A INSEGURANÇA JURÍDICA COMO VALOR

Legal law

A INSEGURANÇA JURÍDICA COMO VALOR
Valentino Aparecido de Andrade

Desde há muito perceberam alguns que a insegurança jurídica é um valor positivo, tanto quanto o é a segurança jurídica. Utilizam-se da insegurança jurídica como um instrumento para obterem vantagens, que a rigor são praticamente as mesmas que a segurança jurídica traz. Aliás, não há ordenamento jurídico que possa existir sem a insegurança jurídica. Basta lembrar que é impossível ao Legislador prever e regular todas as situações que a realidade e apenas ela produz, surgindo nesse espaço as omissões legislativas, campo fértil à insegurança jurídica.

Mas não é apenas em decorrência das omissões legislativas que a insegurança jurídica surge e medra. As decisões judiciais também as podem produzir, e devem mesmo as produzir, porque é saudável que acerca de um mesmo tempo tenham-se decisões diferentes conforme o ponto de vista de cada juiz. A riqueza do Direito está exatamente aí, em abranger decisões as mais variadas, que muitas vezes se complementam entre si, e não se excluem.

Razões de ordem prática, contudo, podem obrigar o Legislador a, excepcionalmente, criar instrumentos que façam eliminar a controvérsia e o pensar sobre ela, de maneira que, em prevalecendo a decisão de um tribunal, os juízes não possam decidir de maneira diferente, prestigiando-se assim o valor da segurança jurídica. A rigor a coisa julgada é um instrumento dotado dessa mesma finalidade prática, a de produzir a segurança jurídica.

Destarte, quando a coisa julgada é abrandada, criando-se exceções, o que se está é alimentar a insegurança jurídica, tanto quanto sucede quando existem as omissões legislativas, quando não se pode prever, com alguma margem de previsibilidade, qual será o resultado de uma demanda judicial.

Um ministro do Supremo Tribunal Federal, em um artigo sob o simbólico título “Quem contratou a insegurança jurídica?”, publicado em um importante jornal brasileiro, afirma que “alguns atores econômicos”, com o objetivo de eternizarem privilégios tributários “inexplicavelmente concedidos por magistrados recalcitrantes”, haviam apostado na insegurança jurídica, com o que buscavam obter, e obtiveram vantagens econômicas, e que para combater esse deletério efeito é que o Supremo Tribunal Federal resolvera considerar que a coisa julgada material somente olha para o passado e não para o futuro quando se trata de tributos, os quais se caracterizam por serem uma relação de trato sucessivo, na medida em que o fato gerador ocorre com certa periodicidade, e que por isso o que aqueles atores econômicos haviam conseguido em ações transitadas em julgado eram efeitos localizados em um determinado tempo passado, não se prolongando ao futuro.

Como sabem os operadores do Direito, dentre as ações, a ação de provimento meramente declaratório é aquela que se presta mais diretamente a proteger a segurança jurídica. Nosso grande processualista, CELSO AGRÍCOLA BARBI, escreveu em 1955 uma obra que se tornou clássica, “Ação Declaratória – Principal e Incidente”, em que analisa, com mão de mestre, a fonte histórica da ação declaratória, sua natureza jurídica e finalidade, enfatizando, com apoio em CHIOVENDA, que é condição específica à ação declaratória a existência de uma dúvida objetiva, que será eliminada exatamente com o provimento jurisdicional que declarar existir, ou não existir uma determinada relação jurídica, com efeitos que se projetam no tempo exatamente para proteger a segurança jurídica que se logrou conquistar com o sucesso da demanda. Com efeito, como se poderia obter segurança jurídica por meio da ação declaratória se o réu, logo a seguir, argumentasse que o provimento declaratório ficou no passado, junto com a sentença?

Que os tributos, sobretudo os impostos, caracterizam-se quase sempre como uma relação jurídica de trato sucessivo, não há dúvida. O imposto de renda, o ICMS e o IPI são tributos cujo fator gerador ocorre com a periodicidade que a Lei prevê, ou mais precisamente quando o fato gerador ocorre, o que, contudo, não quer dizer que a coisa julgada material deva ser abrandada, ou melhor desconsiderada quando o que o contribuinte obteve em termos de tutela jurisdicional é a declaração de, inexistindo a relação jurídico-tributária, não pode ser obrigado a pagar o tributo. Será necessário analisar, portanto, qual o objeto da ação de provimento meramente declaratória, e aqui mais uma vez nos socorremos do mestre CELSO AGRÍCOLA BARBI, que salientava a importância de se precisar qual o objeto da ação declaratória, porque será sobre esse objeto que a coisa julgada material se formará.

Tinha o Fisco instrumentos processuais e por meio deles poderia ter buscado a prevalência do julgado do STF. Isso enquanto a coisa julgada material ainda não havia produzido efeitos. Se não o fez, se ficou inerte, deixando que a coisa julgada surgisse, não lhe resta senão que aceitar, como todo contribuinte, a prevalência da coisa julgada. Se o Poder Judiciário colmata essa omissão, fazendo o que o Fisco não fez, está em verdade a gerar a insegurança jurídica, conquanto pense que esteja a fazer o inverso.