CONTRATO DE SEGURO EM PLANO DE SAÚDE PELA MODALIDADE REEMBOLSO. INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA FORA DA REDE CREDENCIADA. DIREITO SUBJETIVO RECONHECIDO. PREVALÊNCIA DA LIBERDADE DE ESCOLHA, SUJEITA, CONTUDO, A LIMITAÇÕES CONTRATUAIS. VALIDADE DAS CLÁUSULAS QUE LIMITAM O REEMBOLSO INTEGRAL AOS PRIMEIROS TRINTA DIAS DE INTERNAÇÃO. COBERTURA CONTRATUAL RECONHECIDA. TEMA 1032 DO C. STJ. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, RECONHECIDA A NATUREZA E A FINALIDADE DO CONTRATO COMO DE REEMBOLSO, E NÃO DE CUSTEIO.
RELATÓRIO
(…), qualificado nos autos, busca obter provimento cominatório para impor ao réu, (…), com o qual mantém contrato coletivo por adesão em plano de saúde sob a modalidade de reembolso, a obrigação de custear de maneira integral tratamento médico sob a modalidade de internação em clínica psiquiátrica a que o autor sujeitou-se, devendo prevalecer a cobertura contratual que, segundo o autor, garante-lhe a escolha da clínica, integre ou não a rede credenciada do réu, liberdade contratual que decorre sobretudo por não dispor o réu de clínica que pudesse lhe propiciar o tratamento especializado necessário a seu quadro clínico, como descrito na documentação médica.
A r. sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos, declarando a existência da cobertura contratual, mas cuidando ressalvar que, em se tratando de internação psiquiátrica em clínica que não integra a rede credenciada do réu, o custeio, conquanto deva ser integral, é de ser limitado a trinta dias de internação, após o que o custeio passa a ser de metade para cada parte contratante. Estabelecido na sentença regime de sucumbência recíproca.
Recurso de apelação interposto pelo réu, que alega não ter a r. sentença considerado a existência de clínicas da rede credenciada que podiam realizar o tratamento prescrito ao autor, e que houve em tempo hábil a indicação dessas clínicas, e que se há considerar ainda que o contrato é de seguro e de reembolso nos limites contratualmente definidos, de modo que, em tendo o autor optado por realizar o tratamento em clínica que não integra a rede credenciada, prevê o contrato que para essa hipótese prevaleça não o custeio, senão que o reembolso, e observados ainda os limites contratuais quanto a valores e prazo de internação.
Recurso tempestivo e instruído com preparo. Contrarrazões apresentadas.
Distribuído o processo para julgamento do recurso de apelação, seu trâmite foi suspenso na aguarda do que viesse a ser decidido pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema 1032 (fls. 460/461).
FUNDAMENTAÇÃO
Registre-se que o egrégio Superior Tribunal de Justiça, em incidente de processo repetitivos, fixou a seguinte tese:
“Nos contratos de plano de saúde não é abusiva a cláusula de coparticipação expressamente ajustada e informada ao consumidor, à razão máxima de 50% (cinquenta por cento) do valor das despesas, nos casos de internação superior a 30 (trinta) dias por ano, decorrente de transtornos psiquiátricos, preservada a manutenção do equilíbrio financeiro.” (Tema 1032).
Tese cujo conteúdo e alcance aplica-se nesta demanda, de modo que se há concluir que, em compasso com tal entendimento jurisprudencial, agiu com acerto a r. sentença ao declarar a existência de relação jurídico-material, consubstanciada na cobertura contratual para o tratamento psiquiátrico sob a forma de internação, observando a r. sentença, outrossim, que o contrato firmado entre as partes não suprime do autor a escolha de clínica que não integra a rede credenciada da ré, conquanto nesse caso imponha o contrato certas limitações, as quais subsistem, porque não colocam a posição contratual do autor aquém de uma proteção mínima, o que conduz à conclusão de que o recurso de apelação deve ser parcialmente provido.
Com efeito, tratando-se de um contrato de seguro em plano de saúde pela modalidade reembolso – e não sob a forma de custeio –, é de rigor reconhecer-se a liberdade contratual em favor do autor quanto à escolha da clínica, de maneira que ainda que existam clínicas da rede credenciada do réu que poderiam fornecer o mesmo tipo de tratamento especializado, o contrato não veda a que o autor optasse por não realizar o tratamento nessas clínicas, mas naquela que atendia melhor a seus interesses.
Liberdade contratual que é de se reconhecer em favor do autor, mas sujeita a limitações que o contrato expressamente prevê, as quais devem prevalecer, ainda na hipótese de o tratamento médico poder se caracterizar como de urgência. Nesse contexto, perscrutemos acerca do conflito entre posições jurídicas entre apelante e apelado, ponderando acerca das circunstâncias do caso em concreto, para decidir se tais limitações impostas no contrato tornam a posição jurídico-contratual do autor aquém de um necessário.
Devemos sobretudo ao jurista alemão, CLAUS-WILHELM CANARIS, à tese, hoje consolidada, de que também às relações jurídicas de direito privado aplicam-se as normas de direitos fundamentais, a serem compreendidos nesse específico contexto como imperativos de tutela, projetando efeitos sobre as relações jurídico-privadas, quando estas estão a ser interpretadas e aplicadas, de modo que o conteúdo e a extensão dos direitos fundamentais passam a atuar como importante material hermenêutico para a interpretação e aplicação de normas contratuais. É o que aqui se leva a cabo.
Destarte, com a necessária aproximação metodológica do Direito Civil ao Direito Constitucional, estabeleceu-se o entendimento de que no campo do direito privado, sobretudo no campo das relações de consumo, deva ser aplicado o princípio constitucional da proporcionalidade, antes reservado às relações entre o Estado e o particular. CANARIS demonstrou que as normas de direito fundamental projetam efeitos como imperativos de tutela e, assim, de interpretação sobre o conteúdo das normas de direito privado.
No caso em questão, é de rigor analisar se o reembolso previsto no contrato, e não o custeio, não estaria a colocar a esfera jurídica do autor sob uma ineficaz proteção, ou seja, aquém de um mínimo razoável e justo, na hipótese em que prevaleça o regime contratual de reembolso, afastando-se o custeio pretendido pelo autor – e a conclusão a que se chega é que esse tipo de contrato é válido por não colocar a esfera jurídica do apelado sob uma proteção jurídica insuficiente, na medida em que o objetivo da contratação era o de garantir ao apelado um reembolso em caso de tratamento psiquiátrico, reembolso, pois, que atende à finalidade do contrato e a uma proteção justa à esfera jurídica do contratante. Ao firmar o contrato, o apelado tinha pleno conhecimento do objeto que contratava: o reembolso de despesas médicas.
Há razão, pois, na argumentação do apelante no sentido de que o contrato não prevê custeio, senão que reembolso. Esse é o objeto do contrato, e como tal fora livremente aceito pelo autor, de modo que a r. sentença não pode prevalecer quando, sem razão que o legitime, transmuda esse regime jurídico de reembolso de despesas médicas a seu custeio, devendo prevalecer a natureza do contrato, que, a como se fez referência, não coloca a esfera jurídica do apelado sob uma ineficiente ou injusta ou desproporcional proteção jurídica.
Também se deve reconhecer a prevalência da liberdade contratual no que concerne a uma limitação prevista no contrato, quando estabelece que o reembolso deva ser integral, mas apenas durante os primeiros trinta dias de internação, após o que esse reembolso é de ocorrer sob a forma de uma coparticipação de 50% (cinquenta por cento), entre as partes contratantes, em um rateio do custo do tratamento, limitação contratual que também não coloca a esfera jurídica do apelado aquém de uma justa e proporcional proteção jurídica.
Necessário sublinhar ainda que as cláusulas contratuais, nomeadamente aquelas pelas quais se estabelecem o objeto do contrato, sua finalidade e o regime jurídico-legal a aplicar-se, essas cláusulas atendem perfeitamente ao que prevê o artigo 6º., inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, por conterem uma redação clara e objetiva quanto ao conteúdo e alcance do que fora contratado, não criando nenhum óbice à intelecção do apelado, que, assim, tinha inequívoco conhecimento de que o objeto contratado era tão-somente o reembolso de despesas médicas, e não seu custeio, estando aí um quid que bem diferencia o contrato de seguro do contrato de plano de saúde, de maneira que, em se tratando de contratos de natureza tão diversa, não se pode aplicar a um as normas que são próprias doutro.
Destarte, conquanto a r. sentença tenha acertadamente declarado existir cobertura contratual ao tratamento psiquiátrico de que necessitou o autor sob a forma de internação, reconhecendo nesse contexto como válida a cláusula contratual que limita no tempo o reembolso integral, incidiu, contudo, em equívoco quando, sem razão justa e em desacordo com o princípio do devido processo legal substancial, transmudou o regime jurídico a que está submetido o contrato, que não prevê o custeio, senão que apenas o reembolso.
Pois bem, pelo meu voto conheço do recurso de apelação interposto pela ré e a ele dou parcial provimento, determinando se observe o regime jurídico do contrato – que é o regime de reembolso ao tratamento médico, e não o de custeio –, modificada a r. sentença nesse aspecto, mantida, contudo, no que diz respeito ao correto reconhecimento da prevalência da vontade em favor do apelado quanto à liberdade de escolha da clínica, declarando-se nesse contexto a existência de cobertura contratual ao tratamento em questão, mas com a observância da cláusula que limita o reembolso integral ao trigésimo dia de internação, após o que se deve aplicar a regra contratual que estabelece uma coparticipação em partes iguais entre apelante e apelado no custeio do tratamento em questão.
Quanto aos encargos de sucumbência, entendo, tal como sucedera em primeira instância, que o autor sucumbiu em parte mínima de sua pretensão, não reconhecendo, portanto, exista sucumbência recíproca, de maneira que por esses encargos deve responder exclusivamente a ré. E aplicando o artigo 85, parágrafo 11, do CPC/2015, majoro os honorários de advogado, para que agora sejam calculados em 11% (onze por cento) sobre o valor da causa, devidamente corrigido.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
RELATOR