Vistos.
Controverte-se nesta demanda quanto a efeitos decorrentes da coisa julgada material produzida noutro processo. Os autores, (…), qualificados a folha 1, são herdeiros e foram autuados pelo Fisco do Estado de São Paulo sob o argumento de que recolheram, a menor, o valor relativo ao ITCMD – Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação. Nesse contexto, argumentam os autores que devem se beneficiar do que fora decidido definitivamente em mandado de segurança impetrado por um outro herdeiro, em favor do qual se reconheceu o direito subjetivo a que procedesse ao recolhimento do tributo em questão com base no valor do IPTU, de modo que, aduzem os autores, acerca dessa mesma relação jurídico-material formou-se a coisa julgada material, que a ré, FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, está a indevidamente a desconsiderar.
Citada, a ré contestou, afirmando que como os autores não foram parte no “writ”, não podem se beneficiar da coisa julgada material ali produzida.
Nesse contexto, FUNDAMENTO e DECIDO.
Há razão no que os autores argumentam, pois que a coisa julgada material produzida nos autos de mandado de segurança os deve beneficiar.
Como ensina o mestre CHIOVENDA, costuma-se afirmar, como princípio geral, que a coisa julgada material só prevalece entre as partes, quando é o contrário é o verdadeiro:
“A coisa julgada, como resultado da definição da relação processual, é obrigatória para os sujeitos desta; entretanto, a exceção compete todas as vezes que “eadem quaestio inter easdem personas revocatur”. Mas, como todo ato jurídico relativamente às partes entre as quais intervém, a sentença existe e vale como respeito a todos; assim como o contrato entre A e B vale com respeito a todos, como contrato entre A e B, assim também a sentença entre A e B vale com relação a todos, enquanto é sentença entre A e B;
“Releva, em vez disso, asseverar que a sentença não pode prejudicar outros, que permaneceram estranhos à lide (ou, pelo menos, estranhos à sentença, pois estranho à lide pode ser o próprio condenado na sentença).”. (Instituições de Direito Processual Civil, v. 1, p. 414, Saraiva, 1969).
Destarte, como os autores integram a mesma relação jurídico-material que foi objeto do mandado de segurança, e como há coisa julgada material acerca dessa mesma relação, eles podem se beneficiar do resultado da demanda, ainda que não tenham figurado como parte.
Poder-se-ia argumentar que os autores deveriam ter integrado, como litisconsortes ativos, o “writ”, e de fato parece caracterizar-se o litisconsórcio ativo necessário. Mas não há notícia de que tenha sido declarada nula a sentença em ação rescisória. De modo que a sentença é válida e deve produzir seus regulares efeitos em decorrência da coisa julgada material, que aos autores beneficia, portanto.
Daí porque se reconhece aos autores o direito subjetivo que aqui invocam, dado que a coisa julgada material fixou qual a base de cálculo que deveria ser adotada ao ITCMD, base de cálculo que é diversa daquela que o Fisco está a exigir dos autores, que têm a sua esfera protegida pela coisa jugada material produzida no “writ”. Declara-se, em consequência, a invalidez das autuações referidas a folha 9, pois que é procedente esse pedido.
Mas é improcedente o pedido de condenação da ré a restituir o dobro do que cobrava, não caracterizado ato ilícito na conduta da ré em exigir dos autores o tributo, por se reconhecer o direito de ação em favor da ré, bem caracterizado na controvérsia que existia sobre a extensão subjetiva ou não dos efeitos da coisa julgada material.
POSTO ISSO, JULGO PARCIALMETNE PROCEDENTE o pedido, de modo que declaro a invalidez das autuações referidas a folha 9, que assim não podem produzir contra a esfera jurídica dos autores nenhum efeito, diante da eficácia subjetiva da coisa julgada material gerada em mandado de segurança e que os beneficia. IMPROCEDENTE, contudo, o pedido de condenação da ré em restituir o dobro que cobrava. Declaro extinto este processo, com resolução do mérito, por aplicação subsidiária do artigo 487, inciso I, do novo Código de Processo Civil.
Sucumbência recíproca. Quanto a encargos de sucumbência, prevalece a regra do artigo 55 da Lei federal de número 9.099, de modo que, em não se tendo caracterizado a prática pelos autores e ré de ato de litigância de má-fé, não se lhes pode impor o pagamento de qualquer encargo dessa natureza, sequer honorários de advogado.
Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.
São Paulo, em 30 de junho de 2020.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO