CENSURA PRÉVIA

CENSURA PRÉVIA
Valentino Aparecido de Andrade

A cada vez que surge uma decisão judicial que impõe uma censura prévia, despertam-se queixas de que a censura, qualquer que ela seja, é sempre uma medida abominável e que em um Estado de Direito deve-se preservar a liberdade a todo custo. Esquecem os críticos de que a censura prévia muitas vezes é aplicada em razão da necessidade de colocar-se sob proteção jurisdicional uma determinada situação de risco, que, sem esse controle, poderia produzir irreversíveis efeitos fáticos, o que aliás é a origem do processo cautelar.

Lembremo-nos do exemplo prático trazido pelo grande sistematizador do processo cautelar, PIERO CALAMANDREI, ao se referir a um episódio da vida real francesa, em que uma mulher, artista renomada, tomara conhecimento de que um outro artista, um escultor, resolvera reproduzir a sua imagem nua em uma escultura, que seria fixada em um espaço ao qual muitas pessoas teriam acesso. Aguardasse a artista que o dano ocorresse, com a exposição pública de sua imagem, para buscar a tutela jurisdicional definitiva, e os efeitos dessa exposição tornar-se-iam evidentemente irreversíveis. Diz CALAMANDREI que a jurisprudência, estimulada como sói ocorre pela vida real, tratou de engendrar a tutela cautelar, que, aplicada ao caso em questão, materializou-se em uma toalha com a qual a escultura foi coberta, até que se decidisse no processo se o escultor possuía ou não a liberdade artística para expor a imagem nua daquela mulher. O processo cautelar surge nesse contexto histórico.

Constatemos que o caso da censura prévia é bastante semelhante ao episódio francês. Se o juiz não impõe a censura prévia, e a publicação ocorre, nada mais resta senão que a reparação civil do dano, porque o dano já se terá como irreversível no plano fático.

Acerca da liberdade e de sua proteção, a lembrança é do filósofo ISAIAH BERLIN, que foi o primeiro, antes mesmo dos juristas e dos tribunais, a engendrar a única forma de solucionar conflitos de interesses envolvendo a liberdade, pela aplicação do princípio da proporcionalidade. Isso aconteceu em 1958, e no mesmo ano, curiosamente, o Tribunal alemã viria aplicar pela primeira vez o princípio da proporcionalidade, ainda no campo da jurisdição penal.

Pois bem, afirma BERLIN que a liberdade está todo o tempo a colidir com outros direitos, e por isso é necessário ponderar as circunstâncias de cada caso em concreto, para que se decida se a liberdade deve prevalecer ou não. Enquanto isso não é possível de fazer no processo judicial, a tutela cautelar deve ser empregada para assegurar que uma situação fática não se torne irreversível, não se podendo olvidar que a única irreversibilidade verdadeira é a fática, porque no plano jurídico tudo pode ser reversível, o que, contudo, não significa que o Direito possa apagar os danos que já se tenham produzido, e se tornado irreversíveis no plano fático.

Enfatizemos, outrossim, que o fato de ter o CPC/2015 optado por suprimir o processo cautelar como processo autônomo ampliou, em certa medida, o poder cautelar do juiz, agora materializado sob as modalidades das tutelas provisórias urgência, eliminando um problema que a autonomia do processo cautelar inevitavelmente trazia consigo, ao criar, quase sempre, uma dúvida sobre a natureza e a finalidade da medida que se buscava obter, dada a acentuada afinidade que existe entre a tutela jurisdicional que busca apenas proteger daquela que tem por objetivo não apenas proteger, mas a de satisfazer, havendo um espaço de superposição entre a tutela cautelar e a de natureza antecipada que a realidade material provoca, problema que deixou de existir no CPC/2015 ao integrar ao processo de conhecimento a tutela cautelar.