Recurso de Apelação
DECLARAÇÃO DE VOTO DIVERGENTE – EM JULGAMENTO ESTENDIDO
Com todo o respeito que é deveras merecido ao pensamento jurídico exposto no Voto elaborado pelo eminente Desembargador Relator, “concessa venia”, dele divirjo, pelas razões que a seguir explicito e desenvolvo, observando desde já que, pelo meu voto, é de se dar integral provimento ao recurso de apelação interposto pela ré.
A autora é empregada inativa dos quadros da ré (…), e ao tornar-se inativa tivera seu plano de saúde, até então administrado pela operadora (…), migrado para um outro plano e outra administradora (…), e até a migração, segunda afirma a autora, não se aplicava reajuste pelo critério da faixa etária, o que depois passou a ocorrer, o que fez majorado sensivelmente o preço, além de se ter criado um regime de discrímem entre os empregados em atividade e os inativos, na medida em que os primeiros beneficiam-se de um contrato de plano de saúde que não prevê o reajuste por fator de idade, regime que, de acordo com o que aduz a autora, não observa a tese jurídica (tema 1.034) fixada pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça, que determina a existência de um igualdade de modelo de pagamento e do valor da contribuição, e que somente se pode adotar uma cláusula que tenha sido contratada tanto para os ativos, quanto aos inativos, e é exatamente nesse contexto que pugna a autora por se declarar a existência de relação jurídica que lhe reconheça o direito a beneficiar-se, como inativa, do plano de saúde denominado (…), que é destinado apenas aos empregados em atividade, de modo que assim se fará observar a igualdade de modelo de plano de saúde, eliminando-se a distinção que hoje existe em desfavor dos inativos, não apenas quanto à cláusula de reajuste por idade a que estão submetidos, diversamente do que sucede com os empregados em atividade, senão que também poderão os empregados inativos a contar com a mesma rede credenciada de hospitais, laboratórios e médicos.
Aduziu a ré em contestação que, ao contrário do que afirma a autora, aplicou-se a tese jurídica fixada acerca da intelecção do artigo 31 da lei federal 9.656/1998, e se constatou que a autora não faz jus à permanência no plano de saúde denominado (…), em que estava enquanto em atividade, porquanto nesse tipo de plano não qualquer contribuição de parte do empregado, senão na hipótese em que, nos termos do contrato, imponha-se a aplicação de um regime de coparticipação de acordo com a utilização de determinado serviço abrangido pela cobertura contratual, e esse regime de coparticipação não é juridicamente como de contribuição, enfatizando a autora que na ocasião em que trocou de operadora dos planos de saúde, que passaram a ser administrados pela (…) a partir de 1º. de julho de 2019, depois da elaboração de uma nota técnica, chegou-se à conclusão de que havia a necessidade de se colocarem os empregados em atividade sob um plano específico (…), enquanto os inativos foram colocados em um outro plano (…), (…) com uma modificação que é imposta por uma especial característica presente no universo dos empregados em inatividade, qual seja, a de devem pagar integralmente a mensalidade do plano, situação jurídica que determinou se adotasse a modalidade de pré-pagamento, diversa da modalidade aplicada ao plano dos empregados em atividade, que é a modalidade do pós-pagamento em custo operacional, mas não havendo entre um e outro desses regimes distinção senão quanto à modalidade de pagamento e reajustes por faixa etária e com base no critério da sinistralidade, de acordo com as decisões da agência reguladora, esclarecendo a ré que, a partir de maio de 2021, as mensalidades dos planos de saúde dos inativos passaram a ser custeadas integralmente pelos próprios inativos, sem que houvesse mais a partir dali uma espécie de subsídio de parte da ré, feito por sua mera liberalidade, e que o valor que passou a ser cobrado da autora e de todos os demais inativos é o mesmo valor cobrado quando da migração a uma nova operadora do plano, não tendo havido a aplicação de nenhum reajuste por fator de idade, ao contrário do que afirma a autora que, no entender da ré, estaria a agir com má-fé processual nesse particular. Quanto à cláusula que prevê reajuste por fator de idade no plano de saúde dos inativos, sustenta a ré que a autora quer obter “o melhor dos mundos”, por querer pagar preços de planos empresariais e sem se sujeitar ao reajuste por faixa etária.
A r. sentença, julgando parcialmente procedentes os pedidos, determinando às rés que “mantenham o plano de saúde do autor e seus dependentes com igualdade aos ativos, sendo impedida de exclui-los, devendo cobrar exatamente o valor integral cobrado pelo plano dos ativos(cota ativo acrescido da cota da empresa), (…) mantendo a paridade entre os planos (…)”. Registre-se que os embargos declaratórios não foram conhecidos.
Ambas as partes interpuseram recurso de apelação – e pelo meu voto, àquele interposto pela ré deve ser dado integral provimento, desprovido, por consequência, o da autora.
A rigor, não se deve falar que o egrégio Superior Tribunal de Justiça fixou tese jurídica quando tratou do tema de número 1.034, pois que propriamente fixou mais de uma tese jurídica, como se pode ver do conteúdo do v. Acórdão, que para “definir quais condições assistenciais e de custeio do plano de saúde vem ser mantidas a beneficiários inativos, nos termos do artigo 31 da lei 9.656/1998, estabelece:
a) “Eventuais mudanças de operadora, de modelo de prestação de serviço, de forma de custeio e de valores de contribuição não implicam interrupção da contagem do prazo de 10 (dez) anos previsto no art. 31 da Lei n. 9.656/1998, devendo haver a soma dos períodos contributivos para fins de cálculo da manutenção proporcional ou indeterminada do trabalhador aposentado no plano coletivo empresarial.”
b) “O art. 31 da lei n. 9.656/1998 impõe que ativos e inativos sejam inseridos em plano de saúde coletivo único, contendo as mesmas condições de cobertura assistencial e de prestação de serviço, o que inclui, para todo o universo de beneficiários, a igualdade de modelo de pagamento e de valor de contribuição, admitindo-se a diferenciação por faixa etária se for contratada para todos, cabendo ao inativo o custeio integral, cujo valor pode ser obtido com a soma de sua cota-parte com a parcela que, quanto aos ativos, é proporcionalmente suportada pelo empregador.”
c) “O ex-empregado aposentado, preenchidos os requisitos do art. 31 da Lei n. 9.656/1998, não tem direito adquirido de se manter no mesmo plano privado de assistência à saúde vigente na época da aposentadoria, podendo haver a substituição da operadora e a alteração do modelo de prestação de serviços, da forma de custeio e os respectivos valores, desde que mantida paridade com o modelo dos trabalhadores ativos e facultada a portabilidade de carências.”
Portanto, foram fixadas teses que, interpretadas apenas em seu sentido literal, poderiam colidir uma com a outra, exigindo do intérprete que, aplicando os critérios fixados pela Heurística, supere esse conflito de interpretação.
Com efeito, se o empregado não possui o direito adquirido a manter-se no mesmo plano de saúde em que estava ao tempo em que se aposentou, e se a operadora do plano de saúde pode substituir esse plano, como também pode mudar o modelo de prestação de serviços, bem assim da forma de custeio e dos respectivos valores, como está fixado na alínea “c” do tema 1.034, daí decorre que a empregadora não estaria obrigada a adotar um só modelo único para empregados ativos e inativos, porque, em podendo mudar o modelo de prestação de serviços, com modificação na forma de custeio e de valores, isso não a obstaria de criar um modelo para os ativos e outros aos inativos.
Mas então se obtemperaria que a alínea “b” determina que deva existir um plano de saúde coletivo único, e é precisamente nesse ponto que se cria um conflito entre interpretações, se considerarmos sob uma interpretação literal o conteúdo das alíneas “b” e “c”.
Conflito de interpretações que nos conduz ao filósofo francês, PAUL RICOEUR e à sua preciosa obra “O Conflito das Intepretações – Ensaios de Hermenêutica”, em que analisa o problema do duplo sentido que conduz o hermeneuta a uma encruzilhada que o texto lhe coloca, porque “é o texto que possui um sentido múltiplo”, obrigando-o a vencer esse obstáculo, a vencer um afastamento para poder apropriar-se do texto e dele extrair o melhor sentido – e isso deve também suceder com a interpretação jurídica, como outro filósofo, GADAMER, também cuida observar.
Destarte, diante da encruzilhada a que as alíneas “b” e “c” nos leva, havendo, pois, um conflito de interpretações, é imperioso superar esse obstáculo, e para isso nos parece suficiente enfatizar que há um quid que estabelece a principal diferença entre um regime jurídico e outro, quando tratamos do plano de saúde dos empregados inativos e aquele dos ativos, pois que há uma diferença irredutível que há entre esses planos e que radica na especial circunstância de que o modelo aplicado aos inativos nunca poderá ser o mesmo dos ativos, porque estes nada contribuem com o custeio do plano, enquanto os inativos o devem fazer integralmente, e esse aspecto obviamente repercute no campo do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de plano de saúde e como os cálculos atuariais o podem comprovar, porque se adotado o modelo de pré-pagamento em lugar do de pós-pagamento haverá ineludivelmente diferenças no equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Há, portanto, diferenças conaturais aos planos de saúde destinados aos inativos e ao destinado aos empregados em atividade, e essas diferenças são, como dito, irredutíveis, o que significa dizer que não se pode ter um plano único rigorosamente igual, porque o modelo de custeio é acentuadamente diverso em um e outro das situações em que o empregador custeia integralmente, e noutra situação em que ao empregado inativo compete esse custeio integral. E se existem diferenças conaturais, o Direito positivo as deve levar em conta na definição de cada regime jurídico, que não pode ser igual quando se trata de coisas diferentes em sua natureza, significado e efeitos.
Parece-me, portanto, que, diante do conflito de interpretações que se revela presente se tomarmos as alíneas “b” e “c” que formam o conteúdo do tema 1.034, e se queremos superar esse conflito, devemos interpretar ambas as alíneas no sentido de que se reconhecer que os inativos possuem o direito subjetivo a contarem com um plano de saúde semelhante tanto quanto possível àquele que a empregadora propicia aos empregados em atividade, salvo quando às características conaturais aplicadas apenas ao plano de saúde dos ativos, o que repercute no modelo de custeio e no equilíbrio econômico-financeiro do contrato, não se obstado que a empresa empregadora crie um plano específico aos inativos, como fez a ré, respeitando a igualdade de cláusulas naquilo em que essa igualdade de tratamento jurídico justificar-se, o que não sucede, por exemplo, em cláusula de reajuste por fator de idade, que, desde que prevista no contrato, é de ser aplicada por se tratar de uma cláusula válida e proporcional ao fim à que se destina, tratando-se, pois, de uma cláusula de reajuste é conatural ao contrato de plano de saúde dos inativos, porque a estes cabe exclusivamente o custeio integral do plano de saúde, que conquanto se possa dizer que é um contrato coletivo empresarial, quando se trata de um servidor inativo que o custeia integralmente, provoca importante mudança nesse tipo de contrato, que não deixa de ser um contrato coletivo empresarial, mas que passa a sofrer influxo decorrente de se ter modificado o contratante que o custeia, que deixa de ser o empregador para ser o empregado, cujas condições de idade constituem um fator com reflexo no campo atuarial e, portanto, no campo do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Sendo a empregadora quem custeia integralmente o plano de saúde do empregador em atividade, não há sentido em fixar cláusula de reajuste por idade, mas isso está presente no contrato que é custeado integralmente pelo empregado.
No caso em questão, sobreleva considerar que a ré demonstrou que não há distinção de regime jurídico no que toca ao uso da rede credenciada e de demais serviços inerentes à cobertura contratual, e é nesse aspecto que a igualdade está a ser observada.
Por tais razões, e com todo o respeito que merecem as posições em contrário, entendo que a autora não possui o direito subjetivo a querer se beneficiar de um contrato de plano de saúde que, por seu regime próprio, somente pode ser aplicado aos empregados em atividade, sobretudo quando a sua ex-empregadora lhe coloca à disposição um contrato que é destinado ao universo de seus empregados em inatividade, não havendo distinção entre um e outro desses tipos de contrato, salvo quanto a características que particularizam o respectivo regime contratual. A pretensão também se haveria julgar improcedente quanto a se declarar a invalidez de cláusula que prevê reajuste por idade.
É como voto.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE