APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL. RELAÇÃO JURÍDICO-MATERIAL QUE SE QUALIFICA COMO DE CONSUMO. AUTOR-APELANTE QUE AFIRMA QUE O RÉU-APELADO FEZ APLICAR “ALTAS TAXAS DE JUROS”, ALÉM DE OS CAPITALIZAR, CONFIGURANDO-SE UM QUADRO DE ONEROSIDADE EXCESSIVA – QUE A R. SENTENÇA, CONTUDO, NÃO RECONHECEU, DECLARANDO A IMPROCEDÊNCIA DESTES CAPÍTULOS, DEPOIS DE APLICAR A TÉCNICA DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE.
APELO DO AUTOR SUBSISTENTE EM PARTE. CONTROVÉRSIA FÁTICO-JURÍDICA QUE FORMA A ESTRUTURA DA DEMANDA E QUE EXIGE A PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL, SEM O QUE É IMPOSSÍVEL ALCANÇAR-SE, COM O GRAU DE SEGURANÇA EXIGIDO A UM PROVIMENTO JURISDICIONAL QUE É PROFERIDO EM COGNIÇÃO PLENA E EXAURIENTE, A CERTEZA DE QUE NÃO TERÁ HAVIDO ONEROSIDADE EXCESSIVA EM DESFAVOR DO CONSUMIDOR.
SENTENÇA QUE, EM ESSÊNCIA, RECONHECE A VALIDEZ ABSOLUTA DO QUE FORMALMENTE CONTRATADO, COMO SE NÃO HOUVESSE A POSSIBILIDADE JURÍDICO-LEGAL DE O CONSUMIDOR CONTROVERTER JUDICIALMENTE ACERCA DE ASPECTOS EM RELAÇÃO AOS QUAIS AFIRMA TER SUPORTADO ONEROSIDADE EXCESSIVA.
NECESSIDADE DE O JUÍZO DE ORIGEM, PORTANTO, APROFUNDAR O EXAME DA MATÉRIA FÁTICA, O QUE PASSA PELA PRODUÇÃO DA PROVA PERICIAL, NÃO SE LHE PERMITINDO A DISPENSE SOB COLOR DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PERSUASÃO RACIONAL. PRINCÍPIO QUE, EM SENDO UM MANDAMENTO DE OTIMIZAÇÃO, DEVE TER SEU CONTEÚDO EXTRAÍDO DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO EM CONCRETO.
EQUIVOCADO O ENTENDIMENTO DE QUE SE TERIAM NESTA DEMANDA QUESTÕES EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO. MATÉRIA FÁTICA QUE, DE RESTO, É A NUCLEAR NO CONTEXTO DO QUE FORMA A ARGUMENTAÇÃO DO AUTOR, NO SENTIDO DE QUE ESTARIA A SUPORTAR ONEROSIDADE EXCESSIVA DECORRENTE DAS TAXAS DE JUROS QUE LHE FORAM APLICADAS.
GARANTIA A UM PROCESSO JUSTO QUE, SOBRETUDO DIANTE DE UMA RELAÇÃO DE CONSUMO, DEVE PROPICIAR AO AUTOR CONTE COM A PRODUÇÃO DE TODAS AS PROVAS QUE POSSAM FACILITAR A SUA DEFESA, INCLUSIVE PARA FUNDAMENTAR, SE O CASO, A APLICAÇÃO DA TÉCNICA DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – TÉCNICA QUE É DE JULGAMENTO, CONVÉM SUBLINHAR.
SÚMULAS EMANADAS DE TRIBUNAL DE SUPERPOSIÇÃO QUE, NÃO DOTADAS DE EFEITO VINCULANTE, NÃO PODEM DISPENSAR A ANÁLISE DE SEU CONTEÚDO E EVENTUAL APLICAÇÃO AO CASO EM CONCRETO, EM QUE O PAPEL HERMENÊUTICO DO MAGISTRADO É AINDA MAIS REFORÇADO PELO QUE PREVÊ O ARTIGO 8º. DO CPC/2015.
PERSPECTIVA DE ANÁLISE ADOTADA PELO JUÍZO DE ORIGEM QUE NÃO CUIDOU LEVAR EM CONSIDERAÇÃO, EM TODA A SUA INTEIREZA, TRATAR-SE DE UMA RELAÇÃO JURÍDICO-MATERIAL-PROCESSUAL DE CONSUMO, EM FACE DA QUAL SE DEVEM APLICAR AS NORMAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, AS QUAIS REFORÇAM A NECESSIDADE DE SE PROPICIAR AO CONSUMIDOR A GARANTIA A UM PROCESSO JUSTO, O QUE PASSA PELO DIREITO A RECEBER UMA SENTENÇA QUE, ANALISANDO O MÉRITO DA PRETENSÃO, TENHA SIDO PROFERIDA QUANDO TODOS OS ELEMENTOS DE INFORMAÇÃO ESTIVEREM À DISPOSIÇÃO DO MAGISTRADO, O QUE NÃO OCORREU.
ALEGAÇÃO DA PARTE RÉ DE QUE OS JUROS CONTRATADOS CONTAM COM PREVISÃO LEGAL QUE, POR ÓBVIO, NÃO FAZ ENCERRAR A DISCUSSÃO, NA MEDIDA EM QUE O CONSUMIDOR CONTA COM O DIREITO – DE MATRIZ CONSTITUCIONAL – A CONTROVERTER SOBRE A RAZOABILIDADE DOS JUROS EFETIVAMENTE APLICADOS, EM UMA ANÁLISE QUE DEVE SER FEITA COM BASE NO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, APLICADO COMO IMPORTANTE MATERIAL HERMENÊUTICO NAS RELAÇÕES DE CONSUMO, NÃO SE DESCURANDO AINDA DO BEM CONSIDERAR O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.
SENTENÇA FORMALMENTE NULA. RECURSO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDO. SEM A FIXAÇÃO DE ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA.
RELATÓRIO
Recurso de apelação interposto contra r. sentença de fls.250/254, que julgou improcedente o pedido de revisão de contrato bancário, cumulado com pedido de restituição dos valores e de indenização por danos morais, ajuizado sob o argumento de abusividade dos juros remuneratórios aplicados ao contrato.
Alega o autor-apelante a abusividade dos juros remuneratórios, pugna pela reforma da sentença para o fim de que seus pedidos sejam julgados procedentes.
Recurso tempestivo, isento de preparo (o autor é beneficiário da gratuidade da justiça) e contrarrazoado.
FUNDAMENTAÇÃO
O recurso do autor comporta parcial provimento: é formalmente nula a r. sentença, com efeito.
Conquanto tivesse o juízo de origem qualificado como de consumo a relação jurídico-material objeto da lide, não extraiu todos os efeitos ajustados à essa situação material-processual. Limitou-se o juízo de origem a desenvolver uma perspectiva de análise bastante limitada, puramente formal, sem submeter os argumentos que formam a causa de pedir da ação a uma análise substancial, como é a que deve ser feita quando a relação jurídico-material-processual é de consumo, como neste caso, em que não se possa excluir exista ao menos verossimilhança nas alegações do autor.
Quando se configura uma relação jurídico-material-processual de consumo, e quando não se pode excluir exista verossimilhança no que alega o consumidor, o magistrado deve fazer aplicar dois importantes princípios que possuem status constitucional: o princípio da proporcionalidade, aplicado como material hermenêutico nas relações de consumo, na medida em que a Constituição de 1988 erigiu um direito fundamental de proteção ao consumidor, exigindo do Estado lhe propicie o acesso à uma defesa, o que evidentemente se aplica no campo do processo civil; o outro princípio é o da razoabilidade.
Pois bem, da aplicação desses dois princípios constitucionais o juízo de origem descurou, adotando uma perspectiva de análise puramente formal como dito, em que analisou a relação contratual como se não fosse uma relação de consumo. E está aí o busílis, porque o CPC/2015 impõe ao juiz que, ao aplicar o ordenamento jurídico em vigor, atenda aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana, e observando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, e também o da legalidade, que, como se sabe, não se limita a uma legalidade puramente formal, senão que se exige que o magistrado examine a lide em especial com base na legalidade substancial, que nada mais é do que a proporcionalidade.
Ao fazer aplicada a técnica do julgamento antecipado da lide, o juízo de origem proferiu sentença sem dispor de importantes elementos de informação, sem os quais não poderia ter chegado a uma conclusão segura, nomeadamente se tivesse analisado a lide sob a perspectiva dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, o que era de rigor o fizesse já que, como sublinhado, trata-se de uma relação de consumo.
Há, é certo, como observou o juízo de origem, súmulas emanadas de Tribunal de superposição que versam sobre questões jurídicas que compõem esta lide, mas daí não se deve concluir que exista aqui, neste caso, matéria exclusivamente jurídica, o que legitimaria a aplicação da técnica do julgamento antecipado da lide, sobretudo diante de uma lide que é de consumo. O autor-apelante, com efeito, coloca sob controvérsia a razoabilidade das taxas de juros efetivamente aplicadas, em um contexto em que se lhe é de reconhecer o direito a buscar uma tutela jurisdicional que aprecie essa matéria, depois que todas as provas necessárias tiverem sido produzidas.
Diante, pois, das alegações do autor de que os juros cobrados seriam desproporcionais e desarrazoados, nesse contexto fático-jurídico não se pode ter um julgamento adequado senão depois que todos os elementos de informação tiverem sido colhidos no processo. A prova pericial, portanto, é de fundamental importância, porque sem ela não é possível aferir, com segurança, se as taxas de juros cobradas são ou não proporcionais ou razoáveis, em uma análise que deve ser feita quando se configura uma relação de consumo.
Não é incomum que, para justificar o emprego da técnica do julgamento antecipado, invoque-se o princípio da persuasão racional. Há, todavia, de lembrar que todo princípio jurídico deve ser sempre encarado como um mandamento de otimização, o que significa dizer, como afirma ROBERT ALEXY, que seu conteúdo deve extraído com base nas circunstâncias do caso em concreto, o que, aplicado a este caso, desautoriza tivesse sido adotada a técnica do julgamento antecipado da lide, dispensada a produção de uma prova indispensável, como é a prova pericial.
As palavras de DINAMARCO são de truz:
“O moderno constitucionalismo brasileiro é particularmente empenhado na oferta de garantias ao sistema processual, explicitando princípios integrantes da tutela constitucional do processo (…). Por sua vez, a lei do processo civil opta, em cada país e em cada momento histórico, por uma série de soluções no tocante aos meios técnicos a aplicar para o exercício da jurisdição conforme os ditames superiores hauridos na Constituição – e tal é o modelo infraconstitucional do processo, que Brasil atual apresenta feições muito definidas.
“(…) Cada processo que se instaura deve ser o espelho do modelo posto de modo abstrato na Constituição e na lei, de modo que cada um deles seja em si um processo justo e équo – não se reputando tal quando se afastar do modelo (…)”. (“Instituições de Direito Processual Civil”, volume II, p. 24, 5ª. Edição, Malheiros editores).
Um dos grandes méritos de MARX, dizem alguns de seus especialistas, está em ter conduzido a Filosofia a fazer a travessia de uma especulação puramente abstrata, como era aos moldes de Hegel, para uma interpretação do mundo a partir da economia. Devemos refletir se isso não ocorreu também com o Direito.
Com efeito, se formos aos grandes teóricos do Direito como Savigny, Ihering, Hans Kelsen, Karl Larenz, constataremos que a preocupação estava toda centrada na estrutura e linguagem jurídicas, com questões teóricas que se relacionavam aos conceitos de norma, dever-ser e meios pelos quais se poderiam interpretar a norma e seu enunciado normativo. À semelhança da Filosofia, pode-se dizer que o Direito estava então a viver a era de sua especulação teórica e puramente abstrata, sem qualquer preocupação com a realidade, bem diferente do que sucede hoje, em que o Direito passou a interpretar o objeto de sua ciência como o reflexo de uma interpretação econômica da realidade.
Mas em que momento ocorreu a passagem de uma Ciência do Direito puramente especulativa para aquilo que a terá transformado em uma ciência econômica, e que efeitos isso está a produzir no campo da hermenêutica jurídica?
Vemos a cada dia um número crescente de decisões judiciais totalmente alicerçadas em aspectos puramente econômicos, ou formais, os quais passaram a ocupar a centralidade dentre os métodos de interpretação jurídica, substituindo aqueles tradicionais métodos antes baseados na lógica e na razão. Mas há que preponderar, e prevalecer sempre a ideia que subjaz na garantia a um processo justo, em que a lógica do razoável não pode ser desprezada.
Súmulas constituem relevante material hermenêutico, sem dúvida, e devem ser levadas em consideração pelo magistrado, mas que não deve superdimensionar sua importância, a ponto de se as conceber como tendo dado a palavra final sobre uma determinada questão jurídica. Quando as súmulas não possuem o caráter vinculante, ou seja, quando não são de aplicação obrigatória, devem ser interpretadas e aplicadas ao caso em concreto se há razão que isso o justifique, de resto como ocorre com as normas legais.
Há quem alegue que o Poder Judiciário, ao rever contratos bancários, analisando-os sob o aspecto da razoabilidade, estaria a gerar insegurança jurídica, aumentando o chamado “Custo Brasil”, acerca do que escreveu o professor ARMANDO CASTELAR PINHEIRO em ensaio sob o título ‘A Justiça e o Custo Brasil”, em que sob o fundamento de que o Poder Judiciário foi instado a participar mais ativamente da vida econômica do Brasil, afirma que cabe à Justiça “fortalecer a segurança jurídica”, e que isso deveria conduzir a tornar “automática” a aplicação de súmulas vinculantes, em especial as que tratam de temas econômicos. Felizmente não chegamos a tanto, porque são ainda raras as teses jurídicas vinculantes e obrigatórias em temas dessa natureza. E tanto melhor sejam mesmo poucas, porque do contrário se suprimiria do juiz o poder de pensar e de refletir, sem o que, aliás, não há Estado de Direito.
O bom senso tem sempre que prevalecer, e com ele a preservação da garantia a um processo justo, o que significa deva o Poder Judiciário analisar a lide em todas as perspectivas que a formam, adotando a decisão mais justa possível, ainda que isso possa de algum modo aumentar o “Custo Brasil”, que, aliás é um conceito bastante difuso, bastando lembrar o recente episódio noticiado pelos jornais de que o Governo Federal assustou-se com o grau de exonerações fiscais concedidas a diversas empresas e bancos, aspecto que, sem dúvida, também aumenta o “Custo Brasil”.
Nos últimos anos, experimenta-se no Brasil uma clara tentativa de enfraquecer o sistema de proteção criado pelo Código de Defesa do Consumidor, e infelizmente esse fenômeno, que é de origem legislativa, tem contado com a contribuição de alguns operadores do Direito, que desconsideram a singularidade das relações de consumo, tratando-as como se fossem uma relação contratual comum, em que bastaria um exame apenas formal das cláusulas contratuais, sem as considerar sob a perspectiva da proporcionalidade e razoabilidade.
Trata-se, pois, do mesmo fenômeno que fez surgir a “Lei do Endividamento”, que é apenas o solapar o alicerce do Código de Defesa do Consumidor, o que comprova quão acertado estava MARX em sua percuciente observação quanto à relação que existe e que deve ser percebida pelos operadores do Direito entre a infraestrutura e a superestrutura, e como aquela (a infraestrutura), de natureza essencialmente econômica, busca a todo momento afetar a superestrutura jurídica, materializada no direito positivo, como ocorre com leis econômicas, produzidas por quem defende um Estado absolutamente liberal.
Leis que reproduzam a base econômica, impactando a superestrutura naquilo que se mostre necessário para que prevaleça a base econômica, e não os direitos subjetivos que, incorporados ao direito positivo, integram a superestrutura jurídica de um país. Recordemos do que escreveu LOUIS ALTHUSSER a respeito:
“Qualquer pessoa pode compreender facilmente que esta representação de toda a sociedade como um edifício que comporta uma base (infraestrutura) sobre a qual se erguem os dois ‘andares’ da superestrutura, é uma metáfora, muito precisamente, uma metáfora espacial: uma tópica. Como todas as metáforas, esta sugere, convida a ver alguma coisa. O quê? Pois bem, precisamente isto: que os andares superiores não poderiam ‘manter-se’ (no ar) sozinhos se não assentassem de fato na sua base.
“A metáfora do edifício tem portanto como objetivo representar a ‘determinação em última instância’ pelo econômico. Esta metáfora espacial tem por efeito afetar a base de um índice de eficácia conhecido nos célebres termos: determinação em última instância do que se passa nos ‘andares’ (da superestrutura) pelo que se passa na base econômica”. (“Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado”, tradução por Joaquim José de Moura Ramos, p. 26-27, Editorial Presença – Portugal – Livraria Martins Fontes – Brasil).
O que justifica a tática empregada recentemente em alguns diplomas legais no Brasil, tática que consiste em solapar as garantias reconhecidas aos consumidores em normas legais que compõem a superestrutura jurídica, mas não por meio da revogação dessas normas legais, o que se revelaria bastante difícil de se alcançar, senão que pela criação de normas que esvaziam de sentido e de função as normas de proteção a direitos que estão previstos no Código de Defesa de Consumidor, colocando o consumidor aquém de um mínimo razoável de proteção jurídica, o que passa pela efetiva garantia a um processo justo, entendido como tal um processo que tenha permitido o aprofundamento de todas as questões que formam a lide, não examinadas em uma vertente puramente formal, em uma interpretação tão somente literal de cláusulas embutidas em contrato bancário.
Por ror vezes, obtempera-se que se deve considerar como “excepcional” a revisão de contrato como aquele sobre o que versa esta demanda, excepcionalidade que decorreria de se dever considerar como indevida a interferência judicial na liberdade de contratar, e que por isso, conquanto o artigo 6º., inciso V, do Código de Defesa do Consumidor consagre em favor do consumidor o direito processual a controverter acerca de cláusulas contratuais, quando as afirme onerosas, essa liberdade deveria ser limitada, limitadíssima segundo essa posição jurisprudencial. E com isso o consumidor está no pior dos mundos, porque se os contratantes podem discutir o contrato sob diversas perspectivas (são inúmeras as ações ajuizadas entre empresas nas quais o que se pretende não é senão que rever cláusulas contratuais), ele, o consumidor, está vedado de o fazer, como se seu direito constitucional de ação devesse sofrer uma “capitis diminutio”, visto que somente poderia discutir aspectos formais do contrato, e não pretender que o Poder Judiciário possa aprofundar essa análise por meio da aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Ou seja, aquele direito processual que a Constituição da República de 1988 protege em favor do consumidor está a sofrer uma limitação tão importante que, na prática, esvaziou-se esse direito.
Argumenta-se também, naquela linha de jurisprudência, que, como o contrato bancário apresenta certas peculiaridades, não bastaria ao consumidor invocar a aplicação, por exemplo, de instrumentos como o da “calculadora do cidadão”, que é uma ferramenta engendrada pelo Governo Federal e colocada à disposição do consumidor como forma de o conscientizar de seus direitos. Pois bem, grande parte da jurisprudência afirma que, a despeito dos resultados que a “calculadora do cidadão” revela, e que são comumente trazidos na peça inicial da ação, não se tratar de um elemento de informação, porque particularidades do contrato bancário deveriam ser consideradas. Mas é exatamente para isso que a perícia é necessária.
Recente julgado emanado do egrégio Superior Tribunal de Justiça, conquanto afirme excepcional a revisão de cláusulas de contrato bancário, observa interessante aspecto:
“(…) O fato de a taxa contratada de juros remuneratórios estar acima da taxa média de mercado, por si só, não configura abusividade, devendo ser observados, para a limitação dos referidos juros, fatores como o custo de captação dos recursos, o spread da operação, a análise de risco de crédito do contratante, ponderando-se a caracterização da relação de consumo e eventual desvantagem exagerada do consumidor (…)”. (AgInt no AREsp n. 2.353.641/RS, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 13/11/2023, DJe de 16/11/2023).
De relevo atentar para o emprego do verbo “ponderar” no contexto do mencionado julgado de tribunal de superposição, a bem demonstrar que a questão acerca da onerosidade excessiva deve ser perscrutada com base nas circunstâncias do caso em concreto, e de resto não poderia ser diferente, considerando que existir ou não onerosidade excessiva é questão que, em parte, é fática, na medida em que o magistrado precisa conhecer de modo completo sobre que taxas de juros foram cobradas, qual a média do mercado, qual o risco que estava envolvido na concreta operação de crédito.
Tudo para dizer que neste caso a r. sentença é de ser reconhecida como formalmente nula, ao ter colocado a esfera jurídica do consumidor, digo, do autor em uma situação de evidente desequilíbrio no processo, na medida em que não pôde contar com a produção de uma prova que é indispensável à demonstração de que terá ele, o autor, suportado onerosidade excessiva. O julgamento antecipado da lide causou esse desequilíbrio.
Impõe-se ao juízo de origem profira decisão de organização e saneamento, indicando as questões fático-jurídicas sob controvérsia e determinando a produção da prova pericial para uma completa compreensão do que diz respeito à taxa de juros aplicada, de molde que o juízo de origem disponha desses importantes elementos de informação ao tempo em que estiver a proferir uma nova sentença, em que deverá analisar ainda se a técnica da inversão do ônus da prova deverá ou não ser aplicada, sobrevindo uma análise a mais completa possível da realidade material subjacente, que, em sua raiz, pode ser e é uma realidade econômica, mas não sendo essa a sua única natureza, porque, em se tratando de uma relação de consumo, aspectos de natureza social devem também ser examinados.
Por meu voto, pois, dou parcial provimento ao recurso do autor, declarando a nulidade formal da r. sentença, determinando ao juízo de origem adote as providências aqui estabelecidas.
Sem a fixação de encargos de sucumbência.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
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