CONTRIBUIÇÃO PARA O SISTEMA DE ASSISTÊNCIA MÉDICO-HOSPITALAR

CONTRIBUIÇÃO PARA O SISTEMA DE ASSISTÊNCIA MÉDICO-HOSPITALAR. POLICIAL MILITAR QUE EM AÇÃO ANTERIOR OBTÉM A DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO. PRETENSÃO A RETORNAR AO SISTEMA. ÓBICE DECORRENTE DA COISA JULGADA MATERIAL, DE CUJOS EFEITOS O AUTOR NÃO PODE ABRIR MÃO, QUANDO HÁ RESISTÊNCIA DA RÉ. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.”

Vistos.

Depois de obter, noutro processo, provimento jurisdicional que, declarando a inexistência de determinada relação jurídico-material, reconheceu-lhe o direito a desligar-se do regime jurídico de assistência médico-hospitalar que o vinculava à CAIXA BENEFICENTE DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, e de ter transitado aquele julgado, está o autor, (…) nesta novel a ação, a pretender seja reinserido naquele regime jurídico, de modo que passe a recolher a contribuição da ordem de 2% (dois por cento), para que de tal regime possa utilizar-se, assim como seus dependentes econômicos.

Citada, a ré, CAIXA BENEFICENTE DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, arguindo a ilegitimidade passiva, e em se contrapondo à pretensão, invoca a prevalência da coisa julgada material gerada no processo que o autor ajuizara e no qual obtivera o direito de desligar-se do regime jurídico, não podendo pretender seja reinserido nele, seja porque isso caracterizaria ofensa à coisa julgada material, seja porque o retorno do autor não atende aos interesses da ré, baseados no equilíbrio econômico-financeiro.

Nesse contexto, FUNDAMENTO e DECIDO.

Configura-se a legitimidade passiva.

Mas é improcedente o pedido.

Com efeito, como bem argumentou a ré, a pretensão do autor não pode ser acolhida porque o autor não pode, a seu talante, abrir mão dos efeitos da coisa julga material que se projetaram sobre uma relação jurídico-material da qual um outro integrante participara ativamente (a ré). A dizer: os efeitos da coisa julgada material gerada sobre a relação jurídico-material projetam-se para o futuro, a obstar que o autor ou o réu provoquem uma nova análise sobre questões já decididas definitivamente. Como afirma MOACYR AMARAL SANTOS, “O que ficou decidido, com autoridade de coisa julgada material, é imutável perante o mesmo ou outro juiz, no mesmo ou em outro processo”. (“Comentários ao Código de Processo Civil”, IV volume, p. 452, Forense editora).

A interessante questão processual que esta demanda apresenta diz respeito exatamente àquele aspecto que conduziu LIEBMAN a sustentar que a autoridade da coisa julgada material não constituía um mero efeito da sentença, mas uma sua qualidade, um modo de ser e do manifestarem-se seus efeitos. Vale lembrar que até a década de quarenta, a doutrina processual entendia que a coisa julgada material era apenas mais um dos efeitos que a sentença produzia, e que esse efeito era declaratório, pois se entendia que a coisa julgada consistia na força vinculante da declaração, quer se apresente por si só na sentença, quer seja acompanhada de um efeito constitutivo. Assim, para essa corrente, a sentença produzia sempre um efeito declaratório e era esse efeito o que caracterizava a coisa julgada material, tida, pois, como um efeito da sentença. LIEBMAN demonstrou o desacerto dessa posição, ao sustentar que os efeitos do provimento jurisdicional (declaratório, constitutivo e condenatório) não podem ser confundidos com a coisa julgada material, porque está vem a agregar àqueles efeitos uma estabilidade que eles próprios não possuem. Daí acentuar LIEBMAN “Identificar a declaração produzida pela sentença com a coisa julgada material significa, portanto, confundir o efeito com um elemento novo que o qualifica”. (Eficácia e Autoridade da Sentença, p. 20).

E exatamente essa distinção doutrinária que se retoma ao analisar o conteúdo desta lide, porque o que o autor quer em verdade obter é que se considere a coisa julgada material produzida no anterior processo como um efeito distinto do efeito constitutivo-negativo que obteve na sentença, ou seja, que se considere a coisa julgada material como um efeito declaratório, ao lado do efeito constitutivo-negativo produzido com a sentença que determinou a extinção da relação jurídico-material que o vinculava à ré. Se isso pudesse prevalecer, o autor poderia argumentar que o que formou a coisa julgada foi apenas um efeito declaratório da sentença, mas não o efeito constitutivo-negativo, que assim, livre da coisa julgada material, poderia ser objeto de uma nova ação, permitindo-se-lhe, pois, rediscutir a relação jurídico-material, buscando obter, como ocorre nesta demanda, a constituição de uma nova relação jurídico-material, já que não abarcada no efeito da coisa julgada material, circunscrito tal efeito à coisa julgada material. De sorte que, como o efeito constitutivo da sentença não suportaria a coisa julgada material, desse efeito vantajoso o autor poderia abrir mão, ao rediscutir, nesta nova demanda, a mesma relação jurídico-material. Essa é, pois, a interessante questão processual que se analisa nos limites desta demanda.

Ocorre, entretanto, que em nosso sistema processual civil em vigor (seja no Código de 1973, seja naquele que lhe sucedeu), a coisa julgada material não é um efeito da sentença, mas, sim, uma qualidade que se lhe acresce, para aumentar-lhe a estabilidade sobre todos e quaisquer efeitos gerados pela sentença, a abarcar, pois, o efeito constitutivo. Assim, se o juiz, em sentença, desconstituiu uma determinada relação jurídica, e ocorre o trânsito em julgado, esse efeito constitutivo-negativo torna-se imutável pela autoridade da coisa julgada material, a obstar que, no futuro, o autor ou o réu queiram novamente discuti-lo.

Considere-se o caso presente: o autor, no anterior processo, formulou pedido de natureza constitutiva-negativa, porque queria que o juiz, acolhendo tal pretensão, desfizesse o vínculo jurídico com a ré, e, acolhida a pretensão, assim sucedeu, porque se determinou “o desligamento” do autor da condição de contribuinte do regime jurídico de assistência médico-hospitalar. Esse efeito constitutivo-negativo da sentença tornou-se imutável a partir do momento em que àquela sentença agregou-se a coisa julgada material, que com sua autoridade obsta que se rediscuta sobre a mesma relação jurídico-material.

Importante observar que não se trata, essa relação jurídico-material, de uma relação de trato continuado, porque o que se discutiu naquela demanda dizia respeito ao regime jurídico em si, que foi extinto em relação ao autor no momento em que a coisa julgada material surgiu.

Destarte, como o réu não aceita que se afaste a coisa julgada material, porque não quer trazer à discussão uma causa já julgada definitivamente, e o Código de Processo Civil permite-lhe exercer tal direito, a pretensão do autor encontra óbice na coisa julgada material.

POSTO ISSO, em virtude do óbice decorrente da coisa julgada material, declaro extinto este processo, sem resolução do mérito, por aplicação subsidiária do artigo 485, inciso V, do novo Código de Processo Civil.

Quanto a encargos de sucumbência, prevalece a regra do artigo 55 da Lei federal de número 9.099, de modo que, em não se tendo caracterizado a prática pelo autor de ato de litigância de má-fé, não se lhe pode impor o pagamento de qualquer encargo dessa natureza, sequer honorários de advogado. Beneficia-se o autor da gratuidade.

Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.

São Paulo, em 15 de fevereiro de 2019.

VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO