Processo número 1054056-74.2018
Juízo de Direito da 3ª Vara do Juizado Especial de Fazenda Pública
Vistos.
Quer o autor, (…), qualificado a folha 1, invalidar duas das autuações por infração de trânsito que foram lavradas pela ré, MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO, alegando o autor a ocorrência de “bis in idem”, de modo que, invalidadas essas autuações, perderia a justa causa o procedimento de suspensão do direito de dirigir que lhe foi instaurado pelo corréu, DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂSITO – DETRAN/SP.
Citado, o réu, DETRAN/SP, contestou, alegando que lhe coube apenas extrair das autuações registradas no prontuário do autor a consequência jurídico-legal que está fixada pelo Código Nacional de Trânsito, qual seja, a de instaurar contra o autor o procedimento de suspensão do direito de dirigir veículo automotor.
A ré, MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO, não contestou e foi reconhecida a sua revelia.
Aplicando-se o artigo 9º. da lei federal 12.153/2009, requisitou-se à ré, MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO, informações necessárias ao esclarecimento da causa – informações que ela prestou.
Nesse contexto, FUNDAMENTO e DECIDO.
A revelia não produz nesta demanda seu principal efeito – o da presunção de veracidade, seja porque esse efeito não se aplica contra ente público, seja porque a matéria discutida neste processo é exclusivamente jurídica.
Pois que o autor afirma configurar-se “bis in idem” em duas das autuações de trânsito que lhe foram aplicadas, dada a diminuta diferença de horários em que as infrações teriam ocorrido, e ainda o mesmo local registrado nas autuações.
Há no Direito um princípio segundo o qual não se pode admitir, para diversos efeitos, o “bis in idem”, o que significa, em linhas gerais, que se um fato guarda com outro relações tão próximas, deve-se caracterizar um como continuação doutro, de modo que se se trata de infrações, uma apenas deve ser considerada. Trata-se de um princípio imanente ao Direito, ou seja, não está positivado na maioria das vezes em que dele se cuida. É o que sucede com o Código Nacional de Trânsito, que não prevê o “bis in idem” quanto a autuações por infração de trânsito. Mas como se trata de um princípio imanente, ainda que não haja norma legal, é possível aplicá-lo.
Importante observar que para a caracterização do “bis in idem” não é necessário que os fatos sejam rigorosamente iguais; basta que as circunstâncias de tempo e lugar sejam tão próximas a ponto de se poder concluir que um fato está diretamente relacionado ao primeiro, ao ponto de se poder afirmar que o segundo fato é continuação do primeiro. Situação que se caracteriza no caso presente.
Com efeito, o autor foi autuado por três vezes no dia 18 de agosto de 2017 na via Anchieta, perímetro urbano desta Capital, com uma diferença entre a primeira autuação e a terceira de cinco minutos, sendo que entre essas autuações a segunda delas se separa da primeira em três minutos e da terceira em dois minutos. As três autuações referem-se praticamente ao mesmo local, com pequena distância. É de relevo observar que as três autuações referem-se a uma mesma infração: a de transitar com veículo em faixa ou via exclusiva.
Destarte, diante dessas circunstâncias de tempo e de lugar, tão próximas entre si, pode-se concluir que está caracterizado o “bis in idem”, de forma que a segunda e terceira autuações configuram-se como continuação da primeira, e assim apenas esta (a primeira autuação) deve prevalecer e produzir seus efeitos, dado que, vedado em nosso ordenamento jurídico o “bis in idem”, aplicando-se essa vedação também às relações jurídicas alcançadas pelo Código Nacional de Trânsito, as duas autuações, a segunda e a terceira, são invalidadas, de forma que não podem produzir contra o autor quaisquer efeitos.
Daí porque falta justa causa à instauração do procedimento de suspensão do direito de dirigir, que é assim também invalidado.
POSTO ISSO, caracterizado o “bis in idem” quanto a duas das autuações aplicadas contra o autor (a segunda e a terceira daquelas descritas na peça inicial), vedando o nosso ordenamento jurídico o “bis in idem”, declaro inválidas essas duas autuações, o que conduz a que se declare faltar justa causa à instauração do procedimento de suspensão do direito de dirigir veículo automotor contra o autor, procedimento assim também invalidado, de modo que JULGO PROCEDENTE a pretensão, declarando a extinção deste processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do novo Código de Processo Civil.
Quanto a encargos de sucumbência, prevalece a regra do artigo 55 da Lei federal de número 9.099, de modo que, em não se tendo caracterizado a prática pelos réus de ato de litigância de má-fé, não se lhes pode impor o pagamento de qualquer encargo dessa natureza, sequer honorários de advogado.
Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.
São Paulo, em 22 de julho de 2020.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO