A RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO, ESSA DESCONHECIDA”

A RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO, ESSA DESCONHECIDA
Valentino Aparecido de Andrade

Conquanto em vigor há vários anos (desde 1990), e integrado à vida do brasileiro de uma maneira admirável, o Código de Defesa do Consumidor não foi bem compreendido por um grande número dos operadores do Direito, o que significa dizer que a relação jurídica de consumo é ainda uma desconhecida, quando se trata de a analisar no bojo de um processo judicial.

Muitos operadores do Direito, especialmente juízes, tratam-na como se ela fosse em tudo similar à relação privada, olvidando daquilo que a individualiza, que é precisamente o fato de a Constituição de 1988 ter, ela própria, assumido a sua proteção jurídica (artigo 5o., inciso XXXII), consubstanciada no Código de Defesa do Consumidor, cujas normas (regras e princípios) foram ideadas para conferirem ao juiz um poder hermenêutico maior do que ele dispõe quando está a lidar com uma relação privada tratada pelo Código Civil: um poder hermenêutico compatível, portanto, com a status jurídico-constitucional dessa proteção jurídica, embutida em um sistema processual específico, o que, aliás, seria para já suficiente a demonstrar que há na relação jurídica de consumo aspectos que a singularizam, seja no campo da relação material, seja sobretudo no campo da relação processual.

Regras nucleares, como as que formam o conteúdo dos direitos básicos do consumidor, previstas no artigo 6o. do Código de Defesa do Consumidor, não são percebidas como direitos fundamentais. E o mesmo ocorre com o elenco do artigo 39, que trata das práticas abusivas, cuja interpretação é indevidamente feita com base em valores e critérios que são os do Código Civil, como se a relação de consumo em nada pudesse se distinguir da relação privada, como se as cláusulas que compõem muitos dos contratos em que está caracterizada uma relação de consumo devessem ser interpretadas de acordo com o está literalmente escrito no contrato.

Há juízes que, diante de uma relação de consumo, desconhecem o poder que a Constituição lhes confere, por exemplo, o de declararem, de ofício, a nulidade de uma cláusula contratual quando se constata que, aplicada a cláusula, a esfera jurídica do consumidor estará colocada em uma situação de importante desequilíbrio, esses juízes não fazem senão que, tímida e comodamente, aplicar literalmente a cláusula contratual, sem a submeter a uma análise que passa pelo princípio da proporcionalidade, cuja aplicação à relação de consumo é o que constitui o quid que a caracteriza.

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