialidade do perito, cuja nomeação é mantida nos autos principais, para que a perícia prossiga e se ultime a seu tempo. Certifique-se nos autos principais, neles se prosseguindo.

Não há previsão legal quanto à condenação por encargos de sucumbência neste tipo de incidente.

Int.

São Paulo, em 12 de maio de 2021.

VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO