A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL (OU DA AUSÊNCIA DELA)
Valentino Aparecido de Andrade
Fugindo ao que é comum (e mesmo àquilo que se poderia esperar de um texto constitucional), a Constituição de 1988 não explicita quais são as matérias da competência da Justiça Eleitoral, diversamente, pois, do que faz com os demais Tribunais. Em relação ao Supremo Tribunal Federal, por exemplo, o artigo 102 da Constituição fixa o rol de matérias que são de sua competência exclusiva, fazendo o mesmo em relação ao Superior Tribunal de Justiça, cujo campo de competência está previsto no artigo 105 da Constituição de 1988, que ainda estabelece, por seu artigo 108, a competência dos Tribunais Regionais que compõem a estrutura da Justiça Comum Federal, fazendo o mesmo com relação à Justiça do Trabalho (artigo 114).
Mas, curiosamente, no caso da Justiça Eleitoral não há uma norma constitucional que fixe a sua competência. Há apenas um dispositivo, o do artigo 14, parágrafo 10, da Constituição de 1988, que, em tratando dos direitos políticos dos parlamentares, prevê que compete à Justiça Eleitoral analisar o pedido de cassação do mandato, cassando-o quando houver “provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude”. A Constituição de 1988 ainda se refere expressamente à prestação de contas como matéria da competência exclusiva da Justiça Eleitoral.
A Constituição de 1988, portanto, não fixa o elenco de matérias da Justiça Eleitoral, adotando um modelo diverso daquele que adotou para os demais Tribunais que compõem o nosso sistema de Justiça. A Constituição apenas cuida “ressalvar a competência da Justiça Eleitoral”, mas sem esclarecer qual seja essa competência.
E o que é mais estranho é que a Constituição de 1988 prevê em seu artigo 118 quais são os órgãos da Justiça Eleitoral, mas não cuidando fixar, de maneira expressa, qual a sua competência, criando um perigoso vácuo constitucional, criando um indesejado espaço à discricionariedade judicial.
A rigor, se nos ativermos ao texto constitucional expresso, devemos concluir que a competência da Justiça Eleitoral se prende com tudo o que se relacionar diretamente com o pleito eleitoral, seja daquilo que o antecede (as eleições), seja mesmo do que o envolve até o momento em que ocorre a diplomação do candidato eleito. E nesse contexto teríamos a competência da Justiça Eleitoral para julgar ações nas quais se deva analisar se determinado candidato valeu-se ou não de “abuso do poder econômico”, de “corrupção”, ou ainda de “fraude”, conforme consta do referido artigo 14, parágrafo 10, da Constituição. Mas como se cuidam de expressões indeterminadas, o vazio constitucional revela-se patente – e com momentosos riscos. O que se deve entender por “abuso do poder econômico” a Constituição não diz. Como também não explicita de que tipo de “corrupção” se trata.
E o que fazer, por exemplo, com as “fake-news”? Elas podem se encaixar no conteúdo do parágrafo 10 do artigo 14 da Constituição? E mais: a Justiça Eleitoral teria o poder de analisar os limites da liberdade de expressão?
A omissão do Legislador constitucional em tema de tão grande importância sobre ser curiosa, é emblemática, para dizer o mínimo.