DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA EM RELAÇÃO DE CONSUMO
Valentino Aparecido de Andrade
Juiz de Direito em segundo grau e Mestre em Direito
Regulando a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica no campo das relações jurídicas de consumo, prevê o artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor:
“O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”.
O Código de Defesa do Consumidor estaria a adotar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica em condições semelhantes àquelas em que esse instituto tem aplicação geral.
Mas há uma particularidade trazida com o parágrafo 5º. do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor que permite que a desconsideração da personalidade jurídica possa (deva) ser aplicada, quando a pessoa jurídica constitua, de alguma forma, “obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”, o que significa dizer que o Código de Defesa do Consumidor abrandou de modo sensível os requisitos do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, valendo-se para tanto de um conceito jurídico-legal indeterminado.
Parte da doutrina denomina de modo despropositado essa regra como “teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica”, quando, por óbvio, não se trata de uma “teoria menor”, senão que de uma verdadeira extensão na aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, ao conceder ao juiz o poder de perscrutar as circunstâncias da realidade material subjacente para identificar se a constituição de uma pessoa jurídica pode ter representado, “de alguma forma” (eis aí o conceito jurídico-legal indeterminado), um obstáculo à satisfação do crédito do consumidor, caso em que o juiz pode e deve decretar a desconsideração da personalidade jurídica, sem a necessidade de que esteja presente qualquer daqueles requisitos previstos no “caput” do artigo 28.
A elasticidade que está presente na expressão “de alguma forma” atende à finalidade que o legislador do Código de Defesa do Consumidor quis prestigiar, concedendo ao juiz um salutar e eficiente poder discricionário destinado a identificar e caracterizar a situação material subjacente, aplicando a medida da desconsideração da personalidade jurídica de modo mais elástico, quando, sem essa medida, o consumidor encontraria um considerável obstáculo à satisfação de seu crédito. Portanto, não se trata de uma “teoria menor”, senão que uma teoria estendida da desconsideração da personalidade jurídica.
Destarte, quando se configura uma relação jurídico-material de consumo, o juiz dispõe de um considerável poder hermenêutico para, extraindo do conceito indeterminado previsto no parágrafo 5o. do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor o que possa ser avaliado com um real obstáculo que tenha sido erigido em prejuízo da satisfação do direito subjetivo do consumidor, aplicando-se, pois, a medida da desconsideração da personalidade jurídica como azada forma de remoção desse obstáculo.
Não se trata, portanto de uma “teoria menor” da desconsideração da personalidade jurídica, senão que de uma teoria estendida, porque baseada diretamente no poder discricionário que é concedido ao juiz para extrair de um conceito indeterminado previsto no artigo 28, parágrafo 5º., do Código de Defesa do Consumidor, um conteúdo e um alcance que permitam uma aplicação mais elástica da norma legal à realidade de uma relação jurídica de consumo.
Aliás, quando a jurisprudência, a pretexto de estar a aplicar a “teoria menor”, diz que “basta que o consumidor demonstre o estado de insolvência do fornecedor ou o fato de a personalidade jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados”, e que não se deve exigir prova de abuso ou fraude, tampouco de confusão patrimonial, para aplicação da desconsideração, ela mesmo a jurisprudência está a dizer que se trata de uma estendida, que nada tem de “menor”, senão que a menor capacidade de alguns doutrinadores e operadores do direito de darem nomes adequados aos institutos com os quais estejam a lidar. Mas, afinal, o que é um nome? Indaga SHAKESPEARE em “Romeu e Julieta”, pois que “Se outro nome tivesse a rosa, em vez de rosa, /Deixaria de ser por isso perfumosa”.