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A CORREÇÃO MONETÁRIA É MOEDA?
Valentino Aparecido de Andrade
Essa se tornou a nuclear questão surgida em julgamento concluído ontem pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, em que se analisava se deveriam incidir o imposto de renda (IR) e a contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) sobre o valor surgido da correção monetária em aplicações financeiras. O STJ apreciou a questão no bojo de um incidente de julgamentos repetitivos, fixando a seguinte tese jurídica, com a nota de aplicação obrigatória às instâncias inferiores: “O IR e a CSLL incidem sobre a correção monetária das aplicações financeiras, porquanto essas se caracterizam, legal e contabilmente, como receita bruta na condição de receitas financeiras componentes do lucro operacional”.
Perscrutou-se nesse julgamento acerca da natureza jurídica da correção monetária, e o STJ definiu que a correção monetária deve ser entendida como uma “moeda”, visto que, pactuada ou não a correção monetária, ela é parte do rendimento da aplicação financeira, e se é parte, submete-se às mesmas regras da aplicação financeira.
Destarte, se os tributos em questão incidem sobre a aplicação financeira, devem incidir, pela mesma razão, sobre tudo que a compõe, inclusive a correção monetária, decidiu o STJ.
Mas a correção monetária é mesmo moeda?
Comecemos por entender que a correção monetária somente existe porque há um fenômeno inflacionário que causa, com o tempo, a perda do valor da moeda, de maneira que a correção monetária tem por única finalidade o de recompor essa perda diante da inflação. Não houvesse inflação, e não haveria razão para que existisse a correção monetária.
É importante ainda observar que não é a lei, nem é o governo que podem dizer que uma economia é desindexada, porque se trata aí de uma realidade em face da qual o Direito e a Política nada podem fazer, senão que a aceitarem como ela é na realidade. A lei e o governo brasileiro podem dizer que não temos hoje uma economia desindexada, mas isso não quadra com a realidade na medida em que a correção monetária está a ser aplicada, o que pressupõe a ocorrência do fenômeno inflacionário. E se há inflação, a economia é sim indexada. A propósito, temos desde há muito tempo uma grande variedade de indexadores, caso do “IGP-M”, “IPC-A”, a demonstrar que a nossa economia é indexada, e a correção monetária existe exatamente para evitar o prejuízo que a inflação nos causa.
A correção monetária não é moeda, senão que se trata apenas do instrumento criado pela Economia para a manter (a moeda) com seu principal predicado: seu valor de uso. A correção monetária é, assim, um instrumento, ou seja, um acessório que se aplica à coisa principal (a moeda) para fazer com que esta coisa principal mantenha a sua essência. Não há relação de gênero e espécie, senão que uma relação de utilidade entre uma coisa e seu acessório, e de um acessório que é dispensável conforme a realidade das coisas, pois como destacado, se não houvesse inflação, não haveria a necessidade da correção monetária.
E se a correção monetária é um acessório em relação à moeda, porque sua finalidade é apenas a de restaurar o valor da moeda, quando atingido esse valor pela inflação, não há considerar a correção monetária como moeda, seja no plano da realidade econômica, seja ainda no campo jurídico-tributário, a não ser que se conceda ao Legislador um poder ilimitado e desarrazoado, utilizado para mudar a essência das coisas.
Se alguém faz uma aplicação financeira e obtém lucro, isso não se deve à correção monetária, mas a algo diverso dela, como são os juros que incidem sobre as aplicações financeiras, além dos lucros. Cada aplicação financeira, dentre as inúmeras com as quais o nosso mercado lida e dispõe ao público em geral, caracteriza-se por sua específica composição. Há, com efeito, fundos mútuos, ações, títulos públicos, incidindo aí fatores como os da liquidez, risco e da rentabilidade. O investidor, com efeito, espera receber de volta não apenas o capital investido, senão que também um “plus”, que é o lucro. A correção monetária não pode ser considerada lucro, porque é imanente a qualquer aplicação financeira a garantia de que o valor que será restituído será ao menos aquele que faz recompor o valor da moeda diante da inflação. O lucro parte do pressuposto de que a correção monetária já tenha feito a sua parte, garantindo a mantença do valor da moeda.
Portanto, se a correção monetária não é a moeda, senão que um acessório que busca preservar seu valor em face da inflação, não pode ser objeto de tributação pelo imposto de renda e pela CSLL, porque não se trata de lucro obtido com aplicação financeira. Correção monetária não é lucro, por toda a evidência.