As metáforas do jogo no processo civil

Valentino Aparecido de Andrade
Juiz de Direito/SP e Mestre em Direito

Hoje já não é mais tão comum associar-se o processo civil a um jogo, como fazia, por exemplo, o conhecimento processualista italiano, PIERO CALAMANDREI, o que, contudo, não significa que essa analogia tenha perdido o seu fundamento. Procuraremos demonstrar exatamente o contrário; e para isso nos utilizaremos aqui de algumas noções desenvolvidas por correntes do Estruturalismo, que podem e devem ser transpostas à ciência do processo civil.

Foi LUDWIG WITTGENSTEIN, operando com barreiras linguísticas no campo da Filosofia, quem primeiro teve a atenção despertada para a íntima relação que existe entre linguagem e jogo, dando azo a que viessem a ser construídas as principais teorias dos jogos, com uma fértil aplicação em diversas áreas do conhecimento.

Estudando a linguagem, e a associando a um jogo de xadrez, WITTEGENSTEIN afirma que as palavras são também ações e que essas ações ocorrem em um ambiente semelhante ao de um jogo de xadrez, no qual os jogadores executam determinados papeis, submetidos a determinadas regras.

Se considerarmos o processo civil, podemos associar os litigantes à figura de jogadores, cuja atuação no processo civil está regida e demarcada por regras, tendo estas o poder de tornar abstrato o conflito de interesses. Surge nesse contexto o que o Estruturalismo denomina de “metáfora do jogo”, entendida esta como uma espécie de modelo teórico que atua em um determinado sistema formal, em que a linguagem está presente na ação de cada um dos litigantes. O processo civil é, portanto, um sistema formal estruturado com base na linguagem.

O Estruturalismo também fez compreender que não se pode considerar apenas sob uma perspectiva racional os passos dados por cada um dos jogadores, como se estes estivessem a cumprir racionalmente as regras do jogo. Há, com efeito, motivações nada racionais que os litigantes podem ter, e efetivamente têm, e que são de natureza emotiva ou pessoal, e muitas vezes escondidas ou escamoteadas. Daí porque os movimentos dos litigantes no processo civil podem e devem ser examinados sob a perspectiva desenvolvida pelo Estruturalismo.

Isso nos leva ao conjunto de deveres que estão previstos no artigo 77 do CPC/2015 (os deveres que se referem à litigância de má-fé). Em especial os deveres de dizer a verdade e o de não formular pretensão ou apresentar defesa, quando ciente estiver o litigante de que são destituídas de fundamento (incisos I e II do artigo 77).

Pois que constatamos como os movimentos dos litigantes equiparam-se a atos de linguagem, e que ocorrem em um processo como um sistema formal, e como esses atos devem ser examinados muitas vezes não em termos de uma verdade, mas sob a forma de atos que buscam determinado ganho ou vitória, dentro de um ambiente que, sob essa perspectiva, é de ser comparado a um jogo.

Mas quando falamos em jogo, devemos pensar necessariamente no conceito de variabilidade, o que significa reconhecer no caso do processo civil a possibilidade de os litigantes adotarem comportamentos bastante variáveis, sobretudo em função de um aspecto que muita vezes é descurado: o de que não são as regras do processo civil que dominam o processo civil, senão que as regras do direito material é que o dominam, porque é o direito material o centro com base no qual se decide a sorte do processo. Daí se poder afirmar que as regras do processo civil são a regra do jogo, mas que não dominam o jogo, o que é de importância considerar quando se trata das metáforas do jogo no processo civil.

A ciência do processo civil perdeu muito quando abandonou a compreensão do processo equiparado a um jogo, deixando de considerar e de utilizar as conquistas alcançadas pelas diversas correntes do Estruturalismo e das teorias dos jogos. Uma dessas perdas é a total falta de compreensão do que representam e como atuam as “metáforas do jogo” no processo civil. Quiçá as ideias de JACQUES DERRIDA, expostas em “Estrutura, Signo e Jogo no Discurso das Ciências Humanas”, pudessem fazer o processualista compreender o que sucede quando uma regra do jogo é deslocada pelo próprio jogo.

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